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sábado, 30 de outubro de 2021

COMENTÁRIO 17

 

COMENTÁRIO 17

COMENTÁRIO 17

LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021

Lei de Licitações e Contratos Administrativos

 

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

I - preparatória;

II - de divulgação do edital de licitação;

III - de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV - de julgamento;

V - de habilitação;

VI - recursal;

VII - de homologação.

§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.

§ 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e vídeo.

§ 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.

§ 4º Nos procedimentos realizados por meio eletrônico, a Administração poderá determinar, como condição de validade e eficácia, que os licitantes pratiquem seus atos em formato eletrônico.

§ 5º Na hipótese excepcional de licitação sob a forma presencial a que refere o § 2º deste artigo, a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento.

§ 6º A Administração poderá exigir certificação por organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de:

I - estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos;

II - conclusão de fases ou de objetos de contratos;

III - material e corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.

Comentários:

Os artigos seguintes tratarão de dar maiores detalhes sobre as fases tratadas neste artigo 17, motivo pelo qual, não me deterei em dar maiores explicações sobre eles agora.

A Fase Preparatória é fase interna. A fase externa se inicia com a divulgação do edital e segue com a apresentação de propostas, julgamento, habilitação e adjudicação, recurso e homologação.

O parágrafo 1º deste artigo 17 traz a previsão de inversão das fases, ou seja, a HABILITAÇÃO poderá anteceder a apresentação de PROPOSTA e julgamento da mesma, desde que o ato de inversão seja motivado e explicitados os benefícios dele decorrente. Essa previsão de “reversão” deve estar no edital. Peço licença para cunhar essa palavra “reversão” pois não encontrei melhor para significar o oposto da já conhecida “inversão” de fase. Se outros já o fizeram, peço desculpas pela pretensão.

O acima citado parágrafo 1º traz, na minha modesta opinião, o medo da ruptura com os arcaicos, ineficientes e antieconômicos métodos licitatórios. Alguns dirão que é prudência, pois no universo das licitações poderá existir pelo menos uma que necessite dessa “reversão” de fases. Desconheço essa licitação, mas... o universo é grande! Vamos aguardar o primeiro edital a trazer essa possibilidade. Tenho certeza de que o TCU também está aguardando ansiosamente essa brilhante peça editalícia.

A hipótese acima, da “reversão” de fases, trazida pelo §1º, se vier a ser utilizada terá que vir acompanhada da justificativa de que é a melhor opção e que supera as vantagens obtidas com a inversão de fase trazida pelo pregão. Antes, se tivéssemos cem competidores em uma sessão licitatória teríamos que analisar a documentação de HABILITAÇÃO das cem empresas e julgá-las. Após esse julgamento tínhamos uma fase recursal para que as empresas se manifestassem sobre o julgamento da documentação de habilitação. Com isso havia a possibilidade de perda de tempo de semanas, meses de longas batalhas. As empresas que sobrevivessem a essa etapa participariam da etapa seguinte de abertura dos envelopes das PROPOSTAS. Essa fase de proposta também tinha a sua fase recursal.

Quando o inovador pregão surgiu no cenário, ele veio com a brilhante ideia de fase recursal única e inversão das fases de habilitação e proposta onde primeiro se discutiam os preços das PROPOSTAS e quando se tinha um vencedor dessa fase é que se abria o envelope da HABILITAÇÃO (somente do provisoriamente vencedor). Se fosse inabilitado, discutia-se (negociava) o preço do próximo licitante e depois abria seu envelope de habilitação e assim sucessivamente até encontrar o vencedor. Isso tudo acontecia com o devido respeito ao princípio da celeridade.

Resta-nos aguardar.

O parágrafo segundo traz a possibilidade de ainda termos licitações presenciais devendo a sessão pública ser registrada em ata (...), gravada em áudio e vídeo e ser juntada aos autos do processo depois do seu encerramento. Mas tem que haver uma boa justificativa para a realização de certame presencial.

No artigo 12 fiz um comentário a respeito das sessões presenciais, de modo que agora limitar-me-ei a dizer que o Brasil é grande e desigual, motivo pelo qual esse tipo de sessão pública ainda deve acontecer. Esperámos que num futuro muito breve tudo seja eletrônico. É mais célere e muito menos dispendioso do que a sessão presencial com todo esse aparato de áudio e vídeo.

O parágrafo terceiro traz a previsão de se exigir amostra, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico. Fica aqui evidente que esse parágrafo também prestigia a jurisprudência do TCU. Também está claro que essas exigências serão feitas na fase de julgamento de PROPOSTA; que tem que haver expressa previsão editalícia e essa exigência deve recair apenas no licitante provisoriamente vencedor.

O parágrafo quarto deixa a cargo da Administração determinar que nos procedimentos realizados por meio eletrônico só serão válidos e eficazes os atos que forem praticados por meio eletrônico.

Mesmo em um pregão eletrônico, nem todos os atos poderão ser praticados em meio eletrônico. Um exemplo é a sessão pública de apresentação e análise de amostras ou a realização da prova de conceito. Nunca é demais deixar claro que o pregoeiro deve marcar a sessão de análise de amostras e convidar todos os licitantes a participarem, com antecedência. Na sessão de análise de amostras será produzida uma ata indicando os participantes e o resultado da análise de amostras.

Outro exemplo é a diligência realizada para verificação da autenticidade de um documento que se encontra em poder do licitante. Nesse caso, será exigida a apresentação de documentos originais e suas cópias que serão autenticadas pelo agente público. O licitante também pode enviar pelos correios cópias autenticadas por cartório ou pode ainda enviar por e-mail cópias autenticadas eletronicamente por cartório.

O parágrafo 6º positiva a exigência de certificação. Mas cuidado!

Nos certames em que o objeto licitatório seja, por exemplo, projeto básico, projeto executivo, estudo, etc, a Administração poderá exigir, como condição para aceitação do objeto, que a licitante seja acreditada pelo Inmetro ou obtenha certificação emitida por organização independente acreditada pelo Inmetro.

A esse respeito, o Tribunal de Contas da União decidiu:

É regular a exigência de certificação ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da Lei 14.133/2021. A exigência de certificação em relação a “material” e “corpo técnico”, referenciados no aludido dispositivo legal, pode ser entendida como a demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional (art. 67, caput e inciso III, da Lei 14.133/2021).

Acórdão 1091/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.

 

JURISPRUDÊNCIA DO TCU

É possível a inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com relação à aplicação da prova de conceito, desde que, nos documentos relativos ao planejamento do pregão, sejam apresentadas as devidas razões, com explicitação dos benefícios decorrentes, sob pena de violação ao art. 17, §§ 1º e 3º, da Lei 14.133/2021, bem como ao princípio da motivação, previsto no art. 5º da mencionada lei. Se é cabível postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impede o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, a exemplo da prova de conceito.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no item 2 do Pregão Eletrônico 10/2023, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sob a regência da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), com vistas à seleção de empresa ou instituição especializada para realizar a “aplicação de até 100.000 pré-testes e questionários, na modalidade digital, com correção de itens objetivos e de resposta construída e produção textual”. A representante alegou que sua inabilitação teria sido indevida, pois, além de outras irregularidades que a envolveram, a decisão do pregoeiro teria ocorrido sem a realização da prova de conceito, embora esta estivesse prevista no edital. Ao adotar medida cautelar para que o Inep se abstivesse de dar prosseguimento ao item 2 do Pregão Eletrônico 10/2023, o relator promoveu as oitivas da autarquia e da vencedora da licitação, a fim de que elas se manifestassem acerca da seguinte ocorrência, entre outras: “estabelecimento de prova de conceito apenas do licitante que tenha sido considerado habilitado, em possível afronta ao disposto nos incisos IV e V e § 3º do art. 17 da Lei 14.133/2021, que levam à compreensão de que a habilitação sucede o julgamento da proposta, no qual está inserida a prova de conceito”. Em resposta, o Inep, em síntese, assinalou: i) a prova de conceito não teria o objetivo de avaliar os aspectos de capacidade logística da licitante na aplicação do exame, e sim demonstrar a sua capacidade técnica para a execução do objeto; ii) o professor Marçal Justen Filho, ao analisar a nova Lei de Licitações e Contratos, deixara registrado que a prova de conceito “pode ser utilizada para avaliar a capacitação técnica da licitante para executar a proposta objeto da licitação”, hipótese cuja finalidade será o exame da atuação subjetiva do licitante”, cabendo “a sua realização na fase de análise da habilitação”; iii) o termo de referência trabalhara a prova de conceito “dentro do contexto ampliado da qualificação técnica do licitante melhor classificado, sendo em primeiro momento a comprovação da capacidade operacional, ‘know how’ e posteriormente o potencial tecnológico”, ordem essa definida por se entender “primeiramente necessária a confirmação da capacidade de operação em larga escala e com a expertise exigida, para a posteriori promover a avaliação tecnológica, visando assim evitar possíveis custos impróprios aos licitantes que não se mostrassem aptos à execução pretendida sob o aspecto logístico e operacional”. iv) não haveria “exigência de habilitação do licitante para promoção da prova de conceito, e sim das qualidades técnicas previstas, em que a licitante primeiramente comprove seu potencial logístico para posteriormente ser avaliada tecnologicamente, o que ocorre em fases antecedentes à formalização da habilitação”; v) a representante não apresentara atestado de capacidade técnica em conformidade com o edital do certame. Por sua vez, a vencedora do certame aduziu, em essência, as seguintes considerações: i) “o art. 17, § 3º, e o art. 41, parágrafo único, da Lei 14.133/2021, o art. 29, § 1º, da IN Seges/ME 73/2022, o item 9 do Estudo Técnico Preliminar 11/2023 e o item 8.96 do TR” consagrariam o entendimento de que a prova de conceito “deve ocorrer após a realização das fases de propostas e de habilitação, na última etapa antes do julgamento definitivo da licitação”, afinal, “por ser realizada somente com o licitante provisoriamente vencedor do certame (e não apenas da fase de propostas), conforme é o entendimento do TCU, pressupõe-se a prévia realização das fases de propostas e de habilitação”; ii) a prova de conceito “compõe a fase de julgamento de propostas, e não a fase de habilitação (art. 17, § 3º da Lei 14.133/2021), no entanto, isso não implica vedação ao desmembramento dessa etapa ou vedação ao diferimento” da prova de conceito “para o último momento processual antes da declaração do licitante vencedor”, diferimento que “se justifica sob a ótica da eficiência e da racionalidade administrativa, especialmente em casos nos quais há altos custos, material e pessoal envolvidos”, como ocorrera no caso concreto; iii) a execução da prova de conceito pelo contratante exige tempo e mobilização de pessoal e de equipamentos, motivo pelo qual não seria razoável realizá-la antes da fase de habilitação, uma vez que “é possível que haja uma decisão posterior de inabilitação, o que implicaria a retomada” da prova de conceito “com múltiplos licitantes, sucessivamente, até se chegar a um resultado favorável de habilitação, que, aliás, foi justamente o que ocorreu no caso concreto: a licitante provisoriamente vencedora no lance foi posteriormente inabilitada”, de maneira que a eventual realização da prova de conceito teria sido inútil; iv) levando em consideração a eficiência administrativa e o formalismo moderado, a realização da prova de conceito “após a fase de habilitação (e antes do julgamento dos recursos) é a solução mais adequada e satisfatória, pois permite a evolução das formalidades para a futura contratação (sem a realização de múltiplas PoCs), que será aperfeiçoada após o julgamento final”; v) assim, seria “mais razoável e eficiente realizar a PoC somente com o licitante provisoriamente vencedor do certame – na última etapa antes da instauração da fase recursal e do encerramento da licitação”. Ao apreciar as justificativas trazidas aos autos, a unidade técnica frisou que, ao contrário do que afirmara a vencedora do certame, as normas por ela citadas não definem que a prova de conceito deve ocorrer após a realização das fases de propostas e de habilitação, na última etapa antes do julgamento definitivo da licitação. Nesse sentido, transcreveu os aludidos dispositivos da Lei 14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência: I - preparatória; II - de divulgação do edital de licitação; III - de apresentação de propostas e lances, quando for o caso; IV - de julgamento; V - de habilitação; VI - recursal; VII - de homologação. § 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação. (...) § 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico”. Concluiu então que, ao contrário do que asseverara a vencedora, os dispositivos acima “afirmam que a prova de conceito integra a fase de julgamento das propostas, e que esta deve anteceder a habilitação”. Dessa forma, “pelo rito ordinário previsto no art. 17 da Lei 14.133/2021, a prova de conceito deve ser realizada antes da análise da habilitação dos licitantes”. A unidade instrutiva pontuou também não ser verdadeiro o argumento de que o entendimento do TCU é no sentido de que a prova de conceito pressupõe a prévia realização das fases de propostas e de habilitação. Como exemplo, mencionou o Acórdão 2763/2013-Plenário, em que restara consignado que a prova de conceito pode ser exigida do licitante provisoriamente classificado em primeiro lugar, mas não como condição de habilitação, por inexistência de previsão legal. Por outro lado, continuou a unidade técnica, o art. 17, § 1º, da Lei 14.133/2021 traz a possibilidade de que a fase de habilitação, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceda as fases de apresentação de propostas e lances e de julgamento, desde que expressamente previsto no edital de licitação. E arrematou: “se é possível postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impediria o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, no caso, referente à prova de conceito. Apesar de as justificadas apresentadas agora para a inversão de fases serem razoáveis, e do fato de que, a princípio, não houve prejuízos à disputa, não constou, nos documentos da contratação, a devida motivação para a implementação de tal medida, tal como determina o § 1º do art. 17 da Lei 14.133/2021, sendo necessária a expedição de ciência à Unidade Jurisdicionada quanto a esse ponto”. Em seu voto, o relator destacou que a exigência de prova de conceito somente após a habilitação do licitante estaria, com efeito, na contramão do que preconiza a Lei 14.133/2021, haja vista que “a prova de conceito integra a fase de julgamento das propostas, e esta deve anteceder a de habilitação, conforme o rito ordinário previsto em seu art. 17, caput e incisos”. No entanto, ponderou o relator na esteira do que fora sustentado pela unidade instrutiva, o art. 17, § 1º, da referida lei “traz a possibilidade de que a fase de habilitação, mediante ato motivado, com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceda as fases de apresentação de propostas e lances e de julgamento, desde que expressamente prevista no edital de licitação”, e, se é possível postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impediria o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas; no caso, a prova de conceito”. Para ele, conquanto fossem razoáveis as justificativas apresentadas a posteriori pelo Inep para a inversão de fases, não constara, nos documentos que embasaram a contratação, a devida motivação para a implementação de tal medida, como determina o art. 17, § 1º, da Lei 14.133/2021. Embora não se pudesse dizer que a inversão de fases, por si só, tivesse causado prejuízos à disputa, o relator entendeu necessária a expedição de ciência ao Inep quanto à irregularidade em comento. Assim sendo, ele propôs, e o Plenário decidiu, entre outras medidas, dar ciência ao Inep quanto à “ausência nos documentos ligados ao planejamento do Pregão Eletrônico 10/2023 das devidas razões – explicitando os benefícios decorrentes – para a inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com relação à aplicação da prova de conceito, o que violou os §§ 1º e 3º do art. 17 da Lei 14.133/2021, bem como o princípio da motivação, previsto no art. 5º da mesma norma”.

Acórdão 387/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Jhonatan de Jesus.

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É regular a exigência de certificação ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da Lei 14.133/2021. A exigência de certificação em relação a “material” e “corpo técnico”, referenciados no aludido dispositivo legal, pode ser entendida como a demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional (art. 67, caput e inciso III, da Lei 14.133/2021).

 

Representação formulada ao TCU indicou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 427/2024, promovido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sob a regência da Lei 14.133/2021, com valor estimado de R$ 7.772.946,59, cujo objeto era a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de sustentação de infraestrutura do ambiente tecnológico do Dnit. A empresa representante alegou, em suma, que sua inabilitação fora indevida, por decorrer da exigência ilegal de certificação ISO 9001 na fase de habilitação, o que teria restringido a competitividade do certame. Argumentou que seus atestados de conformidade já seriam suficientes para comprovar a qualificação técnica exigida, além de sustentar que a ISO 20000 já contemplaria os principais requisitos da ISO 9001, tornando a exigência cumulativa desnecessária. Em sua instrução inicial, a unidade técnica destacou que o edital do PE 427/2024 exigira, como condição de habilitação, a apresentação de certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001, o que poderia, sim, configurar cláusula restritiva à competitividade, sobretudo por “ausência de justificativa técnica objetiva e proporcionalidade entre as exigências e o objeto contratado”. Em razão disso, propôs, no mérito, o envio de ciência ao Dnit quanto às impropriedades constatadas. O relator não acolheu a proposta, decidindo por, preliminarmente, realizar oitiva a fim de que fossem apresentadas justificativas acerca da “exigência de certificações ISO 9001, 20000 e 27001 como requisitos de habilitação, inclusive demonstrando a adequação da exigência à Lei 14.133/2021; razões por que as certificações não podem ser exigidas apenas da futura contratada, com prazo adequado para esta obtê-las; eventual sobreposição desnecessária de requisitos, pois a ISO 20000 abrangeria o contido na ISO 9001”. Em resposta, o Dnit afirmou que a exigência das certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001 se dera com fundamento nos arts. 17, § 6º, e 42, inciso III, da Lei 14.133/2021, os quais permitem, segundo sua interpretação, a exigência de certificações como requisitos de habilitação técnica, especialmente quando justificadas tecnicamente em função da complexidade do objeto. Pontuou que a criticidade da infraestrutura de TI da autarquia, composta por “aproximadamente 695 máquinas virtuais, sendo 250 responsáveis por aplicações estratégicas como SIOR, SIAC, SUPRA e SEI”, justificava a necessidade de elevado padrão técnico-operacional das empresas contratadas. Defendeu, ainda, que a futura migração de serviços para a nuvem reforçava a necessidade de maturidade técnica e aderência a padrões internacionais de qualidade e segurança, os quais seriam demonstrados pelas certificações exigidas. Quanto à ISO 9001, o Dnit salientou que sua exigência decorrera da necessidade de padronização de processos e melhoria contínua, especialmente no contexto da implantação de “ambientes DevOps e DevSecOps”. A ISO 20000, por sua vez, fora considerada essencial por estar alinhada às “melhores práticas do ITIL”, assegurando eficiência na operação e na gestão dos serviços de TI. Já a ISO 27001 teria sido solicitada em razão do elevado volume de ataques cibernéticos no país, exigindo da contratada estrutura e processos robustos de segurança da informação, com a contratação de equipes especializadas (“Red Team e Blue Team”). A entidade também justificou a exigência das certificações na fase de habilitação, e não apenas da empresa contratada, sob o argumento de que os prazos para obtenção dessas certificações seriam longos, podendo alcançar até doze meses, envolvendo um processo contínuo e complexo, que não estaria limitado à obtenção do selo. Acrescentou que “a certificação exige a implementação de padrões e a comprovação de experiência prévia nesses padrões de qualidade e segurança”, os quais, segundo a entidade, não poderiam ser garantidos por empresa que já não tivesse as certificações exigidas. Por fim, o Dnit registrou não ter havido restrição à competitividade, haja vista que oito empresas participaram do certame, e que outras licitantes teriam sido excluídas da disputa por motivos diversos da ausência das certificações. A diferença de apenas R$ 0,60 entre a proposta da empresa representante e a da empresa vencedora da licitação também foi utilizada pelo Dnit como argumento de que não teria havido impacto econômico relevante decorrente da exigência impugnada. Para a unidade instrutiva, a defesa do Dnit baseara-se em fundamentos genéricos e descolados de análise técnica específica e contextualizada. Em nenhum momento, segundo ela, fora demonstrado de forma objetiva por que a exigência de cada uma das certificações, especialmente da ISO 9001, seria imprescindível ao alcance dos objetivos contratuais. A entidade também não teria apresentado estudo técnico, avaliação de riscos, falhas pregressas ou evidência empírica que permitisse inferir que a exigência cumulativa das três certificações seria a única forma de mitigar riscos à execução do objeto. Ainda de acordo com a unidade instrutiva, o conteúdo da Nota Técnica 9/2025/CGTI/DAF, trazida aos autos pelo Dnit, limitara-se a apresentar conceitos e enumerações de boas práticas, sem realizar a devida correlação técnica entre os requisitos normativos e as especificidades do contrato, estando assim em conflito com o entendimento consolidado do TCU de que a exigência de certificações ISO na fase de habilitação é vedada, exceto se demonstrada, de forma técnica e objetiva, sua essencialidade para a execução do contrato, o que não foi evidenciado no presente caso”. Assinalou, ainda, que o Tribunal já se posicionara reiteradamente contra esse tipo de exigência, pois “pode restringir a competitividade e afastar concorrentes que, embora não certificados, possuam plena capacidade técnica para executar o objeto licitado”, a exemplo dos Acórdãos 1085/2011539/2015 e 2129/2021, todos do Plenário. Consoante a unidade técnica, as justificativas apresentadas não teriam indicado, por exemplo, por que a ISO 20000, norma voltada especificamente à gestão de serviços de TI, não seria suficiente para assegurar os padrões de qualidade e eficiência almejados pela Administração. Tampouco se demonstrara por que a ISO 9001, de escopo genérico, seria imprescindível à execução de um contrato com objeto claramente delimitado à área de tecnologia da informação. O Dnit também não teria respondido, de forma específica, o questionamento quanto à sobreposição entre as normas ISO 9001 e ISO 20000, limitando-se a reafirmar sua tese inicial de complementaridade entre os sistemas de gestão. Na sequência, a unidade instrutiva ponderou que, embora reconhecesse que a exigência cumulativa das certificações não teria sido, no caso concreto, justificada de forma técnica e objetiva, seria razoável considerar que “as certificações ISO 20000 e ISO 27001 guardam relação mais direta com o objeto da contratação, qual seja, a sustentação da infraestrutura tecnológica do Dnit. A ISO 20000 é uma norma internacional voltada especificamente à gestão de serviços de TI, sendo, portanto, inerente ao escopo dos serviços contratados. Já a ISO 27001, por sua vez, trata da segurança da informação, elemento essencial em ambientes com grande volume de dados sensíveis e operações críticas, como no caso da autarquia”, além do que “diversos princípios de gestão da qualidade previstos na ISO 9001 – como a melhoria contínua, a padronização de processos e o foco no cliente – estão incorporados nos requisitos da ISO 20000”. Destarte, à luz da razoabilidade, uma exigência fundamentada exclusivamente na ISO 20000 e na ISO 27001 poderia, a seu ver, ser considerada mais proporcional e condizente com os objetivos contratuais, “desde que devidamente motivada”. Em relação à possibilidade de exigência das certificações ISO apenas da empresa contratada, a unidade técnica considerou que as justificativas apresentadas pelo Dnit careciam de robustez técnica e não eram corroboradas pelos elementos constantes dos autos. Apesar de a entidade ter afirmado que o processo de certificação levaria entre seis e doze meses, os documentos juntados pela empresa autora da representação apontariam uma realidade distinta, com evidências de que o processo poderia ser concluído em prazo significativamente inferior ao alegado, colocando em dúvida a generalização apresentada pela entidade. Quanto à argumentação do Dnit de que a obtenção da certificação não se resumiria ao recebimento do selo, envolvendo um processo de maturação organizacional que incluiria experiência prática nos padrões certificados, a unidade técnica entendeu que ela não se sustentava, uma vez que “a certificação, por definição, pressupõe que a organização já opere conforme os padrões estabelecidos pela norma. A emissão do certificado apenas chancela formalmente a capacidade de uma organização, razão pela qual a exigência de experiência prévia nos padrões certificados perde força lógica. Da mesma forma, a posse do selo não garante, por si só, que os processos certificados estejam sendo efetivamente praticados.”. A despeito de reconhecer a dificuldade que é, muitas vezes, para a Administração contratante avaliar e assegurar os padrões de qualidade exigidos na certificação, na sua ótica “não se justifica a exigência da certificação como critério de habilitação”, pois a licitante “já pode operar com esses padrões, mas apenas não fez a certificação exigida, até mesmo porque envolve custos. Nada impede, todavia, que uma vez vencedora do certame, adote as providências para retirar sua certificação.”. No que diz respeito à alegação de que a presença de oito empresas no certame teria afastado a restrição à competitividade, a unidade instrutiva retrucou que tal argumento não se sustentava à luz da jurisprudência do TCU, tendo em vista que a análise da restrição à competitividade “não pode se limitar à quantidade de licitantes, mas deve considerar se as condições estabelecidas no edital produziram efeitos concretos de exclusão indevida”, a exemplo dos Acórdãos 2066/2016 e 3306/2014, ambos do Plenário. E arrematou: “a exigência das certificações ISO 9001, 20000 e 27001 como critério de habilitação, sem a devida motivação técnica específica e objetiva de que tais certificações seriam imprescindíveis à execução do objeto, configura violação ao princípio da competitividade, além de contrariar a jurisprudência consolidada deste Tribunal”. Nada obstante a indevida exigência da certificação ISO como critério de habilitação, sem a demonstração, de forma técnica e objetiva, de sua essencialidade para a execução do contrato, mas levando em conta que a exigência não resultara em prejuízo econômico para a Administração – a diferença de preço entre a proposta da empresa representante e o valor ofertado pela empresa vencedora fora de apenas R$ 0,60 –, a unidade técnica considerou suficiente dar ciência ao Dnit sobre as irregularidades identificadas. Em seu voto, para início de abordagem, o relator transcreveu os seguintes dispositivos da Lei 14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência: § 6º A Administração poderá exigir certificação por organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de: I - estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos; II - conclusão de fases ou de objetos de contratos; III - material e corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.” (...) Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios: III - certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada” (grifos do relator). Depreendeu então que, “em relação ao estatuto anterior de licitações, a nova norma guarda mais flexibilidade no tocante à exigência de certificações técnicas como requisitos de habilitação e classificação”, ao permitir a exigência de certificação como “requisito de habilitação em relação ao material e corpo técnico da licitante (art. 17, § 6º, inciso III)”. E como a habilitação diz respeito ao “conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação”, a exigência de certificação referente a “material e corpo técnico”, a seu ver, enquadrar-se-ia no atendimento dos requisitos técnicos de habilitação, ou seja, na “demonstração da capacidade de adequadamente executar o objeto do contrato”. Dito de outra forma, essa certificação enquadrar-se-ia nos requisitos técnico-profissional e técnico-operacional, pois seria possível compreender que “os elementos da capacidade operacional de uma empresa, previstos no inciso III do art. 67 da Lei 14.133/2021, são mão de obra, equipamentos e tecnologia, os quais podem ser entendidos nos termos legais de ‘material’ e ‘corpo técnico’ a que se refere o art. 17, inciso III, da Lei 14.133/2021”. Resumindo, a exigência de certificação em relação a esses dois requisitos poderia ser entendida como a “demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional”. Retomando o caso concreto, o relator asseverou que a controvérsia se encontrava na exigência simultânea das normas ISO 9001 e 20000, as quais, seguindo a autora da representação, seriam redundantes, mas que, em princípio, as justificativas do Dnit para a exigência de ambas as certificações “foram exercidas dentro do poder discricionário do gestor”, vislumbrando “espaço, pois, para a aplicação do princípio da deferência administrativa”. Nesse sentido, não seria o caso de o TCU se manifestar sobre o mérito da exigência cumulativa de ambas as certificações, até porque “a exigência das duas certificações simultâneas não apresentou prejuízo em concreto ou afetou a competitividade do certame, pois ambas as empresas – a representante, sem a certificação ISO 9001, e a provisoriamente vencedora, com a certificação ISO 9001 – apresentaram propostas com valores praticamente idênticos”. Especificamente quanto ao momento da exigência da apresentação das certificações, ele enfatizou que “a norma legal rege que ocorrerá quando da habilitação. Assim, sob esse aspecto, não há o que se questionar da conduta do Dnit”. Deixou assente também que, caso se exigissem as certificações apenas da empresa vencedora, como requisito da celebração do contrato, seria possível evitar que as empresas incorressem em custos para a sua obtenção apenas com o propósito de participar da licitação e, assim, seria aumentada a competitividade do certame. No entanto, a obtenção das certificações pelas empresas “não seria automática e poderia demorar meses”, prejudicando assim “a entrega dos serviços e comprometendo a continuidade das operações”, de forma que, no caso concreto, as alegações do Dnit a respeito estariam dentro do seu espaço de discricionariedade. Ao final, acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu considerar improcedente a representação.

Acórdão 1091/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.

 

 

Caros pregoeiros e licitantes, a melhor fonte de conhecimento sobre licitações se chama TCU - Tribunal de Contas da União. Leiam atentamente os acórdãos do TCU, pois eles trazem ensinamentos e recomendações importantíssimos, e tenham a certeza de estarem realizando um grande serviço à sociedade.

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domingo, 3 de dezembro de 2017

Em contratações de serviços de software, não há amparo legal para a exigência de certificado de qualidade de processo de software, a exemplo de CMMi ou MPS.BR, como requisito de habilitação no certame licitatório.




Representação formulada por sociedade empresária questionou a sua exclusão da fase de habilitação de pregão eletrônico promovido pela Caixa Econômica Federal (Caixa) para a contratação de serviços de fábrica de software. O motivo para a desqualificação da empresa fora a não apresentação de certificação CMMi, com o nível 3 ou superior, ou, alternativamente, MPS.BR, de nível C ou superior. A representante argumentou que esse tipo de exigência, na fase de habilitação, fere a Lei 8.666/1993 por não ser condição prevista no rol taxativo do art. 30. No seu voto, o relator destacou posicionamento da unidade técnica no sentido de que o TCU permite “a exigência de certificação de qualidade em licitações para a contratação na modalidade fábrica de software desde que: (i) devidamente comprovada sua necessidade em face da complexidade dos serviços; e (ii) compatível com a própria maturidade do órgão contratante em avaliar, técnica e qualitativamente, os artefatos e produtos gerados pela contratada”. Em reforço a esse posicionamento, o relator assinalou que “várias decisões do TCU têm admitido que os órgãos condicionem a prestação de determinados serviços de TI à comprovação de atendimento a um padrão de eficiência de processo de software mínimo na fase de execução do contrato, mas não chegam a admitir como regular a exigência das respectivas certificações como requisito para a habilitação em licitação. Ressaltou que a unidade do Tribunal especializada em TI elaborou a Nota Técnica 5/2010, cujo teor compilado sobre o assunto dispõe: “É vedada a exigência de avaliação (ou ‘certificado’) de qualidade de processo de software, a exemplo de CMMi ou MPS.BR, como requisito para habilitação em licitação, por ausência de previsão legal, por implicar em despesas anteriores à contratação e desnecessárias à competição e por ferir a isonomia, restringindo injustificadamente a competição.” Mencionando acórdãos do Plenário que apontam no mesmo sentido, mas ressalvando que esse entendimento merece ser revisto e aprimorado, o relator concluiu que, no caso examinado, não havia como admitir a regularidade da exigência feita pela Caixa. Desse modo, considerando a natureza estratégica dos serviços licitados e que houve nível adequado de competição, o relator ponderou que a única limitação imposta pela adoção do critério irregular de habilitação foi a exclusão da representante, razão pela qual sugeriu, e o Colegiado acatou: i) assinar prazo de quinze dias para que a Caixa adote as providências visando à anulação do ato que inabilitou a proposta da representante, bem como dos atos subsequentes, reiniciando o processo licitatório ao momento de análise da mencionada proposta; ii) dar ciência à Caixa “de que a exigência de certificados de qualidade de processo de software (CMMI, MPS.BR etc.) para fins de habilitação contraria o art. 30 da Lei 8.666/1993 e a jurisprudência do TCU”.
Acórdão 2468/2017 Plenário, Representação, Relator Ministro José Múcio Monteiro.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

É ilegal a exigência do Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle (CBPF) como requisito de habilitação técnica em procedimentos licitatórios para compra de insumos empregados nos serviços .....



É ilegal a exigência do Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle (CBPF) como requisito de habilitação técnica em procedimentos licitatórios para compra de insumos empregados nos serviços públicos de saúde, pois: a) inexiste previsão específica em lei para tal exigência, afrontando o art. 30, inciso IV, da Lei 8.666/1993, cuja interpretação deve ser restritiva; b) o CBPF não garante o cumprimento das obrigações assumidas pelo particular perante o Poder Público; e c) constitui exigência excessiva, uma vez que o efetivo registro de medicamentos pressupõe a adoção prévia, pelo fabricante, das boas práticas de fabricação.
O Plenário do TCU apreciou Representação acerca de possível irregularidade ocorrida no Ministério da Saúde (MS), relacionada ao estabelecimento de exigência, como requisito de habilitação, do Certificado de Boas Práticas de Fabricação e Controle (CBPF) nas licitações de medicamentos, conforme previsão do art. 5º, inciso III, da Portaria/GM/MS 2.814/1998, c/c art. 2º, § 1º, da Portaria Interministerial 128/2008-MPOG/MS/MCT/MDIC. Em suas justificativas, o MS esclarecera, em síntese, que o CBFP “é exigido para fins de aceitação, pela Administração, dos produtos adquiridos (obrigação contratual da empresa fornecedora), e não mais como requisito de habilitação nos procedimentos licitatórios”, sendo ainda tal certificação indispensável para o registro de medicamentos, conforme disposição expressa no art. 12 da Lei 6.360/1976. Ao examinar o mérito, o relator registrou que o Tribunal já se manifestou diversas vezes no sentido de que a exigência do CBPF como requisito de qualificação técnica é ilegal, mencionando alguns julgados nesse sentido (Acórdãos 128/2010-Plenário, 2940/2010-1ª Câmara, 392/2011-Plenário, 774/2013-2ª Câmara, 1392/2014-Plenário, entre outros). Reproduziu ainda trecho da análise da unidade técnica que resumira o entendimento do TCU sobre a questão: “13. Das decisões suprarrelacionadas, extraem-se os motivos para a impossibilidade de o CBPF ser adotado como requisito de habilitação: a) a inexistência de previsão legal específica, afrontando-se o art. 30, inciso IV, da Lei 8.666/1993; b) a necessidade de interpretar restritivamente o Estatuto das Licitações quanto às exigências de habilitação, em apreço à ampliação da competitividade dos certames promovidos pela Administração Pública; c) a imprestabilidade de o CBPF garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo particular perante o Poder Público; e d) o caráter excessivo da exigência do CBPF, em razão de o efetivo registro de medicamentos pressupor a adoção prévia, pelo fabricante, das boas práticas de fabricação.” Em relação aos padrões de qualidade dos medicamentos, o relator destacou entendimento do órgão jurídico do MS, segundo o qual “a simples exigência de Certificado de Boas Práticas de Fabricação, s.m.j., não garante, por si, a qualidade do medicamento (...). Realmente, os riscos de desvios de qualidade ‘não podem ser detectados somente no momento da concessão do registro do medicamento/correlato/insumo’. Também não devem ser averiguados somente para a concessão de Certificados de Boas Práticas. Em verdade, para a segurança do Ministério da Saúde, devem ser aferidas com relação aos produtos por ele adquiridos, através de testes de qualidade, e, caso entenda prudente a área técnica, através da exigência (nas obrigações da empresa) de que tais produtos foram fabricados na vigência do CBPF”. Por fim, registrou o relator que “no caso de medicamentos, cuja aquisição deve ser realizada obrigatoriamente por meio de pregão eletrônico, uma vez que a descrição dos itens pode ser realizada de maneira objetiva, não se vislumbra a possibilidade de realizar uma licitação com pontuação técnica para o certificado de qualidade”. O Tribunal, acompanhando o relator, considerou a Representação procedente e determinou ao MS que “adeque seus normativos infralegais (Portaria/GM/MS 2.814), bem como efetue gestão junto às demais pastas responsáveis pela Portaria Interministerial 128/2008- MPOG/MS/MCT/MDIC, visando excluir os dispositivos que instituam o Certificado de Boas Práticas de Fabricação como requisito de qualificação ou habilitação técnica dos licitantes nos procedimentos licitatórios para compra de insumos empregados nos serviços públicos de saúde ...”.
Acórdão 4788/2016 Primeira Câmara, Representação, Relator Ministro Bruno Dantas.