É possível a inversão de fases entre
habilitação e julgamento das propostas com relação à aplicação da prova de
conceito, desde que, nos documentos relativos ao planejamento do pregão, sejam
apresentadas as devidas razões, com explicitação dos benefícios decorrentes,
sob pena de violação ao art. 17, §§ 1º e 3º, da Lei 14.133/2021, bem como ao
princípio da motivação, previsto no art. 5º da mencionada lei. Se é cabível
postergar toda a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação,
nada impede o postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, a
exemplo da prova de conceito.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no item 2 do Pregão Eletrônico
10/2023, promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) sob a regência da Lei 14.133/2021 (nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativos), com vistas à seleção de empresa ou
instituição especializada para realizar a “aplicação
de até 100.000 pré-testes e questionários, na modalidade digital, com correção
de itens objetivos e de resposta construída e produção textual”. A
representante alegou que sua inabilitação teria sido indevida, pois, além de
outras irregularidades que a envolveram, a decisão do pregoeiro teria ocorrido
sem a realização da prova de conceito, embora esta estivesse prevista no
edital. Ao adotar medida cautelar para que o Inep se abstivesse de dar
prosseguimento ao item 2 do Pregão Eletrônico 10/2023, o relator promoveu as
oitivas da autarquia e da vencedora da licitação, a fim de que elas se
manifestassem acerca da seguinte ocorrência, entre outras: “estabelecimento de prova de conceito apenas
do licitante que tenha sido considerado habilitado, em possível afronta ao
disposto nos incisos IV e V e § 3º do art. 17 da Lei 14.133/2021, que levam à
compreensão de que a habilitação sucede o julgamento da proposta, no qual está
inserida a prova de conceito”. Em resposta, o Inep, em síntese, assinalou:
i) a prova de conceito não teria o objetivo de avaliar os aspectos de
capacidade logística da licitante na aplicação do exame, e sim demonstrar a sua
capacidade técnica para a execução do objeto; ii) o professor Marçal Justen
Filho, ao analisar a nova Lei de Licitações e Contratos, deixara registrado que
a prova de conceito “pode ser utilizada para avaliar a capacitação técnica
da licitante para executar a proposta objeto da licitação”, hipótese cuja
“finalidade será o exame da atuação subjetiva do licitante”, cabendo
“a sua realização na fase de análise da habilitação”; iii) o termo de
referência trabalhara a prova de conceito “dentro do contexto ampliado da
qualificação técnica do licitante melhor classificado, sendo em primeiro
momento a comprovação da capacidade operacional, ‘know how’ e posteriormente o
potencial tecnológico”, ordem essa definida por se entender “primeiramente
necessária a confirmação da capacidade de operação em larga escala e com a
expertise exigida, para a posteriori promover a avaliação tecnológica, visando
assim evitar possíveis custos impróprios aos licitantes que não se mostrassem
aptos à execução pretendida sob o aspecto logístico e operacional”. iv) não
haveria “exigência de habilitação do licitante para promoção da prova de
conceito, e sim das qualidades técnicas previstas, em que a licitante
primeiramente comprove seu potencial logístico para posteriormente ser avaliada
tecnologicamente, o que ocorre em fases antecedentes à formalização da
habilitação”; v) a representante não apresentara atestado de capacidade
técnica em conformidade com o edital do certame. Por sua vez, a vencedora do
certame aduziu, em essência, as seguintes considerações: i) “o art. 17, §
3º, e o art. 41, parágrafo único, da Lei 14.133/2021, o art. 29, § 1º, da IN
Seges/ME 73/2022, o item 9 do Estudo Técnico Preliminar 11/2023 e o item 8.96
do TR” consagrariam o entendimento de que a prova de conceito “deve
ocorrer após a realização das fases de propostas e de habilitação, na última
etapa antes do julgamento definitivo da licitação”, afinal, “por ser
realizada somente com o licitante provisoriamente vencedor do certame (e não
apenas da fase de propostas), conforme é o entendimento do TCU, pressupõe-se a
prévia realização das fases de propostas e de habilitação”; ii) a prova de
conceito “compõe a fase de julgamento de propostas, e não a fase de
habilitação (art. 17, § 3º da Lei 14.133/2021), no entanto, isso não implica
vedação ao desmembramento dessa etapa ou vedação ao diferimento” da prova
de conceito “para o último momento processual antes da declaração do
licitante vencedor”, diferimento que “se justifica sob a ótica da
eficiência e da racionalidade administrativa, especialmente em casos nos quais
há altos custos, material e pessoal envolvidos”, como ocorrera no caso
concreto; iii) a execução da prova de conceito pelo contratante exige tempo e
mobilização de pessoal e de equipamentos, motivo pelo qual não seria razoável
realizá-la antes da fase de habilitação, uma vez que “é possível que haja
uma decisão posterior de inabilitação, o que implicaria a retomada” da
prova de conceito “com múltiplos licitantes, sucessivamente, até se chegar a
um resultado favorável de habilitação, que, aliás, foi justamente o que ocorreu
no caso concreto: a licitante provisoriamente vencedora no lance foi
posteriormente inabilitada”, de maneira que a eventual realização da prova
de conceito teria sido inútil; iv) levando em consideração a eficiência
administrativa e o formalismo moderado, a realização da prova de conceito “após
a fase de habilitação (e antes do julgamento dos recursos) é a solução mais
adequada e satisfatória, pois permite a evolução das formalidades para a futura
contratação (sem a realização de múltiplas PoCs), que será aperfeiçoada após o
julgamento final”; v) assim, seria “mais razoável e eficiente realizar a
PoC somente com o licitante provisoriamente vencedor do certame – na última
etapa antes da instauração da fase recursal e do encerramento da licitação”.
