Em certame para fornecimento de mobiliário, não se pode exigir do licitante a apresentação de documentos referentes aos fabricantes dos móveis, como regularidade perante o Ibama, licença de operação ambiental, certificado ambiental de cadeia de custódia. O rol exaustivo de elementos para habilitação (arts. 27 a 31 da Lei 8.666/1993) refere-se a documentos do próprio interessado em participar do processo licitatório, e não de terceiros estranhos ao certame e à relação contratual superveniente.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico SRP
9/2020, promovido pelo Colégio Militar de Brasília, cujo objeto era o registro
de preços para eventual aquisição de mobiliários em madeira e assentos em
geral, composto por 101 itens divididos em dois grupos, um com 68 itens de
mobiliário em geral (armários, estantes, gaveteiros, mesas, painéis, cabine de
estudo, suporte para CPU, biombo divisor de ambiente, rack e aparador), e outro
com 33 itens de assentos em geral (poltronas, cadeiras, sofás, longarinas e
poltronas de auditório). Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque
a elaboração dos estudos técnicos preliminares, termo de referência e edital do
certame contendo “exigências de declarações referentes às fabricantes dos
produtos ofertados, a exemplo de certificados de registro de pessoa jurídica e
regularidade perante o IBAMA e licença de operação, que restam em desacordo com
a jurisprudência do TCU (e.g. Acórdãos 3.368/2015 e 1.498/2020, ambos do Plenário), por estabelecerem obrigações
alheias à relação jurídica entre o órgão contratante e a futura contratada”. Foram exigidos, entre outros, os seguintes
documentos aos licitantes: “a) certificado de registro de pessoa jurídica do
fabricante do produto; b) licença de operação do fabricante; c) documento do
fabricante para comprovação de tratamento de resíduos líquidos; d) documento do
fabricante referente ao plano de gerenciamento de resíduos sólidos; e)
certificado ambiental de cadeia de custódia do FSC ou Cerflor, em nome do
fabricante do mobiliário, comprovando a procedência da madeira proveniente de
manejo florestal responsável ou de reflorestamento f) certificado do fabricante
de regularidade perante o IBAMA; e g) documento que comprove pintura isenta de
materiais pesados, apresentado em papel timbrado do fabricante da tinta”.
Em seu voto, o relator destacou que tais exigências são voltadas aos
fabricantes, os quais não necessariamente serão os contratados, ou seja,
atingem relação alheia ao universo de possíveis licitantes, o que, segundo ele,
estaria em desacordo com a jurisprudência do TCU. O relator pontuou que o rol
exaustivo de elementos previstos nos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/1993, para
habilitação dos licitantes, refere-se aos documentos do próprio interessado em
participar do certame, e não de terceiros estranhos ao processo licitatório e à
relação contratual superveniente. Na situação em apreço, seria “muito
difícil, quiçá impossível, que um revendedor ou empresa varejista que
comercialize mobiliário obtenha algum documento comprovando que a pintura do
móvel é isenta de materiais pesados, apresentando declaração em papel timbrado
do próprio fabricante da tinta”. Na prática, seria “inviável identificar
visualmente o fabricante da tinta a partir da inspeção do mobiliário fornecido,
exigindo que o fornecedor do item obtenha tal informação com o seu fabricante.
A partir daí, o licitante ainda teria que contactar o fabricante da tinta (que
pode ser inclusive uma empresa estrangeira), com vistas a obter a declaração
solicitada”. Além do que “o fabricante da tinta pode simplesmente se
negar a fornecer tal documento ou direcioná-lo a apenas um grupo de
interessados em participar do certame licitatório, restringindo ilegalmente a
ampla competição, bem como criando custos desnecessários para outros licitantes
ofertarem suas propostas (que possivelmente serão repassados ao poder público)”.
O relator enfatizou ainda que a Administração não dispõe de meios para
verificar se o conteúdo da referida declaração é materialmente verdadeiro, pois
tal checagem exigiria a realização de testes de laboratório com equipamentos
sofisticados. Quanto às outras exigências de cunho ambiental, ele considerou
que todas eram inaplicáveis a empresas que apenas vendem móveis, atividade que
não se encontra listada no anexo 1 da Resolução Conama 237/1997, a qual
relaciona as atividades sujeitas ao licenciamento ambiental. E arrematou: “se,
por um lado, a fabricação de móveis efetivamente requer o licenciamento
ambiental, nos termos do referido ato normativo, a mera comercialização do
mobiliário não exige a obtenção de licença ambiental, sendo desarrazoado que se
requeira do revendedor a documentação do licenciamento ambiental atinente à
outra pessoa jurídica, o fabricante do móvel”. Nos termos da proposta do
relator, o Plenário decidiu determinar ao Colégio Militar de Brasília a adoção
de providências com vistas a anular o Pregão Eletrônico SRP 9/2020, em razão
dessa e de outras irregularidades constatadas na representação.
Acórdão
2129/2021 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.
INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS Nº421 DO TCU