Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei 8.666/1993, constituindo prática ilegal a sua revisão ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado, a exemplo da adoção de solução de engenharia diferente daquela submetida à licitação.
Auditoria
realizada para verificar a conformidade da gestão dos recursos financeiros
transferidos por força de termo de compromisso – firmado entre o extinto
Ministério das Cidades, representado pela Caixa Econômica Federal, e o Estado
do Rio de Janeiro, tendo como interveniente executor o Instituto Estadual do
Ambiente (Inea) – destinado a executar as obras de canalização e dragagem do
Rio Bengalas, em Nova Friburgo/RJ, identificou, entre outras irregularidades, a
“alteração do objeto licitado e contratado além dos limites de aditamento
contratual previstos no art. 65 da Lei 8.666/1993”. Constatou-se, em
essência, que o Contrato 9/2013-Inea “passou por diversas alterações
quantitativas e qualitativas em relação ao escopo dos serviços que serviram de
base para a Concorrência Nacional 18/2012”, e que “as alterações nas
metodologias de execução das obras desvirtuaram os termos e condições pactuados
inicialmente”. Por terem elaborado parecer propondo as diversas alterações
no projeto licitado, sem justificativas adequadas e suficientes, sem
embasamento em estudos técnicos pertinentes e sem a devida demonstração do “interesse
público para a medida e a natureza superveniente dos fatos ensejadores das
modificações”, o fiscal e o gerente do contrato foram apenados com multa
por meio do Acórdão
2150/2021-TCU-Plenário. Inconformado,
o primeiro deles interpôs pedido de reexame, argumentando que, na condição de
fiscal do contrato, subsidiou os gestores do Inea com as informações técnicas
acerca das alterações pretendidas, com o intuito de executar adequadamente as
obras. O recorrente aduziu ainda que as alterações perpetradas eram
imprevisíveis à época do certame e que o aditamento teve como balizas a
vantajosidade da modificação, a segurança dos operários na execução dos
serviços, a otimização do cronograma e a manutenção das condições de
qualificação exigidas na licitação. Alegou também haver se baseado em estudo,
cuja conclusão foi a de que uma nova licitação implicaria gastos adicionais da
ordem de R$ 10,5 milhões, além de demandar bastante tempo, sendo assim
incompatível com a urgência necessária para conclusão do objeto, destinado à
mitigação dos efeitos de chuvas intensas na região. Portanto, a seu ver,
estaria demonstrada a vantajosidade da manutenção do contrato para a
Administração Pública. Em seu voto, o relator destacou que o Contrato
09/2013-Inea passara de fato por significativas alterações de serviços e
valores em relação aos originalmente previstos, e que “as trocas se referem
principalmente à solução de engenharia adotada para execução das estruturas de
contenção utilizadas para canalização do mencionado rio. O método construtivo
constante do projeto básico que subsidiou a licitação previa a realização de
cortinas atirantadas executadas em concreto armado moldado in loco.
Posteriormente, porém, a metodologia adotada para confecção dessas cortinas foi
substituída para estruturas pré-moldadas realizadas em local diverso, para então
serem transportadas ao local de sua aplicação”. Conforme o relator, “houve
acréscimo de 20,81% no valor contratual em relação ao acerto inicial. Porém, as
supressões de serviços e quantidades totalizaram 50,51% do valor contratual e
acréscimos de 71,32%. Dito de outra forma, o valor do enlace original (de R$
194.449.531,25) teve supressões de R$ 98.217.901,28, acréscimos de serviços
novos de R$ 135.716.390,94 e outros R$ 2.966.253,68 de aumentos de
quantitativos em serviços originalmente contratados. Como resultado, o valor do
ajuste após o primeiro termo aditivo ficou em R$ 234.914.274,59”. Para ele,
a modificação ocorrida na obra executada, tanto em seu projeto quanto em sua
planilha orçamentária, teria sido de tal monta a caracterizar transfiguração do
objeto licitado. Em termos práticos, “a obra executada continuou a ser a
canalização do Rio Bengalas, mas com solução de engenharia completamente
diferente daquela submetida ao crivo concorrencial da licitação”. Na
sequência, acerca da temática da alteração de projeto básico, o relator invocou
a Súmula TCU 261, segundo a qual “Em licitações de obras e serviços de
engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado,
assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º,
inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal
a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que
transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito
diversos”. Prosseguindo, assinalou que o conceito de objeto contratual não
está somente atrelado à descrição do empreendimento, mas ao conjunto de
serviços e aos requisitos exigidos dos licitantes para participar do certame, e
que a magnitude das transformações verificadas no aludido contrato importou “prejuízo
aos princípios da isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório”,
além de configurar, na realidade, “contratação direta pela administração”.
Quanto ao argumento do recorrente de que uma nova licitação implicaria gastos
adicionais da ordem de R$ 10,5 milhões, o relator retrucou que as modificações
na metodologia construtiva implicaram acréscimos de mais de R$ 13 milhões, ou
seja, ao final, teria havido expressivo aumento no valor global da obra. E
arrematou: “Mesmo por hipótese, considerando uma real necessidade de
alteração do projeto básico licitado, tal premissa não se mostra como condição
sine qua non para a manutenção do contrato firmado em detrimento da realização
de nova licitação, ainda mais quando se verifica a transfiguração do objeto
empreendida pelas alterações”. Assim sendo, nos termos propostos pelo
relator, o Plenário decidiu negar provimento ao pedido de reexame.
Acórdão
1576/2022 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Jorge Oliveira.