Ao apreciar as justificativas trazidas aos autos, a unidade técnica frisou que,
ao contrário do que afirmara a vencedora do certame, as normas por ela citadas
não definem que a prova de conceito deve ocorrer após a realização das fases de
propostas e de habilitação, na última etapa antes do julgamento definitivo da
licitação. Nesse sentido, transcreveu os aludidos dispositivos da Lei
14.133/2021: “Art. 17. O processo de
licitação observará as seguintes fases, em sequência: I - preparatória; II - de
divulgação do edital de licitação; III - de apresentação de propostas e lances,
quando for o caso; IV - de julgamento; V - de habilitação; VI - recursal; VII -
de homologação. § 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá,
mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as
fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que
expressamente previsto no edital de licitação. (...) § 3º Desde que previsto no
edital, na fase a que se refere o inciso IV do caput deste artigo, o órgão ou
entidade licitante poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor,
realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação
de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de
interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações
definidas no termo de referência ou no projeto básico”. Concluiu então que, ao contrário
do que asseverara a vencedora, os dispositivos acima “afirmam que a prova de conceito integra a fase de julgamento das
propostas, e que esta deve anteceder a habilitação”. Dessa forma, “pelo rito ordinário previsto no art. 17 da
Lei 14.133/2021, a prova de conceito deve ser realizada antes da análise da
habilitação dos licitantes”. A unidade instrutiva pontuou também não ser
verdadeiro o argumento de que o entendimento do TCU é no sentido de que a prova
de conceito pressupõe a prévia realização das fases de propostas e de
habilitação. Como exemplo, mencionou o Acórdão
2763/2013-Plenário, em que restara
consignado que a prova de conceito pode ser exigida do licitante
provisoriamente classificado em primeiro lugar, mas não como condição de
habilitação, por inexistência de previsão legal. Por outro lado, continuou a
unidade técnica, o art. 17, § 1º, da Lei 14.133/2021 traz a possibilidade de
que a fase de habilitação, mediante ato motivado com explicitação dos
benefícios decorrentes, anteceda as fases de apresentação de propostas e lances
e de julgamento, desde que expressamente previsto no edital de licitação. E
arrematou: “se é possível postergar toda
a fase de julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impediria o
postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas, no caso,
referente à prova de conceito. Apesar de as justificadas apresentadas agora
para a inversão de fases serem razoáveis, e do fato de que, a princípio, não
houve prejuízos à disputa, não constou, nos documentos da contratação, a devida
motivação para a implementação de tal medida, tal como determina o § 1º do art.
17 da Lei 14.133/2021, sendo necessária a expedição de ciência à Unidade
Jurisdicionada quanto a esse ponto”.
Em seu voto, o relator destacou que a
exigência de prova de conceito somente após a habilitação do licitante estaria,
com efeito, na contramão do que preconiza a Lei 14.133/2021, haja vista que “a prova de conceito integra a fase de
julgamento das propostas, e esta deve anteceder a de habilitação, conforme o
rito ordinário previsto em seu art. 17, caput e incisos”. No entanto,
ponderou o relator na esteira do que fora sustentado pela unidade instrutiva, o
art. 17, § 1º, da referida lei “traz a
possibilidade de que a fase de habilitação, mediante ato motivado, com
explicitação dos benefícios decorrentes, anteceda as fases de apresentação de
propostas e lances e de julgamento, desde que expressamente prevista no edital
de licitação”, e, “se é possível postergar toda a fase de
julgamento das propostas para depois da habilitação, nada impediria o
postergamento de apenas uma parte da avaliação das propostas; no caso, a prova
de conceito”. Para ele,
conquanto fossem razoáveis as justificativas apresentadas a posteriori pelo Inep para a inversão de fases, não constara, nos
documentos que embasaram a contratação, a devida motivação para a implementação
de tal medida, como determina o art. 17, § 1º, da Lei 14.133/2021. Embora não
se pudesse dizer que a inversão de fases, por si só, tivesse causado prejuízos
à disputa, o relator entendeu necessária a expedição de ciência ao Inep quanto
à irregularidade em comento. Assim sendo, ele propôs, e o Plenário decidiu,
entre outras medidas, dar ciência ao Inep quanto à “ausência nos documentos ligados ao planejamento do Pregão Eletrônico
10/2023 das devidas razões – explicitando os benefícios decorrentes – para a
inversão de fases entre habilitação e julgamento das propostas com relação à
aplicação da prova de conceito, o que violou os §§ 1º e 3º do art. 17 da Lei
14.133/2021, bem como o princípio da motivação, previsto no art. 5º da mesma
norma”.
Acórdão
387/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Jhonatan de Jesus.