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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Nas licitações para contratação de obra pública, é irregular a exigência de que a empresa licitante apresente atestados de capacidade técnica relativos a parcelas que exigem alta especialização,

 

Nas licitações para contratação de obra pública, é irregular a exigência de que a empresa licitante apresente atestados de capacidade técnica relativos a parcelas que exigem alta especialização, como a instalação de elevadores, uma vez que o art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021 admite tal comprovação por atestados de potenciais subcontratados. Restringir essa possibilidade, sem a devida fundamentação técnica, configura afronta aos princípios da competitividade e da economicidade.

Denúncia formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência 90020/2024, conduzida pela Secretaria Estadual de Infraestrutura do Rio Grande do Norte (SIN/RN), cujo objeto era a construção do Hospital Metropolitano do Estado, obra estimada em R$ 241.165.236,73. A licitação, regida pela Lei 14.133/2021, teve sua regularidade questionada em razão de uma sucessão de atos que resultaram na contratação da quarta classificada no certame. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de a segunda colocada na fase de julgamento de propostas haver sido inabilitada por não comprovar experiência na instalação de elevadores com seis paradas, apresentando atestados de equipamentos com cinco paradas”, exigência reputada pelo denunciante como “formalismo excessivo e desproporcional, resultando na contratação de proposta R$ 3.287.000,00 superior”, e também levantando suspeitas acerca de possível direcionamento na disputa. Após as oitivas da SIN/RN e da empresa vencedora, ora já contratada, houve, no âmbito da unidade técnica, manifestações em diferentes sentidos. O auditor indicado para atuar no feito, ao concluir que as justificativas apresentadas pela unidade jurisdicionada eram suficientes para afastar as irregularidades apontadas, manifestou-se pela improcedência da denúncia. Contudo, o titular da unidade instrutiva divergiu dessa posição, ao deixar assente que a exigência de atestados em nome da própria construtora para a instalação de elevadores “ignorou a realidade do mercado e, principalmente, a expressa previsão do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”. Esse dispositivo legal, segundo ele, permite que, para parcelas de natureza técnica especializada, “como é o caso”, a comprovação de capacidade seja feita por meio de atestados relativos à empresa potencialmente subcontratada. Para aquele titular, ao vedar essa possibilidade, o edital incorrera em restrição indevida à competitividade, situação agravada pelo fato de aquela exigência haver sido inserida apenas na republicação do instrumento convocatório, sem motivação técnica aparente. Em seu voto, o relator acolheu a essência da análise de mérito e as conclusões apresentadas pelo titular da unidade técnica, destacando, preliminarmente, que a SIN/RN e a empresa vencedora sustentaram a legalidade da exigência editalícia de atestados que comprovassem a instalação de elevadores com seis paradas com base na complexidade do ambiente hospitalar, justificativa aceita pelo auditor. Ao pontuar que a premissa legal que rege a matéria está calcada no art. 67 da Lei 14.133/2021, o qual disciplina a documentação relativa à qualificação técnica, o relator discordou da conclusão do auditor, uma vez que a análise deste deixara de enfrentar o “argumento central que define o caso: a exigência, da forma como foi posta, ignora a realidade do mercado da construção civil e, ainda, uma permissão expressa na lei”. Ele assinalou que a inabilitação da segunda colocada “revela um vício de legalidade que macula o resultado do certame”, haja vista que a decisão da SIN/RN, que afastou a proposta mais vantajosa para a Administração num montante da ordem de R$ 3,3 milhões, “baseou-se em uma interpretação restritiva e juridicamente equivocada das normas de qualificação técnica, em frontal violação aos princípios da competitividade e da economicidade”. Na visão do relator, a justificativa apresentada pela SIN/RN, embora revestida de argumentos técnicos, “se revela uma justificação a posteriori, que não encontra respaldo na motivação original do ato, como se depreende da própria avaliação técnica que subsidiou a inabilitação, a qual se limitou a uma checagem meramente formal do número de paradas”. Salientou que a instalação de elevadores é uma atividade de altíssima especialização, usualmente executada não pelas construtoras, mas pelos próprios fabricantes dos equipamentos, e que o legislador, ciente dessa dinâmica de mercado, inserira na Lei 14.133/2021 dispositivo para evitar que exigências de qualificação para parcelas tão específicas se tornassem barreiras intransponíveis e anticompetitivas. Nesse sentido, julgou oportuno transcrever o teor do art. 67, § 9º, da referida lei, que assim preceitua: “Art. 67. (...) § 9º O edital poderá prever, para aspectos técnicos específicos, que a qualificação técnica seja demonstrada por meio de atestados relativos a potencial subcontratado, limitado a 25% (vinte e cinco por cento) do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado”. Conforme o relator, a finalidade da norma é clara, qual seja, permitir que a capacidade técnica para executar parcela especializada do objeto seja demonstrada por quem efetivamente a executará, no caso, o subcontratado. Na situação concreta, continuou ele, a SIN/RN teria cometido um duplo erro na modelagem do edital: primeiramente, ao vedar de forma irrestrita a subcontratação dos itens de maior relevância; em segundo lugar, e como consequência direta dessa vedação, exigindo que a própria construtora, e não a futura instaladora dos elevadores, possuísse o atestado de capacidade técnica em seu nome. Essa combinação, sob a ótica do relator, “criou uma barreira de qualificação artificial e ilegal, pois contraria a faculdade prevista no art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”. Tratou-se então, a seu ver, de exigência que “não apenas restringe a competição, como desconsidera a cadeia produtiva do setor”. Frisou que a irregularidade se tornava ainda mais relevante ao se constatar, conforme apontado pelo titular da unidade técnica, que a própria exigência de qualificação para a instalação de elevadores como parcela de maior relevância técnica fora inserida apenas na republicação do edital, não constando da versão original do instrumento convocatório, e que não havia nos autos parecer ou motivação técnica que justificasse sua inclusão tardia, o que tornava a alteração carente da devida fundamentação. Em outras palavras, a análise comparativa entre a versão original do edital e a versão republicada “corrobora a análise do titular da unidade”, confirmando que “a exigência de qualificação para fornecimento e instalação de no mínimo 02 (dois) elevadores com 6 (seis) paradas cada, disposta no item 8.6.1.3(h) da peça 18, é uma inovação da segunda versão, estando ausente na primeira”. E que essa inclusão tardia de uma parcela de alta especialização, quando associada à manutenção da vedação genérica à subcontratação (item 16.1 do edital), efetivamente “obstou a faculdade legal que permitiria a comprovação de aptidão por meio de potencial subcontratado, nos termos do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”, a configurar, portanto, indevida restrição à competitividade do certame. E arrematou: “O resultado prático dessa exigência desarrazoada foi a inabilitação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em prejuízo ao erário. Não se trata, portanto, de um mero formalismo, mas de uma falha grave na modelagem do edital que produziu um resultado potencialmente antieconômico e contrário ao interesse público.”. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, fixar prazo à SIN/RN para anular o Contrato 022/2025-SIN, celebrado com a vencedora da licitação, e todos os atos dele decorrentes, bem como anular o ato que inabilitara a então segunda colocada no processo licitatório, e os subsequentes, “retornando a Concorrência 90020/2024 à fase de julgamento de propostas, a fim de que se proceda à reanálise completa da proposta e da habilitação da referida licitante, observando a correta aplicação do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021, bem como as demais disposições legais e editalícias, ficando a Administração autorizada a promover diligências para esclarecer ou sanear erros materiais em documentos já existentes à época da disputa, sendo vedada a juntada de documentos novos ou a modificação substancial da proposta originalmente ofertada”.

Acórdão 1923/2025 Plenário, Denúncia, Relator Ministro Bruno Dantas.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto a ser contratado, pois configura prática excessivamente restritiva ao caráter competitivo da licitação, em desrespeito ao art. 9º, inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021.

É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto a ser contratado, pois configura prática excessivamente restritiva ao caráter competitivo da licitação, em desrespeito ao art. 9º, inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 92500/2024, promovido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) com vistas à aquisição de mobiliário geral. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e/ou certificados de conformidade contidos nas descrições dos itens licitados conforme listagem do termo de referência, sem a demonstração da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto, afigurando-se excessivamente restritiva”. Ao examinar as justificativas oferecidas pelo IFSP, instado a se manifestar nos autos, a unidade técnica julgou adequado, preliminarmente, apresentar a jurisprudência do TCU que baliza o tema, com especial destaque para o Acórdão 2129/2021-Plenário, em que restou consignado o seguinte entendimento: “É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas da ABNT, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem a demonstração da essencialidade dessas exigências para se garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto a ser contratado”. Nesse sentido, continuou a unidade instrutiva, a jurisprudência do Tribunal não impede a inserção de exigência de atendimento a normas técnicas, certificações, laudos ou certificados, contudo faz-se necessário, para tanto, que seja demonstrada a sua essencialidade para se garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto. Ela destacou ainda que, embora no processo licitatório não tivesse sido identificada qualquer explicação técnica específica, detalhada, que demonstrasse a necessidade da exigência dos normativos demandados pelo IFSP, entre os quais a ‘ABNT NBR 17088: 2023’, a unidade jurisdicionada apresentara, em resposta à diligência realizada, “alguns aspectos” aptos a demonstrar as “características específicas que cada norma busca assegurar”, com o intuito de comprovar a pertinência de sua exigência. Diante disso, a unidade técnica apreciou a razoabilidade da exigência do normativo acima destacado, à luz da justificativa trazida pela unidade jurisdicionada, no sentido de que a norma ‘ABNT NBR 17088:2023’ “avalia a durabilidade dos componentes metálicos em condições adversas”, as quais se referem a “regiões expostas a névoa salina, ou seja, regiões litorâneas”. Nesse ponto, a unidade instrutiva retrucou que, dos 44 órgãos que compuseram a ata de registro de preços (gerenciador e participantes), fora verificado que apenas três estariam localizados em regiões que pudessem ser consideradas como litorâneas, ou seja, a citada exigência seria pertinente apenas para 6,82% do total de órgãos que integraram a ata. Dito de outro modo, “a exigência é desnecessária para 41 dos 44 órgãos, de forma que, caso a citada exigência acarrete aumento de custos, a grande maioria dos órgãos estariam adquirindo produtos mais caros do que o necessário”. Não obstante isso, ela pontuou não haver identificado nenhum estudo contendo os impactos pela inserção da exigência, de sorte que “não se sabe se seria vantajoso fazer contratações separadas, uma para órgãos de localidade litorânea e outra para os demais”. Tal fato, sob a sua ótica, “evidencia a necessidade de que seja justificada, de forma técnica, a essencialidade de todos os normativos demandados”, pois a inserção indiscriminada de exigências não garante que o produto a ser adquirido é o que melhor se adequa às necessidades da Administração, isto é, a qualidade de um produto “não está intrinsicamente relacionada à quantidade de normas/laudos/certificados que ele possui”. Asseverou então que, nesse cenário, “espera-se que o gestor seja capaz de apresentar quais características técnicas do material que a norma garante, faça a relação entre a norma e o material a ser adquirido e explique, de maneira clara, a razão pela qual é essencial que o produto possua a característica técnica pretendida”. Somado a isso, assinalou haver constatado, além de um “excesso de exigência de normas/certificados/laudos” sem que fosse apresentada a devida justificativa técnica para tanto, uma quantidade significativa de desclassificações na licitação. Essas evidências, quando tomadas em conjunto, acrescentou a unidade técnica, “sugerem um possível direcionamento do certame para um produto em específico” e, nesse contexto, destacou que, “conforme informações que constam no Portal de Compras do Governo Federal, os grupos 1, 2, 3, 4 e 6 (cinco dos sete grupos) apresentam apenas dois fabricantes”. Chamou também a atenção para o fato de que “empresas que possuem amplo histórico de fornecimento de mobiliário para órgãos públicos (maior, inclusive, que o da empresa vencedora) não foram capazes de atender às exigências editalícias”. Diante do amplo rol de indícios levantados, arrematou: “as exigências de normas/laudos/certificados e o excesso de detalhamento no descritivo dos itens, além de não estarem acompanhados da devida justificativa técnica, não são razoáveis”, e acabaram restringindo a competitividade do certame, direcionando a licitação para determinados produtos. Em seu voto, anuindo à manifestação da unidade instrutiva, o relator frisou que, de fato, a análise técnica revelou que o termo de referência continha especificações excessivas e exigências de normas técnicas, laudos e certificados sem comprovação de sua essencialidade, cerceando a competitividade da licitação. Reforçou que a jurisprudência do TCU considera irregular a inclusão de especificações excessivas em editais, e a falta de justificativas técnicas detalhadas “reforça essa irregularidade”. Constatou, ademais, que “as imagens utilizadas na fase interna do certame”, constantes de documento confeccionado na fase de planejamento, “correspondem aos produtos de uma das empresas vencedoras”, corroborando a tese de direcionamento. Ponderou, no entanto, que, apesar das irregularidades levantadas, havia indícios de que os preços praticados teriam sido “razoáveis, permitindo uma deliberação equilibrada, ponderando o custo-benefício das aquisições”. Destarte, reputou viável permitir a execução das três atas de registro de preços decorrentes da licitação, já em vigor, desde que acompanhadas de estudo técnico que “comprove a vantajosidade e a essencialidade” das aquisições. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário decidiu, determinar à unidade jurisdicionada que, nas futuras aquisições com base nas atas de registro de preços decorrentes do PE 92500/2024, elabore “estudo técnico que demonstre, de forma clara e objetiva, a vantajosidade dos preços em comparação com outros meios de aquisição e a essencialidade dos itens para o desempenho das atividades do órgão, sob pena de responsabilização”. Outrossim, decidiu o Pleno determinar ao IFSP que “não renove ou permita novas adesões às atas decorrentes do PE 92500/2024”, deliberando, por fim, no sentido de cientificar a entidade autárquica sobre as impropriedades identificadas no aludido certame, visando à prevenção de ocorrências semelhantes, destacando-se a “exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações¸ laudos técnicos e/ou certificados de conformidade nas descrições dos itens licitados, sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto, o que se mostra, excessivamente, restritivo, em desrespeito ao art. 9º, I, ‘a’, da Lei 14.133/2021”.

Acórdão 1712/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

É regular a exigência de certificação ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da Lei 14.133/2021.

 

É regular a exigência de certificação ISO para habilitação de licitante, com base no art. 17, § 6º, inciso III, da Lei 14.133/2021. A exigência de certificação em relação a “material” e “corpo técnico”, referenciados no aludido dispositivo legal, pode ser entendida como a demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional (art. 67, caput e inciso III, da Lei 14.133/2021).

Representação formulada ao TCU indicou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 427/2024, promovido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sob a regência da Lei 14.133/2021, com valor estimado de R$ 7.772.946,59, cujo objeto era a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de sustentação de infraestrutura do ambiente tecnológico do Dnit. A empresa representante alegou, em suma, que sua inabilitação fora indevida, por decorrer da exigência ilegal de certificação ISO 9001 na fase de habilitação, o que teria restringido a competitividade do certame. Argumentou que seus atestados de conformidade já seriam suficientes para comprovar a qualificação técnica exigida, além de sustentar que a ISO 20000 já contemplaria os principais requisitos da ISO 9001, tornando a exigência cumulativa desnecessária. Em sua instrução inicial, a unidade técnica destacou que o edital do PE 427/2024 exigira, como condição de habilitação, a apresentação de certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001, o que poderia, sim, configurar cláusula restritiva à competitividade, sobretudo por “ausência de justificativa técnica objetiva e proporcionalidade entre as exigências e o objeto contratado”. Em razão disso, propôs, no mérito, o envio de ciência ao Dnit quanto às impropriedades constatadas. O relator não acolheu a proposta, decidindo por, preliminarmente, realizar oitiva a fim de que fossem apresentadas justificativas acerca da “exigência de certificações ISO 9001, 20000 e 27001 como requisitos de habilitação, inclusive demonstrando a adequação da exigência à Lei 14.133/2021; razões por que as certificações não podem ser exigidas apenas da futura contratada, com prazo adequado para esta obtê-las; eventual sobreposição desnecessária de requisitos, pois a ISO 20000 abrangeria o contido na ISO 9001”. Em resposta, o Dnit afirmou que a exigência das certificações ISO 9001, ISO 20000 e ISO 27001 se dera com fundamento nos arts. 17, § 6º, e 42, inciso III, da Lei 14.133/2021, os quais permitem, segundo sua interpretação, a exigência de certificações como requisitos de habilitação técnica, especialmente quando justificadas tecnicamente em função da complexidade do objeto. Pontuou que a criticidade da infraestrutura de TI da autarquia, composta por “aproximadamente 695 máquinas virtuais, sendo 250 responsáveis por aplicações estratégicas como SIOR, SIAC, SUPRA e SEI”, justificava a necessidade de elevado padrão técnico-operacional das empresas contratadas. Defendeu, ainda, que a futura migração de serviços para a nuvem reforçava a necessidade de maturidade técnica e aderência a padrões internacionais de qualidade e segurança, os quais seriam demonstrados pelas certificações exigidas. Quanto à ISO 9001, o Dnit salientou que sua exigência decorrera da necessidade de padronização de processos e melhoria contínua, especialmente no contexto da implantação de “ambientes DevOps e DevSecOps”. A ISO 20000, por sua vez, fora considerada essencial por estar alinhada às “melhores práticas do ITIL”, assegurando eficiência na operação e na gestão dos serviços de TI. Já a ISO 27001 teria sido solicitada em razão do elevado volume de ataques cibernéticos no país, exigindo da contratada estrutura e processos robustos de segurança da informação, com a contratação de equipes especializadas (“Red Team e Blue Team”). A entidade também justificou a exigência das certificações na fase de habilitação, e não apenas da empresa contratada, sob o argumento de que os prazos para obtenção dessas certificações seriam longos, podendo alcançar até doze meses, envolvendo um processo contínuo e complexo, que não estaria limitado à obtenção do selo. Acrescentou que “a certificação exige a implementação de padrões e a comprovação de experiência prévia nesses padrões de qualidade e segurança”, os quais, segundo a entidade, não poderiam ser garantidos por empresa que já não tivesse as certificações exigidas. Por fim, o Dnit registrou não ter havido restrição à competitividade, haja vista que oito empresas participaram do certame, e que outras licitantes teriam sido excluídas da disputa por motivos diversos da ausência das certificações. A diferença de apenas R$ 0,60 entre a proposta da empresa representante e a da empresa vencedora da licitação também foi utilizada pelo Dnit como argumento de que não teria havido impacto econômico relevante decorrente da exigência impugnada. Para a unidade instrutiva, a defesa do Dnit baseara-se em fundamentos genéricos e descolados de análise técnica específica e contextualizada. Em nenhum momento, segundo ela, fora demonstrado de forma objetiva por que a exigência de cada uma das certificações, especialmente da ISO 9001, seria imprescindível ao alcance dos objetivos contratuais. A entidade também não teria apresentado estudo técnico, avaliação de riscos, falhas pregressas ou evidência empírica que permitisse inferir que a exigência cumulativa das três certificações seria a única forma de mitigar riscos à execução do objeto. Ainda de acordo com a unidade instrutiva, o conteúdo da Nota Técnica 9/2025/CGTI/DAF, trazida aos autos pelo Dnit, limitara-se a apresentar conceitos e enumerações de boas práticas, sem realizar a devida correlação técnica entre os requisitos normativos e as especificidades do contrato, estando assim em conflito com o entendimento consolidado do TCU de que a exigência de certificações ISO na fase de habilitação é vedada, exceto se demonstrada, de forma técnica e objetiva, sua essencialidade para a execução do contrato, o que não foi evidenciado no presente caso”. Assinalou, ainda, que o Tribunal já se posicionara reiteradamente contra esse tipo de exigência, pois “pode restringir a competitividade e afastar concorrentes que, embora não certificados, possuam plena capacidade técnica para executar o objeto licitado”, a exemplo dos Acórdãos 1085/2011, 539/2015 e 2129/2021, todos do Plenário. Consoante a unidade técnica, as justificativas apresentadas não teriam indicado, por exemplo, por que a ISO 20000, norma voltada especificamente à gestão de serviços de TI, não seria suficiente para assegurar os padrões de qualidade e eficiência almejados pela Administração. Tampouco se demonstrara por que a ISO 9001, de escopo genérico, seria imprescindível à execução de um contrato com objeto claramente delimitado à área de tecnologia da informação. O Dnit também não teria respondido, de forma específica, o questionamento quanto à sobreposição entre as normas ISO 9001 e ISO 20000, limitando-se a reafirmar sua tese inicial de complementaridade entre os sistemas de gestão. Na sequência, a unidade instrutiva ponderou que, embora reconhecesse que a exigência cumulativa das certificações não teria sido, no caso concreto, justificada de forma técnica e objetiva, seria razoável considerar que “as certificações ISO 20000 e ISO 27001 guardam relação mais direta com o objeto da contratação, qual seja, a sustentação da infraestrutura tecnológica do Dnit. A ISO 20000 é uma norma internacional voltada especificamente à gestão de serviços de TI, sendo, portanto, inerente ao escopo dos serviços contratados. Já a ISO 27001, por sua vez, trata da segurança da informação, elemento essencial em ambientes com grande volume de dados sensíveis e operações críticas, como no caso da autarquia”, além do que “diversos princípios de gestão da qualidade previstos na ISO 9001 – como a melhoria contínua, a padronização de processos e o foco no cliente – estão incorporados nos requisitos da ISO 20000”. Destarte, à luz da razoabilidade, uma exigência fundamentada exclusivamente na ISO 20000 e na ISO 27001 poderia, a seu ver, ser considerada mais proporcional e condizente com os objetivos contratuais, “desde que devidamente motivada”. Em relação à possibilidade de exigência das certificações ISO apenas da empresa contratada, a unidade técnica considerou que as justificativas apresentadas pelo Dnit careciam de robustez técnica e não eram corroboradas pelos elementos constantes dos autos. Apesar de a entidade ter afirmado que o processo de certificação levaria entre seis e doze meses, os documentos juntados pela empresa autora da representação apontariam uma realidade distinta, com evidências de que o processo poderia ser concluído em prazo significativamente inferior ao alegado, colocando em dúvida a generalização apresentada pela entidade. Quanto à argumentação do Dnit de que a obtenção da certificação não se resumiria ao recebimento do selo, envolvendo um processo de maturação organizacional que incluiria experiência prática nos padrões certificados, a unidade técnica entendeu que ela não se sustentava, uma vez que “a certificação, por definição, pressupõe que a organização já opere conforme os padrões estabelecidos pela norma. A emissão do certificado apenas chancela formalmente a capacidade de uma organização, razão pela qual a exigência de experiência prévia nos padrões certificados perde força lógica. Da mesma forma, a posse do selo não garante, por si só, que os processos certificados estejam sendo efetivamente praticados.”. A despeito de reconhecer a dificuldade que é, muitas vezes, para a Administração contratante avaliar e assegurar os padrões de qualidade exigidos na certificação, na sua ótica “não se justifica a exigência da certificação como critério de habilitação”, pois a licitante “já pode operar com esses padrões, mas apenas não fez a certificação exigida, até mesmo porque envolve custos. Nada impede, todavia, que uma vez vencedora do certame, adote as providências para retirar sua certificação.”. No que diz respeito à alegação de que a presença de oito empresas no certame teria afastado a restrição à competitividade, a unidade instrutiva retrucou que tal argumento não se sustentava à luz da jurisprudência do TCU, tendo em vista que a análise da restrição à competitividade “não pode se limitar à quantidade de licitantes, mas deve considerar se as condições estabelecidas no edital produziram efeitos concretos de exclusão indevida”, a exemplo dos Acórdãos 2066/2016 e 3306/2014, ambos do Plenário. E arrematou: “a exigência das certificações ISO 9001, 20000 e 27001 como critério de habilitação, sem a devida motivação técnica específica e objetiva de que tais certificações seriam imprescindíveis à execução do objeto, configura violação ao princípio da competitividade, além de contrariar a jurisprudência consolidada deste Tribunal”. Nada obstante a indevida exigência da certificação ISO como critério de habilitação, sem a demonstração, de forma técnica e objetiva, de sua essencialidade para a execução do contrato, mas levando em conta que a exigência não resultara em prejuízo econômico para a Administração – a diferença de preço entre a proposta da empresa representante e o valor ofertado pela empresa vencedora fora de apenas R$ 0,60 –, a unidade técnica considerou suficiente dar ciência ao Dnit sobre as irregularidades identificadas. Em seu voto, para início de abordagem, o relator transcreveu os seguintes dispositivos da Lei 14.133/2021: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência: § 6º A Administração poderá exigir certificação por organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de: I - estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos; II - conclusão de fases ou de objetos de contratos; III - material e corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.(...) Art. 42. A prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das marcas eventualmente indicadas no edital será admitida por qualquer um dos seguintes meios: III - certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada” (grifos do relator). Depreendeu então que, “em relação ao estatuto anterior de licitações, a nova norma guarda mais flexibilidade no tocante à exigência de certificações técnicas como requisitos de habilitação e classificação”, ao permitir a exigência de certificação como “requisito de habilitação em relação ao material e corpo técnico da licitante (art. 17, § 6º, inciso III)”. E como a habilitação diz respeito ao “conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação”, a exigência de certificação referente a “material e corpo técnico”, a seu ver, enquadrar-se-ia no atendimento dos requisitos técnicos de habilitação, ou seja, na “demonstração da capacidade de adequadamente executar o objeto do contrato”. Dito de outra forma, essa certificação enquadrar-se-ia nos requisitos técnico-profissional e técnico-operacional, pois seria possível compreender que “os elementos da capacidade operacional de uma empresa, previstos no inciso III do art. 67 da Lei 14.133/2021, são mão de obra, equipamentos e tecnologia, os quais podem ser entendidos nos termos legais de ‘material’ e ‘corpo técnico’ a que se refere o art. 17, inciso III, da Lei 14.133/2021”. Resumindo, a exigência de certificação em relação a esses dois requisitos poderia ser entendida como a “demonstração da capacidade técnica do quadro de pessoal integrada com a experiência organizacional da empresa e seus meios de produção, ou seja, a sua própria capacidade operacional”. Retomando o caso concreto, o relator asseverou que a controvérsia se encontrava na exigência simultânea das normas ISO 9001 e 20000, as quais, seguindo a autora da representação, seriam redundantes, mas que, em princípio, as justificativas do Dnit para a exigência de ambas as certificações “foram exercidas dentro do poder discricionário do gestor”, vislumbrando “espaço, pois, para a aplicação do princípio da deferência administrativa”. Nesse sentido, não seria o caso de o TCU se manifestar sobre o mérito da exigência cumulativa de ambas as certificações, até porque “a exigência das duas certificações simultâneas não apresentou prejuízo em concreto ou afetou a competitividade do certame, pois ambas as empresas – a representante, sem a certificação ISO 9001, e a provisoriamente vencedora, com a certificação ISO 9001 – apresentaram propostas com valores praticamente idênticos”. Especificamente quanto ao momento da exigência da apresentação das certificações, ele enfatizou que “a norma legal rege que ocorrerá quando da habilitação. Assim, sob esse aspecto, não há o que se questionar da conduta do Dnit”. Deixou assente também que, caso se exigissem as certificações apenas da empresa vencedora, como requisito da celebração do contrato, seria possível evitar que as empresas incorressem em custos para a sua obtenção apenas com o propósito de participar da licitação e, assim, seria aumentada a competitividade do certame. No entanto, a obtenção das certificações pelas empresas “não seria automática e poderia demorar meses”, prejudicando assim “a entrega dos serviços e comprometendo a continuidade das operações”, de forma que, no caso concreto, as alegações do Dnit a respeito estariam dentro do seu espaço de discricionariedade. Ao final, acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu considerar improcedente a representação.

