A atribuição, ao pregoeiro, da
responsabilidade pela elaboração do edital cumulativamente às tarefas de sua
estrita competência afronta o princípio da segregação de funções e não
encontra respaldo no art. 3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002 nem no art. 17 do
Decreto 10.024/2019.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
16/2020, promovido pelo Comando da Aeronáutica para contratação de empresa
especializada em “serviços de manutenção
preventiva e corretiva de veículos especiais e elos do Sistema de Prevenção e
Combate a Incêndio da Força Aérea, em todo o território nacional”. Entre as
irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “elaboração do edital de pregão pela pregoeira, contrariando o artigo
3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002, o artigo 17 do Decreto federal 10.024/2019”
e os Acórdãos 3.381/2013 e 2.448/2019, ambos do
Plenário. Em resposta à oitiva realizada nos autos, o órgão promotor do certame
argumentou que, “ao elaborar o edital, a
pregoeira não teria se imiscuído na elaboração das premissas mais sensíveis
para a contratação, visto que tais condições fazem parte do Termo de
Referência, elaborado por agente diverso”, e que, portanto, “não
haveria quebra do princípio da segregação de funções”. Ao analisar tal
argumentação, a unidade instrutiva pontuou que, além de ir de encontro à
jurisprudência do TCU, a elaboração do edital pelo pregoeiro aumenta os riscos
oriundos da atribuição de atividades sensíveis à mesma pessoa, que, no caso em
análise, seria “a de propor as regras da licitação e posteriormente julgar o
certame segundo essas regras por ela mesma elaboradas”. Além disso,
entendimento doutrinário estaria a apontar que, embora não haja, na lei do
pregão, atribuição ao pregoeiro para elaborar o edital, “tal ausência não impede que a atribuição seja delegada ao pregoeiro
pela autoridade superior ou pelo regulamento interno da organização” e que assim “haveria vantagem nesta delegação, pelo potencial aproveitamento da
expertise do pregoeiro para o aperfeiçoamento da minuta”; essa mesma doutrina alerta que “há também um risco, pela ausência de
segregação de funções entre o gestor da licitação (responsável pela condução do
certame) e o autor das regras que balizarão o procedimento competitivo”. Em
reforço ao seu posicionamento, a unidade técnica trouxe mais um argumento
doutrinário, segundo o qual “não se
encontra entre as atribuições exclusivas do pregoeiro a responsabilidade pela
confecção e assinatura do Edital de Licitação, então, não é sua competência
fazer, muito menos assinar”, e, caso ele venha a confeccionar o edital, “assumirá a responsabilidade por uma
atribuição que não é sua e nem conferida legalmente”. Por fim, a unidade
instrutiva assinalou que o Acórdão
686/2011-Plenário não recomenda
designar, para compor a comissão de licitação, o servidor que atua na fase
interna do procedimento licitatório, em observância ao princípio da segregação
das funções, o qual “estabelece que o
Agente Público que edita determinado ato, com vistas à sua imparcialidade no julgamento,
não deve ser também responsável pela sua fiscalização”. Em seu voto,
anuindo ao entendimento esposado pela unidade técnica, o relator enfatizou que
a elaboração do edital do pregão “não se
inclui entre as atribuições do pregoeiro, nos termos dos normativos que regem a
matéria, além disso viola o princípio da segregação de funções, que deve
permear toda a administração pública, sobretudo o processo de contratação, pois
possibilita o controle das etapas do processo de pregão por setores/instâncias
distintos”. Ao final, acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu
dar ciência ao Centro de Aquisições Específicas do Comando da Aeronáutica, com
vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes, que a elaboração do
edital pela pregoeira contrariou o art. 3º, inciso IV, da Lei 10.520/2002, o
art. 17 do Decreto 10.024/2019 e os Acórdãos 3.381/2013 e 2.448/2019, ambos do
Plenário.
Acórdão
2146/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz.
INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS DO TCU – Nº 466