O critério definido no art. 59, §
4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de
preços, devendo a Administração, nos termos do art. 59, § 2º, da referida lei,
dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades na Concorrência 1/2023, do
tipo menor preço e com modo de disputa aberto, realizada pela Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE), sob a regência da Lei 14.133/2021 e tendo por
objeto a “contratação de serviços especiais de engenharia relacionados à
realização de planejamento, levantamentos, ensaios e a elaboração dos projetos
executivos de engenharia, arquitetura e documentações legais referentes à
construção do Campus definitivo da Unidade Acadêmica de Belo Jardim (UABJ)”.
A sessão pública de recebimento e abertura de propostas, bem como de disputa de
lances, contara com a participação de 31 empresas, sendo que as dezoito
primeiras colocadas tiveram suas propostas desclassificadas por suposta
inexequibilidade, em razão de haverem ofertado valor inferior a 75% do
orçamento-base da licitação. Em face disso, a representante alegou, em
essência, que: i) “sua desclassificação teria sido feita de maneira sumária,
sem que tenham sido promovidas as diligências necessárias previstas no art. 59,
§ 2º, da Lei 14.133/2021 e no próprio edital de licitação (subitem 6.10) para
fins de demonstração da exequibilidade das melhores propostas apresentadas
pelos licitantes”; ii) o valor proposto pela empresa vencedora teria sido
77% superior ao da proposta mais vantajosa, “a qual teria sido
desclassificada de maneira sumária, sem que tenha sido feita qualquer
diligência”; iii) “o entendimento jurisprudencial dominante pelo Poder
Judiciário e pelo TCU seria no sentido de que é relativa e não absoluta a
presunção de inexequibilidade das propostas inferiores a 75% do valor orçado
pela Administração, cabendo, conforme o art. 59, § 2º, da Lei 14.133/2021,
facultar às licitantes a demonstração da exequibilidade de suas propostas”.
A partir do exame dos documentos e das informações relativas à Concorrência
1/2023, a unidade técnica entendeu que, de fato, as desclassificações das
propostas apresentadas pelas licitantes ocorreram de forma sumária, sem que
fosse dada oportunidade para que as empresas se manifestassem sobre a sua
exequibilidade, o que, em tese, não seria procedimento condizente com o art.
59, § 2º, da Lei 14.133/2021, segundo o qual “a Administração poderá
realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir das
licitantes sua demonstração”. A unidade instrutiva também afirmou que a
ausência de oportunidade para as licitantes demonstrarem a exequibilidade de
suas propostas seria procedimento contrário à jurisprudência do Tribunal, “conforme
a Súmula TCU 262 e Acórdãos 1244/2018-TCU-Plenário; 2528/2012-TCU-Plenário; 1079/2017-TCU-Plenário; e 1161/2014-TCU-Plenário”. Realizada a oitiva prévia da UFRPE, esta informou
haver retornado o certame à fase de julgamento das propostas e realizado
diligências, junto às empresas que apresentaram propostas com valores
inferiores a 75% do orçamento estimativo da licitação, para demonstração de sua
exequibilidade, em cumprimento ao disposto no art. 59, § 2º, da Lei
14.133/2021. Dessa forma, a unidade técnica concluiu que a representação
perdera seu objeto, propondo então que ela fosse considerada prejudicada, com o
consequente arquivamento dos autos. Em seu voto, não obstante anuir à conclusão
de que a representação “perdeu seu objeto, ante o saneamento da
irregularidade”, o relator julgou pertinente aduzir comentários acerca do
art. 59 da Lei 14.133/2021, que assim dispõe: “Art. 59. Serão
desclassificadas as propostas que: [...] IV - não tiverem sua
exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração; [...] §
2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das
propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto
no inciso IV do caput deste artigo. [...] § 4º No caso de obras e
serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos
valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela
Administração. § 5º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, será
exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a
85% (oitenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração, equivalente
à diferença entre este último e o valor da proposta, sem prejuízo das demais
garantias exigíveis de acordo com esta Lei”. Após transcrever o aludido dispositivo legal,
o relator assinalou que o parâmetro de inexequibilidade de propostas “insculpido
no parágrafo 4º do dispositivo” deveria ser visto e interpretado de maneira
sistemática “e no mesmo prisma que o parágrafo 2º”, cabendo à
Administração oferecer à licitante oportunidade de demonstrar a exequibilidade
de sua proposta, isso porque “eventual valor muito inferior ao que foi
previsto pela Administração no orçamento-base da licitação não é, por si só,
indicador absoluto de inexequibilidade da proposta, haja vista, por exemplo, a
possibilidade de que referido valor orçado contenha equívocos ou a licitante
consiga demonstrar sua capacidade de executar o objeto no valor por ela
proposto”. Na sequência, frisou que a maior parte da jurisprudência do TCU sobre
o tema, em particular a Súmula TCU 262, fora proferida ainda sob a égide da Lei
8.666/1993, e que, num dos “primeiros precedentes sobre a matéria proferidos
já com base na Lei 14.133/2021 (Acórdão
2198/2023-TCU-Plenário)”, o entendimento do colegiado foi sustentado da
seguinte forma: “Considerando que o § 4º do art. 59 da Lei 14.133/2021
estabelece que, ‘No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas
inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco
por cento) do valor orçado pela Administração’; Considerando que serão
desclassificadas as propostas que apresentarem preços inexequíveis (art. 59,
inciso III, da Lei 14.133/2021); Considerando que, neste caso, não há que se
cogitar da realização de diligências para aferir a inexequibilidade, pois o
lance abaixo daquele percentual de 75% já é identificado pela própria Lei como
inexequível, devendo a proposta ser desclassificada”. Como contraponto, o
relator trouxe entendimento diverso extraído de publicação do Tribunal
intitulada “‘Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência
do TCU’, 5ª edição, divulgado em 2023”, consubstanciado nos seguintes
termos: “Consoante exposto anteriormente, a Lei 14.133/2021 delimitou a
inexequibilidade a valores inferiores a 75% do valor orçado pela Administração.
No entanto, considerando o disposto na Súmula TCU 262 e em diversos julgados do
TCU, ainda sob a égide da Lei 8.666/1993, esse limite também pode ser
considerado para fins de presunção relativa de inexequibilidade de preços,
devendo a Administração dar ao licitante a oportunidade de demonstrar a
exequibilidade da sua proposta. Não se vê, portanto, obstáculo para
aplicar a súmula citada à Lei 14.133/2021, inclusive porque o art. 59,
inciso IV c/c § 2º, da referida Lei prevê expressamente a possibilidade de a
exequibilidade ser demonstrada pelo licitante, quando solicitado pela
Administração.” (grifos do relator). Retomando o caso concreto, o relator
chamou a atenção para o fato de que, além do grande número de desclassificações
por suposta inexequibilidade, ocorrera também uma “diferença substancial de
quase 27% entre o valor mínimo aceitável arbitrado pela UFRPE e a mediana das
propostas desclassificadas”, a qual, para ele “chama a atenção e induz o
questionamento de que é possível que o orçamento-base da licitação esteja
superavaliado”. Além disso, continuou, “o Tribunal, em sua
jurisprudência (Acórdãos 325/2007, 3092/2014, ambos do Plenário), apresentou exemplos de
estratégias comerciais que podem levar uma empresa a reduzir sua margem de
remuneração incluída em sua proposta de preços, a saber: (i) interesses
próprios da empresa em quebrar barreiras impostas pelos concorrentes no
mercado; ou (ii) incrementar seu portfólio; ou ainda (iii) formar um novo fluxo
de caixa advindo do contrato”. Portanto, a seu ver, ainda que a proposta da
licitante tenha sido inferior ao patamar de 75% do valor orçado pela
Administração, “a empresa pode ter motivos comerciais legítimos para
fazê-lo, cabendo à Administração perquiri-los”, dando oportunidade ao licitante
para demonstrar a exequibilidade do valor proposto. Ademais, acerca do
precitado Acórdão 2198/2023-Plenário, prosseguiu ele, aquela mesma publicação
institucional do TCU teria deixado assente: “é importante notar que o
julgado sobre essa disposição específica da Lei 14.133/2021 ainda é isolado,
sendo aconselhável aguardar novas decisões para ter uma compreensão mais clara
e definitiva sobre a aplicação desse dispositivo legal a partir de casos
concretos”. Nesse contexto, o relator concluiu não ver óbices a que “o
entendimento consolidado e sumulado na jurisprudência do TCU – Súmula TCU 262 –
seja mantido inalterado, mesmo em face da novel Lei 14.133/2021”, e, por “ser
esse um possível leading case”, julgou oportuno que, em acréscimo à
proposta da unidade técnica de arquivamento dos autos por perda de objeto da
representação, fosse a UFRPE cientificada de que “o critério definido no
art. 59, § 4º, da Lei 14.133/2021 conduz a uma presunção relativa de
inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a
oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta, nos termos do art.
59, § 2º, da mesma lei”, no que foi acompanhado pelos demais ministros.
Acórdão
465/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto
Sherman.