Acórdão 1091/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.

sexta-feira, 14 de março de 2025

FORMALISMO - ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA

 

DENÚNCIA. PREGÃO REALIZADO PARA LOCAÇÃO DE ESTRUTURA PARA MONTAGEM DE AMBULATÓRIO PROVISÓRIO PARA TRATAMENTO DE PACIENTES COM SINTOMAS GRIPAIS. FRAUDE À LICITAÇÃO. RETENÇÃO DEFINITIVA DO VALOR IMPUGNADO. MULTA. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DE LICITANTES

(...)

...........................................................................................................................................

 

Análise

17.18          Os argumentos do responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli não são suficientes para afastar a irregularidade constatada.

17.19          Conforme a instrução da peça 49, a inabilitação dessa empresa, que apresentou a proposta de menor valor, teria se baseado em mera formalidade, a falta de assinatura digital na proposta inicial, sem que lhe fosse dada a oportunidade de sanear a falha. Conforme as razões de justificativas ora apresentadas pelo então pregoeiro, a inabilitação teria decorrido do fato de que a proposta de preços inicial, apesar de registrada no sistema, não teve o seu arquivo também anexado ao sistema para posterior juntada ao processo físico da licitação. Nas duas hipóteses o fundamento da inabilitação seria o item 6.10 do edital, que assim registra (peça 72, p. 4-5 e peça 3, p. 6):

6.10. As licitantes arcarão com todos os custos decorrentes da obtenção e apresentação dos documentos para habilitação, a proposta de preços inicial e os documentos de habilitação deverão ser anexados concomitante ao registro da proposta no sistema, as declarações e proposta inicial deverão ser assinadas digitalmente através de assinatura digital, para conferir aos mesmos autenticidade e integridade. (Grifo nosso)

17.20          Analisando a manifestação do pregoeiro sobre a intenção de recurso que tratou da inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli, percebe-se que é mencionado o item 6.10, não ficando claro se a razão foi apenas a ausência de assinatura digital ou ausência de anexação da proposta inicial, conforme transcrito a seguir:

Justificativa: Boa tarde senhor licitante, realmente a empresa GM FEITOSA EIRELI está em conformidade com os itens 8.5 e 8.7 do edital, porém o motivo de inabilitação da empresa supracitada é referente ao item 6.10 do edital, item claro e objetivo. “6.10. As licitantes arcarão com todos os custos decorrentes da obtenção e apresentação dos documentos para habilitação, a proposta de preços inicial e os documentos de habilitação deverão ser anexados concomitante ao registro da proposta no sistema, as declarações e proposta inicial deverão ser assinadas digitalmente através de assinatura digital, para conferir aos mesmos autenticidade e integridade”. Esse item tem amparo legal no art. 26 do decreto 10.024/19, ao qual pode ser consultado pela licitante a qualquer momento via internet. (...)

 

17.21          De toda forma, a falha da empresa em não ter anexado a proposta inicial no sistema ou a ausência da assinatura digital seria facilmente sanável a partir da provocação do pregoeiro para que regularizasse a situação, em especial por estar relacionada ao procedimento de apresentação da proposta e não ao seu conteúdo.

17.22               O art. 26 do Decreto 10.024/2019, mencionado pelo pregoeiro e que trata da apresentação da proposta e dos documentos de habilitação pelo licitante via sistema (parágrafo 17.8 desta instrução), dispõe em seu § 6º que “Os licitantes poderão retirar ou substituir a proposta e os documentos de habilitação anteriormente inseridos no sistema, até a abertura da sessão pública”.

17.23          Desse modo, até a abertura da sessão pública, falhas formais relacionadas ao encaminhamento da proposta pelo licitante no sistema poderiam ter sido sanadas. Até mesmo erros materiais podem ser sanados, conforme entendimento constante do Voto do Acórdão 1.734/2009-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, o qual considerou que  a desclassificação de licitantes por conta de erro material na apresentação da proposta, além de ter ferido os princípios da competitividade, proporcionalidade e razoabilidade, “constituiu excesso de rigor por parte do pregoeiro, haja vista que alijou do certame empresas que ofertavam propostas mais vantajosas, com ofensa ao interesse público”.

17.24          Nesse sentido, a instrução da peça 49 informa ser assente neste Tribunal que o processo licitatório é pautado pelo formalismo moderado e pela busca da verdade material, consoante enunciados de decisões deste TCU transcritos no despacho do relator (peça 14), a exemplo do enunciado do Acórdão 357/2015-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Bruno Dantas:

Falhas formais, sanáveis durante o processo licitatório, não devem levar à desclassificação da licitante. No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados. (Grifamos)

17.25               Outro entendimento similar é o do Voto do Acórdão 369/2020-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer:

15. Cumpre ressaltar que caso a exigência ora questionada estivesse explicitamente prevista no edital, o que não ocorreu, não é possível a interpretação de que a melhor proposta deveria ser desclassificada com base, restritamente, na aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, pois tal princípio não se sobrepõe aos princípios do formalismo moderado, da supremacia do interesse público, da economicidade, da seleção da proposta mais vantajosa e da obtenção da competitividade.

16. Nesse sentido, trago à baila trecho do Voto do Ministro Benjamin Zymler, que embasou o recente Acórdão 898/2019-TCU-Plenário e que tratou de situação similar a que ora se analisa:

'13. Conforme deixei consignado no estágio anterior deste processo, em face do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse público, que permeiam os processos licitatórios, o fato de o licitante apresentar proposta com erros formais ou vícios sanáveis não enseja a sua desclassificação, podendo ser corrigidos com a apresentação de nova proposta desprovida dos erros. Nesse sentido, há remansosa jurisprudência desta Corte de Contas, a exemplo do Acórdão 2239/2018-TCU-Plenário, em que o TCU entendeu ser irregular a desclassificação de proposta vantajosa à administração por erro de baixa materialidade que possa ser sanado mediante diligência, por afrontar o interesse público. (Grifo no original)

17.26          Menciona-se ainda o entendimento do Voto condutor do Acórdão 1.758/2003-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues:

Ressalto, preliminarmente, que o edital não constitui um fim em si mesmo. Trata-se de instrumento para a consecução das finalidades do certame licitatório, que são assegurar a contratação da proposta mais vantajosa e a igualdade de oportunidade de participação dos interessados, nos precisos termos do art. 3º, caput, da Lei 8.666/93.

Assim, a interpretação e aplicação das regras nele estabelecidas deve sempre ter por norte o atingimento das finalidades da licitação, evitando-se o apego a formalismos exagerados, irrelevantes ou desarrazoados, que não contribuem para esse desiderato.

17.27          Diante do exposto, deve haver a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo e a aplicação das regras estabelecidas no edital deve sempre buscar o atingimento da finalidade da licitação, que é a seleção da proposta mais vantajosa.

17.28          De acordo com a referida instrução da peça 49, a conduta do pregoeiro contrariou o art. 64, §1º, da Lei 14.133/2021, o qual determina que, “na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.” A mesma instrução registra que o pregoeiro contrariou ainda o art. 12, inciso III, da mesma lei, que prevê que “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”.

17.29          Com relação a esses pontos, cabe mencionar que o responsável afirma que o município de Brejo/MA, na época do procedimento em questão, observava a Lei 8.666/1993 para a realização de seus procedimentos licitatórios, e que ainda hoje a observa, pois conforme o art. 193 da nova lei de licitações (Lei 14.133/2021), a Lei 8.666/1993 só será totalmente revogada após dois anos da publicação oficial da nova lei.

17.30               De fato, o edital indica expressamente estar sob a égide da Lei 8.666/1993 (peça 2, p. 2), a qual não possui dispositivos que tratem de matéria equivalente aos mencionados artigos da Lei 14.133/2021 (saneamento de falhas meramente formais). Soma-se a isso o fato de a nova lei ter sido publicada em 1°/4/2021, mesmo mês de publicação do edital, datado de 15/4/2021 (peça 2, p. 15). Ainda assim, deve-se destacar que a audiência do responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli não se fundamentou apenas na Lei 14.133/2021, mas também no art. 37, inc. XXI da Constituição Federal/1988; nos arts. 2º e 3º da Lei 8.666/1993; e nos Acórdãos 830/2018, da relatoria do Ministro-Substituto André Luis de Carvalho, 2.872/2010, da relatoria do Ministro José Mucio Monteiro, e 357/2015, da relatoria do Ministro Bruno Dantas, todos do Plenário desta Corte de Contas e que tratam do tema formalismo moderado.

17.31          Em relação à aceitação de atestado de capacidade técnica com objeto distinto do edital, a instrução da peça 49 destacou que o pregoeiro não teve o mesmo rigor com a formalidade documental ao analisar o atestado apresentado pela empresa que foi a vencedora do certame, que trazia a seguinte declaração: “Declaro para os devidos fins e direito que a Empresa RICARDO F. DOS SANTOS NETO (...) realiza eventos como: Carnaval, Festas Juninas e Aniversario da Cidade, entre outros, desde 2009” (peça 49, p. 5).

17.32          Relatou que tal atestado foi aceito sem qualquer ressalva e que a Prefeitura de Brejo/MA, em sua manifestação em resposta à oitiva efetuada (peça 42), alegou que esses eventos utilizam estruturas compatíveis com as características dos itens licitados no certame em questão e que, conforme a declaração, a empresa possuía experiência de mais de 12 anos. Ademais, informa que a prefeitura argumentou que, consoante o art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993, a comprovação de aptidão deve ser para desempenho de atividade “pertinente e compatível em características” (peça 49, p. 9).

17.33          Após a análise das explicações oferecidas, a referida instrução considerou que elas não poderiam ser aceitas sem ressalvas, tendo em vista que uma empresa que realiza eventos pode alugar a estrutura de cercas e grades de outra empresa. Assim, não poderia se afirmar que teria esse equipamento para fornecer diretamente para a prefeitura. Ao fim, contudo, ponderou que poderia ser aceito atestado de capacidade técnica com características compatíveis, como a realização de eventos (peça 49, p. 10).

17.34   Nas razões de justificativas ora apresentadas, o responsável traz julgados desse TCU no sentido da suficiência de atestado de capacidade técnica que comprove a responsabilidade por empreendimento de características compatíveis ou de natureza similar ao objeto licitado, sob pena de ficar configurada restrição à competitividade no certame. Alega ainda ter realizado pesquisas nos sites do TCE/MA e Sacop e constatado que a empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possuía várias contratações com outros municípios, em certames de objetos similares, afirmando que os objetos licitados são os mesmos utilizados em realização de festas e eventos. Conforme registra, essas informações teriam sido utilizadas para certificar a legítima capacidade técnica da referida empresa para a prestação dos serviços licitados. No entanto, tais pesquisas não foram acostadas aos autos.

17.35          Em consulta à internet sobre a referida empresa, pode-se verificar a sua participação em licitações cujo objeto é relacionado a eventos (Ata de abertura e julgamento da documentação e proposta – Convite 006/2019 da Prefeitura de São Bernardo/MA, Aviso de adjudicação PE 10 e 11/2019 da Prefeitura de Brejo/MA, e Extratos de contratos com Município de Campo Largo do Piauí/PI, peça 105), incluindo serviços de montagem de palco e de iluminação. Não estavam disponíveis, porém, os termos de referência dos editais ou os respectivos contratos, de modo a se verificar a necessidade da montagem de estruturas semelhantes às contratadas por meio do certame em questão.

17.36          Conforme pesquisa no portal da transparência da Prefeitura de Brejo/MA (https://www.transparencia.brejo.ma.gov.br/acessoInformacao/contratos/contratos), foram identificados 28 contratos da citada empresa com a prefeitura no período de 2/2017 a 6/2020, para execução de eventos como carnaval, festa junina, aniversário da cidade, de ações de publicidade e divulgação de ações do governo, entre outros objetos (peça 106). Não foi possível, porém, acessar os documentos correspondentes, pois retornavam mensagens de erro.

17.37          De fato, o atestado apresentado pela empresa é genérico, não detalhando os itens já fornecidos, como ocorre com os apresentados pela empresa GM Feitosa Eireli (peça 36, p. 139-142). Por outro lado, há que se considerar que a empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possui experiência em eventos que normalmente requerem a montagem de estruturas, como por exemplo, aniversários de cidades; que já havia sido contratada em outras oportunidades pela Prefeitura de Brejo/MA; e que conforme consta no seu cadastro na Receita Federal do Brasil, possui como atividade econômica secundária o aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário (peça 36, p. 90).

17.38               Por todo exposto, considera-se que as razões de justificativa do responsável devem ser acolhidas parcialmente, por se entender que houve a inabilitação indevida da empresa GM Feitosa Eireli, em razão de mera formalidade, mas que a aceitação de atestado de capacidade técnica da empresa Ricardo F dos Santos Neto ME não foi completamente desprovida de razoabilidade. Dessa forma, propõe-se a aplicação da multa do art. 58, II, da Lei 8.443/1992 apenas quanto à primeira conduta (inabilitação indevida da empresa GM Feitosa Eireli).

(...)

................................................................

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de denúncia a respeito de possíveis irregularidades ocorridas no Município de Brejo/MA, relacionadas a pregão eletrônico realizado para locação de estrutura para montagem de ambulatório provisório para tratamento de pacientes com sintomas gripais,

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1.  conhecer da presente denúncia, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 234 e 235, do Regimento Interno deste Tribunal, c/c art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993 e no art. 103, § 1º, da Resolução – TCU 259/2014, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. acolher as razões de justificativa apresentadas pela empresa AFR Eventos e Locações Ltda.;

9.3. rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro, Gilberto da Costa e Magno Lorenzzo Souza dos Santos, aplicando-lhes a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992, nos seguintes termos:

Responsável

Valor (R$)

Pollyanna Martins Castro

79.000,00

José Farias de Castro

79.000,00

Gilberto da Costa

79.000,00

Magno Lorenzzo Souza dos Santos

50.000,00

9.4. fixar o prazo de 15 (quinze) dias, a contar das datas das notificações, para que os responsáveis de que trata o subitem anterior comprovem, perante o Tribunal (arts. 214, inciso III, alínea “a”, e 269 do RI/TCU), o recolhimento da referida quantia aos cofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente, quando paga após seu vencimento, desde a data de prolação deste acórdão até a do efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor;

9.5. autorizar a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações, nos termos do art. 28, inciso II, da Lei 8.443/1992;

9.6. autorizar, desde já, caso requerido, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais e consecutivas, incidindo, sobre cada parcela, os correspondentes acréscimos legais, alertando os responsáveis de que a falta de pagamento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do art. 26 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 217 do Regimento Interno/TCU;

9.7.  considerar grave as infrações cometidas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro e Gilberto da Costa, inabilitando-os para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública pelo período de cinco anos, nos termos do art. 60 da Lei 8.443/1992;

9.8. rejeitar as alegações das empresas Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda., M.R. de Melo Gomes Locações e Serviços Eireli, MPL de Sousa – ME e Ricardo F dos Santos Neto ME de forma a, com fulcro no art. 46 da Lei 8.443/1992, declará-las inidôneas para participar de licitação e contratar com a Administração Pública Federal ou de certame no qual haja utilização de recursos federais, nos seguintes prazos:

Empresa

Período

Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda.

2 anos

MPL de Sousa – ME

2 anos

M.R. de Melo Gomes Locações e Serviços Eireli

2 anos

Ricardo F dos Santos Neto ME

5 anos

9.9.  com fundamento no art. 250, II, do RITCU, determinar à Prefeitura Municipal de Brejo/MA que adote as providências de sua competência com vistas a formalizar a retenção definitiva do valor de R$ 81.240,00 no âmbito do Contrato PE nº 009/2021, correspondente à diferença entre o valor contratado pela prefeitura municipal e a proposta de menor valor apresentada no Pregão Eletrônico 9/2021, de modo que o pagamento à empresa contratada limite-se ao montante total de R$ 328.800,00, equivalente à proposta mais vantajosa do referido certame, comunicando-as ao Tribunal em sessenta dias, com a respectiva documentação comprobatória, em atenção ao art. 37, inc. XXI da Constituição Federal/1988 e ao art. 3º da Lei 8.666/1993;

9.10. dar ciência deste acórdão à Prefeitura Municipal de Brejo/MA e ao Ministério Público Federal no estado do Maranhão.

 

10. Ata n° 24/2023 – Plenário.

11. Data da Sessão: 14/6/2023 – Ordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1217-24/23-P.

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Nas licitações para contratação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, os atestados de capacidade técnica devem comprovar a aptidão da licitante na gestão de mão de obra, e não na execução de serviços idênticos aos do objeto licitado, sendo imprescindível motivar tecnicamente as situações excepcionais.

 

Nas licitações para contratação de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, os atestados de capacidade técnica devem comprovar a aptidão da licitante na gestão de mão de obra, e não na execução de serviços idênticos aos do objeto licitado, sendo imprescindível motivar tecnicamente as situações excepcionais.


