segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A subcontratação do objeto é admitida apenas parcialmente, desde que motivada sob a ótica do interesse público e com os seus limites devidamente fixados pelo contratante, não podendo a atuação do contratado transformar-se em mera intermediação ou administração de contrato.

A partir de representação formulada ao TCU dando ciência de inquérito civil público conduzido pela Procuradoria da República no Estado do Espírito Santo, foi instaurada tomada de contas especial com vistas a apurar possíveis irregularidades na contratação de transporte escolar por parte da prefeitura municipal de São Mateus-ES, com recursos do Programa Nacional do Transporte Escolar (Pnate). Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “ocorrência de superfaturamento e de locupletamento da contratada em razão da subcontratação de 75% do objeto contratual, beneficiando-se, assim, da diferença entre o valor contratual ajustado, e recebido do município, e o valor que pagou às subcontratadas”. A unidade técnica que atuou no feito ressaltou terem sido subcontratadas duas empresas que haviam participado da licitação, em competição com a subcontratante, bem como o “fato de o valor subcontratado (R$ 2,30/km) corresponder ao valor anteriormente pago no contrato então vigente corrigido pelo percentual de ajuste acumulado apurado pela própria prefeitura (calculado em 27,3770%)”. Ao concordar com a imputação de débito, o relator assinalou dois aspectos quanto à solicitação, por parte da contratada, de autorização ao ex-prefeito para subcontratar o objeto pactuado: “(1) o pedido de subcontratação abrangia a quase totalidade das linhas (75%), mas não a integralidade do contrato; (2) não há mínima justificativa sobre a necessidade de tal subcontratação, seja sobre o atendimento de algum interesse da administração, seja sobre a melhor prestação do serviço”. E o então prefeito teria encaminhado resposta à contratada autorizando “não só a subcontratação parcial requerida, mas, ainda mais: a subcontratação/transferência total da execução dos serviços”. Ao invocar o art. 72 da Lei 8.666/1993, o relator pontou que “a subcontratação, se autorizada, é admitida somente parcialmente. E só é admissível quando seja compatível com a natureza do objeto, devendo a Administração fixar limite, para que a contratação de obras, serviços ou fornecimento não seja convolada em integral ou preponderante serviço de intermediação ou de administração de contratos, caracterizando efetiva burla ao princípio da licitação e, consequentemente, potencial pagamento por serviços não contratados e não executados: a intermediação/administração de contratos”. No caso concreto, acrescentou o relator, “a autorização para subcontratar revela-se flagrantemente ilegal, pois inexistente argumento de necessidade apresentado pela contratada; inexistente avaliação de conveniência para a Administração; inexistentes pareceres que expusessem fundamentos fáticos dessa natureza; situações que se somam ao fato de o então prefeito ter ampliado o atendimento do pedido inicial feito pela contratada, ao autorizar subcontratação/transferência total do objeto contratual, quando foi requerido apenas subcontratação parcial, e permitindo a efetiva e concreta mutação da situação de fato da contratada: de prestadora direta de serviços para mera intermediária entre a administração municipal e as empresas que efetivamente realizaram o transporte escolar”. E arrematou: “o objeto (transporte escolar) era constituído por um conjunto de linhas de transporte. Cada linha poderia ser operada isoladamente pela subcontratada. O que se subcontratou não foram atividades partes de uma operação mais abrangente conduzida sob a responsabilidade da contratada, como, por exemplo, uma determinada linha se transporte. A contratada subcontratou várias linhas, que no total representaram 75% do conjunto das linhas licitado. Cada uma delas operada integralmente pela subcontratada”. Destarte, o trabalho da contratada nessas linhas consistiu tão somente em “emitir a nota fiscal para a prefeitura de São Mateus, receber o pagamento (R$ 2,59/km) e repassar o equivalente a R$ 2,30/km para as subcontratadas, apropriando-se, sem justa causa, do diferencial (deduzidos os impostos recolhidos). Tal ganho ilegítimo, perceptível a um administrador diligente, foi viabilizado pela autorização, não fundamentada e desarrazoada, concedida pelo ex-prefeito, que não agiu com o cuidado devido, necessário e esperado”. Ao final, o relator registrou que, ao autorizar a subcontratação, “ainda que sustentada em parecer da procuradoria do município - inepto, no caso -, o ex-prefeito viabilizou a concretização de ganhos indevidos da empresa contratada”. Acolhendo a proposição do relator, o colegiado decidiu julgar irregulares as contas dos responsáveis e condená-los, solidariamente, em débito.
Acórdão 14193/2018 Primeira Câmara, Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira.