É recomendável que órgãos e
entidades da Administração Pública, ao elaborarem matrizes de riscos em suas
contratações de obras públicas, observem as seguintes diretrizes: i)
detalhamento claro, exaustivo e objetivo dos eventos supervenientes
considerados como riscos, discriminando aqueles atribuídos à Administração, à
contratada ou partilhados entre as partes, com base em critérios técnicos e
jurídicos coerentes com o regime de execução adotado; ii) compatibilização da
matriz de riscos com o tipo de regime contratual, especialmente no caso de
empreitada por preço unitário, observando que esse regime transfere à
Administração alguns riscos, como os de variação nos quantitativos de serviços
contratados, não sendo adequada a simples transposição de modelos utilizados
em contratações integradas ou por preço global; iii) indicação expressa das
premissas utilizadas para alocação de cada risco, inclusive quanto à natureza
do risco (exógeno ou endógeno), probabilidade de ocorrência, impacto
financeiro estimado e mecanismos de mitigação; iv) compatibilização da matriz
de riscos com os demais elementos contratuais e com o projeto executivo
vinculante, conforme disposto no art. 92, inciso II, da Lei 14.133/2021, de
modo a garantir coerência entre planejamento, orçamento e obrigações
contratuais; v) institucionalização de modelos-padrão de matriz de riscos para
os diferentes regimes de execução contratual, com possibilidade de ajustes
conforme as peculiaridades de cada obra, e com base em boas práticas nacionais
e internacionais já consolidadas; vi) submissão prévia da matriz de riscos à
análise jurídica e técnica, antes da publicação do edital, com especial
atenção à verificação de sua aplicabilidade concreta e adequação à realidade
do empreendimento.
Auditoria
realizada pelo TCU teve por objetivo fiscalizar a execução das “obras de
implantação, duplicação, pavimentação, adequação de capacidade, melhoria da
segurança e eliminação de segmentos críticos da rodovia BR 424/AL, parte do
Arco Metropolitano de Maceió”, objeto do Contrato TT676/2024, firmado entre
o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o consórcio
vencedor da Concorrência Eletrônica 216/2024, regida pela Lei 14.133/2021. O
instrumento contratual fora assinado no valor de R$ 252.788.540,45
(referenciado em janeiro/2024), o que representara desconto de apenas 0,39% em
relação ao valor estimado da contratação (R$ 253.778.275,73). Entre os achados
da auditoria, mereceu destaque a “deficiência no detalhamento da matriz de
riscos”. Instado a se manifestar pela equipe de auditoria, o Dnit admitiu a
inadequação da matriz utilizada, alegando que, por se tratar do primeiro
contrato de grande vulto celebrado sob a égide da nova Lei de Licitações e
Contratos Administrativos, adotara modelo baseado em normativos antigos
voltados a contratações integradas. Afirmou ainda que, após constatar a
possibilidade de melhoria na referida matriz de riscos, encaminhara consulta à
Procuradoria Federal Especializada (PFE/Dnit), que, inicialmente se manifestara
favorável à revisão da matriz, solicitando posteriormente informações
adicionais que embasassem tal alteração. A autarquia também informou sobre a
tramitação interna de minuta de matriz específica para obras de grande vulto,
considerada mais adequada. Apesar das iniciativas apresentadas, a equipe de
auditoria propôs a realização de oitiva, pois o Dnit não teria fornecido “elementos
concretos que demonstrassem como o problema será corrigido no contrato em
análise”. Em seu voto, o relator destacou que, de fato, a matriz
apresentada carecia de detalhamento suficiente para delimitar claramente as
responsabilidades das partes frente a eventos supervenientes à contratação, o
que poderia ocasionar litígios e comprometer a execução contratual. Essa
fragilidade, segundo ele, “contraria o inciso XXVII do art. 6º da Lei
14.133/2021”, o qual exige que a matriz de riscos seja uma cláusula
contratual capaz de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Conforme o relator, embora o regime de empreitada por preço unitário, adotado
na aludida contratação, por definição, distribua os riscos de forma diferente
em comparação ao regime de preço global, a matriz de riscos utilizada “transferiu
a maior parte dos riscos à contratada, sem apresentar critérios técnicos e
objetivos para isso”. Tal abordagem, acrescentou ele, tornaria a matriz
inaplicável ao caso concreto e deixaria margem para disputas. Ao invocar a
jurisprudência do TCU sobre a matéria, reputou como “fundamental que a
matriz de riscos seja compatível com o tipo de contratação e projeto adotados,
especialmente quando há projeto executivo vinculante, como é o caso”. Para
ilustrar de maneira concreta as possíveis consequências decorrentes do achado
de auditoria em exame, chamou a atenção para episódio já verificado naquelas
obras, relacionado à execução dos serviços de terraplenagem. Conforme previsto
no projeto executivo elaborado pelo Dnit, seria utilizada jazida situada
próxima ao início do estaqueamento da obra como fonte de solo para a construção
dos aterros. Acontece que, ao receber a ordem de serviço, a empresa contratada
procurara o proprietário da jazida e fora informada de que o material
disponível no local já estava comprometido para outro empreendimento,
inviabilizando sua utilização naquela obra. Ressaltou, ainda, que a empresa
responsável pela elaboração do projeto “não realizou contato prévio com o
proprietário da jazida durante os estudos e levantamentos, conforme apontado no
Ofício 240.922/2024/SCT-AL”. Assim sendo, diante da indisponibilidade da
jazida originalmente indicada, “poderá ser necessário recorrer a outra fonte
de material, possivelmente localizada em distância superior à inicialmente
considerada” e, ainda assim, a contratada “não poderá pleitear qualquer
alteração contratual ou reequilíbrio econômico-financeiro com base no aumento
das distâncias médias de transporte (DMT), uma vez que, segundo estabelece a
matriz de riscos constante do edital da licitação, quaisquer mudanças na origem
do material de jazida – independentemente do motivo – são de responsabilidade
da contratada e/ou de sua seguradora”. Esse cenário, de acordo com o
relator, estaria a evidenciar como a ausência de diligência prévia adequada
pode transferir encargos financeiros significativos à contratada, ao mesmo
tempo em que compromete o andamento regular da obra. E a necessidade de buscar
e viabilizar nova fonte de material, além de aumentar os custos operacionais, “pode
acarretar atrasos relevantes no cronograma de execução”, afetando diretamente
a entrega dos serviços e o usufruto tempestivo dos benefícios à população
usuária da rodovia. Ponderou, no entanto, a desnecessidade da realização da
oitiva alvitrada pela equipe de auditoria, haja vista que a superveniente
modificação da matriz de riscos, após a assinatura do contrato, seria medida
contrária ao princípio da isonomia, além de “onerar os cofres públicos
excluindo ou reduzindo significativamente as responsabilidades do contratado”.
Embora concordasse que, em observância ao princípio de que o risco deve ser
alocado a quem tem melhores condições de gerenciá-lo, nos termos do art. 22, §
1º, da Lei 14.133/2021, a alocação inapropriada de riscos “não pode ser
fundamento autônomo para ensejar eventual mudança da matriz de riscos”.
Ademais, sendo a matriz de riscos um anexo ao edital de licitação, “é
razoável prever” que os riscos foram devidamente considerados e
precificados pelos licitantes quando da formulação de suas propostas. Talvez,
por isso, concluiu ele, o desconto observado no certame tenha sido reduzido. Em
acréscimo às suas considerações, enfatizou que, em matéria de alocação de
riscos, “nem sempre existe o certo e o errado, mas sim uma decisão
discricionária do gestor”. Como exemplo, citou o risco de variação cambial:
“Em um juízo preliminar da questão, parece-me adequada a sua alocação ao
particular, pois os riscos devem ser suportados pela parte que tem as melhores
condições para avaliar, controlar e gerenciar ou a parte com melhor acesso a
instrumentos de cobertura, a maior capacidade para diversificar, ou o menor
custo para suportá-los. Todavia, apenas o futuro dirá se a alocação do risco
cambial ao particular foi realmente medida acertada, pois não se pode
previamente prever como será o comportamento da taxa de câmbio. Assim, em um
cenário no qual se acredita em uma apreciação cambial, talvez o melhor seja
alocar o risco correspondente para a administração pública, e não ao particular”.
Dessa forma, em alinhamento com o relatório de auditoria, reconheceu que a
matriz de riscos utilizada na Concorrência Eletrônica 216/2024 fora baseada em
modelo adotado no regime de contratação integrada, e que tal modelo, a seu ver,
mereceria algumas adaptações para uso em outros regimes de execução contratual,
precipuamente no regime de empreitada por preço unitário, bem como “um
necessário detalhamento”. Acrescentou que a referida matriz previra apenas
nove riscos, deixando de considerar uma grande diversidade de eventos possíveis
de causarem impacto no empreendimento, mencionando, como exemplo, “ausências
de riscos relacionados a chuvas e outros eventos climáticos”, que costumam
ser fontes de litígio entre as partes durante a execução de obras rodoviárias.
Da igual forma, não vislumbrou adequado o tratamento de riscos relacionados com
desapropriações, execuções de programas ambientais, greves, roubos e furtos de
materiais/equipamentos, acidentes de trabalho, vícios construtivos, greves e
outras manifestações, bem assim “outras diversas ocorrências que podem
impactar o custo e o cronograma da obra”. Mesmo os riscos elencados na
matriz de riscos não estariam, para ele, satisfatoriamente detalhados. A título
exemplificativo, reportou-se ao próprio risco cambial, que fora alocado da
seguinte forma: “a flutuação do câmbio, no caso de insumos, aumento do preço
desarrazoado do insumo podem gerar reequilíbrio, desde que atestado por meio de
notas fiscais, análise esta que englobará o contrato como um todo. Contratante”.
Tal disposição, sob sua ótica, teria pouca efetividade em evitar litígios entre
as partes no caso de variação cambial, por não definir qual nível de variação
seria significativo a ponto de ensejar o reequilíbrio contratual, nem como
seria o cálculo do suposto reequilíbrio, “tema que guarda várias
complexidades como ficou demonstrado no âmbito do Acórdão
2.135/2023-Plenário”,
oportunidade em que o TCU examinara diversos atos normativos editados para
disciplinar metodologias de cálculo de reequilíbrio econômico-financeiro de
contratos em virtude da pandemia do covid-19. Dito de outra forma, “não
basta que a matriz de risco aloque o risco a uma das partes (contratado ou
contratante) ou, ainda, que compartilhe o encargo decorrente entre ambos. É
necessário que traga balizas objetivas para disciplinar o tema, inclusive
apresentando metodologia a ser utilizada para a definição de alterações no
cronograma ou nos valores acordados”. Outrossim, fez referência à
coluna “mitigação” da matriz de riscos que embasara a Concorrência 216/2024,
que, na sua visão, por apresentar medidas genéricas como “seguros” e
“reajustamento”, não estaria em consonância com o disposto no art. 22, § 2º,
inciso III, da Lei 14.133/2021, segundo o qual “deveria haver um
detalhamento dessas medidas mitigadoras, por exemplo, disciplinando que tipo de
seguro seria contratado e quais suas coberturas obrigatórias e outras condições
diversas, como o prazo da apólice de seguro, além de precificar o prêmio do
seguro, incorporando-o na taxa de BDI do orçamento estimativo da contratação”.
Ao final, com vistas a permitir maior transparência e previsibilidade na
execução contratual, contribuindo para a prevenção de disputas, a preservação
do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a eficiência na gestão das
obras públicas sob responsabilidade do Dnit, o relator propôs, e o Plenário
decidiu, recomendar à entidade que, nas futuras licitações, “aperfeiçoe a
elaboração de suas matrizes de riscos, observando as seguintes diretrizes:
9.4.1. detalhamento claro, exaustivo e objetivo dos eventos supervenientes
considerados como riscos, discriminando aqueles atribuídos à administração, à
contratada ou partilhados entre as partes, com base em critérios técnicos e
jurídicos coerentes com o regime de execução adotado; 9.4.2. compatibilização
da matriz de riscos com o tipo de regime contratual, especialmente no caso de
empreitada por preço unitário (EPU), observando que, conforme a jurisprudência
do TCU, esse regime transfere à administração alguns riscos, como os de
variação nos quantitativos de serviços contratados, não sendo adequada a
simples transposição de modelos utilizados em contratações integradas ou por
preço global; 9.4.3. indicação expressa das premissas utilizadas para alocação
de cada risco, inclusive quanto à natureza do risco (exógeno ou endógeno),
probabilidade de ocorrência, impacto financeiro estimado e mecanismos de
mitigação; 9.4.4. compatibilização da matriz de riscos com os demais elementos
contratuais e com o projeto executivo vinculante, conforme disposto no inciso
II do art. 92 da Lei 14.133/2021, de modo a garantir coerência entre
planejamento, orçamento e obrigações contratuais; 9.4.5. institucionalização de
modelos-padrão de matriz de riscos para os diferentes regimes de execução
contratual, com possibilidade de ajustes conforme as peculiaridades de cada
obra, e com base em boas práticas nacionais e internacionais já consolidadas; e
9.4.6. submissão prévia da matriz de riscos à análise jurídica e técnica, antes
da publicação do edital, com especial atenção à verificação de sua
aplicabilidade concreta e adequação à realidade do empreendimento”.
Acórdão
1182/2025 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Benjamin Zymler.