sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Elaboração de projeto básico adequado e atualizado

Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei 8.666/1993, constituindo prática ilegal a sua revisão ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado, a exemplo da adoção de solução de engenharia diferente daquela submetida à licitação.

Auditoria realizada para verificar a conformidade da gestão dos recursos financeiros transferidos por força de termo de compromisso – firmado entre o extinto Ministério das Cidades, representado pela Caixa Econômica Federal, e o Estado do Rio de Janeiro, tendo como interveniente executor o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) – destinado a executar as obras de canalização e dragagem do Rio Bengalas, em Nova Friburgo/RJ, identificou, entre outras irregularidades, a “alteração do objeto licitado e contratado além dos limites de aditamento contratual previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993”. Constatou-se, em essência, que o Contrato 9/2013-Inea “passou por diversas alterações quantitativas e qualitativas em relação ao escopo dos serviços que serviram de base para a Concorrência Nacional 18/2012”, e que “as alterações nas metodologias de execução das obras desvirtuaram os termos e condições pactuados inicialmente”. Por terem elaborado parecer propondo as diversas alterações no projeto licitado, sem justificativas adequadas e suficientes, sem embasamento em estudos técnicos pertinentes e sem a devida demonstração do “interesse público para a medida e a natureza superveniente dos fatos ensejadores das modificações”, o fiscal e o gerente do contrato foram apenados com multa por meio do Acórdão 2150/2021-TCU-Plenário. Inconformado, o primeiro deles interpôs pedido de reexame, argumentando que, na condição de fiscal do contrato, subsidiou os gestores do Inea com as informações técnicas acerca das alterações pretendidas, com o intuito de executar adequadamente as obras. O recorrente aduziu ainda que as alterações perpetradas eram imprevisíveis à época do certame e que o aditamento teve como balizas a vantajosidade da modificação, a segurança dos operários na execução dos serviços, a otimização do cronograma e a manutenção das condições de qualificação exigidas na licitação. Alegou também haver se baseado em estudo, cuja conclusão foi a de que uma nova licitação implicaria gastos adicionais da ordem de R$ 10,5 milhões, além de demandar bastante tempo, sendo assim incompatível com a urgência necessária para conclusão do objeto, destinado à mitigação dos efeitos de chuvas intensas na região. Portanto, a seu ver, estaria demonstrada a vantajosidade da manutenção do contrato para a Administração Pública. Em seu voto, o relator destacou que o Contrato 09/2013-Inea passara de fato por significativas alterações de serviços e valores em relação aos originalmente previstos, e que “as trocas se referem principalmente à solução de engenharia adotada para execução das estruturas de contenção utilizadas para canalização do mencionado rio. O método construtivo constante do projeto básico que subsidiou a licitação previa a realização de cortinas atirantadas executadas em concreto armado moldado in loco. Posteriormente, porém, a metodologia adotada para confecção dessas cortinas foi substituída para estruturas pré-moldadas realizadas em local diverso, para então serem transportadas ao local de sua aplicação”. Conforme o relator, “houve acréscimo de 20,81% no valor contratual em relação ao acerto inicial. Porém, as supressões de serviços e quantidades totalizaram 50,51% do valor contratual e acréscimos de 71,32%. Dito de outra forma, o valor do enlace original (de R$ 194.449.531,25) teve supressões de R$ 98.217.901,28, acréscimos de serviços novos de R$ 135.716.390,94 e outros R$ 2.966.253,68 de aumentos de quantitativos em serviços originalmente contratados. Como resultado, o valor do ajuste após o primeiro termo aditivo ficou em R$ 234.914.274,59”. Para ele, a modificação ocorrida na obra executada, tanto em seu projeto quanto em sua planilha orçamentária, teria sido de tal monta a caracterizar transfiguração do objeto licitado. Em termos práticos, “a obra executada continuou a ser a canalização do Rio Bengalas, mas com solução de engenharia completamente diferente daquela submetida ao crivo concorrencial da licitação”. Na sequência, acerca da temática da alteração de projeto básico, o relator invocou a Súmula TCU 261, segundo a qual “Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos”. Prosseguindo, assinalou que o conceito de objeto contratual não está somente atrelado à descrição do empreendimento, mas ao conjunto de serviços e aos requisitos exigidos dos licitantes para participar do certame, e que a magnitude das transformações verificadas no aludido contrato importou “prejuízo aos princípios da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório”, além de configurar, na realidade, “contratação direta pela administração”. Quanto ao argumento do recorrente de que uma nova licitação implicaria gastos adicionais da ordem de R$ 10,5 milhões, o relator retrucou que as modificações na metodologia construtiva implicaram acréscimos de mais de R$ 13 milhões, ou seja, ao final, teria havido expressivo aumento no valor global da obra. E arrematou: “Mesmo por hipótese, considerando uma real necessidade de alteração do projeto básico licitado, tal premissa não se mostra como condição sine qua non para a manutenção do contrato firmado em detrimento da realização de nova licitação, ainda mais quando se verifica a transfiguração do objeto empreendida pelas alterações”. Assim sendo, nos termos propostos pelo relator, o Plenário decidiu negar provimento ao pedido de reexame.

Acórdão 1576/2022 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Jorge Oliveira.