No caso de subcontratação de parcela
do objeto para a qual houve exigência de atestados de qualificação técnica na
licitação ou no processo de contratação direta, a Administração deve exigir da
contratada, como condicionante de autorização para execução dos serviços,
documentação que comprove a capacidade técnica da subcontratada (art. 122, § 1º,
da Lei 14.133/2021).
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Dispensa Eletrônica
Emergencial 90002/2024, conduzida pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) com
vistas à contratação de empresa especializada nos serviços de locação de
aeronaves de asa fixa e de asa rotativa para subsidiar as atividades de apoio
logístico às ações emergenciais de distribuição de cestas de alimentos em
benefício da população Yanomami. A dispensa de licitação teve por fundamento o
art. 75, inciso VIII, da Lei 14.133/2021, com critério de julgamento pelo menor
preço global, regime de execução por empreitada por preço unitário e prazo de
vigência da contratação fixado em doze meses, contados da assinatura do
contrato (verificada em 15/3/2024), improrrogáveis por força legal. O termo de
referência previu três itens: i) locação de quatro aeronaves de asas fixas com
capacidade de carga útil mínima de 1,5 tonelada, destinadas exclusivamente para
transporte de cestas (quantidade máxima anual de horas de voo para cada
aeronave: 8.640); ii) locação de uma aeronave de asas fixas com capacidade de
carga útil mínima de 1,5 tonelada, para transporte exclusivo de combustível de
aviação (quantidade máxima anual de horas de voo: 2.160); e iii) locação de
duas aeronaves de asas rotativas (helicópteros). As aeronaves de asa fixa
seriam utilizadas no deslocamento de Boa Vista/RR aos pelotões especiais de
fronteira localizados em Surucucu e Auaris, onde ocorreria a estocagem
temporária dos alimentos. Já os helicópteros seriam utilizados para a
distribuição efetiva das cestas, chegando até as 128 aldeias do Território
Yanomami. O preço de referência da Administração fora de R$ 223.250.126,40,
valor global referente à locação anual de todas as aeronaves. Participaram da disputa
da dispensa eletrônica cinco empresas, incluindo a autora da representação. A
vencedora ofertou proposta no valor de R$ 185.917.505,02, ficando a
representante em segundo lugar, com proposta comercial de R$ 204.900.000,00.
Entre as irregularidades suscitadas, a representante alegou que a proposta
apresentada pela empresa vencedora seria inexequível, com valores abaixo dos
praticados no mercado, e que as três empresas subcontratadas não preencheriam
as condições técnicas para prestação dos serviços pactuados, em especial no
tocante à “experiência prévia de 4.320 horas de voo de Caravan”. Alegou,
também, que houvera parcelamento do objeto, vedado pelo instrumento
convocatório. Em seu voto, acerca da exequibilidade dos preços praticados, o
relator mencionou que o valor de referência obtido pela Administração derivou
de pesquisa que levara em conta a média de onze valores, sendo nove obtidos no
sistema de compras públicas e dois oriundos de cotações no mercado, e que, em
sua quase totalidade, a quantidade de horas de voo nessas onze pesquisas era
significativamente inferior às estimadas para o certame do MPI, de modo que, no
caso concreto, em razão do ganho de escala, “era razoável estimar que a
contratação se daria em patamares mais baixos, sobretudo diante de um cenário
com a participação de cinco empresas”. Ademais, comparando-se os preços
contratados com os orçados pela Administração, teria havido redução de 25,48%
nos itens envolvendo asas fixas e de 11,14% para as asas rotativas. Ele
destacou que a Lei 14.133/2021 não possui parâmetro objetivo para aferição da
inexequibilidade das propostas envolvendo serviços de locação de aeronaves, e
que o limite de 75% previsto no art. 59, § 4º, da referida lei diz respeito
apenas às obras e aos serviços de engenharia. Por outro lado, aduziu o relator,
a IN Seges/ME 73/2022 estabelece que, no caso de fornecimento de bens ou
prestação de serviços em geral, haverá indício de inexequibilidade quando as
propostas comerciais contiverem valores inferiores a 50% do valor orçado pela
Administração, devendo o agente ou a comissão de contratação, “mesmo nesses
casos”, realizar diligência, de modo que a confirmação da inviabilidade da
oferta dependerá da comprovação de que o custo do licitante ultrapassa o valor
da proposta e, concomitantemente, de que inexistem custos de oportunidade
capazes de justificar o vulto da oferta. Retomando o caso concreto, o relator
pontuou que esse limite de 50% não fora atingido, tanto unitária quanto
globalmente. Além de frisar que a proposta da empresa contratada se encontrava
distante desse patamar, ressaltou não haver indícios da prática de preços
inexequíveis. Pelo contrário, houve, a seu ver, um “desconto em razão da
concorrência de cinco empresas” na sessão pública de lances, somado ao fato
de que os preços referenciais da Administração não contemplaram o ganho de
escala da contratação. Ainda para ele, haveria outra evidência apontando para a
adequação dos preços propostos pela contratada, qual seja, “a própria
representante é signatária de dois contratos com o Governo Federal em que
pratica preços de horas de voo de aeronaves de asa fixa – item com maior
desconto no caso concreto – em patamares próximos aos praticados” pela
empresa vencedora. Por essas razões, o relator rejeitou a alegação de
inexequibilidade dos preços constantes do contrato decorrente da Dispensa de
Licitação 90002/2024. Na sequência, ele assinalou que a contratação direta
reunira duas “características interessantes”: se, por um lado, permitira
a subcontratação parcial do objeto, limitada a 60% do valor total do contrato,
por outro, vedara o parcelamento, de modo que a empresa contratada deveria
ficar responsável pela execução de todo o objeto. Quanto a esse ponto, o MPI
justificara, no estudo técnico preliminar, que buscaria no mercado uma empresa
capaz de fornecer solução logística integrada da distribuição de cestas de
alimentos pelo modal aéreo. Embora fosse possível dividir a contratação em “dois
eixos”, um para cada tipo de aeronave, o relator entendeu que o Tribunal
deveria endossar a escolha do contratante, pois, diante da situação emergencial
de notório conhecimento, o parcelamento poderia contribuir para o insucesso da
política pública, dificultando inclusive eventual responsabilização dos agentes
envolvidos. Segundo ele, além do ganho de eficiência na gestão de um único
contrato, privilegiar-se-ia um modelo em que “a Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai) e o MPI ficam encarregados do planejamento da distribuição
das cestas e a empresa contratada, pela operacionalização da entrega, incluindo
o planejamento logístico”. Para o relator, a fixação do limite de
subcontratação em 60% do valor total do contrato fora adequadamente justificada
nos autos. Apesar de o percentual ser elevado e de ser possível a transferência
de parte significativa dos serviços de transporte aéreo, ele avaliou que essa
decisão fora tomada para permitir a participação de um número maior de
interessadas na fase de lances, afinal de contas, existiriam poucas empresas no
mercado aptas à “execução direta” de todo o objeto. Dito de outro modo,
o MPI optara por permitir a participação de empresas especializadas na locação
de um único tipo de aeronave (helicóptero ou avião), e o percentual de 60%
atenderia a essa lógica, pois, como explicado pelo ministério, “na
eventualidade de a empresa vencedora da disputa ser especializada em asa
rotativa, ela terá de subcontratar o trecho de asa fixa para transporte de
cestas e combustível, sendo o trecho que consome mais horas voo”.
Prosseguindo na sua análise, chamou a atenção para o fato de que o TCU admite a
previsão de subcontratação de parte relevante do objeto quando, de antemão, a
Administração sabe que existem poucas empresas no mercado aptas à sua execução,
invocando, nesse sentido, o Acórdão
2021/2020-Plenário. Na ótica do
relator, a realidade da empresa contratada se aproximava dessa “situação
hipotética”, tendo em vista que ela ficaria encarregada diretamente do
transporte de combustível de Boa Vista/RR para os pelotões especiais de
fronteira e da distribuição, por meio de helicópteros, dos insumos às 128
aldeias do Território Yanomami. Por outro lado, o serviço de transporte das
cestas de alimentos “será subcontratado junto a empresas especializadas”.
