sexta-feira, 26 de setembro de 2025

O fato de o licitante apresentar composição de custo unitário contendo salário de categoria profissional inferior ao piso estabelecido em acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho é erro que não enseja a desclassificação da proposta

 

O fato de o licitante apresentar composição de custo unitário contendo salário de categoria profissional inferior ao piso estabelecido em acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho é erro que não enseja a desclassificação da proposta, podendo ser saneado com a apresentação de nova composição de custo unitário desprovida do erro, em face do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse público, contanto que não haja majoração de sua proposta.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência Eletrônica 90.005/2025, regida pela Lei 14.133/2021 e promovida pela Prefeitura Municipal de Santana/AP, cujo objeto era a construção de passarelas de concreto armado no bairro Elesbão, em Matapi-Mirim, com valor estimado de R$ 19.386.632,44. A fonte de custeio era o Convênio 937.338/2022, firmado entre o Ministério da Defesa e o aludido município, no âmbito do Programa Calha Norte. A empresa autora da representação alegou que sua proposta, considerada a mais vantajosa (R$ 16.010.450,37), fora sumariamente desclassificada sem a devida fundamentação e sem a oportunidade de correção de falhas meramente formais, o que, para ela, estaria em contrariedade à legislação de regência e à jurisprudência do TCU. Argumentou, ainda, que a não suspensão do certame poderia dar ensejo à contratação de proposta mais onerosa, causando assim prejuízo ao erário, além de configurar violação aos princípios da economicidade e do interesse público. Segundo ela, as razões para a desclassificação de sua proposta encontravam-se no “parecer técnico da central de licitações” e envolviam, entre outros, o seguinte “problema”: na composição de preços unitários, identificou-se que os valores de mão de obra de algumas categorias profissionais estavam abaixo do mínimo estabelecido pela convenção coletiva de trabalho (CCT). Autorizada a oitiva prévia da Prefeitura Municipal de Santana/AP, esta afirmou que a desclassificação da proposta da empresa representante fora fundamentada em “critérios técnicos e legais”, ressaltando, no entanto, que o certame “ainda não alcançou a fase recursal prevista em lei”. Ao enfatizar que os valores de mão de obra encontravam-se abaixo do mínimo estabelecido na CCT, concluiu que tal problema não representava erro no preenchimento da planilha, e sim afronta aos “critérios constitucionais e trabalhistas”. Ao final, sustentou a importância da obra, essencial para garantir a “acessibilidade e comodidade dos moradores das áreas alagadas, especialmente durante o período chuvoso”. Em sua instrução, a unidade técnica reconheceu que, de fato, a proposta da empresa representante continha falhas formais, todavia não havia motivo para a desclassificação sumária da proposta mais vantajosa sem a oportunidade de correção por meio de diligência. Pontuou que a desclassificação sumária, nesses casos, viola os princípios do formalismo moderado e da seleção da proposta mais vantajosa, razão por que propugnou pela expedição de medida cautelar para suspender o certame. Adicionalmente, recomendou nova oitiva da prefeitura municipal, visando à “construção participativa das deliberações”. Em seu voto, o relator entendeu que o caso em tela demandaria solução diversa, propondo ao colegiado, “desde já, a apreciação do mérito da presente representação, por entender que a causa está madura para julgamento”, isso porque, levando em conta que a Prefeitura Municipal de Santana/AP se manifestara especificamente sobre a irregularidade suscitada, restariam afastadas “potenciais violações ao contraditório e à ampla defesa”, não se vislumbrando, pois, necessidade de “nova manifestação do ente”. Assinalou que se tratava, em essência, de erro ou falha sem força suficiente para alterar a “substância das propostas, ou seja, era plenamente possível a correção por simples diligência ao licitante”, possibilidade que, “por sinal”, encontrava guarida no próprio instrumento convocatório, que assim dispunha: “8.5.12. Erros no preenchimento da planilha não são motivos suficientes para desclassificação da proposta, quando a planilha puder ser ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se comprove que esta seja suficiente para arcar com todos os custos da contratação. [...] 8.11. Erros no preenchimento da planilha não constituem motivo para a desclassificação da proposta. A planilha poderá ser ajustada pelo fornecedor, no prazo indicado pelo sistema, desde que não haja majoração do preço e que se comprove que este é o bastante para arcar com todos os custos da contratação; 8.11.1. O ajuste de que trata este dispositivo se limita a sanar erros ou falhas que não alterem a substância das propostas; 8.11.2. Considera-se erro no preenchimento da planilha passível de correção a indicação de recolhimento de impostos e contribuições na forma do Simples Nacional, quando não cabível esse regime.”. Na sequência, o relator deixou assente que o licitante “pode apresentar composições de preços diferentes das previstas no Sinapi, devendo o poder público avaliar se os custos dos insumos são coerentes com os preços de mercado”, e que “o preço de mercado deve sempre servir como limitante superior, ou seja, os custos apresentados não podem ultrapassar os valores de mercado”. Nesse sentido, identificada alguma impropriedade, como a previsão de valores de mão de obra de categorias profissionais abaixo do mínimo estabelecido pela convenção coletiva de trabalho, “deve a administração diligenciar a licitante para, se for de seu interesse, reapresentar suas planilhas eivadas do vício, contanto que não haja majoração de sua proposta”. A corroborar sua assertiva, invocou a jurisprudência do Tribunal, a exemplo do Acórdão 719/2018-Plenário, em que restou consignado que, “se o licitante apresentar composição de custo unitário contendo salário de categoria profissional inferior ao piso estabelecido em acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho, isso configura, em tese, somente erro formal, o qual não enseja a desclassificação da proposta. Nesses casos, o vício pode ser saneado com a apresentação de nova composição de custo unitário desprovida de erro, em face do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse público.”. Portanto, o vício apontado pela prefeitura municipal não constituiria, a seu ver, motivo para a desclassificação da proposta da empresa autora da representação. De outro tanto, ele registrou que o certame contara com a participação de dezenove empresas, além de o desconto obtido haver sido da ordem de 17% em relação ao orçamento referencial da Administração, circunstâncias que, sob a sua ótica, “demonstram a competitividade da licitação”. Ademais, no caso concreto, a proposta da segunda colocada no certame (R$ 16.090.904,90) fora “apenas cerca de R$ 80.454,53” superior à proposta da empresa representante (R$ 16.010.450,37), cenário em que a baixa materialidade envolvida, somada ao fato de que ainda não teria sido iniciada a fase recursal prevista na Lei 14.133/2021, “não justifica a concessão de cautelar para suspender o certame, tampouco a realização de nova oitiva do ente local, medidas propostas pela unidade técnica”. E como ainda seria possível à Administração, após o pronunciamento do TCU, “revisitar a questão, inclusive por meio de eventual recurso interposto pela representante”, ele reputou que o mais adequado, como medida de racionalidade administrativa, seria apenas “dar ciência da irregularidade ao município”. Assim sendo, acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu considerar procedente a representação, sem prejuízo de dar ciência à Prefeitura Municipal de Santana/AP que “a desclassificação sumária da proposta mais vantajosa sem oportunidade de saneamento afronta os princípios do formalismo moderado e da seleção da proposta mais vantajosa, contraria o art. 64, inciso I e § 1º, da Lei 14.133/2021, os arts. 39, § 7º, e 41 da Instrução Normativa Seges - ME 73/2022, bem como a jurisprudência deste Tribunal, a exemplo dos Acórdãos 719/2018, 641/2025 e 1.204/2024, todos do Plenário”.

Acórdão 2009/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.