quinta-feira, 11 de abril de 2024

O critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração, nos termos do art. 59, § 2º, da referida lei, dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta.

 

O critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração, nos termos do art. 59, § 2º, da referida lei, dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência 1/2023, do tipo menor preço e com modo de disputa aberto, realizada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), sob a regência da Lei 14.133/2021 e tendo por objeto a “contratação de serviços especiais de engenharia relacionados à realização de planejamento, levantamentos, ensaios e a elaboração dos projetos executivos de engenharia, arquitetura e documentações legais referentes à construção do Campus definitivo da Unidade Acadêmica de Belo Jardim (UABJ)”. A sessão pública de recebimento e abertura de propostas, bem como de disputa de lances, contara com a participação de 31 empresas, sendo que as dezoito primeiras colocadas tiveram suas propostas desclassificadas por suposta inexequibilidade, em razão de haverem ofertado valor inferior a 75% do orçamento-base da licitação. Em face disso, a representante alegou, em essência, que: i) “sua desclassificação teria sido feita de maneira sumária, sem que tenham sido promovidas as diligências necessárias previstas no art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021 e no próprio edital de licitação (subitem 6.10) para fins de demonstração da exequibilidade das melhores propostas apresentadas pelos licitantes”; ii) o valor proposto pela empresa vencedora teria sido 77% superior ao da proposta mais vantajosa, “a qual teria sido desclassificada de maneira sumária, sem que tenha sido feita qualquer diligência”; iii) “o entendimento jurisprudencial dominante pelo Poder Judiciário e pelo TCU seria no sentido de que é relativa e não absoluta a presunção de inexequibilidade das propostas inferiores a 75% do valor orçado pela Administração, cabendo, conforme o art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021, facultar às licitantes a demonstração da exequibilidade de suas propostas”. A partir do exame dos documentos e das informações relativas à Concorrência 1/2023, a unidade técnica entendeu que, de fato, as desclassificações das propostas apresentadas pelas licitantes ocorreram de forma sumária, sem que fosse dada oportunidade para que as empresas se manifestassem sobre a sua exequibilidade, o que, em tese, não seria procedimento condizente com o art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021, segundo o qual “a Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir das licitantes sua demonstração”. A unidade instrutiva também afirmou que a ausência de oportunidade para as licitantes demonstrarem a exequibilidade de suas propostas seria procedimento contrário à jurisprudência do Tribunal, “conforme a Súmula TCU 262 e Acórdãos 1244/2018-TCU-Plenário; 2528/2012-TCU-Plenário; 1079/2017-TCU-Plenário; e 1161/2014-TCU-Plenário”. Realizada a oitiva prévia da UFRPE, esta informou haver retornado o certame à fase de julgamento das propostas e realizado diligências, junto às empresas que apresentaram propostas com valores inferiores a 75% do orçamento estimativo da licitação, para demonstração de sua exequibilidade, em cumprimento ao disposto no art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021. Dessa forma, a unidade técnica concluiu que a representação perdera seu objeto, propondo então que ela fosse considerada prejudicada, com o consequente arquivamento dos autos. Em seu voto, não obstante anuir à conclusão de que a representação “perdeu seu objeto, ante o saneamento da irregularidade”, o relator julgou pertinente aduzir comentários acerca do art. 59 da Lei 14.133/2021, que assim dispõe: “Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: [...] IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração; [...] § 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo. [...] § 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração. § 5º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração, equivalente à diferença entre este último e o valor da proposta, sem prejuízo das demais garantias exigíveis de acordo com esta Lei”.  