É irregular a exigência de
atendimento a normas técnicas da ABNT, declarações de qualidade,
certificações, laudos técnicos e certificados de conformidade sem a
demonstração da essencialidade dessas exigências para se garantir a qualidade
e o desempenho suficientes do objeto a ser contratado.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis
irregularidades no Pregão Eletrônico SRP 9/2020, promovido pelo Colégio Militar
de Brasília, cujo objeto era o registro de preços para eventual aquisição de
mobiliários em madeira e assentos em geral. Uma das irregularidades destacadas
referiu-se à “exigência de atendimento a normas NBR, declarações de
qualidade, certificações¸ laudos técnicos e/ou certificados de conformidade
contidos nas descrições dos itens licitados, conforme listagem do termo de
referência, sem a demonstração da essencialidade dessas exigências para
garantir a qualidade e o desempenho suficientes do objeto, se afigurando
excessivamente restritiva, o que foi corroborado pelo baixo nível de
competitividade verificado no certame, em afronta ao art. 3º da Lei 10.520/2002”.
Em seu voto, o relator mencionou “que diversas leis contêm previsão de
aplicação das normas da ABNT às contratações governamentais, tal como a Lei
4.150/1962, que estabelece a observância dessas normas técnicas nos contratos
de obras e compras do serviço público. A própria Lei 8.666/1993, em seu art.
6º, inciso X, prevê a elaboração do projeto executivo de acordo com as normas
da ABNT. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, veda ao fornecedor de
produtos ou serviços colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou
serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes
ou, se não existirem normas específicas, pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas ou por outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro)”. Mencionou,
inclusive, que a nova Lei de Licitações, no seu art. 42, também prevê que a
prova de qualidade de produto apresentado pelos proponentes como similar ao das
marcas eventualmente indicadas no edital será admitida pela comprovação de que
o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos
oficiais competentes, pela ABNT ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro.
Nada obstante, alertou que as “disposições legais acima devem ser
interpretadas e relativizadas, principalmente tendo em vista a imensa
quantidade de normas técnicas hoje existentes. As leis devem ser interpretadas
não só de forma literal, mas também a partir de uma visão sistêmica e
teleológica que decorra também da evolução do quadro da realidade. Uma postura
exacerbada na aplicação desses diplomas legais levaria a situações de
inconstitucionalidade, uma vez que teríamos restrições de competitividade
vedadas pelo art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal”. Acrescentou
que, conforme sua manifestação no voto condutor do Acórdão 1.668/2021-Plenário, no qual foram analisadas exigências semelhantes
adotadas em outros pregões para aquisição de mobiliário, “estou convicto de
que a indicação do atendimento de normas da ABNT, na descrição do objeto
licitado, é matéria totalmente discricionária, cabendo um indispensável juízo
de conveniência e oportunidade ao indicar o atendimento à determinada norma
técnica na especificação do produto a ser adquirido, exigindo, por conseguinte,
a devida motivação pelo gestor”. E mesmo que se defenda que a exigência de diversas
certificações objetive assegurar a qualidade dos bens adquiridos, prosseguiu, “é
possível afirmar que a certificação de acordo com normas da ABNT não é a única
maneira de o órgão contratante assegurar-se de que o produto licitado possui
determinados requisitos de qualidade e de desempenho, havendo diversos outros
meios mais efetivos para tal fim, tais como (i) a realização prévia de
procedimento de pré-qualificação objetiva; (ii) a exigência de amostras dos
produtos ofertados pela licitante que esteja provisoriamente classificada em
primeiro lugar; ou (iii) a indicação de uma cesta de marcas e modelos de móveis
que atendam às exigências do órgão licitante, admitindo-se, em qualquer caso, a
oferta de outros produtos similares ou de melhor qualidade”, podendo ainda
o catálogo eletrônico de padronização previsto no art. 19 da nova Lei de
Licitações, como sugerido pela unidade técnica, ser utilizado como forma de
garantir a qualidade almejada sem prejudicar a padronização e a compatibilidade
do mobiliário. Então, para o relator, a “exigência de certificação não pode
ser entendida como um processo absolutamente infalível para obter o desempenho
requerido do objeto contratado, pois, ainda que o participante do certame
entregue o documento requerido, em diversas situações os agentes públicos não
dispõem de meios ou qualificação para verificar se o bem entregue corresponde
ao produto que foi atestado pela entidade certificadora”. Após externar
preocupação quanto às condições de o órgão promotor do certame atestar o
conteúdo material de declaração exigida em outro item do edital, visto que a
verificação exigiria ensaios específicos em laboratórios, o relator concluiu
ver “com ressalvas a exigência de atendimento a todas as certificações,
declarações de qualidade, normas técnicas, laudos técnicos e/ou certificados de
conformidade contidos nas descrições dos itens licitados, na medida em que tais
instrumentos, em última análise, não garantem a qualidade dos produtos
ofertados à administração, mas criam vários custos e entraves para a oferta de
propostas vantajosas ao poder público”. E que a “busca pela qualidade
não pode ocorrer em prejuízo da economicidade e da ampliação da competitividade
das licitações, devendo ser avaliado, em cada caso, se as exigências e as condições
estabelecidas são pertinentes em relação ao objeto licitado, inclusive no
intuito de garantir que o produto a ser fornecido tenha a qualidade desejada. É
exatamente nesse ponto que reside a importância de haver a adequada motivação
de todos os requisitos a serem cumpridos pelos produtos a serem fornecidos, o
que não ocorreu no âmbito da licitação em tela. A grande diversidade de testes
e ensaios a serem realizados no objeto licitado, somada aos gastos incorridos
com entidades certificadoras, além incrementar os preços dos produtos ofertados
à administração, poderia inviabilizar a participação de licitantes, notadamente
os que não são fabricantes dos produtos, mas somente seus revendedores”. Nos termos da proposta do relator, o Plenário decidiu
determinar ao Colégio Militar de Brasília a adoção de providências com vistas a
anular o Pregão Eletrônico SRP 9/2020, em razão dessa e de outras
irregularidades constatadas na representação.
Acórdão
2129/2021 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.
INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS Nº422 DO TCU