COMENTÁRIO 17
COMENTÁRIO 17
LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021
Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes
fases, em sequência:
II - de divulgação do edital de licitação;
III - de apresentação de propostas e lances, quando for o
caso;
§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá,
mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as
fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no
edital de licitação.
§ 2º As licitações serão realizadas preferencialmente sob a
forma eletrônica, admitida a utilização da forma presencial, desde que
motivada, devendo a sessão pública ser registrada em ata e gravada em áudio e
vídeo.
§ 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se refere
o inciso IV do caput deste
artigo, o órgão ou entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente
vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante
homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre
outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência
às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.
§ 4º Nos procedimentos realizados por meio eletrônico, a
Administração poderá determinar, como condição de validade e eficácia, que os
licitantes pratiquem seus atos em formato eletrônico.
§ 5º Na hipótese excepcional de licitação sob a forma
presencial a que refere o § 2º deste artigo, a sessão pública de apresentação
de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos
autos do processo licitatório depois de seu encerramento.
§ 6º A Administração poderá exigir certificação por
organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de:
I - estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos;
II - conclusão de
fases ou de objetos de contratos;
III - material e
corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.
Comentários:
Os artigos seguintes tratarão de dar
maiores detalhes sobre as fases tratadas neste artigo 17, motivo pelo qual, não
me deterei em dar maiores explicações sobre eles agora.
A Fase Preparatória é fase interna. A fase
externa se inicia com a divulgação do edital e segue com a apresentação de
propostas, julgamento, habilitação e adjudicação, recurso e homologação.
O parágrafo 1º deste artigo 17 traz a
previsão de inversão das fases, ou seja, a HABILITAÇÃO poderá anteceder a apresentação
de PROPOSTA e julgamento da mesma, desde que o ato de inversão seja motivado e
explicitados os benefícios dele decorrente. Essa previsão de “reversão” deve
estar no edital. Peço licença para cunhar essa palavra “reversão” pois não
encontrei melhor para significar o oposto da já conhecida “inversão” de fase.
Se outros já o fizeram, peço desculpas pela pretensão.
O acima citado parágrafo 1º traz, na minha
modesta opinião, o medo da ruptura com os arcaicos, ineficientes e
antieconômicos métodos licitatórios. Alguns dirão que é prudência, pois no
universo das licitações poderá existir pelo menos uma que necessite dessa “reversão”
de fases. Desconheço essa licitação, mas... o universo é grande! Vamos aguardar
o primeiro edital a trazer essa possibilidade. Tenho certeza de que o TCU
também está aguardando ansiosamente essa brilhante peça editalícia.
A hipótese acima, da “reversão” de fases,
trazida pelo §1º, se vier a ser utilizada terá que vir acompanhada da justificativa
de que é a melhor opção e que supera as vantagens obtidas com a inversão de
fase trazida pelo pregão. Antes, se tivéssemos cem competidores em uma sessão
licitatória teríamos que analisar a documentação de HABILITAÇÃO das cem
empresas e julgá-las. Após esse julgamento tínhamos uma fase recursal para que
as empresas se manifestassem sobre o julgamento da documentação de habilitação.
Com isso havia a possibilidade de perda de tempo de semanas, meses de longas
batalhas. As empresas que sobrevivessem a essa etapa participariam da etapa
seguinte de abertura dos envelopes das PROPOSTAS. Essa fase de proposta também
tinha a sua fase recursal.
Quando o inovador pregão surgiu no
cenário, ele veio com a brilhante ideia de fase recursal única e inversão das
fases de habilitação e proposta onde primeiro se discutiam os preços das
PROPOSTAS e quando se tinha um vencedor dessa fase é que se abria o envelope da
HABILITAÇÃO (somente do provisoriamente vencedor). Se fosse inabilitado,
discutia-se (negociava) o preço do próximo licitante e depois abria seu
envelope de habilitação e assim sucessivamente até encontrar o vencedor. Isso
tudo acontecia com o devido respeito ao princípio da celeridade.
Resta-nos aguardar.
