quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Em licitação que adota o modo de disputa aberto-fechado, para fins de exercício do direito de preferência assegurado às microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 44 e 45 da LC 123/2006), devem ser consideradas as propostas de todas as ME/EPP classificadas após a fase de lances, independentemente de participação na etapa fechada.

 

Em licitação que adota o modo de disputa aberto-fechado, para fins de exercício do direito de preferência assegurado às microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 44 e 45 da LC 123/2006), devem ser consideradas as propostas de todas as ME/EPP classificadas após a fase de lances, independentemente de participação na etapa fechada.

Representação formulada ao TCU apontou possível irregularidade no Pregão Eletrônico 90019/2024, realizado pelo Conselho Federal de Medicina, com valor estimado de R$ 6.832.603,28, cujo objeto consistia no registro de preços para “aquisição de equipamentos de microinformática - mini desktop, notebook, tablet, impressoras, scanners e codec”. A licitação fora dividida em sete itens, com critério de julgamento de menor preço por item e modo de disputa aberto e fechado. A empresa representante insurgiu-se quanto ao item 6 (tablets), que tinha valor estimado de R$ 451.584,00, para o total de 56 unidades, e fora homologado no montante de R$ 285.597,20. Ela alegou que não teriam sido observados, após a fase de lances, os benefícios previstos na LC 123/2006 para microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP), eis que, como o valor ofertado pela vencedora havia sido de R$ 5.099,95, sua proposta de R$ 5.170,00 estaria dentro do limite de até 5% superior estipulado pela lei, que seria de R$ 5.354,94, para assegurar a preferência de contratação para as ME/EPP, como critério de desempate; todavia, não teria sido convocada para apresentar proposta. Do mencionado certame, tem-se que: i) a melhor proposta da fase aberta foi no valor de R$ 4.698,00; tal montante, acrescido de 10% para selecionar as empresas que participariam da fase fechada, conforme previsto no art. 24, § 2º, da IN Seges-ME 73/2022, corresponderia a R$ 5.167,80; ii) foram então convocados os fornecedores que ofertaram lances de R$ 4.698,00 a R$ 5.146,00; iii) na fase seguinte, a empresa que apresentou a melhor oferta (R$ 4.438,00) foi inabilitada, “a 2ª e a 3ª licitantes desclassificadas”; iv) na sequência, foi oportunizada à empresa com lance de R$ 5.100,00 exercer o direito de preferência; e v) como a microempresa convocada não apresentou novo lance de desempate, declarou-se vencedora a proposta da então 4ª colocada, no valor de R$ 5.099,95. Em sua instrução, a unidade técnica entendeu ter havido possível falha no sistema ao não levar em conta as demais empresas que participaram apenas da fase aberta da licitação, como fora o caso da empresa autora da representação, que, a seu ver, deveria ter sido convocada, nos termos do art. 45, inciso II, da LC 123/2006. Apesar da plausibilidade jurídica da irregularidade, a unidade instrutiva asseverou não ter havido erro na condução do certame pelo pregoeiro, pois a convocação fora automática pelo sistema, bem como que não se verificara risco de prejuízo ao erário, nem restrição à competitividade. Assim sendo, promoveu a oitiva da Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (Seges/MGI) sobre possível erro do sistema no cálculo do direito de preferência. Após a oitiva, restou confirmado que o sistema não considerara a empresa autora da representação para o desempate simplesmente por ela não ter participado da etapa fechada. Para a unidade técnica, a justificativa da unidade jurisdicionada não era plausível, uma vez que parte de premissas equivocadas quanto ao conteúdo da lei e do regulamento e à estrutura da fase de lances no pregão eletrônico”, porquanto “o direito ao desempate ficto deve ser assegurado a todas as ME/EPP cujas propostas finais estejam até 5% acima da melhor oferta, independentemente de terem ou não participado da etapa fechada”. Diante disso, propôs ao Tribunal fixar prazo à Seges/MGI para “ajustar o Portal de Compras do Governo Federal, de modo a considerar, no modo de disputa aberto/fechado, as propostas de todas as empresas classificadas após a fase de lances, inclusive as que não participaram da fase fechada da disputa, no cálculo realizado para fins de ofertar o direito de preferência garantido às micro e pequenas empresas, nos termos do art. 44 da Lei Complementar 123/2006, observada a metodologia prevista no art. 45 da citada norma”. Solicitado o pronunciamento do Ministério Público junto ao TCU (MPTCU), esse concordou com a proposição da unidade técnica, acrescentando determinação para que a Seges/MGI adotasse providências com vistas a “inserir, na Instrução Normativa Seges/ME 73/2022, a previsão de que, no modo de disputa aberto/fechado, no cálculo realizado para fins de ofertar o direito de preferência garantido às micro e pequenas empresas, nos termos do art. 44 da Lei Complementar 123/2006, observada a metodologia prevista no art. 45 da citada lei, devem ser consideradas as propostas de todas as empresas classificadas após a fase de lances, inclusive as que não participaram da fase fechada da disputa, excluindo-se, portanto, as desclassificadas/inabilitadas nas fases aberta ou fechada”. Em seu parecer, o procurador do MPTCU realçou que, “embora a unidade técnica considere que a norma infralegal já é compatível com a previsão da Lei Complementar 123/2006”, seria mais adequado, “a bem da transparência e da publicidade, que as particularidades afetas ao desempate ficto no modo de disputa aberto e fechado sejam devidamente inseridas no ato normativo, por se tratar de regramento importante que detalha os procedimentos sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço, na forma eletrônica”. Em seu voto, ao anuir à proposta oferecida pela unidade técnica, com o acréscimo sugerido pelo Parquet especializado, o relator discorreu sobre os dispositivos normativos que regulamentam o tratamento preferencial conferido às ME/EPP em caso de empate, bem como sobre o procedimento a ser adotado, nos seguintes termos: “A Lei Complementar 123/2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, assegura, como critério de desempate, preferência de contratação para as ME/EPP, quando as propostas apresentadas por essas empresas sejam iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada, ou, na modalidade pregão, até 5% superiores ao melhor preço (art. 44). Nesse caso, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, podendo ser convocadas as remanescentes cujas propostas se enquadrem nos percentuais de empate, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito (art. 45). Referido dispositivo ainda prevê que, na hipótese da não-contratação de ME/EPP, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame; que tal procedimento somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte; bem como que, no caso de pregão, a ME/EPP mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de cinco minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão. O Decreto 8.538/2015, que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para microempresas e empresas de pequeno porte, reproduz as orientações dispostas na lei e detalha a forma de concessão da preferência (art. 5º), com destaque para a previsão de aplicação somente quando a melhor oferta válida não houver sido apresentada por ME/EPP.” (grifos do relator). Na sequência, complementou que a Lei 14.133/2021 estabelece, em seu art. 4º, a aplicação, “às licitações e contratos disciplinados por ela”, das disposições constantes dos arts. 42 a 49 da LC 123/2006, além de consignar, em seu art. 60, que os critérios de desempate previstos entre duas ou mais propostas não prejudicarão a aplicação do disposto no mencionado art. 44 da LC 123/2006. Ele destacou ainda que, conforme o art. 56 da Lei 14.133/2021, o modo de disputa para apresentação de propostas e lances poderá ser, “isolada ou conjuntamente, aberto ou fechado”. Frisou também que a IN Seges-ME 73/2022, ao regulamentar a matéria, disciplinou que, no caso do modo aberto e fechado, os licitantes apresentarão lances públicos e sucessivos, com lance final fechado (art. 22, inciso II). Assim, após a etapa de lances, o sistema abrirá a oportunidade para que o autor da oferta de valor mais baixo e os autores das ofertas subsequentes com valores ou percentuais até 10% superiores, possam ofertar um lance final e fechado. Encerrados os procedimentos previstos, o sistema ordenará e divulgará os lances em ordem crescente, quando adotado o critério de julgamento por menor preço (art. 24). Ele pontuou que, no caso concreto, a empresa representante acertadamente não fora convocada para a etapa fechada, por não ter apresentado lance no limite de 10%. Já quanto ao critério de desempate, continuou o relator, a pregoeira afirmara que o sistema não teria aberto a oportunidade de chamá-la para exercer o direito de preferência porque o cálculo (dos 5%) houvera sido efetuado em cima da proposta mais bem classificada (R$ 4.438,00), e não da proposta vencedora (R$ 5.099,95), e ainda destacara “que a proposta mais bem classificada na fase de lances não significa proposta aceita e habilitada”. O relator retrucou que essa justificativa “não se coaduna com os normativos”, pois a leitura dos dispositivos acima citados “demonstra que a referência deve ser a proposta considerada vencedora, ou seja, a melhor oferta válida”. E reproduziu o seguinte trecho do parecer do MPTCU: “em decorrência das linhas mestras do sistema de licitação pública em vigor, baseado nos princípios da eficiência, da eficácia, da