segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Nas licitações para contratação de obra pública, é irregular a exigência de que a empresa licitante apresente atestados de capacidade técnica relativos a parcelas que exigem alta especialização,

 

Nas licitações para contratação de obra pública, é irregular a exigência de que a empresa licitante apresente atestados de capacidade técnica relativos a parcelas que exigem alta especialização, como a instalação de elevadores, uma vez que o art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021 admite tal comprovação por atestados de potenciais subcontratados. Restringir essa possibilidade, sem a devida fundamentação técnica, configura afronta aos princípios da competitividade e da economicidade.

Denúncia formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência 90020/2024, conduzida pela Secretaria Estadual de Infraestrutura do Rio Grande do Norte (SIN/RN), cujo objeto era a construção do Hospital Metropolitano do Estado, obra estimada em R$ 241.165.236,73. A licitação, regida pela Lei 14.133/2021, teve sua regularidade questionada em razão de uma sucessão de atos que resultaram na contratação da quarta classificada no certame. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de a segunda colocada na fase de julgamento de propostas haver sido inabilitada por não comprovar experiência na instalação de elevadores com seis paradas, apresentando atestados de equipamentos com cinco paradas”, exigência reputada pelo denunciante como “formalismo excessivo e desproporcional, resultando na contratação de proposta R$ 3.287.000,00 superior”, e também levantando suspeitas acerca de possível direcionamento na disputa. Após as oitivas da SIN/RN e da empresa vencedora, ora já contratada, houve, no âmbito da unidade técnica, manifestações em diferentes sentidos. O auditor indicado para atuar no feito, ao concluir que as justificativas apresentadas pela unidade jurisdicionada eram suficientes para afastar as irregularidades apontadas, manifestou-se pela improcedência da denúncia. Contudo, o titular da unidade instrutiva divergiu dessa posição, ao deixar assente que a exigência de atestados em nome da própria construtora para a instalação de elevadores “ignorou a realidade do mercado e, principalmente, a expressa previsão do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”. Esse dispositivo legal, segundo ele, permite que, para parcelas de natureza técnica especializada, “como é o caso”, a comprovação de capacidade seja feita por meio de atestados relativos à empresa potencialmente subcontratada. Para aquele titular, ao vedar essa possibilidade, o edital incorrera em restrição indevida à competitividade, situação agravada pelo fato de aquela exigência haver sido inserida apenas na republicação do instrumento convocatório, sem motivação técnica aparente. Em seu voto, o relator acolheu a essência da análise de mérito e as conclusões apresentadas pelo titular da unidade técnica, destacando, preliminarmente, que a SIN/RN e a empresa vencedora sustentaram a legalidade da exigência editalícia de atestados que comprovassem a instalação de elevadores com seis paradas com base na complexidade do ambiente hospitalar, justificativa aceita pelo auditor. Ao pontuar que a premissa legal que rege a matéria está calcada no art. 67 da Lei 14.133/2021, o qual disciplina a documentação relativa à qualificação técnica, o relator discordou da conclusão do auditor, uma vez que a análise deste deixara de enfrentar o “argumento central que define o caso: a exigência, da forma como foi posta, ignora a realidade do mercado da construção civil e, ainda, uma permissão expressa na lei”. Ele assinalou que a inabilitação da segunda colocada “revela um vício de legalidade que macula o resultado do certame”, haja vista que a decisão da SIN/RN, que afastou a proposta mais vantajosa para a Administração num montante da ordem de R$ 3,3 milhões, “baseou-se em uma interpretação restritiva e juridicamente equivocada das normas de qualificação técnica, em frontal violação aos princípios da competitividade e da economicidade”. Na visão do relator, a justificativa apresentada pela SIN/RN, embora revestida de argumentos técnicos, “se revela uma justificação a posteriori, que não encontra respaldo na motivação original do ato, como se depreende da própria avaliação técnica que subsidiou a inabilitação, a qual se limitou a uma checagem meramente formal do número de paradas”. Salientou que a instalação de elevadores é uma atividade de altíssima especialização, usualmente executada não pelas construtoras, mas pelos próprios fabricantes dos equipamentos, e que o legislador, ciente dessa dinâmica de mercado, inserira na Lei 14.133/2021 dispositivo para evitar que exigências de qualificação para parcelas tão específicas se tornassem barreiras intransponíveis e anticompetitivas. Nesse sentido, julgou oportuno transcrever o teor do art. 67, § 9º, da referida lei, que assim preceitua: “Art. 67. (...) § 9º O edital poderá prever, para aspectos técnicos específicos, que a qualificação técnica seja demonstrada por meio de atestados relativos a potencial subcontratado, limitado a 25% (vinte e cinco por cento) do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado”. Conforme o relator, a finalidade da norma é clara, qual seja, permitir que a capacidade técnica para executar parcela especializada do objeto seja demonstrada por quem efetivamente a executará, no caso, o subcontratado. Na situação concreta, continuou ele, a SIN/RN teria cometido um duplo erro na modelagem do edital: primeiramente, ao vedar de forma irrestrita a subcontratação dos itens de maior relevância; em segundo lugar, e como consequência direta dessa vedação, exigindo que a própria construtora, e não a futura instaladora dos elevadores, possuísse o atestado de capacidade técnica em seu nome. Essa combinação, sob a ótica do relator, “criou uma barreira de qualificação artificial e ilegal, pois contraria a faculdade prevista no art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”. Tratou-se então, a seu ver, de exigência que “não apenas restringe a competição, como desconsidera a cadeia produtiva do setor”. Frisou que a irregularidade se tornava ainda mais relevante ao se constatar, conforme apontado pelo titular da unidade técnica, que a própria exigência de qualificação para a instalação de elevadores como parcela de maior relevância técnica fora inserida apenas na republicação do edital, não constando da versão original do instrumento convocatório, e que não havia nos autos parecer ou motivação técnica que justificasse sua inclusão tardia, o que tornava a alteração carente da devida fundamentação. Em outras palavras, a análise comparativa entre a versão original do edital e a versão republicada “corrobora a análise do titular da unidade”, confirmando que “a exigência de qualificação para fornecimento e instalação de no mínimo 02 (dois) elevadores com 6 (seis) paradas cada, disposta no item 8.6.1.3(h) da peça 18, é uma inovação da segunda versão, estando ausente na primeira”. E que essa inclusão tardia de uma parcela de alta especialização, quando associada à manutenção da vedação genérica à subcontratação (item 16.1 do edital), efetivamente “obstou a faculdade legal que permitiria a comprovação de aptidão por meio de potencial subcontratado, nos termos do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”, a configurar, portanto, indevida restrição à competitividade do certame. E arrematou: “O resultado prático dessa exigência desarrazoada foi a inabilitação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, em prejuízo ao erário. Não se trata, portanto, de um mero formalismo, mas de uma falha grave na modelagem do edital que produziu um resultado potencialmente antieconômico e contrário ao interesse público.”. Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, fixar prazo à SIN/RN para anular o Contrato 022/2025-SIN, celebrado com a vencedora da licitação, e todos os atos dele decorrentes, bem como anular o ato que inabilitara a então segunda colocada no processo licitatório, e os subsequentes, “retornando a Concorrência 90020/2024 à fase de julgamento de propostas, a fim de que se proceda à reanálise completa da proposta e da habilitação da referida licitante, observando a correta aplicação do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021, bem como as demais disposições legais e editalícias, ficando a Administração autorizada a promover diligências para esclarecer ou sanear erros materiais em documentos já existentes à época da disputa, sendo vedada a juntada de documentos novos ou a modificação substancial da proposta originalmente ofertada”.

Acórdão 1923/2025 Plenário, Denúncia, Relator Ministro Bruno Dantas.