quinta-feira, 28 de agosto de 2025

É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto a ser contratado, pois configura prática excessivamente restritiva ao caráter competitivo da licitação, em desrespeito ao art. 9º, inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021.

É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto a ser contratado, pois configura prática excessivamente restritiva ao caráter competitivo da licitação, em desrespeito ao art. 9º, inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico para Registro de Preços 92500/2024, promovido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) com vistas à aquisição de mobiliário geral. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e/ou certificados de conformidade contidos nas descrições dos itens licitados conforme listagem do termo de referência, sem a demonstração da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto, afigurando-se excessivamente restritiva”. Ao examinar as justificativas oferecidas pelo IFSP, instado a se manifestar nos autos, a unidade técnica julgou adequado, preliminarmente, apresentar a jurisprudência do TCU que baliza o tema, com especial destaque para o Acórdão 2129/2021-Plenário, em que restou consignado o seguinte entendimento: “É irregular a exigência de atendimento a normas técnicas da ABNT, declarações de qualidade, certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem a demonstração da essencialidade dessas exigências para se garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto a ser contratado”. Nesse sentido, continuou a unidade instrutiva, a jurisprudência do Tribunal não impede a inserção de exigência de atendimento a normas técnicas, certificações, laudos ou certificados, contudo faz-se necessário, para tanto, que seja demonstrada a sua essencialidade para se garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto. Ela destacou ainda que, embora no processo licitatório não tivesse sido identificada qualquer explicação técnica específica, detalhada, que demonstrasse a necessidade da exigência dos normativos demandados pelo IFSP, entre os quais a ‘ABNT NBR 17088: 2023’, a unidade jurisdicionada apresentara, em resposta à diligência realizada, “alguns aspectos” aptos a demonstrar as “características específicas que cada norma busca assegurar”, com o intuito de comprovar a pertinência de sua exigência. Diante disso, a unidade técnica apreciou a razoabilidade da exigência do normativo acima destacado, à luz da justificativa trazida pela unidade jurisdicionada, no sentido de que a norma ‘ABNT NBR 17088:2023’ “avalia a durabilidade dos componentes metálicos em condições adversas”, as quais se referem a “regiões expostas a névoa salina, ou seja, regiões litorâneas”. Nesse ponto, a unidade instrutiva retrucou que, dos 44 órgãos que compuseram a ata de registro de preços (gerenciador e participantes), fora verificado que apenas três estariam localizados em regiões que pudessem ser consideradas como litorâneas, ou seja, a citada exigência seria pertinente apenas para 6,82% do total de órgãos que integraram a ata. Dito de outro modo, “a exigência é desnecessária para 41 dos 44 órgãos, de forma que, caso a citada exigência acarrete aumento de custos, a grande maioria dos órgãos estariam adquirindo produtos mais caros do que o necessário”. Não obstante isso, ela pontuou não haver identificado nenhum estudo contendo os impactos pela inserção da exigência, de sorte que “não se sabe se seria vantajoso fazer contratações separadas, uma para órgãos de localidade litorânea e outra para os demais”. Tal fato, sob a sua ótica, “evidencia a necessidade de que seja justificada, de forma técnica, a essencialidade de todos os normativos demandados”, pois a inserção indiscriminada de exigências não garante que o produto a ser adquirido é o que melhor se adequa às necessidades da Administração, isto é, a qualidade de um produto “não está intrinsicamente relacionada à quantidade de normas/laudos/certificados que ele possui”. Asseverou então que, nesse cenário, “espera-se que o gestor seja capaz de apresentar quais características técnicas do material que a norma garante, faça a relação entre a norma e o material a ser adquirido e explique, de maneira clara, a razão pela qual é essencial que o produto possua a característica técnica pretendida”. Somado a isso, assinalou haver constatado, além de um “excesso de exigência de normas/certificados/laudos” sem que fosse apresentada a devida justificativa técnica para tanto, uma quantidade significativa de desclassificações na licitação. Essas evidências, quando tomadas em conjunto, acrescentou a unidade técnica, “sugerem um possível direcionamento do certame para um produto em específico” e, nesse contexto, destacou que, “conforme informações que constam no Portal de Compras do Governo Federal, os grupos 1, 2, 3, 4 e 6 (cinco dos sete grupos) apresentam apenas dois fabricantes”. Chamou também a atenção para o fato de que “empresas que possuem amplo histórico de fornecimento de mobiliário para órgãos públicos (maior, inclusive, que o da empresa vencedora) não foram capazes de atender às exigências editalícias”. Diante do amplo rol de indícios levantados, arrematou: “as exigências de normas/laudos/certificados e o excesso de detalhamento no descritivo dos itens, além de não estarem acompanhados da devida justificativa técnica, não são razoáveis”, e acabaram restringindo a competitividade do certame, direcionando a licitação para determinados produtos. Em seu voto, anuindo à manifestação da unidade instrutiva, o relator frisou que, de fato, a análise técnica revelou que o termo de referência continha especificações excessivas e exigências de normas técnicas, laudos e certificados sem comprovação de sua essencialidade, cerceando a competitividade da licitação. Reforçou que a jurisprudência do TCU considera irregular a inclusão de especificações excessivas em editais, e a falta de justificativas técnicas detalhadas “reforça essa irregularidade”. Constatou, ademais, que “as imagens utilizadas na fase interna do certame”, constantes de documento confeccionado na fase de planejamento, “correspondem aos produtos de uma das empresas vencedoras”, corroborando a tese de direcionamento. Ponderou, no entanto, que, apesar das irregularidades levantadas, havia indícios de que os preços praticados teriam sido “razoáveis, permitindo uma deliberação equilibrada, ponderando o custo-benefício das aquisições”. Destarte, reputou viável permitir a execução das três atas de registro de preços decorrentes da licitação, já em vigor, desde que acompanhadas de estudo técnico que “comprove a vantajosidade e a essencialidade” das aquisições. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário decidiu, determinar à unidade jurisdicionada que, nas futuras aquisições com base nas atas de registro de preços decorrentes do PE 92500/2024, elabore “estudo técnico que demonstre, de forma clara e objetiva, a vantajosidade dos preços em comparação com outros meios de aquisição e a essencialidade dos itens para o desempenho das atividades do órgão, sob pena de responsabilização”. Outrossim, decidiu o Pleno determinar ao IFSP que “não renove ou permita novas adesões às atas decorrentes do PE 92500/2024”, deliberando, por fim, no sentido de cientificar a entidade autárquica sobre as impropriedades identificadas no aludido certame, visando à prevenção de ocorrências semelhantes, destacando-se a “exigência de atendimento a normas técnicas, declarações de qualidade, certificações¸ laudos técnicos e/ou certificados de conformidade nas descrições dos itens licitados, sem comprovação da essencialidade dessas exigências para garantir a qualidade e o desempenho do objeto, o que se mostra, excessivamente, restritivo, em desrespeito ao art. 9º, I, ‘a’, da Lei 14.133/2021”.

Acórdão 1712/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.