O parágrafo segundo traz a possibilidade de
ainda termos licitações presenciais devendo
a sessão pública ser registrada em ata (...), gravada em áudio e vídeo e
ser juntada aos autos do processo depois do seu encerramento. Mas tem que haver
uma boa justificativa para a realização de certame presencial.
No artigo 12 fiz um comentário a respeito
das sessões presenciais, de modo que agora limitar-me-ei a dizer que o Brasil é
grande e desigual, motivo pelo qual esse tipo de sessão pública ainda deve
acontecer. Esperámos que num futuro muito breve tudo seja eletrônico. É mais
célere e muito menos dispendioso do que a sessão presencial com todo esse
aparato de áudio e vídeo.
O parágrafo terceiro traz a previsão de se
exigir amostra, exame de conformidade e
prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a
comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou
no projeto básico. Fica aqui evidente que esse parágrafo também prestigia a
jurisprudência do TCU. Também está claro que essas exigências serão feitas na
fase de julgamento de PROPOSTA; que tem que haver expressa previsão editalícia
e essa exigência deve recair apenas no licitante provisoriamente vencedor.
O parágrafo quarto deixa a cargo da
Administração determinar que nos procedimentos realizados por meio eletrônico
só serão válidos e eficazes os atos que forem praticados por meio eletrônico.
Mesmo em um pregão eletrônico, nem todos
os atos poderão ser praticados em meio eletrônico. Um exemplo é a sessão
pública de apresentação e análise de amostras ou a realização da prova de
conceito. Nunca é demais deixar claro que o pregoeiro deve marcar a sessão de
análise de amostras e convidar todos os licitantes a participarem, com
antecedência. Na sessão de análise de amostras será produzida uma ata indicando
os participantes e o resultado da análise de amostras.
Outro exemplo é a diligência realizada
para verificação da autenticidade de um documento que se encontra em poder do
licitante. Nesse caso, será exigida a apresentação de documentos originais e
suas cópias que serão autenticadas pelo agente público. O licitante também pode
enviar pelos correios cópias autenticadas por cartório ou pode ainda enviar por
e-mail cópias autenticadas eletronicamente por cartório.
O parágrafo 6º positiva a exigência de
certificação. Mas cuidado!
Nos certames em que o objeto licitatório seja,
por exemplo, projeto básico, projeto executivo, estudo, etc, a Administração
poderá exigir, como condição para aceitação do objeto, que a licitante seja
acreditada pelo Inmetro ou obtenha certificação emitida por organização
independente acreditada pelo Inmetro.
A esse respeito, o Tribunal de Contas da
União decidiu:
É regular a exigência de certificação
ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da
Lei 14.133/2021. A exigência de certificação em relação a “material” e “corpo
técnico”, referenciados no aludido dispositivo legal, pode ser entendida como a
demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a
experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua
própria capacidade operacional (art. 67, caput e inciso III, da Lei 14.133/2021).
Acórdão
1091/2025 Plenário, Representação, Relator
Ministro Benjamin Zymler.
JURISPRUDÊNCIA DO TCU
É
possível a inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com
relação à aplicação da prova de conceito, desde que, nos documentos relativos
ao planejamento do pregão, sejam apresentadas as devidas razões, com
explicitação dos benefícios decorrentes, sob pena de violação ao art. 17, §§ 1º
e 3º, da Lei 14.133/2021, bem como ao princípio da motivação, previsto no art.
5º da mencionada lei. Se é cabível postergar toda a fase de julgamento das
propostas para depois da habilitação, nada impede o postergamento de apenas uma
parte da avaliação das propostas, a exemplo da prova de conceito.
Representação formulada ao TCU apontou
possíveis irregularidades no item 2 do Pregão Eletrônico 10/2023, promovido
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) sob a regência da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos
Administrativos), com vistas à seleção de empresa ou instituição especializada
para realizar a “aplicação de até 100.000 pré-testes e questionários, na
modalidade digital, com correção de itens objetivos e de resposta construída e
produção textual”. A representante alegou que sua inabilitação teria sido
indevida, pois, além de outras irregularidades que a envolveram, a decisão do
pregoeiro teria ocorrido sem a realização da prova de conceito, embora esta
estivesse prevista no edital. Ao adotar medida cautelar para que o Inep se
abstivesse de dar prosseguimento ao item 2 do Pregão Eletrônico 10/2023, o
relator promoveu as oitivas da autarquia e da vencedora da licitação, a fim de
que elas se manifestassem acerca da seguinte ocorrência, entre outras: “estabelecimento
de prova de conceito apenas do licitante que tenha sido considerado habilitado,
em possível afronta ao disposto nos incisos IV e V e § 3º do art. 17 da Lei
14.133/2021, que levam à compreensão de que a habilitação sucede o julgamento
da proposta, no qual está inserida a prova de conceito”. Em resposta, o
Inep, em síntese, assinalou: i) a prova de conceito não teria o objetivo de
avaliar os aspectos de capacidade logística da licitante na aplicação do exame,
e sim demonstrar a sua capacidade técnica para a execução do objeto; ii) o
professor Marçal Justen Filho, ao analisar a nova Lei de Licitações e
Contratos, deixara registrado que a prova de conceito “pode ser utilizada
para avaliar a capacitação técnica da licitante para executar a proposta objeto
da licitação”, hipótese cuja “finalidade será o
exame da atuação subjetiva do licitante”, cabendo “a sua realização na
fase de análise da habilitação”; iii) o termo de referência trabalhara a
prova de conceito “dentro do contexto ampliado da qualificação técnica do
licitante melhor classificado, sendo em primeiro momento a comprovação da
capacidade operacional, ‘know how’ e posteriormente o potencial tecnológico”,
ordem essa definida por se entender “primeiramente necessária a confirmação
da capacidade de operação em larga escala e com a expertise exigida, para a
posteriori promover a avaliação tecnológica, visando assim evitar possíveis
custos impróprios aos licitantes que não se mostrassem aptos à execução
pretendida sob o aspecto logístico e operacional”. iv) não haveria “exigência
de habilitação do licitante para promoção da prova de conceito, e sim das
qualidades técnicas previstas, em que a licitante primeiramente comprove seu
potencial logístico para posteriormente ser avaliada tecnologicamente, o que
ocorre em fases antecedentes à formalização da habilitação”; v) a
representante não apresentara atestado de capacidade técnica em conformidade
com o edital do certame. Por sua vez, a vencedora do certame aduziu, em
essência, as seguintes considerações: i) “o art. 17, § 3º, e o art. 41,
parágrafo único, da Lei 14.133/2021, o art. 29, § 1º, da IN Seges/ME 73/2022, o
item 9 do Estudo Técnico Preliminar 11/2023 e o item 8.96 do TR”
consagrariam o entendimento de que a prova de conceito “deve ocorrer após a
realização das fases de propostas e de habilitação, na última etapa antes do
julgamento definitivo da licitação”, afinal, “por ser realizada somente
com o licitante provisoriamente vencedor do certame (e não apenas da fase de
propostas), conforme é o entendimento do TCU, pressupõe-se a prévia realização
das fases de propostas e de habilitação”; ii) a prova de conceito “compõe
a fase de julgamento de propostas, e não a fase de habilitação (art. 17, § 3º
da Lei 14.133/2021), no entanto, isso não implica vedação ao desmembramento
dessa etapa ou vedação ao diferimento” da prova de conceito “para o
último momento processual antes da declaração do licitante vencedor”,
diferimento que “se justifica sob a ótica da eficiência e da racionalidade
administrativa, especialmente em casos nos quais há altos custos, material e
pessoal envolvidos”, como ocorrera no caso concreto; iii) a execução da
prova de conceito pelo contratante exige tempo e mobilização de pessoal e de
equipamentos, motivo pelo qual não seria razoável realizá-la antes da fase de
habilitação, uma vez que “é possível que haja uma decisão posterior de
inabilitação, o que implicaria a retomada” da prova de conceito “com
múltiplos licitantes, sucessivamente, até se chegar a um resultado favorável de
habilitação, que, aliás, foi justamente o que ocorreu no caso concreto: a
licitante provisoriamente vencedora no lance foi posteriormente inabilitada”,
de maneira que a eventual realização da prova de conceito teria sido inútil;
iv) levando em consideração a eficiência administrativa e o formalismo
moderado, a realização da prova de conceito “após a fase de habilitação (e
antes do julgamento dos recursos) é a solução mais adequada e satisfatória,
pois permite a evolução das formalidades para a futura contratação (sem a
realização de múltiplas PoCs), que será aperfeiçoada após o julgamento final”;
v) assim, seria “mais razoável e eficiente realizar a PoC somente com o
licitante provisoriamente vencedor do certame – na última etapa antes da
instauração da fase recursal e do encerramento da licitação”. Ao apreciar
as justificativas trazidas aos autos, a unidade técnica frisou que, ao
contrário do que afirmara a vencedora do certame, as normas por ela citadas não
definem que a prova de conceito deve ocorrer após a realização das fases de
propostas e de habilitação, na última etapa antes do julgamento definitivo da
licitação. Nesse sentido, transcreveu os aludidos dispositivos da Lei
14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases,
em sequência: I - preparatória; II - de divulgação do edital de licitação; III
- de apresentação de propostas e lances, quando for o caso; IV - de julgamento;
V - de habilitação; VI - recursal; VII - de homologação. § 1º A fase referida
no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com
explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos
incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no
edital de licitação. (...) § 3º Desde que previsto no edital, na fase a que se
refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou entidade licitante poderá,
em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação
da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de
conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da
Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no
termo de referência ou no projeto básico”. Concluiu então que, ao
contrário do que asseverara a vencedora, os dispositivos acima “afirmam que
a prova de conceito integra a fase de julgamento das propostas, e que esta deve
anteceder a habilitação”. Dessa forma, “pelo rito ordinário
previsto no art. 17 da Lei 14.133/2021, a prova de conceito deve ser realizada
antes da análise da habilitação dos licitantes”. A unidade instrutiva
pontuou também não ser verdadeiro o argumento de que o entendimento do TCU é no
sentido de que a prova de conceito pressupõe a prévia realização das fases de
propostas e de habilitação. Como exemplo, mencionou o Acórdão 2763/2013-Plenário, em que restara consignado que a prova de
conceito pode ser exigida do licitante provisoriamente classificado em primeiro
lugar, mas não como condição de habilitação, por inexistência de previsão
legal. Por outro lado, continuou a unidade técnica, o art. 17, § 1º, da Lei
14.133/2021 traz a possibilidade de que a fase de habilitação, mediante ato
motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceda as fases de
apresentação de propostas e lances e de julgamento, desde que expressamente
previsto no edital de licitação. E arrematou: “se é possível postergar toda
a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impediria o
postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, no caso,
referente à prova de conceito. Apesar de as justificadas apresentadas agora
para a inversão de fases serem razoáveis, e do fato de que, a princípio, não
houve prejuízos à disputa, não constou, nos documentos da contratação, a devida
motivação para a implementação de tal medida, tal como determina o § 1º do art.
17 da Lei 14.133/2021, sendo necessária a expedição de ciência à Unidade
Jurisdicionada quanto a esse ponto”. Em seu voto, o relator destacou
que a exigência de prova de conceito somente após a habilitação do
licitante estaria, com efeito, na contramão do que preconiza a Lei 14.133/2021,
haja vista que “a prova de conceito integra a fase de julgamento das
propostas, e esta deve anteceder a de habilitação, conforme o rito ordinário
previsto em seu art. 17, caput e incisos”. No entanto, ponderou o relator
na esteira do que fora sustentado pela unidade instrutiva, o art. 17, § 1º, da
referida lei “traz a possibilidade de que a fase de habilitação, mediante
ato motivado, com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceda as fases de
apresentação de propostas e lances e de julgamento, desde que expressamente
prevista no edital de licitação”, e, “se é possível
postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação,
nada impediria o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas;
no caso, a prova de conceito”. Para ele, conquanto fossem razoáveis as
justificativas apresentadas a posteriori pelo Inep para a
inversão de fases, não constara, nos documentos que embasaram a contratação, a
devida motivação para a implementação de tal medida, como determina o art. 17,
§ 1º, da Lei 14.133/2021. Embora não se pudesse dizer que a inversão de fases,
por si só, tivesse causado prejuízos à disputa, o relator entendeu necessária a
expedição de ciência ao Inep quanto à irregularidade em comento. Assim sendo,
ele propôs, e o Plenário decidiu, entre outras medidas, dar ciência ao Inep
quanto à “ausência nos documentos ligados ao planejamento do Pregão
Eletrônico 10/2023 das devidas razões – explicitando os benefícios decorrentes
– para a inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com
relação à aplicação da prova de conceito, o que violou os §§ 1º e 3º do art. 17
da Lei 14.133/2021, bem como o princípio da motivação, previsto no art. 5º da
mesma norma”.
Acórdão 387/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Jhonatan
de Jesus.
Xxxxxxxxxxxxx
É regular a exigência de certificação
ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da
Lei 14.133/2021. A exigência de certificação em relação a “material” e “corpo
técnico”, referenciados no aludido dispositivo legal, pode ser entendida como a
demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a
experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua
própria capacidade operacional (art. 67, caput e inciso III, da Lei
14.133/2021).
Representação
formulada ao TCU indicou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
427/2024, promovido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(Dnit) sob a regência da Lei 14.133/2021, com valor estimado de R$
7.772.946,59, cujo objeto era a contratação de empresa especializada na
prestação de serviços de sustentação de infraestrutura do ambiente tecnológico
do Dnit. A empresa representante alegou, em suma, que sua inabilitação fora
indevida, por decorrer da exigência ilegal de certificação ISO 9001 na fase de
habilitação, o que teria restringido a competitividade do certame. Argumentou
que seus atestados de conformidade já seriam suficientes para comprovar a
qualificação técnica exigida, além de sustentar que a ISO 20000 já contemplaria
os principais requisitos da ISO 9001, tornando a exigência cumulativa
desnecessária. Em sua instrução inicial, a unidade técnica destacou que o
edital do PE 427/2024 exigira, como condição de habilitação, a apresentação de
certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001, o que poderia, sim, configurar
cláusula restritiva à competitividade, sobretudo por “ausência de
justificativa técnica objetiva e proporcionalidade entre as exigências e o
objeto contratado”. Em razão disso, propôs, no mérito, o envio de ciência
ao Dnit quanto às impropriedades constatadas. O relator não acolheu a proposta,
decidindo por, preliminarmente, realizar oitiva a fim de que fossem
apresentadas justificativas acerca da “exigência de certificações ISO 9001,
20000 e 27001 como requisitos de habilitação, inclusive demonstrando a
adequação da exigência à Lei 14.133/2021; razões por que as certificações não
podem ser exigidas apenas da futura contratada, com prazo adequado para esta
obtê-las; eventual sobreposição desnecessária de requisitos, pois a ISO 20000
abrangeria o contido na ISO 9001”. Em resposta, o Dnit afirmou que a
exigência das certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001 se dera com
fundamento nos arts. 17, § 6º, e 42, inciso III, da Lei 14.133/2021, os quais
permitem, segundo sua interpretação, a exigência de certificações como
requisitos de habilitação técnica, especialmente quando justificadas
tecnicamente em função da complexidade do objeto. Pontuou que a criticidade da
infraestrutura de TI da autarquia, composta por “aproximadamente 695
máquinas virtuais, sendo 250 responsáveis por aplicações estratégicas como
SIOR, SIAC, SUPRA e SEI”, justificava a necessidade de elevado padrão
