Nas licitações para contratação de
obra pública, é irregular a exigência de que a empresa licitante apresente
atestados de capacidade técnica relativos a parcelas que exigem alta
especialização, como a instalação de elevadores, uma vez que o art. 67, § 9º,
da Lei 14.133/2021 admite tal comprovação por atestados de potenciais
subcontratados. Restringir essa possibilidade, sem a devida fundamentação
técnica, configura afronta aos princípios da competitividade e da
economicidade.
Denúncia
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência 90020/2024,
conduzida pela Secretaria Estadual de Infraestrutura do Rio Grande do Norte
(SIN/RN), cujo objeto era a construção do Hospital Metropolitano do Estado,
obra estimada em R$ 241.165.236,73. A licitação, regida pela Lei 14.133/2021,
teve sua regularidade questionada em razão de uma sucessão de atos que
resultaram na contratação da quarta classificada no certame. Entre as
irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de a segunda colocada na
fase de julgamento de propostas haver sido inabilitada por não comprovar experiência
na “instalação de elevadores com seis paradas, apresentando atestados
de equipamentos com cinco paradas”, exigência reputada pelo denunciante
como “formalismo excessivo e desproporcional, resultando na contratação de
proposta R$ 3.287.000,00 superior”, e também levantando suspeitas acerca de
possível direcionamento na disputa. Após as oitivas da SIN/RN e da empresa
vencedora, ora já contratada, houve, no âmbito da unidade técnica,
manifestações em diferentes sentidos. O auditor indicado para atuar no feito,
ao concluir que as justificativas apresentadas pela unidade jurisdicionada eram
suficientes para afastar as irregularidades apontadas, manifestou-se pela
improcedência da denúncia. Contudo, o titular da unidade instrutiva divergiu
dessa posição, ao deixar assente que a exigência de atestados em nome da
própria construtora para a instalação de elevadores “ignorou a realidade do
mercado e, principalmente, a expressa previsão do art. 67, § 9º, da Lei
14.133/2021”. Esse dispositivo legal, segundo ele, permite que, para
parcelas de natureza técnica especializada, “como é o caso”, a
comprovação de capacidade seja feita por meio de atestados relativos à empresa
potencialmente subcontratada. Para aquele titular, ao vedar essa possibilidade,
o edital incorrera em restrição indevida à competitividade, situação agravada
pelo fato de aquela exigência haver sido inserida apenas na republicação do
instrumento convocatório, sem motivação técnica aparente. Em seu voto, o
relator acolheu a essência da análise de mérito e as conclusões apresentadas
pelo titular da unidade técnica, destacando, preliminarmente, que a SIN/RN e a
empresa vencedora sustentaram a legalidade da exigência editalícia de atestados
que comprovassem a instalação de elevadores com seis paradas com base na
complexidade do ambiente hospitalar, justificativa aceita pelo auditor. Ao
pontuar que a premissa legal que rege a matéria está calcada no art. 67 da Lei
14.133/2021, o qual disciplina a documentação relativa à qualificação técnica,
o relator discordou da conclusão do auditor, uma vez que a análise deste
deixara de enfrentar o “argumento central que define o caso: a exigência, da
forma como foi posta, ignora a realidade do mercado da construção civil e,
ainda, uma permissão expressa na lei”. Ele assinalou que a inabilitação da
segunda colocada “revela um vício de legalidade que macula o resultado do
certame”, haja vista que a decisão da SIN/RN, que afastou a proposta mais
vantajosa para a Administração num montante da ordem de R$ 3,3 milhões, “baseou-se
em uma interpretação restritiva e juridicamente equivocada das normas de
qualificação técnica, em frontal violação aos princípios da competitividade e
da economicidade”. Na visão do relator, a justificativa apresentada pela
SIN/RN, embora revestida de argumentos técnicos, “se revela uma justificação
a posteriori, que não encontra respaldo na motivação original do ato, como se
depreende da própria avaliação técnica que subsidiou a inabilitação, a qual se
limitou a uma checagem meramente formal do número de paradas”. Salientou
que a instalação de elevadores é uma atividade de altíssima especialização,
usualmente executada não pelas construtoras, mas pelos próprios fabricantes dos
equipamentos, e que o legislador, ciente dessa dinâmica de mercado, inserira na
Lei 14.133/2021 dispositivo para evitar que exigências de qualificação para
parcelas tão específicas se tornassem barreiras intransponíveis e
anticompetitivas. Nesse sentido, julgou oportuno transcrever o teor do art. 67,
§ 9º, da referida lei, que assim preceitua: “Art. 67. (...) § 9º O edital poderá prever, para aspectos técnicos
específicos, que a qualificação técnica seja demonstrada por meio de atestados
relativos a potencial subcontratado, limitado a 25% (vinte e cinco por cento)
do objeto a ser licitado, hipótese em que mais de um licitante poderá
apresentar atestado relativo ao mesmo potencial subcontratado”. Conforme o
relator, a finalidade da norma é clara, qual seja, permitir que a capacidade
técnica para executar parcela especializada do objeto seja demonstrada por quem
efetivamente a executará, no caso, o subcontratado. Na situação concreta,
continuou ele, a SIN/RN teria cometido um duplo erro na modelagem do edital:
primeiramente, ao vedar de forma irrestrita a subcontratação dos itens de maior
relevância; em segundo lugar, e como consequência direta dessa vedação,
exigindo que a própria construtora, e não a futura instaladora dos elevadores,
possuísse o atestado de capacidade técnica em seu nome. Essa combinação, sob a
ótica do relator, “criou uma barreira de qualificação artificial e ilegal,
pois contraria a faculdade prevista no art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021”.
Tratou-se então, a seu ver, de exigência que “não apenas restringe a
competição, como desconsidera a cadeia produtiva do setor”. Frisou que a
irregularidade se tornava ainda mais relevante ao se constatar, conforme
apontado pelo titular da unidade técnica, que a própria exigência de
qualificação para a instalação de elevadores como parcela de maior relevância
técnica fora inserida apenas na republicação do edital, não constando da versão
original do instrumento convocatório, e que não havia nos autos parecer ou
motivação técnica que justificasse sua inclusão tardia, o que tornava a
alteração carente da devida fundamentação. Em outras palavras, a análise
comparativa entre a versão original do edital e a versão republicada “corrobora
a análise do titular da unidade”, confirmando que “a exigência de
qualificação para fornecimento e instalação de no mínimo 02 (dois) elevadores
com 6 (seis) paradas cada, disposta no item 8.6.1.3(h) da peça 18, é uma
inovação da segunda versão, estando ausente na primeira”. E que essa
inclusão tardia de uma parcela de alta especialização, quando associada à
manutenção da vedação genérica à subcontratação (item 16.1 do edital),
efetivamente “obstou a faculdade legal que permitiria a comprovação de
aptidão por meio de potencial subcontratado, nos termos do art. 67, § 9º, da
Lei 14.133/2021”, a configurar, portanto, indevida restrição à
competitividade do certame. E arrematou: “O resultado prático dessa
exigência desarrazoada foi a inabilitação da proposta mais vantajosa para a
Administração Pública, em prejuízo ao erário. Não se trata, portanto, de um
mero formalismo, mas de uma falha grave na modelagem do edital que produziu um
resultado potencialmente antieconômico e contrário ao interesse público.”.
Ao final, o relator propôs, e o Plenário decidiu, fixar prazo à SIN/RN para
anular o Contrato 022/2025-SIN, celebrado com a vencedora da licitação, e todos
os atos dele decorrentes, bem como anular o ato que inabilitara a então segunda
colocada no processo licitatório, e os subsequentes, “retornando a
Concorrência 90020/2024 à fase de julgamento de propostas, a fim de que se
proceda à reanálise completa da proposta e da habilitação da referida
licitante, observando a correta aplicação do art. 67, § 9º, da Lei 14.133/2021,
bem como as demais disposições legais e editalícias, ficando a Administração
autorizada a promover diligências para esclarecer ou sanear erros materiais em
documentos já existentes à época da disputa, sendo vedada a juntada de
documentos novos ou a modificação substancial da proposta originalmente
ofertada”.
Acórdão
1923/2025 Plenário, Denúncia, Relator Ministro Bruno Dantas.