sexta-feira, 20 de junho de 2025

MATRIZ DE RISCO

 

É recomendável que órgãos e entidades da Administração Pública, ao elaborarem matrizes de riscos em suas contratações de obras públicas, observem as seguintes diretrizes: i) detalhamento claro, exaustivo e objetivo dos eventos supervenientes considerados como riscos, discriminando aqueles atribuídos à Administração, à contratada ou partilhados entre as partes, com base em critérios técnicos e jurídicos coerentes com o regime de execução adotado; ii) compatibilização da matriz de riscos com o tipo de regime contratual, especialmente no caso de empreitada por preço unitário, observando que esse regime transfere à Administração alguns riscos, como os de variação nos quantitativos de serviços contratados, não sendo adequada a simples transposição de modelos utilizados em contratações integradas ou por preço global; iii) indicação expressa das premissas utilizadas para alocação de cada risco, inclusive quanto à natureza do risco (exógeno ou endógeno), probabilidade de ocorrência, impacto financeiro estimado e mecanismos de mitigação; iv) compatibilização da matriz de riscos com os demais elementos contratuais e com o projeto executivo vinculante, conforme disposto no art. 92, inciso II, da Lei 14.133/2021, de modo a garantir coerência entre planejamento, orçamento e obrigações contratuais; v) institucionalização de modelos-padrão de matriz de riscos para os diferentes regimes de execução contratual, com possibilidade de ajustes conforme as peculiaridades de cada obra, e com base em boas práticas nacionais e internacionais já consolidadas; vi) submissão prévia da matriz de riscos à análise jurídica e técnica, antes da publicação do edital, com especial atenção à verificação de sua aplicabilidade concreta e adequação à realidade do empreendimento.

Auditoria realizada pelo TCU teve por objetivo fiscalizar a execução das “obras de implantação, duplicação, pavimentação, adequação de capacidade, melhoria da segurança e eliminação de segmentos críticos da rodovia BR 424/AL, parte do Arco Metropolitano de Maceió”, objeto do Contrato TT676/2024, firmado entre o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o consórcio vencedor da Concorrência Eletrônica 216/2024, regida pela Lei 14.133/2021. O instrumento contratual fora assinado no valor de R$ 252.788.540,45 (referenciado em janeiro/2024), o que representara desconto de apenas 0,39% em relação ao valor estimado da contratação (R$ 253.778.275,73). Entre os achados da auditoria, mereceu destaque a “deficiência no detalhamento da matriz de riscos”. Instado a se manifestar pela equipe de auditoria, o Dnit admitiu a inadequação da matriz utilizada, alegando que, por se tratar do primeiro contrato de grande vulto celebrado sob a égide da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, adotara modelo baseado em normativos antigos voltados a contratações integradas. Afirmou ainda que, após constatar a possibilidade de melhoria na referida matriz de riscos, encaminhara consulta à Procuradoria Federal Especializada (PFE/Dnit), que, inicialmente se manifestara favorável à revisão da matriz, solicitando posteriormente informações adicionais que embasassem tal alteração. A autarquia também informou sobre a tramitação interna de minuta de matriz específica para obras de grande vulto, considerada mais adequada. Apesar das iniciativas apresentadas, a equipe de auditoria propôs a realização de oitiva, pois o Dnit não teria fornecido “elementos concretos que demonstrassem como o problema será corrigido no contrato em análise”. Em seu voto, o relator destacou que, de fato, a matriz apresentada carecia de detalhamento suficiente para delimitar claramente as responsabilidades das partes frente a eventos supervenientes à contratação, o que poderia ocasionar litígios e comprometer a execução contratual. Essa fragilidade, segundo ele, “contraria o inciso XXVII do art. 6º da Lei 14.133/2021”, o qual exige que a matriz de riscos seja uma cláusula contratual capaz de garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Conforme o relator, embora o regime de empreitada por preço unitário, adotado na aludida contratação, por definição, distribua os riscos de forma diferente em comparação ao regime de preço global, a matriz de riscos utilizada “transferiu a maior parte dos riscos à contratada, sem apresentar critérios técnicos e objetivos para isso”. Tal abordagem, acrescentou ele, tornaria a matriz inaplicável ao caso concreto e deixaria margem para disputas. Ao invocar a jurisprudência do TCU sobre a matéria, reputou como “fundamental que a matriz de riscos seja compatível com o tipo de contratação e projeto adotados, especialmente quando há projeto executivo vinculante, como é o caso”. Para ilustrar de maneira concreta as possíveis consequências decorrentes do achado de auditoria em exame, chamou a atenção para episódio já verificado naquelas obras, relacionado à execução dos serviços de terraplenagem. Conforme previsto no projeto executivo elaborado pelo Dnit, seria utilizada jazida situada próxima ao início do estaqueamento da obra como fonte de solo para a construção dos aterros. Acontece que, ao receber a ordem de serviço, a empresa contratada procurara o proprietário da jazida e fora informada de que o material disponível no local já estava comprometido para outro empreendimento, inviabilizando sua utilização naquela obra. Ressaltou, ainda, que a empresa responsável pela elaboração do projeto “não realizou contato prévio com o proprietário da jazida durante os estudos e levantamentos, conforme apontado no Ofício 240.922/2024/SCT-AL”. Assim sendo, diante da indisponibilidade da jazida originalmente indicada, “poderá ser necessário recorrer a outra fonte de material, possivelmente localizada em distância superior à inicialmente considerada” e, ainda assim, a contratada “não poderá pleitear qualquer alteração contratual ou reequilíbrio econômico-financeiro com base no aumento das distâncias médias de transporte (DMT), uma vez que, segundo estabelece a matriz de riscos constante do edital da licitação, quaisquer mudanças na origem do material de jazida – independentemente do motivo – são de responsabilidade da contratada e/ou de sua seguradora”. Esse cenário, de acordo com o relator, estaria a evidenciar como a ausência de diligência prévia adequada pode transferir encargos financeiros significativos à contratada, ao mesmo tempo em que compromete o andamento regular da obra. E a necessidade de buscar e viabilizar nova fonte de material, além de aumentar os custos operacionais, “pode acarretar atrasos relevantes no cronograma de execução”, afetando diretamente a entrega dos serviços e o usufruto tempestivo dos benefícios à população usuária da rodovia. Ponderou, no entanto, a desnecessidade da realização da oitiva alvitrada pela equipe de auditoria, haja vista que a superveniente modificação da matriz de riscos, após a assinatura do contrato, seria medida contrária ao princípio da isonomia, além de “onerar os cofres públicos excluindo ou reduzindo significativamente as responsabilidades do contratado”. Embora concordasse que, em observância ao princípio de que o risco deve ser alocado a quem tem melhores condições de gerenciá-lo, nos termos do art. 22, § 1º, da Lei 14.133/2021, a alocação inapropriada de riscos “não pode ser fundamento autônomo para ensejar eventual mudança da matriz de riscos”. Ademais, sendo a matriz de riscos um anexo ao edital de licitação, “é razoável prever” que os riscos foram devidamente considerados e precificados pelos licitantes quando da formulação de suas propostas. Talvez, por isso, concluiu ele, o desconto observado no certame tenha sido reduzido. Em acréscimo às suas considerações, enfatizou que, em matéria de alocação de riscos, “nem sempre existe o certo e o errado, mas sim uma decisão discricionária do