técnico-operacional das empresas contratadas. Defendeu, ainda, que a futura
migração de serviços para a nuvem reforçava a necessidade de maturidade técnica
e aderência a padrões internacionais de qualidade e segurança, os quais seriam
demonstrados pelas certificações exigidas. Quanto à ISO 9001, o Dnit salientou
que sua exigência decorrera da necessidade de padronização de processos e
melhoria contínua, especialmente no contexto da implantação de “ambientes
DevOps e DevSecOps”. A ISO 20000, por sua vez, fora considerada essencial
por estar alinhada às “melhores práticas do ITIL”, assegurando
eficiência na operação e na gestão dos serviços de TI. Já a ISO 27001 teria
sido solicitada em razão do elevado volume de ataques cibernéticos no país,
exigindo da contratada estrutura e processos robustos de segurança da
informação, com a contratação de equipes especializadas (“Red Team e Blue
Team”). A entidade também justificou a exigência das certificações na fase
de habilitação, e não apenas da empresa contratada, sob o argumento de que os
prazos para obtenção dessas certificações seriam longos, podendo alcançar até
doze meses, envolvendo um processo contínuo e complexo, que não estaria
limitado à obtenção do selo. Acrescentou que “a certificação exige a
implementação de padrões e a comprovação de experiência prévia nesses padrões
de qualidade e segurança”, os quais, segundo a entidade, não poderiam ser
garantidos por empresa que já não tivesse as certificações exigidas. Por fim, o
Dnit registrou não ter havido restrição à competitividade, haja vista que oito
empresas participaram do certame, e que outras licitantes teriam sido excluídas
da disputa por motivos diversos da ausência das certificações. A diferença de
apenas R$ 0,60 entre a proposta da empresa representante e a da empresa
vencedora da licitação também foi utilizada pelo Dnit como argumento de que não
teria havido impacto econômico relevante decorrente da exigência impugnada.
Para a unidade instrutiva, a defesa do Dnit baseara-se em fundamentos genéricos
e descolados de análise técnica específica e contextualizada. Em nenhum
momento, segundo ela, fora demonstrado de forma objetiva por que a exigência de
cada uma das certificações, especialmente da ISO 9001, seria imprescindível ao
alcance dos objetivos contratuais. A entidade também não teria apresentado
estudo técnico, avaliação de riscos, falhas pregressas ou evidência empírica que
permitisse inferir que a exigência cumulativa das três certificações seria a
única forma de mitigar riscos à execução do objeto. Ainda de acordo com a
unidade instrutiva, o conteúdo da Nota Técnica 9/2025/CGTI/DAF, trazida aos
autos pelo Dnit, limitara-se a apresentar conceitos e enumerações de boas
práticas, sem realizar a devida correlação técnica entre os requisitos
normativos e as especificidades do contrato, estando assim em conflito com o
entendimento consolidado do TCU de que a exigência de certificações
ISO na fase de habilitação “é vedada, exceto se demonstrada, de
forma técnica e objetiva, sua essencialidade para a execução do contrato, o que
não foi evidenciado no presente caso”. Assinalou, ainda, que o Tribunal já
se posicionara reiteradamente contra esse tipo de exigência, pois “pode
restringir a competitividade e afastar concorrentes que, embora não
certificados, possuam plena capacidade técnica para executar o objeto licitado”,
a exemplo dos Acórdãos
1085/2011, 539/2015 e 2129/2021, todos do Plenário. Consoante a unidade técnica, as
justificativas apresentadas não teriam indicado, por exemplo, por que a ISO
20000, norma voltada especificamente à gestão de serviços de TI, não seria
suficiente para assegurar os padrões de qualidade e eficiência almejados pela
Administração. Tampouco se demonstrara por que a ISO 9001, de escopo genérico,
seria imprescindível à execução de um contrato com objeto claramente delimitado
à área de tecnologia da informação. O Dnit também não teria respondido, de
forma específica, o questionamento quanto à sobreposição entre as normas ISO
9001 e ISO 20000, limitando-se a reafirmar sua tese inicial de
complementaridade entre os sistemas de gestão. Na sequência, a unidade
instrutiva ponderou que, embora reconhecesse que a exigência cumulativa das
certificações não teria sido, no caso concreto, justificada de forma técnica e
objetiva, seria razoável considerar que “as certificações ISO 20000 e ISO
27001 guardam relação mais direta com o objeto da contratação, qual seja, a
sustentação da infraestrutura tecnológica do Dnit. A ISO 20000 é uma norma
internacional voltada especificamente à gestão de serviços de TI, sendo,
portanto, inerente ao escopo dos serviços contratados. Já a ISO 27001, por sua
vez, trata da segurança da informação, elemento essencial em ambientes com
grande volume de dados sensíveis e operações críticas, como no caso da
autarquia”, além do que “diversos princípios de gestão da qualidade
previstos na ISO 9001 – como a melhoria contínua, a padronização de processos e
o foco no cliente – estão incorporados nos requisitos da ISO 20000”.
Destarte, à luz da razoabilidade, uma exigência fundamentada exclusivamente na
ISO 20000 e na ISO 27001 poderia, a seu ver, ser considerada mais proporcional
e condizente com os objetivos contratuais, “desde que devidamente motivada”.
Em relação à possibilidade de exigência das certificações ISO apenas da empresa
contratada, a unidade técnica considerou que as justificativas apresentadas
pelo Dnit careciam de robustez técnica e não eram corroboradas pelos elementos
constantes dos autos. Apesar de a entidade ter afirmado que o processo de
certificação levaria entre seis e doze meses, os documentos juntados pela
empresa autora da representação apontariam uma realidade distinta, com
evidências de que o processo poderia ser concluído em prazo significativamente
inferior ao alegado, colocando em dúvida a generalização apresentada pela
entidade. Quanto à argumentação do Dnit de que a obtenção da certificação não
se resumiria ao recebimento do selo, envolvendo um processo de maturação
organizacional que incluiria experiência prática nos padrões certificados, a
unidade técnica entendeu que ela não se sustentava, uma vez que “a
certificação, por definição, pressupõe que a organização já opere conforme os
padrões estabelecidos pela norma. A emissão do certificado apenas chancela
formalmente a capacidade de uma organização, razão pela qual a exigência de
experiência prévia nos padrões certificados perde força lógica. Da mesma forma,
a posse do selo não garante, por si só, que os processos certificados estejam
sendo efetivamente praticados.”. A despeito de reconhecer a dificuldade que
é, muitas vezes, para a Administração contratante avaliar e assegurar os
padrões de qualidade exigidos na certificação, na sua ótica “não se
justifica a exigência da certificação como critério de habilitação”, pois a
licitante “já pode operar com esses padrões, mas apenas não fez a
certificação exigida, até mesmo porque envolve custos. Nada impede, todavia,
que uma vez vencedora do certame, adote as providências para retirar sua
certificação.”. No que diz respeito à alegação de que a presença de oito
empresas no certame teria afastado a restrição à competitividade, a unidade
instrutiva retrucou que tal argumento não se sustentava à luz da jurisprudência
do TCU, tendo em vista que a análise da restrição à competitividade “não
pode se limitar à quantidade de licitantes, mas deve considerar se as condições
estabelecidas no edital produziram efeitos concretos de exclusão indevida”,
a exemplo dos Acórdãos
2066/2016 e 3306/2014, ambos do Plenário. E arrematou: “a exigência das
certificações ISO 9001, 20000 e 27001 como critério de habilitação, sem a
devida motivação técnica específica e objetiva de que tais certificações seriam
imprescindíveis à execução do objeto, configura violação ao princípio da
competitividade, além de contrariar a jurisprudência consolidada deste Tribunal”.
Nada obstante a indevida exigência da certificação ISO como critério de
habilitação, sem a demonstração, de forma técnica e objetiva, de sua
essencialidade para a execução do contrato, mas levando em conta que a
exigência não resultara em prejuízo econômico para a Administração – a
diferença de preço entre a proposta da empresa representante e o valor ofertado
pela empresa vencedora fora de apenas R$ 0,60 –, a unidade técnica considerou
suficiente dar ciência ao Dnit sobre as irregularidades identificadas. Em seu
voto, para início de abordagem, o relator transcreveu os seguintes dispositivos
da Lei 14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes
fases, em sequência: § 6º A Administração poderá exigir certificação
por organização independente acreditada pelo Instituto
Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição
para aceitação de: I - estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos
executivos; II - conclusão de fases ou de objetos de contratos; III - material
e corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.” (...) “Art.
42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar
ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um
dos seguintes meios: III - certificação, certificado, laudo
laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da
conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o
aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade
credenciada” (grifos do relator). Depreendeu então que, “em relação ao
estatuto anterior de licitações, a nova norma guarda mais flexibilidade no
tocante à exigência de certificações técnicas como requisitos de habilitação e
classificação”, ao permitir a exigência de certificação como “requisito
de habilitação em relação ao material e corpo técnico da licitante (art. 17, §
6º, inciso III)”. E como a habilitação diz respeito ao “conjunto de
informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade
do licitante de realizar o objeto da licitação”, a exigência de
certificação referente a “material e corpo técnico”, a seu ver,
enquadrar-se-ia no atendimento dos requisitos técnicos de habilitação, ou seja,
na “demonstração da capacidade de adequadamente executar o objeto do
contrato”. Dito de outra forma, essa certificação enquadrar-se-ia nos
requisitos técnico-profissional e técnico-operacional, pois seria possível
compreender que “os elementos da capacidade operacional de uma empresa,
previstos no inciso III do art. 67 da Lei 14.133/2021, são mão de obra,
equipamentos e tecnologia, os quais podem ser entendidos nos termos legais de
‘material’ e ‘corpo técnico’ a que se refere o art. 17, inciso III, da Lei 14.133/2021”.
Resumindo, a exigência de certificação em relação a esses dois requisitos
poderia ser entendida como a “demonstração da capacidade técnica do quadro
de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios
de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional”. Retomando o
caso concreto, o relator asseverou que a controvérsia se encontrava na
exigência simultânea das normas ISO 9001 e 20000, as quais, seguindo a autora
da representação, seriam redundantes, mas que, em princípio, as justificativas
do Dnit para a exigência de ambas as certificações “foram exercidas dentro
do poder discricionário do gestor”, vislumbrando “espaço, pois, para a
aplicação do princípio da deferência administrativa”. Nesse sentido, não
seria o caso de o TCU se manifestar sobre o mérito da exigência cumulativa de
ambas as certificações, até porque “a exigência das duas certificações
simultâneas não apresentou prejuízo em concreto ou afetou a competitividade do
certame, pois ambas as empresas – a representante, sem a certificação ISO 9001,
e a provisoriamente vencedora, com a certificação ISO 9001 – apresentaram
propostas com valores praticamente idênticos”. Especificamente quanto ao
momento da exigência da apresentação das certificações, ele enfatizou que “a
norma legal rege que ocorrerá quando da habilitação. Assim, sob esse aspecto,
não há o que se questionar da conduta do Dnit”. Deixou assente também que,
caso se exigissem as certificações apenas da empresa vencedora, como requisito
da celebração do contrato, seria possível evitar que as empresas incorressem em
custos para a sua obtenção apenas com o propósito de participar da licitação e,
assim, seria aumentada a competitividade do certame. No entanto, a obtenção das
certificações pelas empresas “não seria automática e poderia demorar meses”,
prejudicando assim “a entrega dos serviços e comprometendo a continuidade
das operações”, de forma que, no caso concreto, as alegações do Dnit a
respeito estariam dentro do seu espaço de discricionariedade. Ao final,
acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu considerar improcedente a
representação.
Acórdão
1091/2025 Plenário, Representação, Relator
Ministro Benjamin Zymler.
Caros
pregoeiros e licitantes, a melhor fonte de conhecimento sobre licitações
se chama TCU - Tribunal de Contas da União. Leiam atentamente os acórdãos do
TCU, pois eles trazem ensinamentos e recomendações importantíssimos, e tenham a
certeza de estarem realizando um grande serviço à sociedade.
Obrigado por ter lido este artigo. Se gostou, você
pode ir para o comentário número 1, Artigo 1º da Lei 14.133/21.