Quanto ao ponto levantado na representação de que as empresas subcontratadas
precisariam demonstrar capacidade técnica para prestar os serviços que lhes seriam
repassados, “à semelhança do que ocorre com a empresa que participou da
dispensa de licitação”, o relator enfatizou que, na vigência da Lei
8.666/1993, ao examinar contratos precedidos de concorrências, o Tribunal
constituíra “jurisprudência majoritária no sentido de que o subcontratado
deve cumprir, no mínimo, as mesmas exigências estabelecidas para o contratado”,
a exemplo do Acórdão
1998/2008-Plenário, por meio do qual
o TCU, ao apreciar auditoria nas obras de construção do edifício-sede do
Tribunal Superior Eleitoral, determinara ao órgão que somente autorizasse “a
subcontratação de serviços no âmbito do Contrato nº 010/2007 por ofício, nos
termos estabelecidos na sua Cláusula Quarta, item 13, mediante a avaliação da
especialidade requerida e da habilitação do subcontratado (empresa ou
profissional), devidamente demonstrada em documentos que a subsidie,
observando, em relação aos serviços estabelecidos como requisito de
qualificação técnico-operacional do Consórcio, que o subcontratado deve
cumprir, no mínimo, as mesmas exigências estabelecidas para a licitação”.
Além disso, continuou o relator, no Acórdão
2992/2011-Plenário, entre outros
pontos, fora discutida possível restrição à competitividade decorrente da
vedação à subcontratação de serviços tradicionalmente terceirizados em obras
aeroportuárias. Naquela assentada, o Pleno entendera que, no caso da
subcontratação de parcela da obra para a qual tivesse havido solicitação de
atestados de qualificação técnica na licitação, o órgão ou a entidade pública
deveria exigir, da contratada, como condicionante de autorização para execução
dos serviços, a “comprovação de experiência das subcontratadas para
verificação de sua capacidade técnica”. O relator então salientou que tal
entendimento está positivado no art. 122, § 1º, da Lei 14.133/2021, nos
seguintes termos: “Art. 122. Na execução do contrato e sem prejuízo das
responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar partes
da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso,
pela Administração. § 1º O contratado apresentará à Administração documentação
que comprove a capacidade técnica do subcontratado, que será avaliada e juntada
aos autos do processo correspondente”. E arrematou que, “na topografia
da norma, o dispositivo está inserido no título destinado aos contratos
administrativos, sendo irrelevante a origem do negócio jurídico, isto é, se
oriundo de alguma modalidade licitatória, de dispensa ou de inexigibilidade”.
Registrou que, na situação em apreço, o termo de referência da contratação, no
capítulo destinado à qualificação técnica, exigira das interessadas, entre
outras, a seguinte documentação: “35.4. apresentação de certidões ou
atestados que comprovem experiência mínima de três anos na prestação do serviço
de locação de aeronaves de asa fixa ou rotativa em quantidade correspondente a,
no mínimo, 50% do total de horas voo previsto” para os itens “locação
de quatro aeronaves de asas fixas com capacidade de carga útil mínima de 1,5
tonelada, destinadas exclusivamente para transporte de cestas (quantidade máxima
anual de horas de voo para cada aeronave: 8.640)” e “locação de duas
aeronaves de asas rotativas (helicópteros)”. Asseverou que, de fato, não
foram apresentados os atestados das subcontratadas que comprovassem as horas de
voo, “proporcionalmente às parcelas que lhes foram repassadas”, e,
justamente por não restar comprovada a experiência pretérita das subcontratadas
em relação ao quantitativo mínimo de voo, entendeu que o Tribunal deveria dar
ciência dessa ocorrência aos órgãos envolvidos. Anuindo à proposição do
relator, o Plenário decidiu considerar a representação parcialmente procedente,
sem prejuízo de, entre outras providências, cientificar o Ministério dos Povos
Indígenas (MPI) e o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
(MGI) de que, no âmbito da Contratação Direta 90002/2024, “a falta de
verificação, em relação às empresas subcontratadas, do cumprimento aos
requisitos previstos no subitem 8.3.10.5 do Termo de Referência, especialmente
quanto à comprovação de experiência na execução de serviços de complexidade
tecnológica e operacional equivalente ou superior, proporcionalmente à
respectiva subcontratação, contraria o art. 122, § 1º, da Lei 14.133/2021, os
princípios da vinculação ao instrumento convocatório, da legalidade, da eficiência
e da segurança jurídica, e os Acórdãos 1.998/2008-Plenário, 2.992/2011-Plenário
e 2.021/2020-Plenário”.
Acórdão
963/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.