gestor”. Como exemplo, citou o risco de variação cambial: “Em um juízo preliminar da questão, parece-me adequada a sua alocação ao particular, pois os riscos devem ser suportados pela parte que tem as melhores condições para avaliar, controlar e gerenciar ou a parte com melhor acesso a instrumentos de cobertura, a maior capacidade para diversificar, ou o menor custo para suportá-los. Todavia, apenas o futuro dirá se a alocação do risco cambial ao particular foi realmente medida acertada, pois não se pode previamente prever como será o comportamento da taxa de câmbio. Assim, em um cenário no qual se acredita em uma apreciação cambial, talvez o melhor seja alocar o risco correspondente para a administração pública, e não ao particular. Dessa forma, em alinhamento com o relatório de auditoria, reconheceu que a matriz de riscos utilizada na Concorrência Eletrônica 216/2024 fora baseada em modelo adotado no regime de contratação integrada, e que tal modelo, a seu ver, mereceria algumas adaptações para uso em outros regimes de execução contratual, precipuamente no regime de empreitada por preço unitário, bem como “um necessário detalhamento”. Acrescentou que a referida matriz previra apenas nove riscos, deixando de considerar uma grande diversidade de eventos possíveis de causarem impacto no empreendimento, mencionando, como exemplo, “ausências de riscos relacionados a chuvas e outros eventos climáticos”, que costumam ser fontes de litígio entre as partes durante a execução de obras rodoviárias. Da igual forma, não vislumbrou adequado o tratamento de riscos relacionados com desapropriações, execuções de programas ambientais, greves, roubos e furtos de materiais/equipamentos, acidentes de trabalho, vícios construtivos, greves e outras manifestações, bem assim “outras diversas ocorrências que podem impactar o custo e o cronograma da obra”. Mesmo os riscos elencados na matriz de riscos não estariam, para ele, satisfatoriamente detalhados. A título exemplificativo, reportou-se ao próprio risco cambial, que fora alocado da seguinte forma: “a flutuação do câmbio, no caso de insumos, aumento do preço desarrazoado do insumo podem gerar reequilíbrio, desde que atestado por meio de notas fiscais, análise esta que englobará o contrato como um todo. Contratante”. Tal disposição, sob sua ótica, teria pouca efetividade em evitar litígios entre as partes no caso de variação cambial, por não definir qual nível de variação seria significativo a ponto de ensejar o reequilíbrio contratual, nem como seria o cálculo do suposto reequilíbrio, “tema que guarda várias complexidades como ficou demonstrado no âmbito do Acórdão 2.135/2023-Plenário”, oportunidade em que o TCU examinara diversos atos normativos editados para disciplinar metodologias de cálculo de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos em virtude da pandemia do covid-19. Dito de outra forma, “não basta que a matriz de risco aloque o risco a uma das partes (contratado ou contratante) ou, ainda, que compartilhe o encargo decorrente entre ambos. É necessário que traga balizas objetivas para disciplinar o tema, inclusive apresentando metodologia a ser utilizada para a definição de alterações no cronograma ou nos valores acordados. Outrossim, fez referência à coluna “mitigação” da matriz de riscos que embasara a Concorrência 216/2024, que, na sua visão, por apresentar medidas genéricas como “seguros” e “reajustamento”, não estaria em consonância com o disposto no art. 22, § 2º, inciso III, da Lei 14.133/2021, segundo o qual “deveria haver um detalhamento dessas medidas mitigadoras, por exemplo, disciplinando que tipo de seguro seria contratado e quais suas coberturas obrigatórias e outras condições diversas, como o prazo da apólice de seguro, além de precificar o prêmio do seguro, incorporando-o na taxa de BDI do orçamento estimativo da contratação”. Ao final, com vistas a permitir maior transparência e previsibilidade na execução contratual, contribuindo para a prevenção de disputas, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a eficiência na gestão das obras públicas sob responsabilidade do Dnit, o relator propôs, e o Plenário decidiu, recomendar à entidade que, nas futuras licitações, “aperfeiçoe a elaboração de suas matrizes de riscos, observando as seguintes diretrizes: 9.4.1. detalhamento claro, exaustivo e objetivo dos eventos supervenientes considerados como riscos, discriminando aqueles atribuídos à administração, à contratada ou partilhados entre as partes, com base em critérios técnicos e jurídicos coerentes com o regime de execução adotado; 9.4.2. compatibilização da matriz de riscos com o tipo de regime contratual, especialmente no caso de empreitada por preço unitário (EPU), observando que, conforme a jurisprudência do TCU, esse regime transfere à administração alguns riscos, como os de variação nos quantitativos de serviços contratados, não sendo adequada a simples transposição de modelos utilizados em contratações integradas ou por preço global; 9.4.3. indicação expressa das premissas utilizadas para alocação de cada risco, inclusive quanto à natureza do risco (exógeno ou endógeno), probabilidade de ocorrência, impacto financeiro estimado e mecanismos de mitigação; 9.4.4. compatibilização da matriz de riscos com os demais elementos contratuais e com o projeto executivo vinculante, conforme disposto no inciso II do art. 92 da Lei 14.133/2021, de modo a garantir coerência entre planejamento, orçamento e obrigações contratuais; 9.4.5. institucionalização de modelos-padrão de matriz de riscos para os diferentes regimes de execução contratual, com possibilidade de ajustes conforme as peculiaridades de cada obra, e com base em boas práticas nacionais e internacionais já consolidadas; e 9.4.6. submissão prévia da matriz de riscos à análise jurídica e técnica, antes da publicação do edital, com especial atenção à verificação de sua aplicabilidade concreta e adequação à realidade do empreendimento.

Acórdão 1182/2025 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Benjamin Zymler.