O fato de o licitante apresentar
composição de custo unitário contendo salário de categoria profissional
inferior ao piso estabelecido em acordo, convenção ou dissídio coletivo de
trabalho é erro que não enseja a desclassificação da proposta, podendo ser
saneado com a apresentação de nova composição de custo unitário desprovida do
erro, em face do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse
público, contanto que não haja majoração de sua proposta.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência Eletrônica
90.005/2025, regida pela Lei 14.133/2021 e promovida pela Prefeitura Municipal
de Santana/AP, cujo objeto era a construção de passarelas de concreto armado no
bairro Elesbão, em Matapi-Mirim, com valor estimado de R$ 19.386.632,44. A
fonte de custeio era o Convênio 937.338/2022, firmado entre o Ministério da
Defesa e o aludido município, no âmbito do Programa Calha Norte. A empresa
autora da representação alegou que sua proposta, considerada a mais vantajosa
(R$ 16.010.450,37), fora sumariamente desclassificada sem a devida
fundamentação e sem a oportunidade de correção de falhas meramente formais, o
que, para ela, estaria em contrariedade à legislação de regência e à jurisprudência
do TCU. Argumentou, ainda, que a não suspensão do certame poderia dar ensejo à
contratação de proposta mais onerosa, causando assim prejuízo ao erário, além
de configurar violação aos princípios da economicidade e do interesse público.
Segundo ela, as razões para a desclassificação de sua proposta encontravam-se
no “parecer técnico da central de licitações” e envolviam, entre outros,
o seguinte “problema”: na composição de preços unitários, identificou-se que os
valores de mão de obra de algumas categorias profissionais estavam abaixo do
mínimo estabelecido pela convenção coletiva de trabalho (CCT). Autorizada a
oitiva prévia da Prefeitura Municipal de Santana/AP, esta afirmou que a
desclassificação da proposta da empresa representante fora fundamentada em “critérios
técnicos e legais”, ressaltando, no entanto, que o certame “ainda não
alcançou a fase recursal prevista em lei”. Ao enfatizar que os valores de
mão de obra encontravam-se abaixo do mínimo estabelecido na CCT, concluiu que
tal problema não representava erro no preenchimento da planilha, e sim afronta
aos “critérios constitucionais e trabalhistas”. Ao final, sustentou a
importância da obra, essencial para garantir a “acessibilidade e comodidade
dos moradores das áreas alagadas, especialmente durante o período chuvoso”.
Em sua instrução, a unidade técnica reconheceu que, de fato, a proposta da
empresa representante continha falhas formais, todavia não havia motivo para a
desclassificação sumária da proposta mais vantajosa sem a oportunidade de
correção por meio de diligência. Pontuou que a desclassificação sumária, nesses
casos, viola os princípios do formalismo moderado e da seleção da proposta mais
vantajosa, razão por que propugnou pela expedição de medida cautelar para
suspender o certame. Adicionalmente, recomendou nova oitiva da prefeitura
municipal, visando à “construção participativa das deliberações”. Em seu
voto, o relator entendeu que o caso em tela demandaria solução diversa,
propondo ao colegiado, “desde já, a apreciação do mérito da presente
representação, por entender que a causa está madura para julgamento”, isso
porque, levando em conta que a Prefeitura Municipal de Santana/AP se
manifestara especificamente sobre a irregularidade suscitada, restariam
afastadas “potenciais violações ao contraditório e à ampla defesa”, não
se vislumbrando, pois, necessidade de “nova manifestação do ente”.
Assinalou que se tratava, em essência, de erro ou falha sem força suficiente
para alterar a “substância das propostas, ou seja, era plenamente possível a
correção por simples diligência ao licitante”, possibilidade que, “por
sinal”, encontrava guarida no próprio instrumento convocatório, que assim
dispunha: “8.5.12. Erros no preenchimento da planilha não são motivos
suficientes para desclassificação da proposta, quando a planilha puder ser
ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se
comprove que esta seja suficiente para arcar com todos os custos da
contratação. [...] 8.11. Erros no preenchimento da planilha não constituem
motivo para a desclassificação da proposta. A planilha poderá ser ajustada pelo
fornecedor, no prazo indicado pelo sistema, desde que não haja majoração do
preço e que se comprove que este é o bastante para arcar com todos os custos da
contratação; 8.11.1. O ajuste de que trata este dispositivo se limita a sanar
erros ou falhas que não alterem a substância das propostas; 8.11.2.
Considera-se erro no preenchimento da planilha passível de correção a indicação
de recolhimento de impostos e contribuições na forma do Simples Nacional,
quando não cabível esse regime.”. Na sequência, o relator deixou assente
que o licitante “pode apresentar composições de preços diferentes das
previstas no Sinapi, devendo o poder público avaliar se os custos dos insumos
são coerentes com os preços de mercado”, e que “o preço de mercado deve
sempre servir como limitante superior, ou seja, os custos apresentados não
podem ultrapassar os valores de mercado”. Nesse sentido, identificada
alguma impropriedade, como a previsão de valores de mão de obra de categorias
profissionais abaixo do mínimo estabelecido pela convenção coletiva de
trabalho, “deve a administração diligenciar a licitante para, se for de seu
interesse, reapresentar suas planilhas eivadas do vício, contanto que não haja
majoração de sua proposta”. A corroborar sua assertiva, invocou a
jurisprudência do Tribunal, a exemplo do Acórdão
719/2018-Plenário, em que restou
consignado que, “se o licitante apresentar composição de custo unitário
contendo salário de categoria profissional inferior ao piso estabelecido em
acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho, isso configura, em tese,
somente erro formal, o qual não enseja a desclassificação da proposta. Nesses
casos, o vício pode ser saneado com a apresentação de nova composição de custo
unitário desprovida de erro, em face do princípio do formalismo moderado e da
supremacia do interesse público.”. Portanto, o
vício apontado pela prefeitura municipal não constituiria, a seu ver, motivo
para a desclassificação da proposta da empresa autora da representação. De
outro tanto, ele registrou que o certame contara com a participação de
dezenove empresas, além de o desconto obtido haver sido da ordem de 17% em
relação ao orçamento referencial da Administração, circunstâncias que, sob a
sua ótica, “demonstram a competitividade da licitação”. Ademais, no caso
concreto, a proposta da segunda colocada no certame (R$ 16.090.904,90) fora “apenas
cerca de R$ 80.454,53” superior à proposta da empresa representante (R$
16.010.450,37), cenário em que a baixa materialidade envolvida, somada ao fato
de que ainda não teria sido iniciada a fase recursal prevista na Lei
14.133/2021, “não justifica a concessão de cautelar para suspender o
certame, tampouco a realização de nova oitiva do ente local, medidas propostas
pela unidade técnica”. E como ainda seria possível à Administração, após o
pronunciamento do TCU, “revisitar a questão, inclusive por meio de eventual
recurso interposto pela representante”, ele reputou que o mais adequado,
como medida de racionalidade administrativa, seria apenas “dar ciência da
irregularidade ao município”. Assim sendo, acolhendo a proposição do
relator, o Plenário decidiu considerar procedente a representação, sem prejuízo
de dar ciência à Prefeitura Municipal de Santana/AP que “a desclassificação
sumária da proposta mais vantajosa sem oportunidade de saneamento afronta os
princípios do formalismo moderado e da seleção da proposta mais vantajosa,
contraria o art. 64, inciso I e § 1º, da Lei 14.133/2021, os arts. 39, § 7º, e
41 da Instrução Normativa Seges - ME 73/2022, bem como a jurisprudência deste
Tribunal, a exemplo dos Acórdãos
719/2018, 641/2025 e 1.204/2024, todos do Plenário”.
Acórdão
2009/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.