É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de
qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem
comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o
desempenho do objeto a ser contratado, pois configura prática excessivamente
restritiva ao caráter competitivo da licitação, em desrespeito ao art. 9º,
inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico para
Registro de Preços 92500/2024, promovido pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) com vistas à aquisição de mobiliário
geral. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “exigência de
atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos
técnicos e/ou certificados de conformidade contidos nas descrições dos itens
licitados conforme listagem do termo de referência, sem a demonstração da
essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho
suficientes do objeto, afigurando-se excessivamente restritiva”. Ao
examinar as justificativas oferecidas pelo IFSP, instado a se manifestar nos
autos, a unidade técnica julgou adequado, preliminarmente, apresentar a
jurisprudência do TCU que baliza o tema, com especial destaque para o Acórdão
2129/2021-Plenário, em que restou
consignado o seguinte entendimento: “É irregular a exigência de atendimento
a normas técnicas da ABNT, declarações de qualidade, certificações, laudos
técnicos e certificados de conformidade sem a demonstração da essencialidade
dessas exigências para se garantir a qualidade e o desempenho suficientes do
objeto a ser contratado”. Nesse sentido, continuou a unidade instrutiva, a
jurisprudência do Tribunal não impede a inserção de exigência de atendimento a
normas técnicas, certificações, laudos ou certificados, contudo faz-se
necessário, para tanto, que seja demonstrada a sua essencialidade para se
garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto. Ela destacou ainda
que, embora no processo licitatório não tivesse sido identificada qualquer
explicação técnica específica, detalhada, que demonstrasse a necessidade da
exigência dos normativos demandados pelo IFSP, entre os quais a ‘ABNT NBR
17088: 2023’, a unidade jurisdicionada apresentara, em resposta à diligência
realizada, “alguns aspectos” aptos a demonstrar as “características
específicas que cada norma busca assegurar”, com o intuito de comprovar a
pertinência de sua exigência. Diante disso, a unidade técnica apreciou a
razoabilidade da exigência do normativo acima destacado, à luz da justificativa
trazida pela unidade jurisdicionada, no sentido de que a norma ‘ABNT NBR
17088:2023’ “avalia a durabilidade dos componentes metálicos em condições
adversas”, as quais se referem a “regiões expostas a névoa salina, ou
seja, regiões litorâneas”. Nesse ponto, a unidade instrutiva retrucou que,
dos 44 órgãos que compuseram a ata de registro de preços (gerenciador e
participantes), fora verificado que apenas três estariam localizados em regiões
que pudessem ser consideradas como litorâneas, ou seja, a citada exigência
seria pertinente apenas para 6,82% do total de órgãos que integraram a ata.
Dito de outro modo, “a exigência é desnecessária para 41 dos 44
órgãos, de forma que, caso a citada exigência acarrete aumento de custos, a
grande maioria dos órgãos estariam adquirindo produtos mais caros do que o
necessário”. Não obstante isso, ela pontuou não haver identificado nenhum
estudo contendo os impactos pela inserção da exigência, de sorte que “não se
sabe se seria vantajoso fazer contratações separadas, uma para órgãos de
localidade litorânea e outra para os demais”. Tal fato, sob a sua ótica, “evidencia
a necessidade de que seja justificada, de forma técnica, a essencialidade de
todos os normativos demandados”, pois a inserção indiscriminada de
exigências não garante que o produto a ser adquirido é o que melhor se adequa
às necessidades da Administração, isto é, a qualidade de um produto “não
está intrinsicamente relacionada à quantidade de normas/laudos/certificados que
ele possui”. Asseverou então que, nesse cenário, “espera-se que o gestor
seja capaz de apresentar quais características técnicas do material que a norma
garante, faça a relação entre a norma e o material a ser adquirido e explique,
de maneira clara, a razão pela qual é essencial que o produto possua a
característica técnica pretendida”. Somado a isso, assinalou haver
constatado, além de um “excesso de exigência de normas/certificados/laudos”
sem que fosse apresentada a devida justificativa técnica para tanto, uma
quantidade significativa de desclassificações na licitação. Essas evidências,
quando tomadas em conjunto, acrescentou a unidade técnica, “sugerem um
possível direcionamento do certame para um produto em específico” e, nesse
contexto, destacou que, “conforme informações que constam no Portal de
Compras do Governo Federal, os grupos 1, 2, 3, 4 e 6 (cinco dos sete grupos)
apresentam apenas dois fabricantes”. Chamou também a atenção para o fato de
que “empresas que possuem amplo histórico de fornecimento de mobiliário para
órgãos públicos (maior, inclusive, que o da empresa vencedora) não foram
capazes de atender às exigências editalícias”. Diante do amplo rol de
indícios levantados, arrematou: “as exigências de normas/laudos/certificados
e o excesso de detalhamento no descritivo dos itens, além de não estarem
acompanhados da devida justificativa técnica, não são razoáveis”, e
acabaram restringindo a competitividade do certame, direcionando a licitação
para determinados produtos. Em seu voto, anuindo à manifestação da unidade
instrutiva, o relator frisou que, de fato, a análise técnica revelou que o
termo de referência continha especificações excessivas e exigências de normas
técnicas, laudos e certificados sem comprovação de sua essencialidade,
cerceando a competitividade da licitação. Reforçou que a jurisprudência do TCU
considera irregular a inclusão de especificações excessivas em editais, e a
falta de justificativas técnicas detalhadas “reforça essa irregularidade”.
Constatou, ademais, que “as imagens utilizadas na fase interna do certame”,
constantes de documento confeccionado na fase de planejamento, “correspondem
aos produtos de uma das empresas vencedoras”, corroborando a tese de
direcionamento. Ponderou, no entanto, que, apesar das irregularidades
levantadas, havia indícios de que os preços praticados teriam sido “razoáveis,
permitindo uma deliberação equilibrada, ponderando o custo-benefício das
aquisições”. Destarte, reputou viável permitir a execução das três atas de
registro de preços decorrentes da licitação, já em vigor, desde que
acompanhadas de estudo técnico que “comprove a vantajosidade e a
essencialidade” das aquisições. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário
decidiu, determinar à unidade jurisdicionada que, nas futuras aquisições com
base nas atas de registro de preços decorrentes do PE 92500/2024, elabore “estudo
técnico que demonstre, de forma clara e objetiva, a vantajosidade dos preços em
comparação com outros meios de aquisição e a essencialidade dos itens para o
desempenho das atividades do órgão, sob pena de responsabilização”.
Outrossim, decidiu o Pleno determinar ao IFSP que “não renove ou permita
novas adesões às atas decorrentes do PE 92500/2024”, deliberando, por fim,
no sentido de cientificar a entidade autárquica sobre as impropriedades
identificadas no aludido certame, visando à prevenção de ocorrências
semelhantes, destacando-se a “exigência de atendimento a normas técnicas,
declarações de qualidade, certificações¸ laudos técnicos e/ou certificados de
conformidade nas descrições dos itens licitados, sem comprovação da
essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do
objeto, o que se mostra, excessivamente, restritivo, em desrespeito ao art. 9º,
I, ‘a’, da Lei 14.133/2021”.
Acórdão
1712/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.