Número interno do documento:
Número do Acórdão:
1977
Ano do Acórdão:
2013
Colegiado:
Plenário
Processo:
Tipo do processo:
ADMINISTRATIVO (ADM)
Interessado:
3. Interessado: Tribunal de Contas da União.
Entidade:
Tribunal de Contas da União.
Relator:
VALMIR CAMPELO
Representante Legal:
não há.
Sumário:
ADMINISTRATIVO. ESTUDO SOBRE APLICAÇÃO DO REGIME DE EMPREITADA POR PREÇO
GLOBAL NA CONTRATAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. DETERMINAÇÃO À SEGECEX. CIÊNCIA DA
DELIBERAÇÃO ADOTADA AO MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTO E GESTÃO.
ARQUIVAMENTO.
Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos este processo administrativo constituído
com vistas a uniformizar procedimentos de fiscalização atinentes a objetos
executados mediante o regime de empreitada por preço global, de maneira a
apresentar diretrizes e orientar os auditores deste Tribunal sobre o tema.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão
do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. determinar à Segecex que oriente às unidades técnicas desta Corte a
observarem as seguintes disposições em suas fiscalizações de obras e serviços
de engenharia executadas sob o regime de empreitada por preço global, a serem
aplicadas de acordo com as circunstâncias de cada caso concreto:
9.1.1. a escolha do regime de execução contratual pelo gestor deve estar
fundamentada nos autos do processo licitatório, em prestígio ao definido no
art. 50 da Lei 9.784/99;
9.1.2. os instrumentos convocatórios devem especificar, de forma
objetiva, as regras sobre como serão realizadas as medições, a exemplo de
pagamentos após cada etapa conclusa do empreendimento ou de acordo com o
cronograma físico-financeiro da obra, em atendimento ao que dispõe o art. 40,
inciso XIV, da Lei 8.666/93;
9.1.3. a empreitada por preço global, em regra, em razão de a liquidação
de despesas não envolver, necessariamente, a medição unitária dos quantitativos
de cada serviço na planilha orçamentária, nos termos do art. 6º, inciso VIII,
alínea 'a', da Lei 8.666/93, deve ser adotada quando for possível definir
previamente no projeto, com boa margem de precisão, as quantidades dos serviços
a serem posteriormente executados na fase contratual; enquanto que a empreitada
por preço unitário deve ser preferida nos casos em que os objetos, por sua
natureza, possuam uma imprecisão inerente de quantitativos em seus itens
orçamentários, como são os casos de reformas de edificação, obras com grandes
movimentações de terra e interferências, obras de manutenção rodoviária, dentre
outras;
9.1.4. nas situações em que, mesmo diante de objeto com imprecisão
intrínseca de quantitativos, tal qual asseverado no item 9.1.3. supra, se
preferir a utilização da empreitada por preço global, deve ser justificada, no
bojo do processo licitatório, a vantagem dessa transferência maior de riscos
para o particular – e, consequentemente, maiores preços ofertados – em termos
técnicos, econômicos ou outro objetivamente motivado, bem assim como os
impactos decorrentes desses riscos na composição do orçamento da obra, em
especial a taxa de BDI – Bonificação e Despesas Indiretas;
9.1.5. a proposta ofertada deverá seguir as quantidades do
orçamento-base da licitação, cabendo, no caso da identificação de erros de
quantitativos nesse orçamento, proceder-se a impugnação tempestiva do
instrumento convocatório, tal qual assevera o art. 41, § 2º, da Lei 8.666/93;
9.1.6. alterações no projeto ou nas especificações da obra ou serviço,
em razão do que dispõe o art. 65, inciso I, alínea 'a', da Lei 8.666/93, como
também do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, repercutem na
necessidade de prolação de termo aditivo;
9.1.7. quando constatados, após a assinatura do contrato, erros ou
omissões no orçamento relativos a pequenas variações quantitativas nos serviços
contratados, em regra, pelo fato de o objeto ter sido contratado por
"preço certo e total", não se mostra adequada a prolação de termo
aditivo, nos termos do ideal estabelecido no art. 6º, inciso VIII, alínea
"a", da Lei 8.666/93, como ainda na cláusula de expressa concordância
do contratado com o projeto básico, prevista no art. 13, inciso II, do Decreto
7.983/2013;
9.1.8. excepcionalmente, de maneira a evitar o enriquecimento sem causa
de qualquer das partes, como também para garantia do valor fundamental da
melhor proposta e da isonomia, caso, por erro ou omissão no orçamento, se
encontrarem subestimativas ou superestimativas relevantes nos quantitativos
da planilha orçamentária, poderão ser ajustados termos aditivos para
restabelecer a equação econômico-financeira da avença, situação em que se
tomarão os seguintes cuidados:
9.1.8.1. observar se a alteração contratual decorrente não supera ao
estabelecido no art. 13, inciso II, do Decreto 7.983/2013, cumulativamente com
o respeito aos limites previstos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93,
estes últimos, relativos a todos acréscimos e supressões contratuais;
9.1.8.2. examinar se a modificação do ajuste não ensejará a ocorrência
do "jogo de planilhas", com redução injustificada do desconto
inicialmente ofertado em relação ao preço base do certame no ato da assinatura
do contrato, em prol do que estabelece o art. 14 do Decreto 7.983/2013, como
também do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal;
9.1.8.3. avaliar se a correção de quantitativos, bem como a inclusão de
serviço omitido, não está compensada por distorções em outros itens contratuais
que tornem o valor global da avença compatível com o de mercado;
9.1.8.4. verificar, nas superestimativas relevantes, a redundarem no
eventual pagamento do objeto acima do preço de mercado e, consequentemente, em
um superfaturamento, se houve a retificação do acordo mediante termo aditivo,
em prol do princípio guardado nos arts. 3º, caput c/c art. 6º, inciso IX,
alínea "f"; art. 15, § 6º; e art. 43, inciso IV, todos da Lei
8.666/93;
9.1.8.5. verificar, nas subestimativas relevantes, em cada caso
concreto, a justeza na prolação do termo aditivo firmado, considerando a
envergadura do erro em relação ao valor global da avença, em comparação do que
seria exigível incluir como risco/contingência no BDI para o regime de
empreitada global, como também da exigibilidade de identificação prévia da
falha pelas licitantes – atenuada pelo erro cometido pela própria Administração
–, à luz, ainda, dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa, da
isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório, do dever de licitar, da
autotutela, da proporcionalidade, da economicidade, da moralidade, do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato e do interesse público primário;
9.1.9. avaliar a conveniência e a oportunidade de, em seu relatório de
fiscalização, propor ao Colegiado, com base no art. 250, inciso III do
Regimento Interno do TCU, recomendação à jurisdicionada, para que, doravante,
inclua nos editais cláusula a estabelecer, de forma objetiva, o que será objeto
de aditamentos durante a execução da avença, bem como a definição do que venha
a ser "subestimativas ou superestimativas relevantes", a que
se refere o subitem 9.1.8 supra, como, por exemplo, o estabelecimento de
percentuais de tolerância quantitativa admitida em cada item do orçamento que
torne descabida a celebração de aditivo, como, ainda, a necessidade de que a
imprecisão se refira a serviço materialmente relevante do empreendimento
(avaliado de acordo com a metodologia ABC), em prestígio ao princípio da
segurança jurídica, como ainda do art. 6º, inciso VIII, alínea "a"
c/c art. 47, art. 49 e art. 65, inciso II, alínea "d", todos da Lei
8.666/93;
9.2. nos contratos executados mediante o Regime Diferenciado de
Contratações Públicas (RDC), aplicam-se, no que couber, os entendimentos
expressos nesta decisão, por força do disposto no art. 2º, inciso II; art. 8º,
§ 1º; art. 39; art. 45, inciso I, alínea "b" e art. 63, todos da Lei
12.462/2011, como também no Acórdão
1.510/2013-Plenário, mormente no que se refere à necessidade de
estabelecer uma matriz de riscos, a explicitar as exatas responsabilidades e
encargos a serem assumidos pelos particulares – inclusive no que se refere a
erros quantitativos;
9.3. encaminhar cópia deste Acórdão, acompanhado do relatório e do voto
que o fundamentam ao Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão e ao
Conselho Nacional de Justiça, para que informe aos demais órgãos e entidades da
Administração Pública Federal e do Poder Judiciário o inteiro teor desta
decisão;
9.4. arquivar o presente processo.
Quórum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (na Presidência), Valmir Campelo (Relator), Raimundo Carreiro, José Jorge, José Múcio Monteiro e Ana Arraes.
13.2. Ministros-Substitutos convocados: Augusto Sherman Cavalcanti e Marcos Bemquerer Costa.
13.3. Ministro-Substituto presente: André Luís de Carvalho.
Relatório:
Transcrevo, com os ajustes de forma pertinentes, o estudo elaborado pela
1ª Secretaria de Fiscalização de Obras, atual Secretaria de Fiscalização de
Obras Aeroportuárias e de Edificação – SecobEdificação –, peça 1, sobre
procedimentos para aplicação do regime de empreitada por preço global em obras
públicas.
I – INTRODUÇÃO
Trata-se de estudo elaborado pela Secob-1, com vistas a uniformizar
procedimentos sobre a utilização do regime de empreitada por preço global (EPG)
para a contratação de obras públicas, bem como apresentar diretrizes e orientar
os auditores do Tribunal em relação ao tema.
2. Tal estudo se justifica pelo fato de que o TCU não possuir
jurisprudência consolidada sobre o regime de empreitada por preço global,
conforme se percebe no trecho do voto condutor do Acórdão 2.929/2010 – TCU –
Plenário:
17.(...)é importante ressaltar que a jurisprudência do Tribunal não
delineia com clareza as implicações do regime de empreitada por preço global,
quanto às variações de quantitativos em relação à previsão original. Pode-se
perceber, na verdade, a tendência em considerar, mesmo em contratos sob esse
regime, a necessidade de que os pagamentos correspondam aos serviços
efetivamente executados. (Acórdão 2.929/2010 – TCU – Plenário – trecho do voto;
destaque acrescido).
3. Exemplo de posicionamento jurisprudencial controverso é o tratamento
a ser dado aos termos aditivos nesse regime de execução. Existe um entendimento
de que, em EPG, os aditivos resultantes de omissões do orçamento ou do projeto
não seriam devidos, tendo em vista que a obra foi contratada por preço certo e
global, cabendo à empreiteira encontrar as formas de concluir a obra a
contento. O relatório que originou o Acórdão 2.163/2011 – TCU – Plenário é um
exemplo deste entendimento:
...o edital de licitação apresenta disposição para que nenhum pagamento
adicional seja efetuado em remuneração a serviços que sobrevierem durante a
execução das obras, mas que sejam necessários para a perfeita execução dos
projetos apresentados no certame (...). Em função disso, determina ainda que as
licitantes executem minucioso estudo do local, dos projetos e das
especificações antes da apresentação da sua proposta.
Nessa linha, o empreiteiro não teria direito a solicitar aditivos
contratuais de quantidades nos casos de quantitativos subestimados por erros
que pudessem ter sido detectados ainda durante o processo licitatório.
No aditivo em análise, aparentemente diversos itens decorrem da previsão
inadequada de quantitativos, que poderiam ter sido verificados no projeto ou
ainda em visita ao local da obra. Dessa maneira, cabe à Agsep, considerando
a avaliação aqui descrita, identificar os serviços que podem ou não ser
regularmente incluídos no termo aditivo a ser firmado. (Acórdão 2.163/2011 –
TCU – Plenário – trecho do relatório; destaques acrescidos).
4. Destaque-se a crescente importância da EPG para as contratações de
obras públicas, tendo em vista a recente edição da Lei 12.462/2011, que
instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – o RDC. O artigo 8º
da Lei estatui expressamente que o regime de EPG deve ser preferencialmente
adotado para a contratação de obras e serviços de engenharia:
Art. 8o Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são
admitidos os seguintes regimes:
I - empreitada por preço unitário;
II - empreitada por preço global;
III - contratação por tarefa;
IV - empreitada integral; ou
V - contratação integrada.
§ 1º Nas licitações e contratações de obras e serviços de engenharia
serão adotados, preferencialmente, os regimes discriminados nos incisos
II, IV e V do caput deste artigo. (destaque acrescido).
5. Em 18 de julho de 2012, a Lei 12.688 estendeu a possibilidade de
utilização do Regime Diferenciado às obras do PAC, ampliando a importância da
compreensão do regime de empreitada por preço global.
6. Outro dispositivo legal que tem trazido importantes critérios
aplicáveis ao regime de EPG é a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A
redação do art. 102, § 6o da última LDO (Lei 12.708/2012) vem sendo repetido há
alguns anos, com a seguinte redação:
§ 6o No caso de adoção do regime de empreitada por preço global,
previsto no art. 6º, inciso VIII, alínea “a”, da Lei no 8.666, de 1993, devem
ser observadas as seguintes disposições:
I - na formação do preço que constará das propostas dos licitantes,
poderão ser utilizados custos unitários diferentes daqueles fixados no caput,
desde que o preço global orçado e o de cada uma das etapas previstas no
cronograma físico-financeiro do contrato, observado o § 7o, fique igual ou
abaixo do valor calculado a partir do sistema de referência utilizado,
assegurado ao controle interno e externo o acesso irrestrito a essas
informações para fins de verificação da observância deste inciso;
II - o contrato deverá conter cronograma físico-financeiro com a
especificação física completa das etapas necessárias à medição, ao
monitoramento e ao controle das obras, não se aplicando, a partir da assinatura
do contrato e para efeito de execução, medição, monitoramento, fiscalização e
auditoria, os custos unitários da planilha de formação do preço;
III - mantidos os critérios estabelecidos no caput, deverá
constar do edital e do contrato cláusula expressa de concordância do contratado
com a adequação do projeto básico, sendo que as alterações contratuais sob
alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos, plantas,
especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto não
poderão ultrapassar, no seu conjunto, 10% (dez por cento) do valor total do
contrato, computando-se esse percentual para verificação do limite do § 1º do
art. 65 da Lei no 8.666, de 1993;
IV - a formação do preço dos aditivos contratuais contará com orçamento
específico detalhado em planilhas elaboradas pelo órgão ou entidade responsável
pela licitação, mantendo-se, em qualquer aditivo contratual, a
proporcionalidade da diferença entre o valor global estimado pela administração
nos termos deste artigo e o valor global contratado, mantidos os limites do
art. 65, § 1º, da Lei no 8.666, de 1993;
V - na situação prevista no inciso IV deste parágrafo, uma vez
formalizada a alteração contratual, não se aplicam, para efeito de execução,
medição, monitoramento, fiscalização e auditoria, os custos unitários da
planilha de formação do preço do edital, assegurado ao controle interno e
externo o acesso irrestrito a essas informações para fins de verificação da
observância dos incisos I e IV deste parágrafo; e
VI - somente em condições especiais, devidamente justificadas em
relatório técnico circunstanciado, elaborado por profissional habilitado e aprovado
pelo órgão gestor dos recursos ou seu mandatário, poderão os custos das etapas
do cronograma físico-financeiro exceder o limite fixado nos incisos I e IV
deste parágrafo, sem prejuízo da avaliação dos órgãos de controle interno e
externo.
7. Desse modo, este estudo tem a finalidade de consolidar os
entendimentos relativos a esse regime de execução contratual, bem como orientar
os auditores e as unidades técnicas do TCU a respeito. Ressalte-se que as
orientações aqui apresentadas estão em consonância com as diretrizes de um
grupo de trabalho formado por representantes das quatro Secretarias de
Fiscalização de Obras, cujas conclusões foram aprovadas pelo Comitê de
Coordenação e Fiscalização de Obras - CCO (reunião realizada em 16 de agosto de
2012).
II – CARACTERIZAÇÃO DA EMPREITADA POR PREÇO GLOBAL
8. Antes de iniciar a análise da empreitada por preço global, faz-se
neste tópico uma breve introdução sobre o tema, apresentando a diferenciação
entre a empreitada por preço global e a empreitada por preços unitários.
9. A Lei 8.666/1993 elenca os seguintes regimes de execução contratual:
empreitada por preço global, empreitada por preço unitário, tarefa ou
empreitada integral. Pela letra da lei, não fica claro como e quando utilizar
cada um dos regimes de execução por empreitada definidos pelo legislador.
10. A escolha do regime de execução da obra não é decisão de livre
arbítrio do gestor, visto que deve ser pautada pelo interesse público e estar
sempre motivada, pois impactará as relações entre contratado e contratante, as
medições do contrato firmado, seus aditivos, entre outros fatores relacionados
à gestão do empreendimento contratado. Decorre desse entendimento a constatação
de que não existe, em tese, um regime de execução melhor que outro, e sim um regime
que, no caso concreto, melhor atende ao interesse público.
II.i Empreitada por preço global
11. De acordo com a Lei 8.666/1993, utiliza-se a empreitada por preço
global quando se contrata a execução da obra ou serviço por preço certo e
total. Esse regime é indicado quando os quantitativos dos serviços a serem
executados puderem ser definidos com precisão. Por isso, pressupõe uma
definição minuciosa de todos os componentes da obra, de modo que seus custos
possam ser estimados com uma margem mínima de incerteza.
12. O artigo 47 da Lei 8.666/1993 exige que, nas contratações por preço
global, a Administração disponibilize, junto com o edital, todos os elementos e
informações necessários para que os licitantes possam elaborar suas propostas
de preços com total e completo conhecimento do objeto licitado. Em outras
palavras, deve haver projeto básico com alto grau de detalhamento, com o
objetivo de minimizar os riscos a serem absorvidos pela contratada durante a
execução contratual, o que resulta, por conseguinte, em menores preços
ofertados pelos licitantes. A contratada poderá arcar com eventuais erros ou omissões
na quantificação dos serviços, situação em que, em regra, não teria direito a
aditivos contratuais de quantidades em caso de quantitativos subestimados por
erro que pudesse ter sido detectado durante o processo licitatório.
13. Na empreitada por preço global, a remuneração da contratada é feita
após a execução de cada etapa, previamente definida no cronograma
físico-financeiro. As medições de campo das quantidades realizadas devem ser
precisas apenas o suficiente para definir o percentual executado do projeto.
Essa particularidade facilita a fiscalização da obra, já que esse critério de
medição não envolve necessariamente o levantamento preciso dos quantitativos
dos serviços executados.
14. Além disso, cabe ao fiscal assegurar a execução da obra em absoluta
conformidade com o projeto e as especificações técnicas. Nesse sentido, não
podem ser admitidos pagamentos por serviços executados em desconformidade com o
estipulado, ensejando superfaturamento por serviços não executados ou por
qualidade deficiente.
II.ii Empreitada por preço unitário
15. Segundo a Lei de Licitações e Contratos, a empreitada por preço
unitário consiste na contratação da execução da obra ou do serviço por preço
certo de unidades determinadas. É utilizada sempre que os quantitativos a serem
executados não puderem ser definidos com grande precisão.
16. Portanto, em que pese não ser necessário um grau de detalhamento de
projeto no mesmo nível das empreitadas por preço global, o conceito de projeto
básico definido no art. 6º da Lei 8.666/1993 deve ser respeitado com rigor.
17. Entretanto, não se deve pressupor que a existência de maior
imprecisão nos quantitativos dos serviços implique, por si só, deficiência do
projeto básico. Convém ressaltar que, mesmo em projetos bem elaborados, há serviços
cujos quantitativos estão intrinsecamente sujeitos a um maior nível de
imprecisão, como é o caso de serviços de movimentação de terra em rodovias e
barragens. Por isso, recomenda-se que essas tipologias de obras sejam
contratadas no regime de empreitada por preço unitário.
18. A remuneração da contratada, nesse regime, é feita em função das
unidades de serviço efetivamente executadas, com os preços previamente
definidos na planilha orçamentária da obra. Assim, o acompanhamento do
empreendimento torna-se mais difícil e detalhado, já que se faz necessária a
fiscalização sistemática dos serviços executados. Nesse caso, o contratado se
obriga a executar cada unidade de serviço previamente definido por um
determinado preço acordado. O construtor contrata apenas o preço unitário de
cada serviço, recebendo pelas quantidades efetivamente executadas.
19. Em decorrência da ausência do risco de variação de quantitativos
para o construtor, um contrato celebrado no regime de preços unitários pode ter
um preço final ligeiramente menor. Porém, isso não significa, necessariamente,
que esse regime de execução seja o mais econômico para a Administração, devido
aos maiores custos decorrentes da fiscalização do contrato.
20. A precisão da medição dos quantitativos é muito mais crítica no
regime de empreitada por preço unitário do que em contratos a preços globais,
visto que as quantidades medidas no campo devem ser exatas, pois
corresponderão, de fato, às quantidades a serem pagas. Portanto, as equipes de
medição do proprietário devem ser mais cuidadosas e precisas em seus trabalhos,
porque as quantidades medidas definirão o valor real do projeto.
21. O valor final do contrato sob o regime de empreitada por preço
unitário pode oscilar para mais ou para menos, em relação ao originalmente
contratado, em função da precisão das estimativas de quantitativos dos
serviços.
22. Entende-se que na empreitada por preço unitário, pequenas variações
de quantitativos de alguns serviços, para mais ou para menos, não demandam a
formalização de um aditivo, desde que o valor final executado fique inferior ao
valor contratado originalmente. Em que pese haver alguns precedentes do
Tribunal contrários a tal entendimento, por exemplo, os Acórdãos Plenários
282/2008 e 1655/2010, considera-se que o pagamento dos serviços com pequenas
discrepâncias em relação aos quantitativos originalmente estimados não infringe
o art. 60 da Lei 8.666/93 e não pode ser caracterizado como contrato verbal.
Afinal, há um contrato previamente formalizando o ajuste e, na empreitada por
preço unitário, os quantitativos presentes na planilha orçamentária poderão
variar para mais ou para menos, pois apenas os preços unitários foram ajustados
entre as partes.
23. Os quadros a seguir, extraídos e adaptados do Roteiro de Auditoria
de Obras Públicas do TCU, aprovado pela Portaria SEGECEX n. 38, de 08/11/2011,
demonstram resumidamente, as vantagens, desvantagens e indicação de utilização
do regime de empreitada por preço global e de empreitada por preço unitário:
EMPREITADA POR PREÇO UNITÁRIO
VANTAGENS
|
DESVANTAGENS
|
INDICADA PARA:
|
· Pagamento apenas pelos serviços efetivamente
executados;
· Apresenta menor risco para o construtor, na
medida em que ele não assume risco quanto aos quantitativos de serviços
(riscos geológicos do construtor são minimizados); e
· A obra pode ser licitada com um projeto com
grau de detalhamento inferior ao exigido para uma empreitada por preço global
ou integral.
|
· Exige rigor nas medições dos serviços;
· Maior custo da Administração para
acompanhamento da obra;
· Favorece o jogo de planilha;
· Necessidade frequente de aditivos, para
inclusão de novos serviços ou alteração dos quantitativos dos serviços
contratuais;
· O preço final do contrato é incerto, pois é
baseado em estimativa de quantitativos que podem variar durante a execução da
obra;
· Exige que as partes renegociem preços unitários
quando ocorrem alterações relevantes dos quantitativos contratados; e
· Não incentiva o cumprimento de prazos, pois o
contratado recebe por tudo o que fez, mesmo atrasado.
|
· Contratação de serviços de gerenciamento e
supervisão de obras;
· Obras executadas "abaixo da terra" ou
que apresentam incertezas intrínsecas nas estimativas de quantitativos, a
exemplo de:
- Execução de fundações, serviços de
terraplanagem, desmontes de rocha, etc.;
- Implantação, pavimentação, duplicação e
restauração de rodovias;
- Canais, barragens, adutoras, perímetros de
irrigação, obras de saneamento;
- Infraestrutura urbana;
- Obras portuárias, dragagem e derrocamento;
- Reforma de edificações;
- Poço artesiano.
|
EMPREITADA POR PREÇO GLOBAL
VANTAGENS
|
DESVANTAGENS
|
INDICADA PARA:
|
· Simplicidade nas medições (medições por etapa
concluída);
· Menor custo para a Administração Pública na
fiscalização da obra;
· Valor final do contrato é, em princípio, fixo;
· Restringe os pleitos do construtor e a
assinatura de aditivos;
· Dificulta o jogo de planilha; e
· Incentiva o cumprimento de prazo, pois o
contratado só recebe quando conclui uma etapa.
|
· Como o construtor assume os riscos associados
aos quantitativos de serviços, o valor global da proposta tende a ser
superior se comparado com o regime de preços unitários;
· Tendência de haver maior percentual de riscos e
imprevistos no BDI do construtor; e
· A licitação e contratação exige projeto básico
com elevado grau de detalhamento dos serviços (art. 47 da Lei 8.666/1993).
|
· Contratação de estudos e projetos;
· Elaboração de pareceres e laudos técnicos;
· Obras e serviços executados "acima da
terra" que apresentam boa precisão na estimativa de quantitativos, a
exemplo de:
- Construção de edificações; e
- Linhas de Transmissão.
|
III – DA OPÇÃO PELO REGIME DE EPG
24. Como visto, o regime de EPG ganhou enorme importância no âmbito das
contratações de obras públicas, notadamente após o surgimento do RDC e sua
extensão às obras do PAC, tornando nítida a preferência que a Lei deu ao regime
de EPG em detrimento do regime de empreitada por preço unitário (EPU). Na
verdade, a lei instituidora do RDC exige que, ao optar pelo regime de EPU, o
gestor justifique a inviabilidade da utilização dos demais regimes (Lei,
12.462, art. 8º, § 2º). Portanto, a lei dá ao gestor o poder-dever de verificar
se, em cada caso, é pertinente a adoção do regime de empreitada por preço
global.
25. No regime de empreitada por preço global contrata-se a execução da
obra ou do serviço por preço certo e total (Lei 8.666/93, art. 6º, VIII, “a”).
Nessa linha, mostra-se interessante para obras cujo objeto, por sua natureza,
possa ser projetado com margem mínima de incerteza acerca das variáveis
intervenientes, de modo que o custo global, e o das etapas que o constituem,
estejam estimados, também, com uma maior precisão. Em outras palavras:
(...) o regime de execução de empreitada por preço global é recomendado
para obras de construções novas em que o projeto básico contemple todos os
elementos e serviços a serem contratados, em nível de informação suficiente para
que os licitantes possam elaborar suas propostas de preços com total e completo
conhecimento do objeto da licitação e contenham sólido estudo de viabilidade
técnica e legal, justificando e consolidando todas as etapas do objeto. [
CROCE, J., MELLO, S. & AZEVEDO, W., Decisão por Empreitada Global ou
Unitária em Obras Públicas de Reformas de Edificações – Monografia
apresentada ao departamento de engenharia civil da PUC-RJ, 2008]
26. Nesse contexto, convém mencionar o caput do art. 5º do PLS 56/2011,
de autoria do Senador Pedro Taques, que tramita no Senado Federal e trata de
normas relacionadas à responsabilização na contratação de obras públicas. O
referido projeto de lei traz importantes contribuições sobre as condições para
utilização da empreitada por preço global:
Art. 5º A empreitada por preço global, prevista no art. 6o,
inciso VIII, alínea “a”, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, deve ser
utilizada quando se contrata a execução da obra ou serviço por preço certo e
total, exigindo que os quantitativos dos serviços a serem executados possam ser
definidos com precisão, pressupondo-se uma definição minuciosa de todos os
componentes da obra. (destaques acrescidos).
27. PINI & CARVALHO também defendem a necessidade de maior definição
da obra como requisito para a contratação em regimes de empreitada por preço
global:
Assim, o regime de preço global (mais favorável ao contratante) deveria
ser adotado, em situações de elevado grau de definição da obra.
(...)
Há que se considerar também a incompatibilidade de regimes de
contratação com os graus de definição do que se quer executar. Executar uma
obra por regime de preço global, com muitas indefinições, implicará conflito
entre as partes. O preço estará subdimensionado, sob a óptica do construtor,
para suportar os diversos serviços presumíveis, os quais o contratante
supostamente julgaria estarem considerados no preço ofertado. Sob a óptica do
contratante, o preço terá uma onerosidade excessiva porque o construtor tende a
abranger, no preço ofertado, valores para cobrir presumibilidades que possam
ocorrer ao longo do processo de execução da obra. [CARVALHO, Luiz F. e PINI,
Mario S., Como remunerar fatos presumíveis-Artigo obtido em:
http://www.infraestruturaurbana.com.br/solucoes-tecnicas/14/artigo256272-2.asp
em 10/10/2012.]
28. Conforme LIMMER [LIMMER, Carl Vicente – Planejamento, Orçamentação e
Controle de Projetos e Obras, 1997, Editora LTC, p. 158], na contratação por
preço global (contrato de preço fixo, com valor imutável em moeda constante),
pressupõe-se uma definição minuciosa de todos os componentes da obra, de modo
que seus custos possam ser estimados com uma margem mínima de incerteza.
29. Em resumo, pode-se afirmar que a conveniência de se adotar o regime
de empreitada por preço global diminui à medida que se eleva o nível de
incerteza sobre o objeto a ser contratado.
30. Nas obras civis, uma das principais fontes de incertezas reside nas
características geotécnicas do solo no qual será implantado o empreendimento.
Tal incerteza aumenta consideravelmente em função da extensão de área do
empreendimento. Assim, por exemplo, as incertezas relativas às características
geotécnicas de um sítio que será alagado por uma barragem, ou de uma estrada
que será implantada em uma extensão de 100 km, são evidentemente maiores do que
as incertezas que cercam a execução de uma edificação que será erguida em um
terreno confinado de dimensões 100 m x 100 m, cuja prospecção do subsolo pode
ser realizada com nível de precisão até mesmo maior do que o recomendado em norma
técnica, se disso resultar em precisão maior do projeto.
31. Em outro entendimento, o Tribunal tem considerado, por exemplo, que
a utilização de empreitada por preço global em obras de restauração e
manutenção rodoviárias é inadequada, conforme se deduz do Acórdão 3.260/2011:
9.2. dar ciência ao Dnit de que:
9.2.1. embora o regime de empreitada por preços globais tenha previsão
explícita da Lei de Licitações e, em razão disso, não se possa considerá-lo
propriamente ilegal, as obras de restauração e manutenção rodoviária, por suas
características, e considerando o histórico de desalinhamento dos projetos ao
art. 47 da Lei 8.666/93, não são indicadas para esse regime de
contratação;(Acórdão 3.260/2011 – TCU – Plenário)
32. Em suma, conclui-se que, a princípio, não é recomendável que todas
as obras sejam licitadas pelo regime de empreitada por preço global. Caberá ao
gestor diligente avaliar a situação concreta e, se for o caso, especialmente
quando houver incertezas consideráveis em relação ao objeto, justificar a não
aplicabilidade do regime de EPG àquela obra.
IV – DA PRECISÃO DO PROJETO BÁSICO
33. Como dito anteriormente, o regime de execução de empreitada por
preço global, mostra-se interessante para obras em que o objeto, por sua
natureza, pode ser quantificado com alto grau de precisão, de modo que o custo
global e o custo das etapas que compõem a obra sejam estimados com uma margem
mínima de incerteza.
34. Da afirmação anterior, decorre a necessidade da existência de um
projeto básico com alto grau de detalhamento, com o objetivo de minimizar os
riscos e os preços ofertados pelos licitantes, que arcam com eventuais erros ou
omissões na quantificação de cada serviço. A própria Lei 8.666/93, no art. 47,
enfatiza essa necessidade:
Art. 47. Nas licitações para a execução de obras e serviços, quando for
adotada a modalidade de execução de empreitada por preço global, a
Administração deverá fornecer obrigatoriamente, junto com o edital, todos os
elementos e informações necessários para que os licitantes possam elaborar
suas propostas de preços com total e completo conhecimento do objeto da
licitação.
35. A existência de projeto básico completo é uma exigência para
qualquer contratação de obras públicas. Caso o regime de contratação seja o de
EPG, a completude e a precisão do Projeto Básico ganham importância ainda
maior. Essa característica é apontada como uma desvantagem na utilização da
EPG.
36. No regime de EPG, o projeto básico deve conter informações para
permitir que as medições sejam feitas de modo adequado, assim entendido como
sendo feitas por etapas. Desse modo, é imprescindível, na contratação por EPG,
uma definição clara e inequívoca das etapas físicas que constituem o todo. Tais
elementos é que permitirão o estabelecimento de marcos para cada uma dessas
etapas, ao término das quais caberão os pagamentos. Essas medidas facilitarão o
monitoramento e o controle das obras por parte de quem as fiscalizará.
37. A importância de um projeto básico é tamanha, que a sua qualidade
pode influenciar diretamente o custo final da obra. Imagine-se, por exemplo,
que numa concorrência em EPG os licitantes deparem com um projeto básico
flagrantemente incompleto e/ou impreciso. É certo que se trata de uma situação
em que a probabilidade de ocorrerem imprevistos é elevada, de modo que os
concorrentes poderão incluir algumas contingências nos preços ofertados. Desse modo,
há uma tendência de que o preço da empreitada, nesse caso, tenha um valor maior
do que teria se fosse adotado o regime de empreitada por preço unitário. Nesse
sentido, vale observar a argumentação de Marçal Justen Filho:
Pretende-se que a empreitada global imporia ao particular o dever de
realizar o objeto, de modo integral, arcando com todas as variações possíveis.
Vale dizer, seriam atribuídos ao contratado os riscos por eventuais eventos
supervenientes, que pudessem elevar os custos ou importar ônus imprevistos
inicialmente. Essa concepção é equivocada. (...) Se a Administração não definir
precisamente o objeto que será executado, cada licitante adotará interpretação
própria (...) as propostas não serão compatíveis entre si. (...) Poderia
imaginar-se que todos os licitantes incluiriam em suas propostas verbas
destinadas a fazer face a essas eventualidades (...) as propostas teriam
valor mais elevado.(...) Outra alternativa é que todos ou alguns dos
licitantes resolvessem correr o risco e formulassem proposta não comportando
imprevistos. Se esses viessem a ocorrer, a execução do objeto se tornaria
inviável (...). [FILHO, Marçal J., Comentários à lei de licitações e
contratos administrativos,11 ed. São Paulo, Dialética, 2005]
38. CAMPELO & CAVALCANTE (2012) também entendem que em regimes de
empreitada por preço global “está implícita a necessidade de um projeto básico
preciso e bem fundamentado, sob pena de sub ou sobreavaliar os encargos
realmente necessários para a finalização da obra”. [CAMPELO, Valmir e
CAVALCANTE, Rafael J., Obras públicas – comentários à jurisprudência do TCU,
Belo Horizonte, editora Fórum, 2012]
39. Por fim, destaque-se a forma pela qual o critério de escolha regime
de EPG é descrito por CROCE, MELLO & AZEVEDO:
Conforme inicialmente suposto, a escolha do Regime de Execução
Contratual, deve ser pautada nos seguintes aspectos: o tipo do objeto a ser
executado, o nível de precisão do Projeto Básico e seus respectivos estudos
técnicos preliminares, a análise do adequado regime de medições e pagamentos, a
qualidade dos serviços a serem executados e a eficiência da fiscalização a ser
alcançada. [CROCE, J., MELLO, S. & AZEVEDO, W., Op. Cit ]
40. Ante todas essas considerações doutrinárias, é de relevo notar que o
entendimento jurisprudencial do TCU não trata a deficiência do projeto básico
como irregularidade meramente formal, principalmente em obras executadas por
preço global, em que eventuais divergências de quantitativos dos serviços
previstos invariavelmente causarão prejuízos a uma das partes contratantes. E
se a Administração Pública deixa de estabelecer, de maneira adequada, o
conjunto de elementos suficientes para caracterizar o que pretende contratar,
não há torneio possível, pois, em verdade, serão oferecidas propostas para
alguma coisa que não se sabe ao certo o que efetivamente é: trata-se de um
pressuposto lógico do certame.
41. Nesse caso, as consequências são absolutamente nefastas, pois essa
imprecisão possibilita o oferecimento de propostas com valores que podem ser
ínfimos, inexequíveis de plano, ou então propostas com valores muito acima
daqueles que efetivamente se poderiam conseguir, caso estivesse bem delineado o
objeto da contratação a ser entabulada.
42. Não custa salientar que quanto maior a precisão e a quantidade de informações
disponíveis para a composição do preço global de uma obra, maiores são as
probabilidades de o procedimento licitatório resultar na escolha da proposta
mais vantajosa para a Administração. Além disso, e principalmente, maiores são
as chances de uma boa execução contratual, tendo em vista que o licitante tem a
completa noção do que será executado.
43. Por reiteradas vezes, o TCU tem determinado a anulação de certames
licitatórios maculados por deficiências de projeto básico. Por exemplo, no
recente Acórdão 2.819/2012 – Plenário, o TCU entendeu que a existência de
deficiências graves no Projeto Básico impossibilita a adequada descrição dos
serviços que serão implementados na obra, comprometendo o certame a ser
realizado, tendo em vista que tal procedimento afasta da licitação empresas que
optam por não correr o risco de apresentar um orçamento elaborado sem a
necessária precisão, havendo, portanto, prejuízo à competitividade do certame e
à contratação da proposta mais vantajosa pela Administração Pública, o que
enseja a nulidade da concorrência efetivada.
44. É oportuno também reproduzir outros entendimentos do Tribunal sobre
o assunto:
4. As licitações para execução de obras somente podem ser iniciadas
quando se dispuser de projeto básico ou executivo devidamente atualizado e em
perfeitas condições de ser executado, estando vedada a aprovação de relatórios
de revisão do projeto que o ignore ou o desvirtue total ou parcialmente,
ressalvada alterações pontuais sem grandes repercussões financeiras, devendo a
eventual inépcia do projeto, constatada após a licitação, acarretar a anulação
da licitação e do contrato decorrente, bem como a punição, em processo
administrativo regular, de todos os agentes responsáveis pela incorreção do
projeto. (Sumário do Acórdão 1874/2007 – Plenário).
5. Até que ocorra o equacionamento dessa grave falha administrativa,
restará à Corte de Contas, sempre que confrontada com a prática por tudo
perniciosa da revisão contratual indiscriminada, perquirir minudentemente de
suas verdadeiras intenções e aplicar as cominações previstas em lei a todos os
responsáveis pelas alterações indevidas, inclusive, se for o caso, os autores
de projetos ineptos. Além disso, é bom lembrar que, nos exatos termos do art.
7º, § 6º, da Lei 8.666/1993, são nulos de pleno direito os atos e contratos
derivados de licitações baseadas em projeto incompleto, defeituoso ou obsoleto,
devendo tal fato ensejar não a alteração do contrato visando à correção das
imperfeições, mas sua anulação para realização de nova licitação, bem como a
responsabilização do gestor faltoso. (Voto condutor do Acórdão 353/2007 –
Plenário).
V – DAS MEDIÇÕES EM EPG
45. Desde que seja atendida a premissa da confecção projeto básico bem
detalhado, fator importante para que determinado contrato possa ser
adequadamente licitado nesse regime, as medições devem ser realizadas por
etapas ou parcelas, de acordo com o estabelecido no cronograma
físico-financeiro a respeito da evolução física da obra.
46. Assim, as medições devem ser realizadas a partir da conclusão do
avanço físico de cada etapa (definida prévia e objetivamente no edital) e
somente após a conclusão daquele marco físico que a caracteriza, conforme
explicitado a seguir, pelo inciso II, do § 6º, do art. 102 da LDO 2013:
II – o contrato deverá conter cronograma físico-financeiro com a
especificação física completa das etapas necessárias à medição, ao
monitoramento e ao controle das obras, não se aplicando, a partir da
assinatura do contrato e para efeito de execução, medição, monitoramento,
fiscalização e auditoria, os custos unitários da planilha de formação do preço;
47. O parágrafo único do art. 5º do já mencionado PLS 56/2011 reforça
esse entendimento:
Parágrafo único. No caso de adoção do regime de empreitada por preço
global aplicam-se as seguintes disposições específicas:
I – o contrato deverá conter cronograma físico-financeiro que descreva
em termos da execução da respectiva obra ou serviço todas as etapas,
subetapas, parcelas, trechos ou subtrechos necessários à medição, ao monitoramento
e ao controle das obras;
(...)
III – as medições deverão ser feitas por etapas, subetapas, parcelas,
trechos ou subtrechos, previamente definidos no cronograma físico-financeiro;
48. Da mesma forma, CROCE, MELLO & AZEVEDO explicam como deve ser feita
a medição nesse tipo de contrato.
Podemos exemplificar que, caso seja adotado o regime de execução global,
as medições serão realizadas pela simples conferência das etapas/percentuais
constantes do cronograma elaborado quando da elaboração do projeto básico, sem
qualquer levantamento dos serviços efetivamente realizados. [CROCE, J., MELLO,
S. & AZEVEDO, W., Op. Cit ]
49. Pelo fato de a medição do serviço executado ser feita por etapa e
não por quantitativos de serviços, exige-se um menor esforço de fiscalização
por parte do órgão contratante, se comparada com a empreitada por preço
unitário, diminuindo os custos de fiscalização da obra. De acordo com CAMPELO
& CAVALCANTE:
Nas empreitadas por preço global, (...), medem-se as etapas de
serviço, de acordo com o cronograma físico-financeiro da obra ou mediante o
estabelecido no instrumento convocatório. Em exemplo prático, terminadas as
fundações, paga-se o valor global das fundações; feita a estrutura, remunera-se
o valor respectivo previsto para essa etapa da obra; concluída determinada fase
da obra, com marco previamente estipulado, paga-se o montante correspondente;
até chegar ao final da empreitada, que deverá corresponder a valor total
ofertado para o objeto como um todo, no ato da licitação.
Trata-se, portanto, de um esforço fiscalizatório muito menor, no
que se refere a verificação em pormenores quantitativos de cada serviço. Não se
fazem necessárias avaliações individualizadas de quantidades. Logicamente que
em tal procedimento está implícita a necessidade de um projeto básico preciso e
bem fundamentado, sob pena de sub ou sobreavaliar os encargos realmente
necessários para a finalização da obra. [CAMPELO, Valmir e CAVALCANTE, Rafael
J., Op. Cit ]
50. SARIAN (2012) também menciona essa característica da gestão de um
contrato em regime de empreitada por preço global:
Claro se faz que o regime de preço global é aquele que, se materializado
com base em projeto básico bem elaborado, representa maior facilidade de
gerenciamento pela administração, visto possibilitar o pleno conhecimento do
valor final do empreendimento e o pagamento por etapa da obra concluída (...).
[ALTOUNIAN, Cláudio S., Obras Públicas – licitação, contratação,
fiscalização e utilização, 3 ed, Belo Horizonte, Fórum, 2012]
51. Desse modo, supondo que a medição efetivamente ocorra por etapas ou
parcelas, os responsáveis pela elaboração ou aprovação do projeto básico devem
ser responsabilizados nos casos de superestimativas dos quantitativos contratados,
assim como o gestor que optou pelo regime por preço global sem garantir a
existência de um projeto básico preciso e adequado.
52. O fiscal do contrato, por não ter obrigação de identificar os
quantitativos efetivamente executados, não deve ser responsabilizado nos casos
de projetos superdimensionados, a não ser quando se tratar de distorções
relevantes que puderem ser verificadas de plano, durante o acompanhamento da
execução da obra. Em suma, prevalece o entendimento constante do Acórdão 1.874/2007
– TCU – Plenário:
Falece de fundamentação legal e respaldo técnico a elaboração de
planilhas orçamentárias de obras públicas com injustificada superestimativa dos
quantitativos dos serviços previstos. Não se pode deixar à fiscalização do
contrato a tarefa de reter os quantitativos excedentes uma vez que ela
própria deve estar sujeita aos controles internos ditados naturalmente pelo
projeto da obra, que se constitui no referencial físico e financeiro do
empreendimento. (Acórdão 1.874/2007 – TCU – Plenário – sumário).
53. Entretanto, apesar do entendimento do Acórdão 1.874/2007 – TCU –
Plenário e do suposto menor esforço de fiscalização em EPG, deve-se atentar
para as outras funções da fiscalização, extremamente importantes para a boa
gestão dos recursos públicos, como, por exemplo, a verificação da aderência
entre o que foi executado na obra e os projetos, a qualidade dos serviços
executados, a aplicação de penalidades, o cumprimento dos prazos etc.
54. Nesse aspecto, o fiscal do contrato também pode ser responsabilizado
por pagamentos indevidos quando a execução da obra ocorre em desconformidade
com o projeto, como no exemplo de uma edificação cuja especificação dos
serviços previa a execução das fôrmas da estrutura com chapa de madeirit
plastificada, mas as fôrmas que foram efetivamente executadas utilizaram chapas
de madeirit resinadas. Em tal situação, a fiscalização contratual teria o dever
de observar a não-conformidade da obra executada com o seu projeto ou
especificação.
VI – DA ADMISSIBILIDADE DE ADITIVOS EM EPG
55. Como regra geral, mas sempre de modo justificado, admite-se aditivo
em contratos regidos por qualquer regime de execução contratual, haja vista que
a Lei 8.666/93 não fez nenhuma distinção ou ressalva sobre o assunto:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com
as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para
melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de
acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites
permitidos por esta Lei;
II - por acordo das partes:
(...)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente
entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa
remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de
sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências
incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou,
ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe,
configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
56. Também, não se deve perder de vista a harmonização entre o art. 65 e
o art. 58 do Estatuto das Licitações:
Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por
esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades
de interesse público, respeitados os direitos do contratado;
§ 1º As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos
contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do
contratado.
§ 2º Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas
econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha
o equilíbrio contratual.
57. O fundamento norteador dos mencionados dispositivos legais é o
inciso XXI, do art. 37 da Constituição Federal que, entre outros comandos,
preconiza que devem ser mantidas as condições efetivas da proposta, em
atendimento ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, tanto do
particular quanto da Administração.
58. Desse modo, parece não haver dúvidas de que nos casos em que a
Administração demanda as alterações, ou acontecem “fatos imprevisíveis”, o
aditivo é devido, em respeito ao multicitado “equilíbrio contratual”. As
maiores celeumas doutrinárias ocorrem, na verdade, quando o contratado solicita
o aditivo com o argumento de que houve erro de projeto, de orçamento ou de
quantitativos quando da licitação. Exemplo dessa controvérsia é tratado no
livro de CAMPELO & CAVALCANTE:
Questão polêmica – e de posicionamento jurisprudencial conflitante no
TCU – é o tratamento a ser dado aos termos aditivos contratuais em um ou outro
regime de execução contratual. Existe um entendimento – do qual discordamos
– que nas empreitadas globais os aditivos provenientes de omissões do orçamento
(ou mesmo do projeto) não seriam devidos. Igualmente, por ter se contratado
uma obra por preço certo e global, os meios para se atingir aquele objetivo
ficariam a cargo da empreiteira, não devendo a Administração imiscuir-se nesses
assuntos, no que se refere ao quantum remuneratório devido. [CAMPELO,
Valmir & CAVALCANTE, Rafael J., Op. Cit ]
59. Posicionamento diferente é apresentado por SARIAN:
Na empreitada global, a licitante vencedora se compromete a realizar o
serviço por preço certo e total, ou seja, assume o risco de eventuais
distorções de quantitativos a serem executados a maior do que os previstos no
contrato. Por outro lado, a Administração também assume o risco em pagar
serviços cujas quantidades foram avaliadas em valor superior no momento da
licitação. O que importa é o preço ajustado. [ALTOUNIAN, Cláudio S., Op. Cit]
60. Do exposto acima pode se concluir, sinteticamente, que as situações
em que se discute a possibilidade de celebração de aditivos em EPG dividem-se
em dois grupos:
a) alterações de projeto propostas pela administração, fatos
imprevisíveis e demais situações previstas na alínea “d” do inciso II do art.
65 da lei de Licitações;
b) alterações contratuais decorrentes de erros de orçamentação, projetos
ou quantitativos.
61. A situação descrita no item “a” acima não merece maiores
comentários, decorrendo de interpretação literal e direta do art. 65 da Lei
8.666/93. Embora o tema possa despertar algumas discussões doutrinárias, é
pacífico no âmbito do tribunal o entendimento de que são situações em que é
obrigatória a celebração de termo aditivo ao contrato de obra pública. Sempre
que o escopo contratual for alterado será exigida sua formalização mediante
termo aditivo, respeitados os limites legais. É o caso, por exemplo, de uma
edificação licitada a partir de um projeto básico prevendo sua implantação em
dez pavimentos. Se em virtude de necessidade superveniente da administração
contratante houver a alteração do projeto, incluindo-se, por exemplo, a
execução de uma nova guarita, obviamente será exigido ajuste no valor
contratual adequando-o ao novo projeto, independentemente do regime de execução
contratual utilizado.
62. Já a hipótese mencionada no item “b” supracitado, principal motivo
que ensejou a realização do presente estudo, como visto, é muito controversa.
Há situações em que os erros de orçamentos, projetos e quantitativos são de
pequena monta, enquanto há outras em que as diferenças de quantitativos são
relevantes para o contrato. Assim, é necessária uma abordagem mais pormenorizada,
como se verá a seguir.
VII – ALTERAÇÕES CONTRATUAIS REFERENTES A ERROS E OMISSÕES NO ORÇAMENTO.
63. Preliminarmente, cumpre destacar que em caso de pequenas alterações
quantitativas em cada item ou serviço, em que o contratado solicite o aditivo,
não há cabimento em concedê-lo. Ora, se a medição da obra é feita por etapas, o
fiscal do contrato não é capaz de verificar pequenas variações, para mais ou
para menos, em itens ou serviços isolados. Caso ele opte por medir o serviço,
para avaliar a pertinência do pleito, será obrigado a medir todos os serviços
da mesma forma, para verificar aqueles em que o contratado está ganhando. Isso
descaracterizaria completamente o regime de empreitada por preço global,
tornando-o idêntico à empreitada por preço unitário, com a onerosa a atividade
de medição dos quantitativos de cada serviço.
64. Atribuir as mesmas características da empreitada por preços
unitários à empreitada por preço global mostra-se algo absolutamente
despropositado sob qualquer forma de interpretação estabelecida pela
hermenêutica jurídica. Afinal, se fossem o mesmo instituto, o legislador não
teria tido o cuidado de defini-los separadamente e de estabelecer algumas
regras especiais aplicáveis ao caso da empreitada por preço global, por exemplo,
a prevista no art. 47 da Lei 8.666/93.
65. Também é relevante observar que, sob um prisma do direito comparado,
os regimes de preço global e preço unitário são previstos nas legislações de
diversos países, sempre com nítidas diferenças entre ambos. Não procede,
portanto, a interpretação doutrinária de pagar os quantitativos efetivamente
executados na empreitada por preço global, pois essa é a característica da
empreitada por preços unitários.
66. Ante o exposto, no caso de pequenas variações de quantitativos,
parece-nos mais adequado o entendimento de SARIAN. Ou seja, paga-se exatamente
o preço ajustado, nem mais nem menos.
67. Portanto, trataremos a seguir de alterações contratuais referentes a
erros e omissões relevantes para o orçamento global da obra, pois, nesses
casos, outras considerações se fazem necessárias, pois os riscos que envolvem
os contratos administrativos são divididos, doutrinariamente, em álea ordinária
e álea extraordinária. Esta, por sua vez, divide-se em álea administrativa e álea
econômica.
68. A álea ordinária corresponde aos riscos normais de qualquer
empreendimento e que devem ser suportados pelo contratado, como é o caso das
pequenas variações de quantitativos, não. ensejando qualquer cobertura por
parte do contratante, nos casos em que o contrato é celebrado no regime de
preço global. A jurisprudência é pacífica ao atribuir o ônus das áleas
ordinárias ao contratado [Por exemplo, o Acórdão nº 2005/0066286-7 de Superior
Tribunal de Justiça, 2ª Turma, 17 de Abril de 2008 RECURSO ESPECIAL Nº 744.446
- DF (2005/0066286-7)RELATOR:MINISTRO HUMBERTO MARTINS]. Caso se permitisse a
revisão pretendida, estar-se-ia beneficiando a contratada em detrimento dos
demais licitantes que, agindo com cautela, apresentaram propostas coerentes com
os ditames do mercado e, talvez por terem quantificado criteriosamente todos os
serviços previstos no projeto, considerando-os em suas propostas, não
apresentaram valor mais atraente.
69. A álea administrativa corresponde aos atos da administração, não
como parte da relação contratual, mas sim como ente no exercício de seu poder
extroverso (nos dizeres de Marçal Justen Filho), de imperium. A tais
situações se aplica a teoria do fato da administração, o que acarreta integral
indenização pelo contratante, uma vez que, por ato da Administração, houve
desequilíbrio na equação econômico-financeira gerando indevido ônus ao
contratado, o qual não deve ser por ele suportado.
70. A álea econômica corresponde a fatos globalmente considerados,
conjunturais, naturais, cuja etiologia acaba por ser desconhecida, tais como as
crises econômicas, desastres naturais e oscilações de câmbio. A tais situações
se aplica a teoria da imprevisão, ensejando a partilha entre o contratante e o
contratado dos prejuízos decorrentes de tais fatos. São situações às quais os
contraentes não hajam dado causa e que provocam profundo desequilíbrio da
equação econômico-financeira, acabando por tornar extremamente onerosa a
execução do contrato para uma das partes.
71. Dessa forma, as grandes variações dos quantitativos, decorrentes de
erros ou omissões nos orçamentos que não pudessem ser detectados pelas
licitantes, podem ser considerados como álea extraordinária, enquadrando-se na
teoria da imprevisão.
72. Ante o exposto, para melhor entendimento da matéria, o
desenvolvimento do tema será dividido em dois tópicos: orçamentos-base com
quantitativos subestimados e orçamentos-base com quantitativos superestimados.
VII.i – Orçamentos com quantitativos subestimados.
73. Diante de quantitativos relevantes subestimados no orçamento base da
licitação, ou omissões perceptíveis (entendidas como itens que estariam
incluídos no serviço contratado por uma exigência lógica do próprio serviço ou
pela inclusão em qualquer outro item do projeto básico: projetos, especificações,
memoriais, etc.), há uma corrente doutrinária que sustenta a inadmissibilidade
da celebração de aditivos. CROCE, MELLO & AZEVEDO, do TCE-RJ, compartilham
do mesmo raciocínio:
Ou seja, a empresa contratada receberá o valor certo e total para execução
de toda a obra. Será responsável pelos quantitativos e o valor total só será
alterado se houver modificações de projetos ou das condições
pré-estabelecidas para execução da obra, sendo as medições feitas por
etapas dos serviços concluídos.
Na contratação pelo regime de empreitada por preço global, como o
pagamento é por etapa, conhecida e cotada pelo contratado, a princípio, não é
admitido, salvo modificação do escopo, aumento do valor contratado para a
etapa, inibindo a prática lesiva, por parte do Contratado de aumentar as
quantidades dos serviços da etapa para benefício próprio, prejudicando o
orçamento total da obra ou serviço. [CROCE, J., MELLO, S. & AZEVEDO, W., Op.
Cit ]
74. Sobre caso de omissão perceptível, em que o item estava no projeto,
mas foi omitido do caderno de especificações, o Tribunal de Justiça do Distrito
Federal se pronunciou da seguinte forma sobre um caso concreto:
Não se justifica a cobrança por serviços extraordinários, se a obra foi
contratada por preço global, máxime se o item questionado achava-se claramente
previsto no edital e nas plantas, apesar de omitido no caderno de
especificações. Dúvida que o empreiteiro poderia ter dirimido antes de se
habilitar para a licitação. [TJDF. APC nº 3696195-DF. Registro do Acórdão nº 83421.
DJ 17.abr.1996.p.5.588]
75. Pelo exposto, pode se concluir que a admissibilidade da celebração
de aditivos em obras contratadas pelo regime de preço global, sob o argumento
de quantitativos subestimados ou omissões é situação excepcionalíssima, aplicável
apenas quando não fosse possível ao licitante identificar a discrepância no
quantitativo do serviço com os elementos existentes no projeto básico. Essa
tendência encontra-se positivada pela LDO 2013 (art.102, § 6º, inc. III):
III - mantidos os critérios estabelecidos no caput,
deverá constar do edital e do contrato cláusula expressa de concordância do
contratado com a adequação do projeto básico, sendo que as alterações
contratuais sob alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos,
plantas, especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto
não poderão ultrapassar, no seu conjunto, 10% (dez por cento) do valor total do
contrato, computando-se esse percentual para verificação do limite do § 1º
do art. 65 da Lei no 8.666, de 1993;
76. Ainda assim, o caso concreto pode revelar situações em que fique
demonstrada a razoabilidade da pretensão do contratado ao solicitar o aditivo.
Nesse caso, seria cabível o aditivo desde que respeitadas as seguintes regras:
a) A alteração do contrato manterá a
proporcionalidade da diferença entre o valor global estimado pela administração
e o valor global contratado.
77. Esse é o conceito de manutenção do desconto original determinado
pelo art. 102, § 6º, IV da LDO 2013. Nesse sentido, vale à pena mencionar o
Acórdão 1.245/2004 – TCU – Plenário:
Sob pena de responsabilização dos agentes envolvidos, mantenha
estrita observância ao equilíbrio dos preços fixados no contrato (...) em
relação à vantagem originalmente ofertada pela empresa vencedora, de forma
a evitar que, por meio de aditivos futuros, o acréscimo de itens com preços
supervalorizados (...) viole os princípios administrativos” (Acórdão 1.245/2004
– TCU – Plenário).
78. Na mesma orientação se encontra o seguinte trecho do voto condutor
do Acórdão 1.755/2004 – TCU – Plenário:
Nesse sentido, entendo que o original equilíbrio econômico-financeiro de
um contrato pode ser extraído da diferença percentual observada entre o
valor global da proposta e o constante do orçamento-base do órgão licitante.
Isso não oblitera a necessidade de prévia verificação da compatibilidade entre
o preço orçado pela Administração e o preço de mercado. (Acórdão 1.755/2004 –
TCU – Plenário).
b) O resultado da licitação não seria alterado se os novos quantitativos
fossem aplicados às demais propostas.
79. Ora, não é possível aceitar aditivo que fira essa condição, tendo em
vista o respeito aos princípios da igualdade e o da seleção da proposta mais
vantajosa para a Administração Pública, insculpidos no art. 3º do estatuto das
licitações. O já citado voto condutor do Acórdão 1.755/2004 – TCU – Plenário
trouxe caso concreto em que o resultado da licitação seria alterado com os
itens acrescentados pelo aditivo:
Com a supressão ou redução de quantitativos de itens de trabalho com
preços unitários vantajosos para Administração, sobressaíram, com maior peso
relativo, na planilha orçamentária, os serviços com custos unitários mais
onerosos ao Erário. Além disso, pelo aditivo, foram acrescentados itens de
trabalho com preços unitários acima dos valores de mercado, tornando patente o
desequilíbrio da relação em desfavor da Administração. Por tal razão, a
oferta global da empresa ARG Ltda. perderia a vantagem comparativa e deixaria
de ser a melhor classificada em relação aos demais concorrentes. (Acórdão
1.755/2004 – TCU – Plenário).
80. Outro exemplo de serviço incluído na licitação que foi
posteriormente excluído do contrato e, como consequência, alterou o resultado
do certame, pode ser visto no voto condutor do Acórdão 1.797/2007 – TCU –
Plenário:
9. No que diz respeito à irregularidade descrita na alínea “c” (presença
do item “sistemas de cloração” na licitação para obras civis da adutora,
posteriormente excluído), a inclusão inicial no certame e a exclusão posterior
no contrato do referido item se deu em benefício da contratada em detrimento
das demais licitantes, com ferimento, portanto, ao princípio da igualdade (art.
3º da Lei 8.666/93), levando-se em conta que sem esse item a contratada não
teria vencido o certame, conforme anotado na instrução transcrita no Relatório
precedente. (Acórdão 1.797/2007 – TCU – Plenário – trecho do voto)
81. A própria LDO 2013, no § 5º do já citado art. 102, aborda o tema da
manutenção da vantagem da proposta vencedora da licitação ante à da segunda
colocada:
I - a diferença percentual entre o valor global do contrato e o preço
obtido a partir dos custos unitários do sistema de referência utilizado não
poderá ser reduzida, em favor do contratado, em decorrência de aditamentos que
modifiquem a planilha orçamentária;
II - em casos excepcionais e devidamente justificados, a diferença a
que se refere o inciso I deste parágrafo poderá ser reduzida para a preservação
do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, devendo ser assegurada a
manutenção da vantagem da proposta vencedora ante à da segunda colocada na
licitação e a observância, nos custos unitários dos aditivos contratuais,
dos limites estabelecidos no caput para os custos unitários de referência;
c) A alteração não supera o limite de 10% previsto no art. 102, § 6º,
III da LDO 2013 e nem o limite de 25% (ou 50% para o caso de reformas) previsto
na Lei 8.666/93 (nesse último caso, consideradas quaisquer outras alterações).
d) O serviço incluído não previsto em contrato ou a quantidade acrescida
que foi originalmente subestimada pelo orçamento base da licitação não são
compensados por eventuais distorções a maior nos quantitativos de serviços que
favoreçam o contratado.
82. Essa exigência tem como fundamento a tese de que equilíbrio
econômico-financeiro do contrato deve ser sempre analisado de forma global,
procedendo-se as compensações entre os ganhos e perdas do contratado. Pode-se
realizar uma analogia com o conceito de compensação entre preços superestimados
e preços subestimados presentes na jurisprudência do TCU, por exemplo, nono
voto condutor do Acórdão 388/2004 – TCU – Plenário:
É cediço o entendimento deste Tribunal que, estando o preço global no
limite aceitável dado pelo orçamento da licitação, as discrepâncias de preços
existentes, devido à ausência de critério de aceitabilidade de preços
unitários, apenas causam prejuízos quando se realizam aditivos em que são
acrescidos quantitativos para itens de serviço cujos valores eram excessivos em
relação aos demais licitantes e suprimidas as quantidades daqueles itens cujos
preços eram vantajosos para a administração contratante. (Acórdão 388/2004 –
TCU – Plenário – trecho do voto)
83. Contribui para o esclarecimento da questão o seguinte trecho do
sumário do Acórdão 1.551/2008 – TCU – Plenário:
3. Na avaliação econômica do contrato, o eventual sobrepreço
existente deve ser apurado de forma global, isto é, fazendo-se as compensações
do preços excessivo de alguns itens com os descontos verificados em outros,
principalmente se os preços são os mesmos oferecidos na licitação da obra e se
pode constatar que a proponente sopesou de forma diferenciada o custo dos
diversos serviços, tirando proveito das possíveis vantagens comparativas, desde
que de forma legítima. Situação diversa ocorre com itens eivados de
ilegalidade, tais os que apresentaram modificação sensível dos parâmetros
eleitos na licitação, justificando a impugnação individual do item anômalo.
(Acórdão 1.551/2008 – TCU – Plenário – trecho do sumário)
84. Por analogia aos entendimentos apresentados acima, na avaliação
econômica de um contrato por preço global, eventual subestimativa de
quantitativo de um determinado serviço, pode ser compensada por outros
serviços, cujos quantitativos estão superestimados. Caberá, então, ao gestor
avaliar a íntegra da planilha orçamentária, sempre que for demandado pelo
contratado a aditar um contrato por preço global com a alegação de que os
quantitativos de determinados serviços estão superestimados.
e) A execução do serviço “a mais”, suportada apenas pelo contratado,
inviabilizaria a execução contratual.
85. O equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira)
é assim definido por Hely Lopes Meirelles:
O equilíbrio financeiro ou equilíbrio econômico do contrato
administrativo, também denominado equação econômica ou equação financeira, é a
relação que as partes estabelecem inicialmente, no ajuste, entre os encargos do
contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra,
do serviço ou do fornecimento. Em última análise, há a correlação entre o
objeto do contrato e sua remuneração, originariamente prevista e fixada pelas
partes em números absolutos ou em escala móvel. Essa correlação deve ser
conservada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as
cláusulas regulamentares da prestação ajustada, a fim de que se mantenha a
equação financeira ou, por outras palavras, o equilíbrio econômico-financeiro
do contrato (Lei 8.666, de 1993, art. 65, I, “d”, e § 6º) [MEIRELES, Hely
Lopes; Licitação e Contrato Administrativo, 11ª ed, atualizada por Eurico de Andrade
Azevedo et alii, São Paulo, Malheiros, 1996, p.165]. (grifos acrescidos).
86. Daí já se extrai a conclusão de que a equação econômica e financeira
é definida no momento em que a contratada apresenta a sua proposta. Exatamente
nessa linha, Marçal Justen Filho apresenta a seguinte consideração:
A equação econômico-financeira delineia-se a partir do ato convocatório.
Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a
proposta pela Administração, está consagrada a equação econômico-financeira
dela constante. A partir de então essa equação está protegida e assegurada pelo
Direito [FILHO, Marçal J., Op. Cit ].
87. Assim, a insuficiência da remuneração é apenas um dos requisitos do
desequilíbrio econômico-financeiro, que terá de se somar a outros para que se
legitime a alteração do contrato administrativo. Por exemplo, pode-se
demonstrar que o valor referente ao quantitativo subestimado supere a taxa de
risco mais a de lucro previstas no BDI apresentado pelo contratado. Nesse caso,
deixar o serviço acrescido inteiramente por conta do contratado poderia
desequilibrar o contrato, já que a totalidade de sua remuneração seria
consumida pelo novo encargo. Tal situação poderia culminar na paralisação da
obra por incapacidade da contratada em continuá-la. Ressalte-se que a vedação
ao enriquecimento sem causa serve tanto ao particular quanto à Administração
Pública.
88. Dando seguimento à sua lição, afirma Marçal Justen Filho:
O restabelecimento da equação econômico-financeira depende da concretização
de um evento posterior à formulação da proposta, identificável como causa do
agravamento da posição do particular. Não basta a simples insuficiência da
remuneração. Não se caracteriza rompimento do equilíbrio
econômico-financeiro quando a proposta do particular era inexequível. A
tutela à equação econômico-financeira não visa a que o particular formule
proposta exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da
remuneração. Exige-se, ademais, que a elevação dos encargos não derive de conduta
culposa imputável ao particular. Se os encargos tornaram-se mais elevados
porque o particular atuou mal, não fará jus à alteração de sua remuneração [FILHO,
Marçal J., Op. Cit ].
89. Assim, deve-se demonstrar que a subestimativa do quantitativo não é
mera álea ordinária ou empresarial, a qual está presente em qualquer tipo de
negócio; trata-se do risco que todo empreendedor corre por desenvolver uma
atividade econômica no mercado (instável por sua própria natureza), que,
previsível, deve ser suportado exclusivamente pelo particular.
90. Percebe-se da doutrina trazida à baila que alterações nos
quantitativos de serviços, por si só, não constituem hipóteses de álea
extraordinária senão quando decorridos de algum evento imprevisível ou, se
previsível, incalculável, cuja natureza inegavelmente fática torna imperiosa
sua comprovação.
VII.ii – Orçamentos com quantitativos superestimados.
91. Caso a Administração Pública identifique quantitativos
superestimados, ela deve proceder, de ofício, (e em observância aos princípios
da economicidade, moralidade e probidade administrativas) à alteração
contratual para reduzir os quantitativos inadequados, ajustando o montante
total ao valor real.
92. Essas regras decorrem do fato de que, se a medição for feita por
etapas (e não por quantidades unitárias), haverá por consequência uma
assimetria de informações entre o contratado e a Administração Pública. Afinal,
o fiscal, já que mede por etapas, não estará medindo as quantidades (não terá
com saber, portanto, quanto foi executado exatamente), mas o particular sabe o
quanto ele executa qualquer que seja o regime. O Tribunal já se pronunciou a
respeito de situação de quantitativos superestimados:
O fato de se tratar de contratação por preço global não assegura a
nenhum contratado o direito de receber por produto não utilizado. (Acórdão
363/2007 – TCU – Plenário – trecho do voto).
93. Ademais, quantitativo superestimado é um dos fatores causadores do
superfaturamento de obras públicas, de modo que permiti-lo pode configurar ato
de improbidade administrativa, nos termos dos artigos 10 e 11 da Lei 8429/92
(lei de improbidade administrativa). Tal conduta também pode ser enquadrada
como crime, conforme o art. 96, incisos IV e V do Estatuto das Licitações.
94. Todavia, em situações excepcionais, em que o contratado pleiteie a
não redução do valor global do contrato, alegando ter compensado o
superdimensionamento de quantitativos de outras formas ao oferecer o valor
global da sua proposta, pode-se admitir excepcionalmente o pleito desde que:
a) em análise global, o quantitativo artificialmente elevado foi
compensado por outros preços e quantitativos subestimados de forma que reste
cabalmente demonstrado que o preço global pactuado representa a justa
remuneração da obra, considerado o orçamento de referência da Administração
ajustado.
95. Mais uma vez convém usar a analogia para compreender a situação. O
trecho do Acórdão 1.887/2010 – TCU – Plenário, embora trate mais uma vez de
compensação entre itens com sobrepreço e subpreço, ilustra bem uma possível
consequência de se proceder a uma alteração contratual para redução de
quantitativos sem uma análise mais cuidadosa:
...se os preços globais estão compatíveis com os de mercado, a
existência de determinados itens com sobrepreço deve ser correspondida pela
existência de itens cujos preços estão abaixo dos de mercado, havendo assim uma
compensação entre os valores desses dois diferentes grupos de insumos. Assim, a
redução dos valores dos itens com sobrepreço afetaria o equilíbrio
econômico-financeiro da contratação e possibilitaria o auferimento de vantagens
indevidas por parte da Administração. (Acórdão 1.887/2010 – TCU – Plenário)
96. De mesma forma, a supressão daqueles quantitativos que estão
superestimados, sem a devida recomposição dos serviços cujos quantitativos
estão subestimados, comprometeria o equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, propiciando o enriquecimento ilícito do órgão contratante.
c) a alteração do contrato de forma a reduzir os quantitativos daquele
item inviabilizaria a execução contratual. Por exemplo, demonstrando que o
valor reduzido supera a taxa de risco mais a de lucro, previstas no BDI de
referência da Administração, bem como as discrepâncias a maior que costumam
existir entre os valores extraídos dos sistemas referenciais de preços e os
verdadeiros preços de mercado.
97. Aqui vale a mesma argumentação dos parágrafos 85 a 90 acima.
Adicionalmente, existe a tendência de que os preços dos materiais e serviços
contidos em tabelas de custo padrão estejam em um patamar superior aos seus
preços reais de mercado. Muitos sistemas adotam valores médios ou medianos das
coletas realizadas como paradigma de preços de mercado. No entanto, os insumos são
efetivamente adquiridos pelo menor preço pesquisado e não pelo preço médio ou
mediano. Tal distorção recebeu a denominação de “efeito cotação”, em trabalho
realizado pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal. [FILHO,
Laércio de Oliveira e Silva; LIMA, Marcos Cavalcanti e MACIEL, Rafael Gonçalves
- Efeito barganha e cotação: fenômenos que permitem a ocorrência de
superfaturamento com preços inferiores às referências oficiais – Revista do
Tribunal de Contas da União. Brasil. Ano 42. Número 119, 2010]
98. As tabelas de custo tampouco consideram condições negociais entre
construtoras e fornecedores, tais como prazos maiores para pagamento,
parcelamento das compras e descontos.
99. Assim, ao elaborar o orçamento que servirá de base para o procedimento
licitatório, o gestor tem o dever de se balizar em pesquisas do mercado local,
considerando adequadamente os descontos possíveis em face de compras em grande
quantidade. Em outras palavras, deve considerar a natural ausência de descontos
para compras em grande escala em qualquer sistema de preços referenciais, em
virtude de tais sistemas não considerarem as possibilidades de significativas
reduções nos custos de fornecimento de materiais e equipamentos, oriundas de
negociações diretas com fabricantes ou grande revendedores. As economias de
escala existentes na compra de grandes quantidades de material causam uma
distorção, entre os preços referenciais e os preços efetivos de mercado,
denominada de “efeito barganha” pelo estudo o Instituto Nacional de
Criminalística.
100. Por consequência, as margens de segurança existentes nos preços dos
sistemas referenciais da Administração Pública também devem ser consideradas na
avaliação das exceções que este estudo ora está apresentando.
101. Ante o exposto, sintetizando-se as considerações apresentadas nas
condicionantes elencadas nos parágrafos precedentes, foram considerados os
seguintes fundamentos:
a) respeito ao princípio da igualdade e da seleção da proposta mais
vantajosa;
b) vedação ao enriquecimento sem causa da administração e do contratado
c) necessidade de preservação do equilíbrio econômico financeiro do
contrato;
d) a premissa de que, em EPG, a análise global do contrato (e do
equilíbrio contratual) prevalece sobre a aferição de itens unitários.
VIII – LICITAÇÕES EM EPG COM ORÇAMENTO BASE COM ERROS DE QUANTITATIVOS.
102. Em licitações por EPG é importante destacar a obrigação de que o
licitante, ao verificar erros de quantitativos no orçamento-base do órgão
contratante, questione a comissão de licitação acerca do problema e, caso não
obtenha o devido esclarecimento, exerça o dever-direito de impugnar o edital de
licitação, em consonância com o art. 41, § 2º, da Lei 8.666/93, uma vez que a
alteração de quantitativos na proposta, em desacordo com o orçamento-base, não
pode ser admitida, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia. Cabe ressaltar
que o Art. 7º, §§ 4º e 6º, da mesma Lei, fundamenta a anulação da licitação
quando os quantitativos estiverem errados:
§4º É vedada, ainda, a inclusão, no objeto da
licitação, de fornecimento de materiais e serviços sem previsão de quantidades
ou cujos quantitativos não correspondam às previsões reais do projeto básico ou
executivo.
(...)
§6º A infringência do disposto neste artigo implica
a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes
tenha dado causa.
103. Nesse sentido, pode-se mencionar o voto condutor do Acórdão
353/2007 – TCU – Plenário já apresentado no presente estudo.
104. A não impugnação por parte do licitante, mesmo tendo conhecimento
de eventuais erros de quantitativos, ensejaria um risco muito grande ao
contrato, tendo em vista a cláusula de concordância expressa com o projeto
básico, insculpida no art. 102, §6º, III, da LDO 2013, já citada anteriormente.
105. Em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório,
o tratamento a ser dado no caso de, posteriormente, ser constatada relevante
discrepância, a maior ou a menor, nos quantitativos previstos na planilha
orçamentária deverá também observar a regra estabelecida no edital de
licitação.
XIX – CONCLUSÕES
106. A escolha do regime de execução da obra não é decisão de livre
arbítrio do gestor. Deve se pautar no interesse público e estar sempre
motivada. Decorre desse entendimento que não existe regime de execução melhor
que o outro, mas aquele que melhor atende ao interesse público no caso
concreto.
107. Adota-se a empreitada por preço global, em regra, quando for
possível definir com precisão os quantitativos dos serviços a serem executados
na obra.
108. É irregular a admissão de proposta ofertada pelo licitante contendo
especificações de serviços e respectivas quantidades destoantes do
orçamento-base da licitação. Caso o licitante identifique erro de quantitativos
no orçamento-base, deve impugnar os termos do edital de licitação.
109. Regra geral, são admissíveis aditivos contratuais no regime de
execução contratual por preço global nos casos de alterações de projeto
propostas pela administração, fatos imprevisíveis e demais situações previstas
na alínea “d” do inciso II do art. 65 da lei de Licitações (manutenção das
condições efetivas da proposta).
110. Nos contratos celebrados no regime de preço global, quando
executados com pequenas variações de quantitativos em seus serviços, paga-se
exatamente o preço global ajustado, nem mais nem menos.
111. Para os casos em que houve subestimativa relevante dos
quantitativos de alguns serviços e a contratada pleiteie aditivo por acréscimo
de quantitativos ou inclusão de serviços novos, em regra os aditivos são
vedados, pelo motivo de tal fato se constituir álea ordinária.
112. Nos casos em que os quantitativos foram superestimados, a
Administração Pública deve, de ofício, promover sua adequação mediante
celebração de aditivo contratual. Admite-se que a contratada pleiteie a não
redução do valor global do contrato comprovando haver outros serviços cujos
quantitativos estão subestimados, promovendo-se a compensação entre os
montantes financeiros.
113. Em caso de quantitativos subestimados no orçamento, eventuais
pleitos do contratado poderão ser atendidos de forma excepcionalíssima, desde
que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos e que não haja outra
regra prevista no contrato ou edital:
a) a alteração do contrato manterá a proporcionalidade da diferença
entre o valor global estimado pela administração e o valor global contratado;
c) o resultado da licitação não seria alterado se os novos quantitativos
fossem aplicados às demais propostas, em observância aos princípios da
igualdade e da seleção da proposta mais vantajosa;
d) a alteração não supera o limite de 10% previsto no art. 102, § 6º,
III da LDO 2013 nem o limite de 25% (ou 50% para o caso de reformas) previsto
no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/93 (neste último caso, consideradas quaisquer
outras alterações).
e) o novo serviço incluído no contrato ou a quantidade acrescida, que
foi originalmente subestimada, não são compensados por eventuais distorções a
maior nos quantitativos de outros serviços, que favoreçam o contratado;
f) a execução do serviço “a mais” pelo contratado inviabilizaria a
execução contratual caso o aditivo não fosse aceito. Por exemplo,
demonstrando-se que o acréscimo pleiteado supere a taxa de risco mais a de
lucro previstas no BDI referenciado contratado, bem como os valores de
eventuais distorções a maior existentes nos custos obtidos em sistemas
referenciais da Administração Pública (efeitos cotação e barganha) que não
foram eliminados no processo licitatório.
114. Em caso de quantitativos superestimados no orçamento, eventuais
pleitos do contratado para não redução dos valores contratados poderão ser
atendidos de forma excepcionalíssima, desde que preenchidos, cumulativamente,
os seguintes requisitos e que não haja outra regra prevista no contrato ou
edital:
a) demonstração, em análise global, de que o quantitativo
artificialmente elevado foi compensado por outros preços e quantitativos
subestimados de forma que reste cabalmente demonstrado que o preço global
pactuado representa a justa remuneração da obra, considerando o orçamento de
referência da Administração ajustado; e
b) a alteração do contrato de forma a reduzir os quantitativos daquele
item inviabilizaria a execução contratual. Por exemplo, demonstrando-se que o
valor a ser reduzido supera a taxa de risco mais a de lucro previstas no BDI
referenciado contratado, bem como os montantes originados de eventuais
distorções a maior existentes nos custos obtidos em sistemas referenciais da
Administração Pública (efeitos cotação e barganha) que não foram eliminados no
processo licitatório.
X – PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
115. Ante o exposto, submete-se o presente processo
à consideração superior com as seguintes propostas de encaminhamento:
I) determinar à Segecex que oriente as unidades
técnicas deste Tribunal a considerar em suas fiscalizações de obras e serviços
de engenharia os seguintes entendimentos:
a) a escolha do regime de execução contratual pelo
gestor deve estar fundamentada nos autos do processo licitatório;
b) adota-se a empreitada por preço global, em
regra, quando for possível definir com precisão os quantitativos dos serviços a
serem executados na obra;
c) é irregular a admissão de proposta ofertada pelo
licitante contendo especificações de serviços e respectivas quantidades
destoantes do orçamento-base da licitação, cabendo ao licitante, no caso de
identificar erros de quantitativos no orçamento-base do certame, impugnar os
termos do edital de licitação.
d) são admissíveis aditivos contratuais no regime
de execução contratual por preço global nos casos de alterações de projeto
propostas pela administração, nos casos de fatos imprevisíveis, entre os quais
a impossibilidade de o licitante constatar as eventuais discrepâncias de
quantidades com base nos elementos presentes no projeto básico, bem como nas
demais situações previstas na alínea “d” do inciso II do art. 65 da lei de Licitações.
e) em contratos executados no regime de empreitada
por preço global, no caso de aditivos celebrados em virtude de erros ou
omissões no orçamento, deverão ser observados os seguintes entendimentos:
e.1) quando os contratos forem executados com pequenas
variações de quantitativos em seus serviços, a administração contratante deve
pagar exatamente o preço global ajustado, nem mais nem menos.
e.2) em regra, os aditivos não são admissíveis,
tendo em vista a cláusula de expressa concordância do contratado com o projeto
básico, prevista no art. 102, § 6º, inc. III, da LDO 2013, bem como a natural
variação de quantitativos na empreitada por preço global constituir-se em álea
ordinária do contratado;
e.3) excepcionalmente, em caso de quantitativos com
relevantes subestimativas no orçamento, demonstrada a razoabilidade do pedido
de aditivo formulado pela contratada, deverão ser atendidas cumulativamente as
seguintes regras para o deferimento do pleito pela Administração, desde que não
haja regra diversa prevista no instrumento convocatório ou no contrato
celebrado entre as partes:
e.3.1) a alteração do contrato deverá manter a
proporcionalidade da diferença entre o valor global estimado pela administração
e o valor global contratado;
e.3.2) o resultado que seria obtido licitação, com
os quantitativos efetivos de serviços, não poderá ser modificado se os novos
quantitativos fossem aplicados às propostas dos demais licitantes, em
observância aos princípios da igualdade e da seleção da proposta mais vantajosa
para a Administração;
e.3.3) a alteração contratual decorrente não supera
o limite de 10% previsto no art. 102, § 6º, III da LDO 2013 e no e no art. 42,
§4º, III, do Decreto 7.581/2011, nem o limite de 25% (ou 50% para o caso de
reformas) previsto no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/93, neste último caso,
consideradas quaisquer outras alterações;
e.3.4) o novo serviço incluído no contrato ou a
quantidade acrescida no serviço cujo quantitativo foi originalmente subestimado
não são compensados por eventuais distorções a maior nos quantitativos de
outros serviços que favoreçam o contratado;
e.3.5) a execução do serviço “a mais” pelo
contratado inviabilizaria a execução contratual caso o aditivo não fosse
aceito, por exemplo, demonstrando-se que o acréscimo pleiteado supera a
remuneração e todas as contingências previstas em sua proposta, bem como o
montante de eventuais distorções a maior existentes nos custos obtidos em
sistemas referenciais da Administração Pública (efeitos cotação e barganha) que
não foram eliminados no processo licitatório.
e.4) em caso de quantitativos superestimados no
orçamento, eventuais pleitos do contratado para não redução dos valores
contratados poderão ser atendidos de forma excepcionalíssima, desde que
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos e que não haja outra
regra prevista no contrato ou edital:
e.4.1) demonstração, em análise global, de que o
quantitativo artificialmente elevado foi compensado por outros preços e quantitativos
subestimados de forma que reste cabalmente demonstrado que o preço global
pactuado representa a justa remuneração da obra, considerando o orçamento de
referência da Administração ajustado; e
e.4.2) a alteração do contrato de forma a reduzir
os quantitativos daquele item inviabilizaria a execução contratual, por
exemplo, demonstrando-se que o valor a ser reduzido supere a remuneração e as
contingências detalhadas na composição do BDI apresentado pelo contratado, bem
como os montantes originados de eventuais distorções a maior existentes nos
custos obtidos em sistemas referenciais da Administração Pública (efeitos
cotação e barganha) que não foram eliminados no processo licitatório.
II) encaminhar cópia da deliberação que vier a ser
adotada, acompanhada do relatório e voto que a fundamentam, ao Ministério do
Planejamento Orçamento e Gestão, para que informe as diretrizes que serão
adotadas pelo Tribunal de Contas da União nas fiscalizações de obras e serviços
de engenharia aos demais órgãos e entidades da administração pública federal;
g) arquivar o presente processo.
É o relatório.
Voto:
Inicialmente, registro que atuo nestes autos em
razão de sorteio, com fundamento no art. 19 da Resolução TCU
175/2005, por tratar-se de processo de matéria administrativa.
Examino, nesta oportunidade, estudo sobre o regime
de empreitada por preço global – EPG – desenvolvido pela Secretaria de
Fiscalização de Obras Aeroportuárias e de Edificação (SecobEdificação) –, com
vistas a uniformizar procedimentos de fiscalização atinentes a objetos
executados mediante o regime de empreitada por preço global, de modo a
apresentar diretrizes e orientar os auditores do Tribunal sobre o tema.
Julgo de extrema importância a matéria aqui
tratada. É sabido que, não raro, a empreitada por preço global, por suas
particularidades, quando não assentada em ambiente de regras claras, tem gerado
um clima contratual de insegurança, em terreno infértil para abalizar o bom
andamento dos contratos e, consequentemente, garantir o sucesso das
contratações.
A experiência haurida pelas auditorias realizadas
por esta Corte em obras e serviços sob esse regime tem identificado tanto o
desvirtuamento do instituto (com a medição como se preço unitário fosse) como
também a aplicação distorcida do art. 65 da Lei de Licitações, no que se refere
às condições para a prolação de termos aditivos aos contratos. As repercussões
vão desde o superfaturamento até o abandono dos contratos, afora os infindáveis
litígios judiciais.
Nesse viés, tendo em vista que a jurisprudência do
TCU não delineia, com precisão, as regras para aplicação do instituto, de todo
oportuno dotar o corpo técnico desta Casa de um instrumento objetivo para
melhor subsidiar suas fiscalizações. Também é salutar, tendo em vista a
contribuição do Tribunal para a melhoria da Administração Pública, orientar os
gestores sobre os preceitos e riscos a serem observados nesse tipo de
contratação.
Feita a contextualização, organizo este voto de
modo a desvendar aspectos essenciais para o julgamento da proposta da unidade
instrutiva:
caracterização da diferença entre o regime de
empreitada global e o regime de empreitada por preços unitários;
identificação dos elementos que motivem, de acordo
com as características de cada objeto, a preferência da adoção de empreitada
por preço global, em detrimento da empreitada por preço unitário;
fundamentação dos elementos exigíveis no projeto
básico de um e outro instituto;
esclarecimento das condições para a realização de
termos aditivos em empreitadas por preço global, tanto no que se refere à
eventuais modificações no projeto da obra, como também quando constatados erros
ou omissões no orçamento contratado.
Passo a abordar cada item em específico.
II
O primeiro passo, neste deslinde meritório, é
definir os regimes. Nos termos do art. 6º, inciso V, da Lei 8666/93:
a) empreitada por preço
global - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por
preço certo e total;
b) empreitada por preço
unitário - quando se contrata a execução da obra ou do serviço por
preço certo de unidades determinadas;
A acepção abrigada na Lei de Licitações indica que
ambos os institutos destinam-se a contratar a execução de obra ou serviço por
"preço certo", pré-avaliado e de modo judicioso. No preço global,
contudo, tal oferta para execução do objeto deve se fazer em razão do todo
(preço certo e total), como entidade una; concisa. No preço unitário, tal
"preço certo" será realizado em termos de unidades pré-determinadas
que compõem esse todo. Intui-se nesse último instituto, pela diferença
redacional, que o objeto é visto como uma soma de várias parcelas; de frações
que, juntas, formarão a unidade. A empreitada por preços unitários é o conjunto
de retalhos vistos, cada qual, de maneira individual na contratação, de maneira
a formar a totalidade.
Na prática, tendo em vista que ambos os regimes
podem levar à realização do mesmo objeto, a diferença encontrar-se-á,
basicamente, na maneira de como serão realizadas as medições – e nos riscos
assumidos pela contratada em razão dessa distinção na forma de pagamento. Nas
empreitadas por preço unitário, mede-se cada unidade de serviço e os pagamentos
far-se-ão mediante a multiplicação das quantidades executadas pelos seus
respectivos preços unitários. O memorial de medições – peça necessária e
fundamental para a regular liquidação de despesas – trará, em detalhes, a
fundamentação dessas quantidades, para cada item constante do orçamento
contratado.
Nas empreitadas por preço global, de outro modo,
medem-se as etapas de serviço de acordo com o cronograma físico-financeiro da
obra ou mediante as etapas objetivamente estabelecidas no instrumento
convocatório. Em exemplo prático, terminadas as fundações, paga-se o valor
global das fundações; feita a estrutura, remunera-se o valor previsto para essa
etapa; concluída determinada fase da obra, com marco previamente estipulado,
retribui-se o montante correspondente; até chegar ao final da empreitada, que
deverá corresponder ao valor total ofertado para o objeto como um todo, no ato
da licitação (preço certo e total).
Trata-se, em consequência, em algum termo, da
transferência de imprecisões quantitativas para o particular, como ainda, de um
esforço fiscalizatório menor, no que se refere à verificação em pormenores dos
quantitativos de cada serviço. Embora os cuidados com a qualidade do objeto permaneçam,
não se fazem necessárias avaliações meticulosas e individuais de quantidades.
Ao executar, por exemplo, um piso cerâmico de uma obra em uma empreitada por
preço unitário, uma vez que se contrata um preço por unidades determinadas,
pega-se a trena e se mede exatamente o que foi feito. Se as medidas indicarem
que se executarem 100,5 m2, 100,5 m2 serão pagos (e não 100 m2). No preço
global, de outro modo, como se contratou a obra por preço certo e total (se não
houver modificação de projeto), uma vez que o piso da sala foi feito,
remunera-se o previsto em contrato – ou exatamente 100 m2.
Em verdade, a forma de medir os serviços feitos nas
empreitadas globais deve ser precisamente estipulado no instrumento
convocatório. Pode-se pactuar que as medições serão realizadas de acordo com o
término de determinada etapa da obra (como o piso), ou proporcionalmente ao
cronograma físico-financeiro do empreendimento, sem a necessidade de medir
"na trena" cada filigrana realizada. O edital e o instrumento de
contrato devem ser cristalinos acerca de tais critérios; sob pena de o preço
global se transformar em um preço unitário, porque, na ausência de regra, os
serviços serão medidos um a um. Uma orientação específica aos auditores quanto
a este ponto é cabida, visto que tal omissão nas licitações são casos comuns.
É óbvio, nesse caso, que se o projeto contiver
imprecisões relevantes e se tal peça fundamental não abrigar todos os seus
elementos exigidos em lei, as empreitadas globais embutem um risco maior para o
construtor (como também para administração). Projetos incompletos repercutirão
em consequências ainda mais nefastas nas empreitadas globais. É a primeira
porta para a celeuma contratual. As contratadas solicitarão aditivos para
compensar as omissões orçamentárias. A Administração argumentará que o preço
foi contratado para a totalidade, não para a fração. E seguirão todas as
mazelas decorrentes desse clima de insegurança.
De tal conclusão, tomada a partir dessas eventuais
imponderabilidades de quantitativos que os objetos possam carregar
intrinsecamente, já se pode intuir em que objetos se faz mais vantajoso se
utilizar de um ou de outro regime; o que buscarei explicitar adiante.
III
Existem certos tipos de obras e sistemas
construtivos que, por suas características, não possibilitam uma quantificação
absolutamente acurada dos exatos volumes a executar. Há uma imprecisão nata
nesses afazeres. São os casos, por exemplo, da execução de grandes volumes de
terraplenagem. Quando se compacta um material, o volume in natura é
reduzido; e cada solo, em razão de suas características geotécnicas, possui um
comportamento diferenciado para essa retração. Tal medida pode ser traduzida
por um índice, chamado "fator de contração" ou "fator de
homogeneização". Quanto maior esse índice, mais escavações devem ser
feitas para viabilizar a construção dos respectivos aterros. O valor da obra,
portanto, é altamente impactado em decorrência dessa particularidade.
Em uma jazida de solos é comum existirem vários
extratos de material com "fatores de contração" distintos. Quer dizer
que, não obstante a realização prévia de ensaios geotécnicos, é inviável
oferecer uma acurácia absoluta no projeto. Até porque existe, também, um fator
perdas nas operações de transporte (dos cortes para os aterros). Essas perdas,
claro, também são relevantemente imprecisas. Sem contar a existência de uma
capa orgânica nos cortes (de espessura irregular) imprestável para servir de
suporte nos aterros. Quanto maior essa capa, mais escavações serão necessárias.
Outra camada superficial no leito dos aterros (mais uma vez de medida
indeterminada, a priori) também deve ser retirada, o que ocasionará mais
ou menos volumes de material aterrado para atender as cotas de projeto.
Natural concluir que, não obstante os cuidados no
projeto básico para adequadamente quantificar os volumes de terraplenagem,
sempre haverá uma boa margem de indeterminação.
Idêntica afirmativa pode ser imposta em contratos
de reforma de edificação. Não há como prever o exato estado das tubulações no
interior dos pisos e paredes, sem antes demoli-las. Em restaurações de prédios
históricos, igualmente tortuoso identificar, com antecedência¸ a perfeita
quantidade de pisos, portas, esquadrias e janelas a serem totalmente
substituídos e quais serão recuperados. Obras urbanas, que intuam
interferências diversas, possuirão mesma peculiaridade. Alguns tipos de
fundações, principalmente as cravadas, também. Recuperações estruturais e
manutenção rodoviária são outro exemplo. Existe uma gama de outras situações.
Caso utilizada uma empreitada por preço global
nesses tipos de objetos, as medições serão realizadas por etapas; não por
quantitativos medidos. Resultado: os construtores irão alocar uma parcela muito
alta de risco para adimplir, com segurança, o objeto licitado. Na verdade, essa
segurança não existirá, porque o imponderável é muito alto. A melhor proposta
para a administração mais se voltará para a aleatoriedade que propriamente a
uma boa oferta licitatória.
Por esse motivo, nesses empreendimentos eivados de
imprecisão congênita, é preferível a utilização de empreitadas por preço
unitário, pelas características próprias do sistema de medição. Nisso, concordo
inteiramente com as conclusões tomadas pela unidade instrutiva.
É essa, também, a inteligência que deve ser
extraída do art. 47 da Lei 8.666/93, no que reproduzo in verbis:
Art. 47. Nas licitações para a
execução de obras e serviços, quando for adotada a modalidade de execução de
empreitada por preço global, a Administração deverá fornecer obrigatoriamente,
junto com o edital, todos os elementos e informações necessários para que os
licitantes possam elaborar suas propostas de preços com total e completo
conhecimento do objeto da licitação.
Esse completo conhecimento do objeto se faz
prejudicado em obras que carreguem uma imprecisão intrínseca e relevante de
quantitativos. Daí a preferência pelo preço unitário.
Ainda sobre o conteúdo do citado art. 47 da Lei
8.666/93, poderia haver uma compreensão (equivocada) de que os projetos básicos
elaborados em regimes de empreitada por preço unitário admitiriam um projeto
mais simplificado. Tal conotação deve ser veementemente rejeitada.
O art. 6º, inciso IX, da Lei de Licitações (como
também o art. 2º, inciso IV, da Lei do RDC) em nenhum momento diferencia o projeto
básico – em sua definição e em seus elementos fundamentais – para empreitadas
globais ou unitárias. Seja em um preço unitário; seja em preço global, aqueles
requisitos hão de ser atendidos. Nesse diapasão, alinho-me, em perfeita
congruência, aos comentários do professor Marçal Justen Filho (Comentários à
lei de licitações e contratos administrativos – São Paulo. Dialética, 14 ed.):
O art. 47 formulou disposição de cristalina
obviedade e teoricamente dispensável. Em qualquer caso, a Administração tem o dever
de detalhar o objeto da licitação e fornecer aos interessados informações
completas, que permitam a formulação de propostas perfeitas. Isso se verifica
não apenas no caso da empreitada por preço global, tema que foi examinado por
ocasião da exposição acerca dos arts. 6º, VIII e 10, acima.
O dispositivo legal aludido, deste modo, não deve
ser interpretado como uma escusa à perfeita delimitação do projeto em
empreitadas por preço unitário. A correta leitura é que, em empreendimentos
carregados de incertezas, as empreitadas globais, em regra, não se fazem
vantajosas. As consequências de um projeto deficiente têm potencial lesivo
muito maior nessas medições globais.
Tal qual consta da obra do Ministro Benjamim
Zymler, e do auditor Laureano Canabarro Dios (Regime Diferenciado de
Contratação – RDC. Belo Horizonte: Fórum, 2013):
Na verdade, a definição dos regimes de execução de
obras e serviços de engenharia deve ocorrer de acordo com o objeto a ser
contratado. Veja-se a empreitada por preço unitário, a qual é melhor aplicável
a situações em que há maiores incertezas acerca dos quantitativos dos serviços
mais relevantes¸ como obras que envolvam grandes movimentos de terra, cujas
características somente seriam adequadamente definidas quando da execução
contratual. (grifei)
Cito, ainda, o Acórdão
3.260/2011-Plenário, de competente relatoria do Ministro José Múcio
Monteiro:
9.2.1. embora o regime de empreitada por preços
globais tenha previsão explícita da Lei de Licitações e, em razão disso, não se
possa considerá-lo propriamente ilegal, as obras de restauração e manutenção
rodoviária, por suas características, e considerando o histórico de
desalinhamento dos projetos ao art. 47 da Lei nº 8.666/93, não são indicadas
para esse regime de contratação.
Na busca da maior vantagem, deste modo, ao medir –
e pagar – exatamente o que foi realizado, tanto se confere maior segurança para
a contratada para oferecer o seu preço, como, em consequência, se afiança
segurança à administração quanto a certeza na finalização do objeto.
Diante disso, neste ponto, creio que se deva
orientar as unidades técnicas desta Corte para que observem a motivação da
escolha do regime de execução contratual pelos gestores, nos moldes a que
discorri. Nas situações em que, mesmo diante de objeto com imprecisão
intrínseca de quantitativos, se preferir a utilização da empreitada por preço
global – por motivos objetivamente apostos no processo licitatório –, deve ser
justificada a vantagem dessa transferência maior de riscos para o particular –
e, consequentemente, maiores preços ofertados – em termos técnicos, econômicos,
ou outro objetivamente motivado, bem assim como os consequentes impactos
decorrentes desses riscos na composição do orçamento da obra, em especial a
taxa de BDI – Bonificação e Despesas Indiretas.
V
Aprecio, neste ponto, um dos temas polêmicos acerca
da condução de empreitadas por preço global. Trata-se da viabilidade de deixar
a cargo do particular as responsabilidades por modificações do projeto, como
ainda de todo e qualquer risco advindo, por exemplo, de incertezas provenientes
das sondagens; ou da inviabilidade de utilização de jazidas, areais e
pedreiras; ou da assunção de erros de projetos sem a respectiva contraprestação
econômica devida.
Existem situações clássicas, como a dúvida acerca
da necessidade de rever o contrato quando, de ofício, o particular modifica
alguma solução previamente estabelecida no projeto básico do empreendimento. Em
caso ilustrativo, se existisse a liberdade de o particular idealizar solução de
fundação distinta, ou modelo estrutural diferente, sem que haja modificação da
avença, poder-se-ia intuir que, por se tratar de preço global, os meios para
atingir aquele objetivo ficariam a cargo da empreiteira, não devendo a
Administração imiscuir-se nesses assuntos, no que se refere ao quantum remuneratório
devido.
A Lei, entretanto, não diferencia as empreitadas
por preço unitário das globais quando define as situações que ensejarão a
prolação de termo aditivo. Ao contrário, caso se tratar de fato respectivo à
álea extraordinária ou extracontratual, definida com precisão no art. 65 da Lei
8.666/93, haverá de se providenciar a revisão do contrato. O equilíbrio entre
os encargos e a justa remuneração definida no ato da contratação tem suporte
constitucional.
Disposição contratual até poderia fixar que esses
riscos e responsabilidades seriam do particular. Os resultados dessa regra,
contudo, têm altíssimo potencial de ofender princípios fulcrais licitatórios. O
poder público estaria exposto a riscos concretos de desvirtuamento do procedimento
concorrencial. Trago, mais uma vez, os comentários de Marçal Justen Filho
(Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos – São Paulo.
Dialética, 14 ed.):
(...) Tem sido extremamente comum o edital
estabelecer que incumbirá ao particular arcar com os riscos do empreendimento,
em licitações relativas à execução por preço global. Por decorrência,
introduz-se uma espécie de aleatoriedade incompatível com a contratação
administrativa de obras e serviços. Isto é tanto mais sério quando a Administração
conhece, de antemão, as peculiaridades do objeto. Em tais hipóteses, surge
enorme risco de desvios éticos. É que a informação acerca das dificuldades do
objeto torna-se de fundamental relevância para a elaboração da proposta. Quem
dispuser das informações será o vencedor da licitação, eis que poderá formular
o menor preço, com menores riscos. Já os terceiros, desconhecendo a extensão
dos possíveis encargos, acabarão por agregar valores a suas propostas. Acabarão
derrotados. Essa seria uma porta para a Administração direcionar indevidamente
a licitação.
(...) A Administração tem o dever de apurar todas
as circunstâncias que possam influenciar na execução do futuro contrato,
especialmente quando a empreitada for por preço global. É nulo o edital que
albergue fatores ocultos ou aleatórios acerca da execução do objeto licitado.
Em todo caso, não é porque se trata de empreitada
por preço global que deixa de incidir a proteção constitucional do equilíbrio
econômico-financeiro aos respectivos contratos.
Em outro trecho da publicação:
(...) Seria bastante simples obter esse resultado
reprovável através do expediente da “empreitada por preço global”. Para tanto,
é necessário que a Administração conheça todas as características do objeto e
tenha noção de todos os custos. No entanto, formula edital com objeto geral e
mal definido, impondo aos licitantes o dever de arcar com todos os riscos.
Depois, fornece ao apadrinhado todos os dados acerca da execução do objeto. Por
decorrência, todos os demais licitantes serão obrigados a considerar riscos
inexistentes ou situações imponderáveis. Logo, suas propostas serão muito mais
elevadas. O licitante favorecido, ao contrário, formulará proposta contendo
apenas os valores necessários a executar aquilo que a Administração já sabia,
de antemão, ser necessário. Daí, o licitante protegido sairá vencedor, por
formular a menor proposta. Frise-se que, se todos os demais licitantes tivessem
tido acesso às mesmas informações, a Administração poderia ter recebido
propostas ainda menores.
Caso não estipulada condição contratual diversa,
alterações de projeto – devidamente motivadas, diante dos riscos aos quais
expus – vinculam a aplicação do art. 65 da Lei 8.666/93. No fim das contas, a
alteração do projeto será um ato unilateral. Além do mais, deve haver um fato
novo a caracterizar álea extraordinária e extracontratual. Mesmo que se
demonstre existir solução de engenharia melhor que a definida no projeto básico
(o que seria questionável, em termos de eficiência e economicidade exigidas
nessa peça fundamental), tal condição deve ser entendida como novidade, não
passível de conhecimento prévio na fase licitatória. Havendo modificação das
especificações a que foi dado conhecimento a todos os licitantes, há de se
rever o contrato, tanto em proteção a princípios basilares como o da obtenção
da melhor proposta, da isonomia e da moralidade.
Deste modo, creio que se deva clarificar às
unidades deste Tribunal que modificações de projeto ou especificações da obra
ou serviço, em razão do que dispõe o art. 65, inciso I, alínea 'a', da Lei
8.666/93, combinado com o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal,
repercutem na necessidade de prolação de termo aditivo. Mesma conclusão chegou
o Plenum do TCU ao julgar os Acórdãos 3.260/2011 e 93/2009.
VI
Sem dúvida, o ponto mais controverso sobre a
prática contratual nas empreitadas globais encontra-se na discussão sobre a
viabilidade de prolação de termo aditivo em casos de erros ou omissões do
orçamento.
Discute-se, se, nesse regime, a contratada é automaticamente
responsável por todo e qualquer risco proveniente de erros de quantificação de
serviços no projeto básico. Se a afirmativa for correta, mesmo que se constate,
durante a execução contratual, que determinado serviço foi sub ou
superavaliado, o particular (ou o ente público, conforme o caso) deve assumir o
ônus dessa omissão (ou se beneficiar dela), tendo em vista que a contratação
foi ajustada para preço certo e total.
A unidade instrutiva entende que, em extrato, se a
falha for de pequena monta, tendo em vista o que dispõe o art. 6º, inciso VIII,
alínea 'a', nenhum aditivo seria devido. Caso contrário, a empreitada por preço
global iria se transformar em uma empreitada por preço unitário, caindo em
letra morta na lei – em desarranjo com a boa hermenêutica. Por justeza, todos
os outros serviços haveriam de passar pela mesma "auditoria", e as
medições seriam realizadas uma a uma.
Por outro lado, ainda segundo o relatório prévio,
quando os erros forem relevantes, no intuito de não inviabilizar a continuidade
do contrato, as condições contratuais poderiam ser revistas. Nessa hipótese, em
uma visão proporcional, as imprecisões em diferentes itens da planilha não
poderiam se compensar. Os limites de aditamento estabelecidos no art. 65, § 1º
da Lei 8.666/93 e no art. 102 da LDO (10% para erros ou omissões e empreitadas
globais) igualmente haveriam de ser respeitados. Existe, em paralelo, a
proposta de tolerar aditivos unicamente em casos de fatos imprevisíveis,
inclusive no que se refere à "impossibilidade de o licitante constatar
as eventuais discrepâncias de quantidades com base nos elementos presentes no
projeto básico".
De maneira sintética, a proposta redundaria em uma
objetivação de que, se o erro não for "constatável" previamente e for
superior ao percentual de risco estabelecido no BDI, haverá de se prolatar o
aditivo, desde que não haja compensação com outros itens e desde que não
extrapolados os limites contratuais.
Passo, então, a ajuizar os fundamentos da proposta.
A dicotomia em questão está em balancear a
idealização da empreitada global com a vedação do enriquecimento sem causa. Não
seria concebível que falhas na elaboração do edital redundem, com justa causa,
em um superfaturamento. Tampouco a Administração poderia se beneficiar de erro
que ela própria cometeu, pagando por um produto preço relevantemente inferior
que o seu justo preço de mercado. Erro preliminar da própria Administração,
independentemente do tipo de empreitada, não pode redundar em ganhos ilícitos;
porque se ilícito for, o enriquecimento de uma parte, em detrimento de outra,
sem causa jurídica válida, faz-se vedado.
A depender do "erro", não obstante a
assunção de riscos quantitativos pela contratada (decorrente pela própria forma
global de medição), pode haver um vício intransponível no edital, a ser
necessariamente corrigido. Erro não é sinônimo de imprecisão (esta sim tida
como álea ordinária nas empreitadas globais).
Procurarei aclarar a questão ao aplicar,
supletivamente, a teoria geral dos contratos. Segundo o art. 884 da Lei
10.406/2002 (Código Civil Brasileiro):
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Analiso, pois, essa "justa causa" ou
"causa jurídica válida". Não haverá enriquecimento ilícito se houver
razão lícita que fundamente o ganho. E a legitimidade de qualquer contrato
perpassa pela livre manifestação de vontade – sempre pautada pela boa-fé.
Se materializado um vício nesse requisito subjetivo
de livre manifestação de vontade, o acordo pode estar fadado à anulação. Em
aplicação direta ao que se discute, quando identificado um erro hábil a induzir
a uma noção inexata sobre o negócio, que, se constatado anteriormente,
influenciaria nessa "livre manifestação de vontade", o próprio
desiderato da avença é maculado – aquilo que deu causa ao ajuste. Se estivesse
expresso que, na verdade, os encargos para o adimplemento do contrato eram
superiores, a vontade poderia ser expressa de outro modo; e a oferta poderia
ser outra.
Como ensina Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil:
parte geral. São Paulo: Atlas, 2004. Pg. 433 a 436):
O erro manifesta-se mediante compreensão psíquica
errônea da realidade, ou seja, a incorreta interpretação de um fato (...)
O primeiro vício de consentimento é o erro, com as
mesmas consequências da ignorância. Trata-se de manifestação de vontade
em desacordo com a realidade, quer porque o declarante a desconhece
(ignorância), quer porque tem representação errônea dessa realidade (erro)
(...)
Quando o agente paga preço desproporcional ao real
valor da coisa, sob certas circunstâncias, estaremos perante hipótese de lesão
(...)
Esses vícios afetam a vontade intrínseca do agente
e a manifestação de vontade é viciada. Se não existisse uma dessas determinantes,
o declarante teria agido de outro modo ou talvez nem mesmo realizado o negócio.
Consta, ainda, do art. 138 do Código Civil:
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos,
quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser
percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do
negócio.
Um erro é substancial quando tem papel
preponderante na formação de vontade. Caso se soubesse a verdadeira natureza do
negócio, o acordo seria realizado sob outra égide. É o caso de falhas na
definição das qualidades essenciais do objeto; ou que possam influir de maneira
relevante na formação de vontades (art. 130 do CCB).
Ao contrário, o erro acidental diz respeito à
qualidades secundárias; acessórias. Por isso, não conduz à anulação do negócio
jurídico, porque, "além de não incidir especificamente sobre a
declaração de vontade, não possui relevância econômica" (Kumpel, Vitor
Frederico. Direito Civil, direito dos contratos, 3. São Paulo: Saraiva
2008).
O erro substancial, entretanto, para que se possa
pensar na anulabilidade do trato, deve atravessar um juízo de escusabilidade;
qualquer pessoa normal poderia ter cometido (parte final do art. 138 do
Código Civil). Aplica-se, aqui, o princípio da boa-fé objetiva. Novamente citando
Sílvio Venosa, "o erro grosseiro, facilmente perceptível pelo comum dos
homens, não pode ser idôneo para autorizar a anulação do ato. O princípio geral
é do homem médio. Trata-se do conceito do homem médio para o caso concreto.
Assim, poderá ser anulável o negócio para um leigo em um negócio, para o qual
admitiria o erro de um técnico na matéria".
Essa teoria geral tem perfeita incidência com o que
se discute. Erros relevantes (substanciais) na informação disponibilizada aos
licitantes têm o potencial de anular o certame, tanto pela indução errônea
acerca da real dimensão do objeto, como pela consequência mediata de não
conduzir à "melhor oferta", objetivo primordial de qualquer
licitação.
Na realidade, aquele erro, se constatado
tempestivamente antes da abertura dos envelopes, levaria à alteração
compulsória da planilha orçamentária, com reabertura de prazo aos concorrentes,
em poder de autotutela, para reavaliarem o seu preço (art. 53 da Lei 9.784/99 e
art. 21, § 4º c/c art. 49 da Lei de Licitações). Quando identificado, durante a
execução contratual, para convalidação desse vício, um aditivo contratual
faz-se cabível (art. 55 da Lei 9.784/99).
Pequenos lapsos na quantificação dos serviços (até
certo ponto comum, visto que cada orçamentista não apresentaria, nas vírgulas,
quantidades idênticas), levando em conta a característica das empreitadas
globais – em estabelecer imprecisões quantitativas como álea ordinária da
contratada –, não conduzem à mácula no procedimento licitatório, tanto por não
afetar essa "livre manifestação de vontade", como, principalmente,
por não inviabilizarem a obtenção da "melhor proposta".
Tal visão também se harmoniza com a teoria
administrativa, em sobrelevar o que pode ser chamado de "fato novo",
legítimo para ensejar a revisão contratual, capaz de sanear – ou convalidar –
aquela anulabilidade. Se aquele erro praticado pela Administração não podia ser
percebido pela empresa média, pode-se classificá-lo como evento posterior, em
álea extraordinária, não derivado de conduta culposa do particular, em
congruência com a teoria de imprevisão. A aplicação do art. 65 da Lei de
Licitações, em densificação ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, faz-se compulsória.
Segundo Marçal Justen Filho, em publicação já citada:
O restabelecimento da equação econômico-financeira
depende da concretização de um evento posterior à formulação da proposta,
identificável como causa do agravamento da posição do particular. Não basta a
simples insuficiência da remuneração (...). A tutela à equação
econômico-financeira não visa a que o particular formule proposta
exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da remuneração.
Exige-se, ademais, que a elevação dos encargos não derive de conduta culposa
imputável ao particular. Se os encargos tornaram-se mais elevados porque o
particular atou mal, não fará jus à alteração de sua remuneração. (grifei)
De toda essa digressão, resume-se que, de pequenos
erros quantitativos, não decorrerão termos aditivos em empreitadas globais, por
se tratarem de erros acidentais, incapazes de interferir na formação de
vontades e, principalmente, na formação de proposta a ser ofertada, a ser tida
como a mais vantajosa. Indicação contrária também tornaria o regime de
empreitada global em desuso, posto que, na prática, toda obra seria executada
como se preço unitário fosse.
Erros de materialidade relevante (por erros
substanciais) sujeitam-se a um juízo acurado de valor, que envolverá, também,
além das consequências financeiras – em termos de materialidade – a avaliação
culposa da contratante, em um juízo de boa-fé objetiva.
Na realidade, quando a Administração erra ao
subestimar consideravelmente as quantidades (e consequentemente, preços), a
ponderação acerca da nulidade da relação contratual – a ser eventualmente
convalidada via termo aditivo – deve se pautar pela exigibilidade da percepção
da falha pela parte lesada (a contratada); até mesmo para evitar um dolo
negativo do particular, com o objetivo de obter proveito próprio.
Não significa dizer, em paralelismo, que se
detectadas superestimativas relevantes, consideradas imperceptíveis às
licitantes – e, portanto, com ausência de culpa do particular – não estaria
evidenciada nulidade (a "autorizar o superfaturamento"). Nesses
casos, aplicam-se imperativamente outros princípios fundamentais do direito
público (como o da economicidade e o da obtenção da maior vantagem). O erro do
agente da Administração pode ser considerado inescusável, em seu dever de
moderar a contratação sob os preços de mercado. Nesta situação, o contrato
superfaturado seria uma nulidade a ser corrigida de forma imediata.
Existem, ainda, outras questões. Mesmo em caso de
evidência de culpa do particular nas subestimativas, afora a imprecisão na
avaliação dessa responsabilidade –, existe a culpa concorrente da
Administração. Em atenuante, a própria administração incorreu no erro, como
também todos os outros licitantes que não impugnaram o edital. Ademais – e isso
é o mais importante – a avaliação de nulidade deve tocar, primeiro, no interesse
público primário a ser tutelado. Não se admitiria interromper um ajuste, mesmo
se constatada a obviedade do erro, em casos onde exista prejuízo maior de
patrimônio ou à vida das pessoas. Pode estar em jogo, também, a própria
continuidade do serviço público; ou interesses secundários superiores.
Não é uma equação simples. Na verdade, em razão
dessas inúmeras interveniências, cada caso concreto apresentará solução
distinta. Creio ser tarefa hercúlea positivar as quase infinitas possibilidades
desse mundo real.
Justamente para facilitar esse juízo e de modo a
conferir segurança jurídica aos contratos é que entendo que os instrumentos
convocatórios devem explicitar, com precisão, o que virá a ser intitulado como
"erro substancial". Creio que a ausência dessas disposições seja o
motivo dos infindáveis litígios administrativos e judiciais envolvendo
empreitadas por preço global.
Em exemplo, os contratos podem, com simplicidade,
objetivar que erros unitários de quantidade de até 10% não sejam objeto de qualquer
revisão. Menos que isso, esses erros acidentais serão álea ordinária da
contratada. Para que não haja incontáveis pedidos de reequilíbrio decorrentes
de serviços de pequena monta, pode-se, ainda, definir que somente serviços de
materialidade relevante na curva ABC do empreendimento incorrerão como tarja de
"erro relevante". Mantém, assim, a lógica da medição por preço
global, ao mesmo tempo em que se veda o enriquecimento sem causa de qualquer
das partes, sem ferir o princípio fundamental da obtenção da melhor proposta.
Situação parecida foi tomada por esta Corte ao apreciar o Acórdão
2.929/2010-Plenário, quando julgou regular cláusula semelhante.
Acredito que outras soluções sejam possíveis.
Prefiro esse regramento objetivo, a ser
estabelecido pela própria Administração, que a proposta da SecobEdificação em
definir, genericamente, que erros substanciais serão os que ultrapassarem as
previsões de contingências e riscos no BDI das contratadas. Bastaria o
particular cuidadoso, por exemplo, superestimar a sua administração central, ou
mesmo seus custos diretos, de maneira a diminuir ao máximo seus lucro e
contingências formais declarados. A tolerância seria menor para justificar
revisões. Na prática, estaria se criando outro problema.
Também não julgo adequada a regra universal,
recorrentemente observada em auditorias, de que "todo e qualquer erro
será risco da contratada". Tal opção, avalio, não é a que mais atende
o interesse público, por menos garantir a "melhor proposta" como
resultado do certame. Tais falhas capitais implicam a apresentação de preços
para uma obra desvinculada do objeto real pretendido. O valor ofertado deve se
referir ao empreendimento almejado, não ao negócio fictício licitado. Ademais,
pelo que discorri, haveria dúvidas quanto à legalidade da licitação feita sob
esse erro substancial. Se ignorada a boa-fé objetiva, em avaliação do licitante
médio e diligente, tal cláusula carregaria conteúdo de lesividade que, por
excessiva, também se predisporia à anulação.
E não se alegue que os "quantitativos
reais" jaziam nas pranchas gráficas disponíveis aos licitantes. O poder
público, na fase interna da licitação, dispôs de meses para avaliar corretamente
as quantidades. Não se pretenda que, em alguns dias, em empreendimentos que não
raramente ultrapassam a centena de milhões de reais, os particulares tenham as
mesmas condições de devassar os quantitativos tal qual os gestores poderiam
fazê-lo. Existe, no mínimo, uma indução ao erro, a pesar nessa avaliação de
boa-fé objetiva.
A assunção desmedida de riscos provenientes de
erros tampouco se faz interessante para o poder público. Constatada a omissão
na avaliação de fração fundamental da obra, o empreiteiro pode não ter
condições financeiras de adimplir o contrato. A "quebra" da licitante
não é boa para a Administração, que também errou na avaliação daquela parcela
importante da obra. Decorrerão, afora o atraso ou a paralisação da obra, infindáveis
litígios judiciais.
O contrato administrativo não deve, afinal, ser um
joguete em que o licitante que primeiro encontrar o erro sagrar-se-á vencedor.
Um ambiente de justeza e segurança inibe os chamados aventureiros; em outra
mão, atrai boas empresas, aptas a atenderem o chamamento licitatório com
seriedade e responsabilidade.
Somente nos casos concretos em que os editais não
estabeleçam essas regras é que a equipe de fiscalização procederá, em uma
valoração justa, a licitude da prolação do termo aditivo. Sem prejuízo de
notificar o órgão licitante que tais parâmetros se fazem compulsórios.
O juízo de valor nas subestimativas incluirá a
envergadura do erro em relação ao valor global da avença, em comparação do que
seria exigível incluir como risco/contingência em uma proposta para o regime de
empreitada global, como também da exigibilidade de identificação prévia da
falha pelas licitantes, à luz, ainda, dos princípios da vedação ao
enriquecimento sem causa, da isonomia, da vinculação ao instrumento
convocatório, do dever de licitar, da autotutela, da proporcionalidade, da
economicidade, da moralidade, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e
do interesse público primário.
Por esse motivo, no essencial, ponho-me de acordo
com a proposta da unidade técnica, ressalvando que a regra deva ser o
estabelecimento objetivo, em matriz de riscos adequada, da tolerância de erro
quantitativo a ser admitida. Quando omisso o regramento no edital, a equipe de
fiscalização deve notificar os gestores para que, doravante, as disponha, em
prestígio à segurança jurídica, à isonomia, e a obtenção da melhor proposta.
VII
Termino ao comentar o impacto dos entendimentos
aqui tratados em licitações regidas pelo Regime Diferenciado de Contratações
Públicas (RDC), a que se refere a Lei 12.462/2011. Por força do disposto no
art. 2º, inciso II; no art. 8º, § 1º; no art. 39; no art. 45, inciso I, alínea
'b' e no art. 63, todos da Lei 12.462/2011, a decisão prolatada tem inteira
aplicação com o novo instituto.
Faço um parêntese, apenas, para comentar o regime
de contratação integrada em que, compulsoriamente, é aplicado o preço global.
Como disse, em obras que carreguem uma imprecisão intrínseca de quantidades, é
preferível a utilização do preço unitário, em razão da majoração relevante dos
riscos a que estaria exposta a contratada.
Existe na contratação integrada, entretanto, outros
objetivos e vantagens. Como inscrito no voto condutor do Acórdão
1.510/2013-Plenário, de minha relatoria, "as características
do objeto devem permitir que haja a real competição entre as contratadas para a
concepção de metodologias/tecnologias distintas, que levem a soluções capazes
de serem aproveitadas vantajosamente pelo Poder Público". Ainda,
"Os ganhos advindos da utilização da contratação integrada devem compensar
esse maior direcionamento de riscos aos particulares. Essa demonstração é o
cerne para a motivação da vantagem para utilizar o novo regime".
Significa que, não obstante essa maior assunção de
riscos, mesmo em objetos imprecisos, caso se demonstre a vantagem de transferir
as soluções e metodologias construtivas à contratada, em termos técnicos e
econômicos, não está automaticamente descartada a utilização dessa nova
modalidade contratual. Caberão, no entanto, todas as ressalvas – com ainda mais
gravame – no que se refere à objetivação dos riscos com relação a imprecisões de
projeto (no caso anteprojeto), como também às demais responsabilidades a serem
suportadas pelo particular.
Ante o exposto, voto por que seja adotado o Acórdão
que ora submeto à apreciação deste Plenário.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves
de Souza, em 31 de julho de 2013.
VALMIR CAMPELO
Ministro Relator
Declaração
de voto:
Ressalto desde logo minha anuência com o
percuciente trabalho presidido pelo Relator, eminente Ministro Valmir Campelo.
O modelo de abordagem do tema empreendido por Sua
Excelência inspira-me a adotá-lo no âmbito do TC 033.616-2011-6, isso porque
entendo que este Tribunal deva preencher, de uma vez por todas, uma lacuna que
vejo no controle da qualidade de obras públicas, sendo a Empreitada por Preço
Global uma oportunidade para tratarmos minuciosamente do tema, discutindo, por
exemplo, aspectos relacionados à acessibilidade, a riscos de acidentes, à
durabilidade e resistência dos materiais, sustentabilidade ambiental dos
empreendimentos, e outros elementos, tais como padrões de acabamento e aspectos
estéticos, ou ainda, isolamento acústico de edificações, problemas esses que
não apenas impactam no erário, mas que também causam perplexidade quando se
comparam os custos de determinadas obras que têm sido auditadas por esta Corte
de Cotas e a qualidade do que é entregue à sociedade.
Assim sendo, além dos aspectos formais inerentes ao
controle procedimental, entendo que este Tribunal deva centrar esforços na
avaliação qualitativa de resultados, sob a lógica da oferta de serviços
adequados aos cidadãos. É chegada a hora de não mais se ler o artigo 3º Lei
8.666/1993 e, especificamente, a expressão “mais vantajosa para a
Administração” de maneira reducionista, interpretando-a como sendo meramente
aquisições de menor preço.
Com tais observações, enaltecendo mais uma vez o
trabalho comandado pelo Ministro Valmir Campelo, acompanho o Voto e a minuta de
Acórdão apresentados por Sua Excelência.
Sala das Sessões, em 31 de julho de 2013.
AROLDO CEDRAZ
Ministro
Ressalto desde logo minha anuência com o
percuciente trabalho presidido pelo Relator, eminente Ministro Valmir Campelo.
O modelo de abordagem do tema empreendido por Sua
Excelência inspira-me a adotá-lo no âmbito do TC 033.616-2011-6, isso porque
entendo que este Tribunal deva preencher, de uma vez por todas, uma lacuna que
vejo no controle da qualidade de obras públicas, sendo a Empreitada por Preço
Global uma oportunidade para tratarmos minuciosamente do tema, discutindo, por
exemplo, aspectos relacionados à acessibilidade, a riscos de acidentes, à
durabilidade e resistência dos materiais, sustentabilidade ambiental dos
empreendimentos, e outros elementos, tais como padrões de acabamento e aspectos
estéticos, ou ainda, isolamento acústico de edificações, problemas esses que
não apenas impactam no erário, mas que também causam perplexidade quando se
comparam os custos de determinadas obras que têm sido auditadas por esta Corte
de Cotas e a qualidade do que é entregue à sociedade.
Assim sendo, além dos aspectos formais inerentes ao
controle procedimental, entendo que este Tribunal deva centrar esforços na
avaliação qualitativa de resultados, sob a lógica da oferta de serviços
adequados aos cidadãos. É chegada a hora de não mais se ler o artigo 3º Lei
8.666/1993 e, especificamente, a expressão “mais vantajosa para a
Administração” de maneira reducionista, interpretando-a como sendo meramente
aquisições de menor preço.
Com tais observações, enaltecendo mais uma vez o
trabalho comandado pelo Ministro Valmir Campelo, acompanho o Voto e a minuta de
Acórdão apresentados por Sua Excelência.
Sala das Sessões, em 31 de julho de 2013.
AROLDO CEDRAZ
Ministro
Data da
sessão:
31/07/2013
Ata:
28/2013