Após transcrever o aludido dispositivo legal, o relator assinalou que o parâmetro de inexequibilidade de propostas “insculpido no parágrafo 4º do dispositivo” deveria ser visto e interpretado de maneira sistemática “e no mesmo prisma que o parágrafo 2º”, cabendo à Administração oferecer à licitante oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta, isso porque “eventual valor muito inferior ao que foi previsto pela Administração no orçamento-base da licitação não é, por si só, indicador absoluto de inexequibilidade da proposta, haja vista, por exemplo, a possibilidade de que referido valor orçado contenha equívocos ou a licitante consiga demonstrar sua capacidade de executar o objeto no valor por ela proposto”. Na sequência, frisou que a maior parte da jurisprudência do TCU sobre o tema, em particular a Súmula TCU 262, fora proferida ainda sob a égide da Lei 8.666/1993, e que, num dos “primeiros precedentes sobre a matéria proferidos já com base na Lei 14.133/2021 (Acórdão 2198/2023-TCU-Plenário)”, o entendimento do colegiado foi sustentado da seguinte forma: “Considerando que o § 4º do art. 59 da Lei 14.133/2021 estabelece que, ‘No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração’; Considerando que serão desclassificadas as propostas que apresentarem preços inexequíveis (art. 59, inciso III, da Lei 14.133/2021); Considerando que, neste caso, não há que se cogitar da realização de diligências para aferir a inexequibilidade, pois o lance abaixo daquele percentual de 75% já é identificado pela própria Lei como inexequível, devendo a proposta ser desclassificada”. Como contraponto, o relator trouxe entendimento diverso extraído de publicação do Tribunal intitulada ‘Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU’, 5ª edição, divulgado em 2023”, consubstanciado nos seguintes termos: “Consoante exposto anteriormente, a Lei 14.133/2021 delimitou a inexequibilidade a valores inferiores a 75% do valor orçado pela Administração. No entanto, considerando o disposto na Súmula TCU 262 e em diversos julgados do TCU, ainda sob a égide da Lei 8.666/1993, esse limite também pode ser considerado para fins de presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar ao licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta. Não se vê, portanto, obstáculo para aplicar a súmula citada à Lei 14.133/2021, inclusive porque o art. 59, inciso IV c/c § 2º, da referida Lei prevê expressamente a possibilidade de a exequibilidade ser demonstrada pelo licitante, quando solicitado pela Administração.” (grifos do relator). Retomando o caso concreto, o relator chamou a atenção para o fato de que, além do grande número de desclassificações por suposta inexequibilidade, ocorrera também uma “diferença substancial de quase 27% entre o valor mínimo aceitável arbitrado pela UFRPE e a mediana das propostas desclassificadas”, a qual, para ele “chama a atenção e induz o questionamento de que é possível que o orçamento-base da licitação esteja superavaliado”. Além disso, continuou, “o Tribunal, em sua jurisprudência (Acórdãos 325/2007, 3092/2014, ambos do Plenário), apresentou exemplos de estratégias comerciais que podem levar uma empresa a reduzir sua margem de remuneração incluída em sua proposta de preços, a saber: (i) interesses próprios da empresa em quebrar barreiras impostas pelos concorrentes no mercado; ou (ii) incrementar seu portfólio; ou ainda (iii) formar um novo fluxo de caixa advindo do contrato”.  Portanto, a seu ver, ainda que a proposta da licitante tenha sido inferior ao patamar de 75% do valor orçado pela Administração, “a empresa pode ter motivos comerciais legítimos para fazê-lo, cabendo à Administração perquiri-los”, dando oportunidade ao licitante para demonstrar a exequibilidade do valor proposto. Ademais, acerca do precitado Acórdão 2198/2023-Plenário, prosseguiu ele, aquela mesma publicação institucional do TCU teria deixado assente: “é importante notar que o julgado sobre essa disposição específica da Lei 14.133/2021 ainda é isolado, sendo aconselhável aguardar novas decisões para ter uma compreensão mais clara e definitiva sobre a aplicação desse dispositivo legal a partir de casos concretos”. Nesse contexto, o relator concluiu não ver óbices a que “o entendimento consolidado e sumulado na jurisprudência do TCU – Súmula TCU 262 – seja mantido inalterado, mesmo em face da novel Lei 14.133/2021”, e, por “ser esse um possível leading case”, julgou oportuno que, em acréscimo à proposta da unidade técnica de arquivamento dos autos por perda de objeto da representação, fosse a UFRPE cientificada de que “o critério definido no art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta, nos termos do art. 59, § 2º, da mesma lei”, no que foi acompanhado pelos demais ministros.

Acórdão 465/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman.