Para efeitos de qualificação
econômico-financeira em licitação de serviços continuados, o índice de 16,66%
do Capital Circulante Líquido ou Capital de Giro, previsto no Anexo VII-A,
item 11.1.b, da IN Seges-MPDG 5/2017 (aplicada no âmbito da Lei 14.133/2021
por força do art. 1º da IN Seges-ME 98/2022), deve ser apurado em função do
preço estimado da contratação para o período de doze meses, independentemente
da duração do contrato, sob o risco de restrição à competitividade e
direcionamento do certame.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
90013/2024, sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Metrologia,
Qualidade e Tecnologia (Inmetro), com valor estimado anual de R$ 17.475.559,28,
cujo objeto era a contratação de “serviço
continuado de transporte coletivo para atender as necessidades de deslocamento
da força de trabalho do Instituto, composta por servidores, colaboradores,
estagiários e bolsistas, entre outros, até o Campus de Inovação e Metrologia
localizado em Xerém, Duque de Caxias/RJ, bem como a disponibilização de
veículos para uso eventual”. O objeto do pregão fora dividido em dois
grupos, de acordo com as linhas de ônibus atendidas. O grupo 1 compreendia onze
linhas e os serviços eventuais, com despesas estimadas em R$ 7.427.824,88/ano,
ao passo que o grupo 2, quatorze linhas, com despesas previstas de R$
10.047.734,40/ano. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a
exigência, para fins de qualificação econômico-financeira das licitantes, de “comprovação de capital circulante líquido ou capital de giro (Ativo Circulante –
Passivo Circulante) de, no mínimo, 16,66% do valor estimado dos cinco anos da
contratação”. Especificamente quanto ao grupo 2, do qual participara a
empresa autora da representação, o valor exigido para o Capital Circulante
Líquido (CCL) mínimo fora de R$ 8.369.762,75, considerando o valor total do
contrato para os cinco anos de sua duração (R$ 50.238.672,00), portanto cinco
vezes maior do que o CCL mínimo comprovado por aquela empresa, inicialmente
classificada em primeiro lugar. Realizada oitiva, o Inmetro alegou que a
jurisprudência do TCU, as normas de regência, notadamente a IN Seges-MPDG
5/2017, e os modelos de termos de referência fornecidos pela AGU estabelecem
que o Capital Circulante Líquido (CCL) mínimo exigido é baseado no valor
estimado da contratação. Afirmou não haver localizado, na base de dados do
Tribunal, “jurisprudência ou recomendação
de avaliação do critério de qualificação econômico-financeira levando-se em
consideração apenas 12 (doze) meses de contrato sob a égide da nova Lei
14.133/2021”, situação que o teria levado, “no momento do planejamento da contratação e julgamento das propostas”, à aplicação literal do art. 106, inciso I, da Lei 14.133/2021 e do
item 11.1.b do Anexo VII-A da IN Seges-MPDG 5/2017. Advogou que as normas de
regência teriam sido rigorosamente observadas, porém seria cabível a expedição,
por parte do TCU, de “recomendações ou
determinações aos órgãos competentes para a alteração das minutas e instruções
existentes a fim de que seja estabelecido que o capital líquido deverá ser
calculado apenas durante o período de 12 (doze) meses ou do primeiro ano do
contrato”. Ao analisar tais argumentos, a unidade técnica rememorou o
estudo produzido no âmbito do processo que originara o Acórdão
1214/2013-TCU-Plenário, por meio do
qual o Tribunal, ao se debruçar sobre as dificuldades enfrentadas pela
Administração Pública no que concerne à temática dos contratos de natureza
continuada, entendera ser possível exigir, como condição de habilitação
econômico-financeira, o índice de Capital Circulante (CCL) de, no mínimo,
16,66% do valor estimado da contratação. Tal percentual, enfatizou a unidade
instrutiva, fora estabelecido com base na necessidade de a prestadora dos
serviços ter condições de honrar seus compromissos sem depender da
contraprestação pecuniária por parte da Administração, equivalendo ao período
de dois meses. Além disso, a unidade técnica asseverou que a leitura do edital do
Pregão 90013/2024 e da IN Seges-MPDG 5/2017 deveria ser feita à luz da
jurisprudência do TCU – a exemplo dos Acórdãos 1214/2013, 2763/2016, 1335/2010 e 2.268/2022, todos do Plenário –, segundo a qual o valor considerado
para o cálculo do índice contábil é o valor equivalente ao período de doze
meses de contrato, sendo irregular, portanto, exigência de índice com base no
valor total estimado da contratação. Conquanto os acórdãos mencionados tenham
sido prolatados antes da vigência da Lei 14.133/2021, a unidade instrutiva
rejeitou o argumento de que “não há
jurisprudência sob a égide da nova lei de licitações”, uma vez que o seu
art. 69, o qual versa sobre a comprovação da boa situação financeira da
licitante, a ser realizada por meio de índices contábeis, “não sofreu alterações em relação ao disposto no art. 31, § 5º, da Lei
8.666/1993, seu análogo”. Ao mencionar a IN Seges-ME 98/2022, cujo art. 1º
autoriza a aplicação da IN Seges-MPDG 5/2017 nas contratações regidas pela Lei
14.133/2021, a unidade técnica arrematou que “a jurisprudência do TCU permanece aplicável”, restando assim
configurada a ilegalidade da desclassificação das licitantes inicialmente mais
bem classificadas no PE 90013/2024, por não apresentarem o índice de CCL
definido em função do valor total estimado do contrato, este com vigência
prevista de cinco anos. Em seu voto, o relator reforçou, preliminarmente, que o
racional que levou ao estabelecimento de percentual mínimo para o índice em
apreço, estabelecido no âmbito do Acórdão
1214/2013-TCU-Plenário, fora
construído ante a necessidade de a empresa contratada ter condições
operacionais por prazo suficiente para sua atuação independente dos pagamentos
da parte contratante, necessidade observada especialmente em início de contrato,
devido a diversos custos por ela assumidos. Frisou que, conforme o voto
condutor do aludido aresto, compreendera-se que esse prazo seria de dois meses,
o que, com base no art. 57, caput, da
Lei 8.666/1993 – estabelecia o prazo dos contratos “em vinculação à duração dos créditos orçamentários anuais” –,
representaria dois doze avos do valor estimado do contrato. Nesse sentido,
julgou oportuno transcrever o seguinte excerto daquele voto condutor: “O grupo de estudos registrou que as
exigências de qualificação econômico-financeira previstas na maioria dos
editais não estão sendo capazes de evitar a contratação de empresas sem a
devida capacidade econômico-financeira para honrar os compromissos pertinentes
à prestação dos serviços. O grupo ressalta que empresas de prestação de serviço
são altamente demandantes de recursos financeiros de curto prazo para honrar
seus compromissos, sendo necessário que elas tenham recursos suficientes para
honrar no mínimo dois meses de contratação sem depender do pagamento por parte
do contratante. Assim, propõe que se exija dos licitantes que eles tenham
capital circulante líquido de no mínimo 16,66% (equivalente a 2/12) do valor estimado para a contratação (período de um ano).”
(grifos do relator). Por outro lado, acrescentou o relator, não teria havido
nenhuma conclusão acerca da obrigatoriedade da celebração de contratos
limitados a doze meses, conclusão depreendida do seguinte trecho daquele mesmo
voto condutor: “Considerando que a
legislação não determina expressamente que esse tipo de contrato deve ter prazo
inicial de vigência de 12 meses, levando em conta os aspectos mencionados nos
parágrafos anteriores, entendo que não se deva fixar uma orientação geral de
que a administração deve ou não fazer contratos para prestação de serviços
continuados com prazo de 12, 24 ou 60 meses. É uma avaliação que deve ser feita
a cada caso concreto, tendo em conta as características específicas daquela
contratação. Cabe à administração justificar no procedimento administrativo o
porquê da escolha de um ou outro prazo, levando-se em conta os aspectos aqui
discutidos e outros porventura pertinentes para aquele tipo de serviço.”.
Portanto, a seu ver, o conteúdo do art. 106 da Lei 14.133/2021, que permite à
Administração celebrar contratos de serviços contínuos com prazo de até cinco
anos, “não representa uma inovação
prática e que demande atualização jurisprudencial”. Nesse contexto, não
restariam dúvidas de que “esta Corte tem
entendimento, assentado e anterior à edição da Lei 14.133/2021, de que as
exigências econômico-financeiras devem se ater ao valor estimado para o período
de 12 (doze) meses de contrato, independente da sua duração, sob o risco de
restrição à competitividade e direcionamento do certame”. Assim sendo, não
poderia ser acolhido o argumento do Inmetro de que a suposta ausência de
jurisprudência formada sob a égide da Lei 14.133/2021 ensejaria a adoção da
literalidade do disposto na IN Seges-MPDG 5/2017 e, como consequência, a
estipulação da exigência do CCL mínimo considerando o período integral (de
cinco anos) da contratação. No caso concreto, a diferença de valor do CCL
mínimo exigido “acarretou a
desclassificação das licitantes mais bem classificadas nos grupos e, portanto,
operou em sentido restritivo à competitividade do certame”. Também em
decorrência da sua explanação, deveria ser considerado improcedente o argumento
do Inmetro de que, ante a ausência de jurisprudência do TCU sobre essa matéria
após a entrada em vigor da Lei 14.133/2021, deveria o TCU tão somente expedir “recomendação ou determinação” para
ajustes na redação da IN Seges-MPDG 5/017 e dos modelos de termos de referência
fornecidos pela AGU. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, entre
outras providências, fixar prazo ao Inmetro para promover a “anulação dos atos de homologação,
adjudicação e habilitação do Pregão Eletrônico 90013/2024”, com o
consequente “retorno à fase de habilitação e julgamento das propostas, com a convocação
das empresas que apresentaram melhores preços para apresentação de suas
propostas ajustadas, dando-se prosseguimento ao certame, considerando, desta
vez, quando da análise dos documentos de habilitação, que o índice do Capital
Circulante Líquido, de 16,66%, deve ser calculado em relação ao valor estimado
para 12 (doze) meses do contrato”. Outrossim, decidiu o Pleno dar ciência à
Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em
Serviços Públicos (Seges/MGI) do teor da representação, a fim de avaliar a “conveniência e oportunidade de ajustar a
redação do item 11.1.b, do Anexo VII-A, da IN Seges/MP 5/2017, que prevê a
exigência de que o Capital Circulante Líquido ou Capital de Giro (Ativo
Circulante – Passivo Circulante) seja de, no mínimo, 16,66% do valor estimado
da contratação, no sentido de prover maior clareza informativa e/ou expedir
orientações aos órgãos jurisdicionados da Administração Pública Federal Direta
e Indireta quanto à observação jurisprudencial deste Tribunal acerca da
matéria, que informa que para efeitos de qualificação econômico-financeira, o
índice de 16,66% do Capital Circulante Líquido deve ser apurado em função do
valor estimado da contratação para o período de doze meses (Acórdãos 1.214/2013-TCU-Plenário, Relator
Ministro Aroldo Cedraz, 2.763/2016-TCU-Plenário, Relator
Ministro Augusto Nardes, 1.335/2010-TCU-Plenário, Relator
Ministro José Mucio, e 2.268/2022-TCU-Plenário, Relator
Ministro Antônio Anastasia), com vistas a prevenir equívocos sobre sua
aplicação em relação à Lei 14.133/2021”;
bem como cientificar a Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos da
Consultoria-Geral da União, integrante da Advocacia-Geral da União
(CNMLC/CGU/AGU), do teor da representação, para que “avalie a conveniência e oportunidade de ajustar a redação de seus
modelos de termos de referência para a contratação dos serviços contínuos, que
preveem a exigência de que o Capital Circulante Líquido ou Capital de Giro
(Ativo Circulante - Passivo Circulante) seja de, no mínimo, 16,66% do valor
estimado da contratação, no sentido de prover maior clareza informativa e/ou
expedir orientações aos órgãos jurisdicionados da Administração Pública Federal
Direta e Indireta quanto à observação jurisprudencial deste Tribunal acerca da
matéria”.
Acórdão
1087/2025 Plenário, Agravo, Relator Ministro Aroldo Cedraz.