Representação formulada por empresa licitante apontara possíveis irregularidades em pregão eletrônico conduzido pelo Ministério do Esporte, destinado à contratação de empresa especializada na prestação de serviços terceirizados nas categorias de secretário executivo, secretário executivo bilíngue e técnico em secretariado. Contestara a representante, basicamente, sua inabilitação em virtude de suposto desatendimento dos requisitos de qualificação técnica, que exigiam, segundo a interpretação do órgão licitante, a comprovação da execução de serviços compatíveis com o objeto descrito no edital (secretariado técnico, executivo e bilíngue). Analisando o ponto, relembrou o relator que a jurisprudência do TCU "vem se firmando no sentido de que, nas contratações de serviços de terceirização (serviços contínuos prestados mediante dedicação exclusiva da mão de obra), os atestados de capacidade técnica devem, em regra, comprovar a habilidade da licitante na gestão de mão de obra, a exemplo dos Acórdãos 1.443/2014-TCU-Plenário<https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlProxyHighlight?base=ACORDAO&ano=2014&numero=1443&colegiado=P>  e 744/2015-TCU-2ª Câmara<https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlProxyHighlight?base=ACORDAO&ano=2015&numero=744&colegiado=2>". Nesse sentido, transcreveu alerta expedido quando da prolação desse último acórdão no seguinte sentido: "1.7.1. nos certames para contratar serviços terceirizados, em regra, os atestados de capacidade técnica devem comprovar a habilidade da licitante em gestão de mão de obra, e não a aptidão relativa à atividade a ser contratada, como ocorrido no pregão eletrônico (...); 1.7.2. nos casos excepcionais que fujam a essa regra, devem ser apresentadas as justificativas fundamentadas para a exigência, ainda na fase interna da licitação, nos termos do art. 16, inciso I, da IN 02/08 STLI". No caso em análise, prosseguiu o relator, "verifica-se que pelo menos um dos atestados apresentados pela representante - o atestado emitido pelo Serviço de Limpeza Urbana do Governo do Distrito Federal, acompanhado de cópia do contrato firmado e de seus aditivos - atenderia, em princípio, aos requisitos de qualificação técnica, tendo em vista demonstrar capacidade da licitante na gestão de mão de obra no quantitativo mínimo exigido - trinta postos, conforme item 8.6.3 do edital - e pelo período mínimo exigido - três anos, conforme item 8.6.2". Nada obstante, consignou, "por ocasião da análise dos atestados de qualificação técnica, a pregoeira só aceitou, como já frisado, serviços idênticos aos licitados, ou seja, só foram aceitos atestados que demonstrassem a execução de serviços anteriores de secretariado, ao invés de verificar a capacidade de gestão de mão de obra das licitantes, conforme jurisprudência deste Tribunal, não tendo sido apresentado nenhum argumento a justificar, no caso concreto, excepcionar o entendimento esposado por esta Corte de Contas". Nesses termos, acolheu o Plenário a proposta do relator, para considerar parcialmente procedente a Representação e determinar ao Ministério do Esporte a adoção das medidas destinadas à anulação da fase de habilitação e dos atos que a sucederam, para que sejam reexaminados os atestados apresentados em conformidade com o entendimento do TCU, cientificando o órgão, entre outros aspectos, da irregularidade consistente em "exigir, em licitação para serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, que os atestados de capacidade técnica comprovem serviços idênticos, em vez da aptidão para gestão de mão de obra, sem a necessária demonstração técnica dessa necessidade". Acórdão 553/2016 Plenário<https://contas.tcu.gov.br/juris/SvlProxyHighlight?base=ACORDAO&ano=2016&numero=553&colegiado=P>, Representação, Relator Ministro Vital do Rêgo.

terça-feira, 16 de julho de 2024

SUBCONTRATAÇÃO - CAPACIDADE TÉCNICA

 

No caso de subcontratação de parcela do objeto para a qual houve exigência de atestados de qualificação técnica na licitação ou no processo de contratação direta, a Administração deve exigir da contratada, como condicionante de autorização para execução dos serviços, documentação que comprove a capacidade técnica da subcontratada (art. 122, § 1º, da Lei 14.133/2021).

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Dispensa Eletrônica Emergencial 90002/2024, conduzida pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) com vistas à contratação de empresa especializada nos serviços de locação de aeronaves de asa fixa e de asa rotativa para subsidiar as atividades de apoio logístico às ações emergenciais de distribuição de cestas de alimentos em benefício da população Yanomami. A dispensa de licitação teve por fundamento o art. 75, inciso VIII, da Lei 14.133/2021, com critério de julgamento pelo menor preço global, regime de execução por empreitada por preço unitário e prazo de vigência da contratação fixado em doze meses, contados da assinatura do contrato (verificada em 15/3/2024), improrrogáveis por força legal. O termo de referência previu três itens: i) locação de quatro aeronaves de asas fixas com capacidade de carga útil mínima de 1,5 tonelada, destinadas exclusivamente para transporte de cestas (quantidade máxima anual de horas de voo para cada aeronave: 8.640); ii) locação de uma aeronave de asas fixas com capacidade de carga útil mínima de 1,5 tonelada, para transporte exclusivo de combustível de aviação (quantidade máxima anual de horas de voo: 2.160); e iii) locação de duas aeronaves de asas rotativas (helicópteros). As aeronaves de asa fixa seriam utilizadas no deslocamento de Boa Vista/RR aos pelotões especiais de fronteira localizados em Surucucu e Auaris, onde ocorreria a estocagem temporária dos alimentos. Já os helicópteros seriam utilizados para a distribuição efetiva das cestas, chegando até as 128 aldeias do Território Yanomami. O preço de referência da Administração fora de R$ 223.250.126,40, valor global referente à locação anual de todas as aeronaves. Participaram da disputa da dispensa eletrônica cinco empresas, incluindo a autora da representação. A vencedora ofertou proposta no valor de R$ 185.917.505,02, ficando a representante em segundo lugar, com proposta comercial de R$ 204.900.000,00. Entre as irregularidades suscitadas, a representante alegou que a proposta apresentada pela empresa vencedora seria inexequível, com valores abaixo dos praticados no mercado, e que as três empresas subcontratadas não preencheriam as condições técnicas para prestação dos serviços pactuados, em especial no tocante à “experiência prévia de 4.320 horas de voo de Caravan”. Alegou, também, que houvera parcelamento do objeto, vedado pelo instrumento convocatório. Em seu voto, acerca da exequibilidade dos preços praticados, o relator mencionou que o valor de referência obtido pela Administração derivou de pesquisa que levara em conta a média de onze valores, sendo nove obtidos no sistema de compras públicas e dois oriundos de cotações no mercado, e que, em sua quase totalidade, a quantidade de horas de voo nessas onze pesquisas era significativamente inferior às estimadas para o certame do MPI, de modo que, no caso concreto, em razão do ganho de escala, “era razoável estimar que a contratação se daria em patamares mais baixos, sobretudo diante de um cenário com a participação de cinco empresas”. Ademais, comparando-se os preços contratados com os orçados pela Administração, teria havido redução de 25,48% nos itens envolvendo asas fixas e de 11,14% para as asas rotativas. Ele destacou que a Lei 14.133/2021 não possui parâmetro objetivo para aferição da inexequibilidade das propostas envolvendo serviços de locação de aeronaves, e que o limite de 75% previsto no art. 59, § 4º, da referida lei diz respeito apenas às obras e aos serviços de engenharia. Por outro lado, aduziu o relator, a IN Seges/ME 73/2022 estabelece que, no caso de fornecimento de bens ou prestação de serviços em geral, haverá indício de inexequibilidade quando as propostas comerciais contiverem valores inferiores a 50% do valor orçado pela Administração, devendo o agente ou a comissão de contratação, “mesmo nesses casos”, realizar diligência, de modo que a confirmação da inviabilidade da oferta dependerá da comprovação de que o custo do licitante ultrapassa o valor da proposta e, concomitantemente, de que inexistem custos de oportunidade capazes de justificar o vulto da oferta. Retomando o caso concreto, o relator pontuou que esse limite de 50% não fora atingido, tanto unitária quanto globalmente. Além de frisar que a proposta da empresa contratada se encontrava distante desse patamar, ressaltou não haver indícios da prática de preços inexequíveis. Pelo contrário, houve, a seu ver, um “desconto em razão da concorrência de cinco empresas” na sessão pública de lances, somado ao fato de que os preços referenciais da Administração não contemplaram o ganho de escala da contratação. Ainda para ele, haveria outra evidência apontando para a adequação dos preços propostos pela contratada, qual seja, “a própria representante é signatária de dois contratos com o Governo Federal em que pratica preços de horas de voo de aeronaves de asa fixa – item com maior desconto no caso concreto – em patamares próximos aos praticados” pela empresa vencedora. Por essas razões, o relator rejeitou a alegação de inexequibilidade dos preços constantes do contrato decorrente da Dispensa de Licitação 90002/2024. Na sequência, ele assinalou que a contratação direta reunira duas “características interessantes”: se, por um lado, permitira a subcontratação parcial do objeto, limitada a 60% do valor total do contrato, por outro, vedara o parcelamento, de modo que a empresa contratada deveria ficar responsável pela execução de todo o objeto. Quanto a esse ponto, o MPI justificara, no estudo técnico preliminar, que buscaria no mercado uma empresa capaz de fornecer solução logística integrada da distribuição de cestas de alimentos pelo modal aéreo. Embora fosse possível dividir a contratação em “dois eixos”, um para cada tipo de aeronave, o relator entendeu que o Tribunal deveria endossar a escolha do contratante, pois, diante da situação emergencial de notório conhecimento, o parcelamento poderia contribuir para o insucesso da política pública, dificultando inclusive eventual responsabilização dos agentes envolvidos. Segundo ele, além do ganho de eficiência na gestão de um único contrato, privilegiar-se-ia um modelo em que “a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o MPI ficam encarregados do planejamento da distribuição das cestas e a empresa contratada, pela operacionalização da entrega, incluindo o planejamento logístico”. Para o relator, a fixação do limite de subcontratação em 60% do valor total do contrato fora adequadamente justificada nos autos. Apesar de o percentual ser elevado e de ser possível a transferência de parte significativa dos serviços de transporte aéreo, ele avaliou que essa decisão fora tomada para permitir a participação de um número maior de interessadas na fase de lances, afinal de contas, existiriam poucas empresas no mercado aptas à “execução direta” de todo o objeto. Dito de outro modo, o MPI optara por permitir a participação de empresas especializadas na locação de um único tipo de aeronave (helicóptero ou avião), e o percentual de 60% atenderia a essa lógica, pois, como explicado pelo ministério, “na eventualidade de a empresa vencedora da disputa ser especializada em asa rotativa, ela terá de subcontratar o trecho de asa fixa para transporte de cestas e combustível, sendo o trecho que consome mais horas voo”. Prosseguindo na sua análise, chamou a atenção para o fato de que o TCU admite a previsão de subcontratação de parte relevante do objeto quando, de antemão, a Administração sabe que existem poucas empresas no mercado aptas à sua execução, invocando, nesse sentido, o Acórdão 2021/2020-Plenário. Na ótica do relator, a realidade da empresa contratada se aproximava dessa “situação hipotética”, tendo em vista que ela ficaria encarregada diretamente do transporte de combustível de Boa Vista/RR para os pelotões especiais de fronteira e da distribuição, por meio de helicópteros, dos insumos às 128 aldeias do Território Yanomami. Por outro lado, o serviço de transporte das cestas de alimentos “será subcontratado junto a empresas especializadas”. Quanto ao ponto levantado na representação de que as empresas subcontratadas precisariam demonstrar capacidade técnica para prestar os serviços que lhes seriam repassados, “à semelhança do que ocorre com a empresa que participou da dispensa de licitação”, o relator enfatizou que, na vigência da Lei 8.666/1993, ao examinar contratos precedidos de concorrências, o Tribunal constituíra “jurisprudência majoritária no sentido de que o subcontratado deve cumprir, no mínimo, as mesmas exigências estabelecidas para o contratado”, a exemplo do Acórdão 1998/2008-Plenário, por meio do qual o TCU, ao apreciar auditoria nas obras de construção do edifício-sede do Tribunal Superior Eleitoral, determinara ao órgão que somente autorizasse “a subcontratação de serviços no âmbito do Contrato nº 010/2007 por ofício, nos termos estabelecidos na sua Cláusula Quarta, item 13, mediante a avaliação da especialidade requerida e da habilitação do subcontratado (empresa ou profissional), devidamente demonstrada em documentos que a subsidie, observando, em relação aos serviços estabelecidos como requisito de qualificação técnico-operacional do Consórcio, que o subcontratado deve cumprir, no mínimo, as mesmas exigências estabelecidas para a licitação”. Além disso, continuou o relator, no Acórdão 2992/2011-Plenário, entre outros pontos, fora discutida possível restrição à competitividade decorrente da vedação à subcontratação de serviços tradicionalmente terceirizados em obras aeroportuárias. Naquela assentada, o Pleno entendera que, no caso da subcontratação de parcela da obra para a qual tivesse havido solicitação de atestados de qualificação técnica na licitação, o órgão ou a entidade pública deveria exigir, da contratada, como condicionante de autorização para execução dos serviços, a “comprovação de experiência das subcontratadas para verificação de sua capacidade técnica”. O relator então salientou que tal entendimento está positivado no art. 122, § 1º, da Lei 14.133/2021, nos seguintes termos: “Art. 122. Na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela Administração. § 1º O contratado apresentará à Administração documentação que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada aos autos do processo correspondente”. E arrematou que, “na topografia da norma, o dispositivo está inserido no título destinado aos contratos administrativos, sendo irrelevante a origem do negócio jurídico, isto é, se oriundo de alguma modalidade licitatória, de dispensa ou de inexigibilidade”. Registrou que, na situação em apreço, o termo de referência da contratação, no capítulo destinado à qualificação técnica, exigira das interessadas, entre outras, a seguinte documentação: “35.4. apresentação de certidões ou atestados que comprovem experiência mínima de três anos na prestação do serviço de locação de aeronaves de asa fixa ou rotativa em quantidade correspondente a, no mínimo, 50% do total de horas voo previsto para os itens “locação de quatro aeronaves de asas fixas com capacidade de carga útil mínima de 1,5 tonelada, destinadas exclusivamente para transporte de cestas (quantidade máxima anual de horas de voo para cada aeronave: 8.640)” e “locação de duas aeronaves de asas rotativas (helicópteros)”. Asseverou que, de fato, não foram apresentados os atestados das subcontratadas que comprovassem as horas de voo, “proporcionalmente às parcelas que lhes foram repassadas”, e, justamente por não restar comprovada a experiência pretérita das subcontratadas em relação ao quantitativo mínimo de voo, entendeu que o Tribunal deveria dar ciência dessa ocorrência aos órgãos envolvidos. Anuindo à proposição do relator, o Plenário decidiu considerar a representação parcialmente procedente, sem prejuízo de, entre outras providências, cientificar o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) de que, no âmbito da Contratação Direta 90002/2024, “a falta de verificação, em relação às empresas subcontratadas, do cumprimento aos requisitos previstos no subitem 8.3.10.5 do Termo de Referência, especialmente quanto à comprovação de experiência na execução de serviços de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, proporcionalmente à respectiva subcontratação, contraria o art. 122, § 1º, da Lei 14.133/2021, os princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legalidade, da eficiência e da segurança jurídica, e os Acórdãos 1.998/2008-Plenário, 2.992/2011-Plenário e 2.021/2020-Plenário”.

Acórdão 963/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.