competitividade e da economicidade, entre outros, o valor-base a ser adotado como parâmetro para incidência do montante de 5% (empate ficto) de que trata o art. 44, § 2º, da Lei Complementar 123/2006 é o melhor preço obtido com a proposta válida, mais bem classificada e habilitada, vale dizer, é o preço da proposta considerada, até então, vencedora do certame”. Outrossim, salientou que a Seges/MGI dissera que a representante não teria sido considerada nos cálculos para aplicação de desempate de ME/EPP porque não teria ocorrido sua convocação para a etapa fechada, eis que “o desempate ficto previsto na Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, e na Instrução Normativa nº 73, de 2022, somente será aplicado para as microempresas e as empresas de pequeno porte que forem classificadas para apresentarem nova proposta na etapa fechada”. O relator refutou tal posicionamento, porque “também não se harmoniza com a legislação”, invocando, para tanto, a conclusão da unidade técnica que, segundo ele, bem expusera a interpretação adequada: “inexiste vedação legal ou regulamentar à convocação de ME/EPPs que não participaram da etapa fechada. A Lei Complementar 123/2006, em seus arts. 44 e 45, não vincula o direito ao desempate ficto à participação na etapa fechada do modo de disputa aberto/fechado”. E mais, “a Instrução Normativa 73/2022 também não restringe o direito ao desempate, pois não condiciona a aplicação do art. 44 da LC 123/2006 à participação na etapa fechada. Exigir que a ME/EPP já esteja entre os classificados para o lance fechado é criar condição não prevista em lei ou no regulamento, violando o princípio da legalidade estrita aplicável às licitações”. O relator avaliou que, apesar de inexistir objeção na IN Seges-ME 73/2022, mas com o fim de dirimir qualquer resquício de dúvida sobre a matéria, seria adequada a proposta do Parquet especializado de determinar à Seges/MGI a adoção de providências para ajustar a norma. Julgou por bem apenas alterar a redação sugerida, com vistas a não limitar a correção ao modo de disputa aberto-fechado, mas permitir que a unidade jurisdicionada “analise eventual reflexo também nos demais modos (aberto, fechado/aberto) e, de forma ampla, concilie os procedimentos relacionados aos modos de disputa previstos nos arts. 22 a 25 com a metodologia estabelecida nos arts. 44 e 45 da Lei Complementar 123/2006 e no art. 5º do Decreto 8.538/2015”. Enfatizou que sua conclusão era, portanto, no sentido de que a ocorrência verificada decorrera de falha no sistema em razão de equívoco na interpretação da legislação, envolvendo questão procedimental relacionada ao modo de disputa aberto e fechado, introduzido pela Lei 14.133/2021, e ao benefício de preferência de contratação para as ME/EPP, assegurado como critério de desempate pela LC 123/2006. Nada obstante, não vislumbrou interesse público na “interferência do Tribunal no certame, concluído antes do oferecimento da representação, e na contratação”, haja vista que o pregão “foi homologado em 11/11/2024, a representação apresentada em 14/11/2024 e o processo autuado em 22/11/2024, mesma data em que a Ata de Registro de Preços 22/2024 (peça 12) e o Contrato 52/2024, para aquisição de seis tablets, foram assinados”, e que “não se identificou falha na atuação do pregoeiro do Conselho Federal de Medicina nem foi possível afirmar a ocorrência de dano ao erário”. Ademais, sob a sua ótica, a competitividade restara evidenciada, com a apresentação de propostas para o item 6 (tablet) por 35 fornecedores e desconto de quase 37% entre o valor contratado (R$ 5.099,95) e o estimado (R$ 8.064,00). Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, fixar prazo à Seges/MGI para ajustar: I) “a Instrução Normativa (IN) Seges/ME 73/2022 para conciliar os procedimentos relacionados aos modos de disputa previstos nos arts. 22 a 25 com a metodologia estabelecida nos arts. 44 e 45 da Lei Complementar 123/2006 e no art. 5º do Decreto 8.538/2015, que assegura, como critério de desempate, a preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP), garantindo que sejam convocadas todas as ME/EPP classificadas nos intervalos previstos nos §§1º e 2º do art. 44 da citada lei, após a fase de lances, independente da participação na etapa seguinte (aberta ou fechada)”; e II) “o Portal de Compras do Governo Federal para garantir que, ao assegurar, como critério de desempate, a preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP) em observância ao art. 44 da Lei Complementar 123/2006, sejam convocadas todas as ME/EPP classificadas nos intervalos previstos nos §§1º e 2º do referido dispositivo, após a fase de lances, independente da participação na etapa seguinte (aberta ou fechada), observando-se a metodologia estabelecida no art. 45 da mesma norma”.

Acórdão 1766/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman.