Lei Comentada
LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021
Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Art. 64. Após a entrega dos documentos
para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos
documentos, salvo em sede de diligência, para:
I - complementação de informações acerca
dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para
apurar fatos existentes à época da abertura do certame;
II - atualização de documentos cuja
validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.
§ 1º Na análise dos documentos de
habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não
alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho
fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins
de habilitação e classificação.
§ 2º Quando a fase de habilitação
anteceder a de julgamento e já tiver sido encerrada, não caberá exclusão de
licitante por motivo relacionado à habilitação, salvo em razão de fatos
supervenientes ou só conhecidos após o julgamento.
Comentários:
Esse artigo 64 foi citado no Acórdão 988/21,
do Tribunal de Contas da União, o que nos revela a tendência daquele Tribunal
na interpretação do que seria a proibição de “apresentação de novos documentos” de que dispõe o supracitado
artigo. Tal tendência passa pelo repúdio ao FORMALISMO
EXAGERADO.
Antes de comentar sobre o que se entende por
apresentação de novos documentos, vejamos quão condenável é o FORMALISMO
EXACERBADO ou FORMALISMO EXAGERADO.
O artigo 59 da
Nova Lei de Licitações, Lei 14.133/21, em repúdio ao FORMALISMO EXAGERADO que
no passado tanto prejuízo causou à Administração Pública, uma vez que se
afastavam o critério de julgamento pelo MENOR PREÇO e faziam surgir uma nuvem
obscura nos julgamentos de propostas, que pareciam conter uma espécie de
critério esdrúxulo de “melhor sorte para o particular”, critério este nunca
positivado nem reconhecido por nenhuma corte de contas do pais, estabelece que:
Art. 59. Serão
desclassificadas as propostas que:
I - contiverem vícios insanáveis;(Grifamos).
II - não obedecerem às especificações técnicas pormenorizadas no edital;
III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do
orçamento estimado para a contratação;
IV - não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela
Administração;
V - apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do
edital, desde que insanável.
(Grifamos).
(...)
O Tribunal de Contas da União, por diversas vezes, já
se pronunciou sobre o FORMALISMO EXAGERADO. Para os atentos e dedicados
servidores públicos se livrarem desse mal, em nossa modesta opinião, basta
apenas que eles busquem a harmonia entre os princípios do “julgamento
objetivo”, da “vinculação ao instrumento convocatório” e da “legalidade” com os
princípios da “seleção da proposta mais vantajosa”, da “busca pela verdade
material” e, obrigatoriamente, do “formalismo moderado”.
Vejamos alguns trechos de acórdãos da supracitada
Corte de contas:
a)
Tribunal de Constas da União – TCU, assim decidiu:
“O disposto no caput do art. 41 da Lei
8.666/1993, que proíbe a Administração de descumprir as normas e o edital, deve
ser aplicado mediante a consideração dos princípios basilares que norteiam o
procedimento licitatório, dentre eles o da seleção da proposta mais vantajosa.”
(Acórdão 8482/2013-1ª Câmara)
b)
Tribunal de Contas da União – TCU, no Acórdão de nº 1.795/2015 – Plenário, foi
decidido:
“irregular
a inabilitação de licitante em razão de ausência de informação exigida pelo
edital, quando a documentação entregue contiver de maneira implícita o elemento
supostamente faltante e a Administração não realizar a diligência”.
c) Tomando
em conta essa finalidade pretendida pela DILIGÊNCIA, o Tribunal de Contas da
União já reconheceu que a sua realização constitui verdadeiro dever dos
gestores públicos, tal como se depreende do seguinte precedente:
“Trata-se
de racional voltado a privilegiar os princípios do formalismo moderado e da
busca pela verdade material, por força dos quais aspectos formais não podem se
sobrepor à realidade. "Ao constatar incertezas sobre o cumprimento de
disposições legais ou editalícias, especialmente dúvidas que envolvam critérios
e atestados que objetivam comprovar a habilitação das empresas em disputa, o
responsável pela condução do certame deve promover diligências para aclarar os
fatos e confirmar o conteúdo dos documentos que servirão de base para a tomada
de decisão da Administração (art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993)." (Acórdão
nº 3.418/2014-Plenário)
d) O Poder
Judiciário, em consonância com as decisões do TCU, se inclina em reconhecer que
o procedimento licitatório não deve ser pautado num formalismo exacerbado que
desvirtue sua finalidade, na qual interessa apenas o cumprimento da etapa
definida, indiferentemente de sua razão de ser. Nesse sentido, cita-se a
seguinte decisão do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“Se
a irregularidade praticada pela licitante vencedora, que não atendeu a formalidade
prevista no edital licitatório, não lhe trouxe vantagem nem implicou prejuízo
para os demais participantes, bem como se o vício apontado não interferiu no
julgamento objetivo da proposta, não se vislumbrando ofensa aos demais
princípios exigíveis na atuação da Administração Pública, correta é a
adjudicação do objeto da licitação à licitante que ofereceu a proposta mais
vantajosa, em prestígio do interesse público, escopo da atividade
administrativa. (STF - RMS 23.714/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em
05.09.2000, publicado no DJ de 13.10.2000, p. 21)”
e) O TCU emitiu o Acórdão nº.
1211/2021-P, com a seguinte ementa:
“Admitir
a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à
abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e
igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do
licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus
documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse
público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
O
pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve
sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas,
dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada,
registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso
XII, alínea “h”; 17, inciso VI; e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a
vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §3º, da Lei
8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), NÃO
ALCANÇA documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante
quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de
habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser
solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
e) Vejamos
mais uma decisão em que o TCU, concordando com o entendimento do órgão,
destacou que eventual erro na planilha teria de ser assumido pelo licitante.
Segue o trecho do relatório da Decisão 577/2001 - Plenário, integralmente
acatado no voto, que a representante expôs em suas alegações:
(...)
‘b) o mecanismo de convalidação previsto no edital é, a nosso ver, admissível.
“Não há modificação dos valores globais da proposta, sempre respeitados, em
qualquer hipótese. Ocorre que esse valor vem acompanhado de sua memória de
cálculo, ou seja, da planilha demonstrativa dos componentes do custo, entre os
quais alguns que decorrem de lei e de acordos coletivos. “Evidentemente
espera-se não haver diferenças entre a informação posta na planilha e aquela
exigida pela lei ou pelo acordo. Mas, e se houver? Só há duas alternativas,
cuja validade cabe discutir:
“1ª)
acata-se a proposta, mas o proponente tem que suportar o ônus do seu erro (que
resulta em uma oferta menos competitiva, se o valor informado for maior que o
exigido, ou em uma redução da margem de lucro inicialmente esperada, na
situação inversa); ou
”2ª)
desclassifica-se a proposta sumariamente, o que não deixa de ser uma medida
drástica, se considerarmos que a licitação não é um fim em si mesma, mas meio
para a Administração selecionar a oferta que lhe for mais vantajosa, dentro dos
limites de atuação estabelecidos pelo legislador. Dentre essas alternativas, a
(...) optou pela primeira: mantém a proposta, se verificar que, mesmo com a
diminuição do lucro, a oferta ainda é exeqüível.
Essa
decisão nos parece válida, já que:
“1º)
o proponente continuará sujeito a cumprir a lei e os acordos firmados; sua
declaração contida na planilha não tem a faculdade de afastar a incidência
dessas obrigações; 2º) os valores globais propostos não poderão ser
modificados; a proposta obriga o proponente, a quem cabe assumir as
consequências de seus atos; e 3º) o procedimento previsto não fere a isonomia
entre os licitantes [...]”[6].
Assim, tendo em vista o caráter acessório
das planilhas orçamentárias, harmonizando-se os princípios do julgamento
objetivo e do princípio da vinculação ao instrumento convocatório com a busca
pela proposta mais vantajosa e a necessidade de utilização do formalismo
moderado, entende-se possível a correção de erros formais e materiais de fácil
constatação nas planilhas de custos, em todas as modalidades de licitação,
desde que não haja alteração do valor global da proposta e essa se mantenha
exequível.
Entendemos que alterações permitidas pelo pregoeiro na
proposta da licitante provisoriamente vencedora, através do instrumento da
DILIGÊNCIA, são promovidas em estrito cumprimento à Nova Lei de licitações. O
pregoeiro deve ainda fundamentar sua decisão na jurisprudência do Tribunal de
contas da União. Procedendo-se assim, cremos que se buscou o fim exclusivo de
se obter a proposta mais vantajosa para a administração e afastou-se o
formalismo exagerado que só traz prejuízos financeiros à Administração e,
consequentemente, à sociedade.
Quanto ao número de realizações de
diligências, devidamente fundamentadas e tornadas públicas, para ajustes e
adequações das planilhas de propostas ou documentação de habilitação, sem
alteração dos preços finais, buscando aproveitar a proposta de menor preço,
entendemos que esse número não pode ultrapassar a medida da razoabilidade de
modo a não ferir o princípio da celeridade. Tudo isso deve ser feito
respeitando sempre, o princípio da isonomia, da economicidade e da seleção da
proposta mais vantajosa para a Administração. Se alguma vez o princípio da
“vinculação ao instrumento convocatório” ou até mesmo o da “legalidade estrita”
precisar ser afastado, então, desde que fundamentado, eles poderão ser
afastados quando do sopesamento dos princípios pelo agente público.
O artigo 64 foi citado no Acórdão 988/21,
do Tribunal de Contas da União, o que nos revela a tendência daquele Tribunal,
repudiando o formalismo exagerado, na interpretação do que seria a proibição de
“apresentação de novos documentos” de
que dispõe o supracitado artigo.
Numa representação junto ao TCU, foi
verificado que o pregoeiro inabilitou uma empresa porque a mesma não apresentou
dois documentos exigidos no edital: o atestado de visita técnica ou a
declaração formal do conhecimento das condições locais de trabalho e a
declaração da concordância com as disposições do instrumento convocatório e de
seus anexos, garantindo o prazo de validade dos preços e condições da proposta.
Entre as alegações do órgão está a de que foi seguida a legislação,
especialmente os arts. 26, § 9º, 38, § 2º, e 43, § 2º, do Decreto 10.024/2019,
dispositivos que, segundo o órgão patrocinador da licitação, “vedam a anexação extemporânea de documentos
de habilitação”.
Em seu voto, no que diz respeito aos
documentos faltantes, o relator destacou que “a despeito de sua
relevância, são meras manifestações e compromissos, sendo sua ausência,
portanto, de saneamento simples e célere”. (...) “a simples verificação
da natureza dos documentos faltantes permite concluir, sem que restem dúvidas,
que estes últimos preceitos (formalismo
moderado e razoabilidade) devem
prevalecer”. Ainda, segundo o relator, “conquanto seja
fundamental no Direito Administrativo, o princípio da legalidade não é absoluto” e,
no caso concreto, “parece-me claro que sua aplicação irrestrita operou
contra a obtenção da melhor proposta e do alcance do interesse público, sendo
apropriado ponderar a aplicação da salutar flexibilização do formalismo”.
Citou o art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei 9.784/1999, o qual
estabelece como um dos critérios a serem observados em processos
administrativos a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de
obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público”. O relator pontuou ainda
que a aplicação do formalismo moderado e da razoabilidade não consistiria, em
absoluto, afronta à isonomia, pois “o licitante que comete erro sanável
e o corrige tempestivamente terá, ao fim dos procedimentos licitatórios,
demonstrado, nos termos do edital, sua capacidade de cumprir o objeto, da mesma
forma de outro participante que tenha seguido integralmente os requisitos do
instrumento convocatório desde a apresentação inicial da documentação”.
Acrescentou que o entendimento por ele externado seria harmônico com diversas e
recentes deliberações do Plenário, a exemplo dos Acórdãos 2673/2021, 2528/2021, 1636/2021 e 1211/2021. Em relação a esta última deliberação, o relator transcreveu o
seguinte excerto do voto condutor: “Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases
de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou
falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua
validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível
aos licitantes (...); sendo que a vedação à inclusão de novo documento,
prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de
Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de
condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi
juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por
equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.”.
Para o relator, seria exatamente essa a hipótese dos autos, uma vez que “ambas
as declarações ausentes retratariam condição anterior à sessão do pregão e
poderiam ser prontamente elaboradas e entregues”. E arrematou: “Enfim,
na minha compreensão, de fato, o formalismo exacerbado do pregoeiro gerou a
desclassificação indevida da ora representante”. Ao final, propôs e foi
acolhida pelo colegiado, que o órgão público se abstivesse de prorrogar o
contrato em andamento e que a entidade fosse cientificada que “nos
casos em que os documentos faltantes relativos à habilitação em pregões forem
de fácil elaboração e consistam em meras declarações sobre fatos preexistentes
ou em compromissos pelo licitante, deve ser concedido prazo razoável para o
devido saneamento, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da
razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999”.
Acórdão 988/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio
Anastasia. Fonte: TCU: INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS
Este Acórdão deixa assente o entendimento
de que o procedimento licitatório é apenas um instrumento para a consecução,
pela Administração, do interesse público. A finalidade de tudo é o interesse
público. Um certame licitatório não deve se regular pelo extremismo formal que
acaba por desviar a competição do foco central que é a satisfação do interesse
público. Assim, a eficiência, a moderação, a razoabilidade, a superioridade do
interesse público e o fato de se poder sopesar princípios impedem o cumprimento
rigoroso das formalidades e permitem que se incluam, ainda que não apresentados
oportunamente, documentos faltantes numa licitação.
Agora vejamos o inciso III do artigo 12.
Esse inciso vai ao encontro do que preceitua o § 1º do art. 64:
III - o
desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição
da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não
importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo;
Aqui, temos a busca da verdade real. Para
entende-la, precisamos fazer algumas perguntas: o que é a verdade? O que é a
verdade material, real e o que é a verdade formal?
A verdade é uma interpretação mental da
realidade transmitida pelos sentidos, confirmada por outros seres humanos com
cérebros normais e despidos de preconceitos (desejo de crer que algo seja
verdade), e confirmada por equações matemáticas e linguísticas formando um
modelo capaz de prever acontecimentos futuros diante das mesmas coordenadas.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade
A Verdade material,
real é a adequação entre o que é e o que é dito ou mostrado
num determinado momento em um determinado processo.
A Verdade formal é
a verdade do que está contido em um processo mesmo que não espelhe a verdade
material, real.
O que me é admirável é a busca, também no
Direito Administrativo, pela verdade real. A realização de diligência prevista
no §2º do artigo 42, no §2º do Art. 59 e no art. 64, todos da Nova Lei
14.133/21, é prova inconteste dessa busca nos processos administrativos. O
afastamento do formalismo exagerado e o patrocínio do princípio da formalidade
moderada, coroada no § 1º do art. 64 também vai nessa direção.
O inciso
III do artigo 12, o qual estamos nos debruçando agora, vem de forma contundente
afastar o FORMALISMO EXAGERADO.
O Tribunal de Contas da União tem dado
ênfase bastante significativa nesse sentido. Veja esse excelente artigo editado
por Franklin Brasil:
O TCU emitiu o Acórdão
n. 1211/2021-P, com a seguinte ementa:
Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim).
O pregoeiro, durante as fases de
julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou
falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua
validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível
aos licitantes, nos termos dos arts. 8º, inciso XII, alínea “h”; 17, inciso VI;
e 47 do Decreto 10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento,
prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de
Licitações (Lei 14.133/2021), NÃO ALCANÇA documento ausente, comprobatório de
condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi
juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por
equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.
Era um pregão eletrônico. O pregoeiro
permitiu envio de documentos após a sessão pública.
Auditor do TCU entendeu que isso era
errado, fundamentando em jurisprudência do Tribunal.
A direção da Selog discordou. Quis
debater o assunto com a Seges/ME.
A Seges/ME discordou da Selog. Defendeu
que o fornecedor não teria incentivo para estudar o edital, podendo sanear
documentos depois da sessão pública.
O Relator, Walton Alencar, ponderou a
vasta jurisprudência do Tribunal no sentido de que o edital não constitui um
fim em si mesmo.
Com isso, defendeu que a vedação à
inclusão de documento “que deveria constar originariamente da proposta”,
prevista no art. 43, §3º, da Lei 8.666/1993, deve se restringir ao que o
licitante não dispunha materialmente no momento da licitação.
Isso porque admitir a juntada de
documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da
sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre
as licitantes.
Além disso, para o Relator, com quem
concordo, a Lei 10.520/2002, ao descrever a fase externa do pregão presencial,
não proíbe a complementação da documentação de habilitação, tampouco veda a
inclusão de novo documento.
Ratificando esse entendimento, o art.
64, inciso I, da Lei 14.133/2021 admite expressamente a possibilidade de
diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos
existentes à época da abertura do certame. É isso que valerá daqui pra frente,
espero.
Fiquei, confesso, emocionado com a
leitura desse julgado. Primeiro, pela lucidez da conclusão, com a qual concordo
e cujo argumento já defendo há tempos, como consta da postagem no Nelca que
cito a seguir. Também me emocionou o saudável e frutífero debate de ideias e
posições dentro e fora do TCU. Isso é o que se espera de uma Administração
Pública profissional, madura e consciente.
Torço para que essa visão se consolide
em nossas repartições, hoje já não mais tão restritas às paredes que outrora
nos limitavam, físicas e filosóficas. A visão de que compra pública não é um
mero procedimento burocrático movido a Direito. Isso está longe de representar
desprezo pelas regras e normas que regem a matéria. Mas é o reconhecimento de
que, embora relevantes, as regras são apenas o meio para atingir o fim, esse,
sim, primordial, de conduzir ao melhor resultado para a sociedade.
Por Franklin Brasil
Cabe, ao bom condutor dos procedimentos
administrativos, promover essa busca da verdade real, com muita
responsabilidade, com o fim único de selecionar a melhor proposta.
Desclassificar propostas de licitante com
base em meras formalidades é ir de encontro com o pensamento moderno da
interpretação das normas. Não se deve restringir, e sim, ampliar a
competitividade e, consequentemente, buscar, atendidas as condições do edital,
a proposta mais vantajosa.
Vejamos mais acórdãos do TCU nesse
sentido:
29.O entendimento adotado pela
entidade de que diligência, ‘em qualquer tempo’, resulta necessariamente em
‘novas propostas’, com violação ao § 3° do art. 43 da Lei 8.666/93 e ao
princípio da isonomia, encontra-se amplamente ultrapassado pela moderna jurisprudência
deste Tribunal. O princípio da vinculação ao instrumento convocatório, em que
se fundamenta a posição do Sebrae/PA, deve ser utilizado em equilíbrio com
princípios maiores, como o do interesse público e o da seleção da proposta mais
vantajosa, este último consagrado no art. 3º da Lei de Licitações. O formalismo
moderado nos certames licitatórios é fortemente incentivado pelo Tribunal de
Contas da União, que compreende ser a diligência ‘medida simples que privilegia
a obtenção da proposta mais vantajosa e evita a desclassificação indevida de
propostas’
9.2.1. inabilitação indevida de licitante que havia
apresentado melhor proposta para os grupos 4 e 5 do referido pregão, sob o
argumento de ausência de comprovação do item 8.4.4.3 do edital, quando a
informação estava parcialmente disponível no registro da Anvisa para o item
grampeador cirúrgico, com indicação do número da AFE, fato apontado em recurso
dirigido ao pregoeiro, o que poderia ser confirmado mediante a realização de
diligência para complementar a informação, nos termos do art. 47 do Decreto
10.024/2019, do art. 56, § 2º, do Regulamento de Licitações da Ebserh, do item
21.10 do edital do certame e da jurisprudência desse Tribunal (a exemplo
do Acórdão
1795/2015-TCU-Plenário) , que entende
irregular a inabilitação de licitante quando a informação supostamente faltante
estiver contida em outro documento, e em observância ao formalismo moderado.
ACÓRDÃO 119/2016-TCU-PLENÁRIO,
A observância das normas e das disposições do edital,
consoante o art. 41, caput, da Lei 8.666/93, deve ser aplicada mediante a
consideração dos princípios basilares que norteiam o procedimento licitatório,
dentre eles os da eficiência e da seleção da proposta mais vantajosa. Diante do
caso concreto, e a fim de melhor viabilizar a concretização do interesse
público, pode o princípio da legalidade estrita ser afastado frente a
outros princípios.
ACÓRDÃO
Nº 1010/2021 – TCU – Plenário
(…)
1.6. Determinações/Recomendações/Orientações:
1.6.1. dar ciência ao Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – IF Sertão-PE, com fundamento no
art. 9º, inciso I, da Resolução – TCU 315/2020, sobre as seguintes
impropriedades/falhas, identificadas no Pregão Eletrônico SRP 01/2021, para que
sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências
semelhantes:
1.6.1.1. a inabilitação indevida de licitante que havia
apresentado melhor proposta para os grupos 1, 4 e 5 e 7 do referido pregão, sob
o argumento de ausência de comprovação dos itens 3.4, 9.2.1 e 9.2.2 do edital e
descumprimento do disposto no art. 26 do Decreto 10.024/2019, o que poderia ser
sanada mediante diligência, nos termos do art. 47 do Decreto 10.024/2019,
afrontou os princípios do interesse público e do formalismo moderado, e
contrariou a ampla jurisprudência deste Tribunal de Contas da União (Acórdãos
234/2021 e 2.239/2018, ambos do Plenário, entre outros);
Xxxxxxxxxxxxxxxx
É lícita a admissão da juntada de
documentos, em atendimento a diligência, durante as fases de classificação ou
de habilitação, que venham a atestar condição, que venham a atestar condição
pré-existente à abertura da sessão pública do certame (Art. 64, inciso I, da
Lei 14.133/21), sem que isso represente afronta aos princípios da isonomia e da
igualdade entre as licitantes.
Acórdão 602/2025 – Plenário.
Acórdão
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de
representação, com pedido de medida cautelar, em face de possíveis
irregularidades ocorridas no Pregão Eletrônico 90008/2024, sob a
responsabilidade da Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da
Educação, que objetivou a contratação de empresa especializada em serviços de
manutenção predial,
ACORDAM
os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, diante
das razões expostas pelo Relator, em:
9.1.
conhecer da representação, com fundamento no art. 170, § 4º, da Lei
14.133/2021, c/c o art. 237, inciso VII e parágrafo único, do Regimento
Interno/TCU, e no art. 103, § 1º, da Resolução - TCU 259/2014, para, no mérito,
considerá-la parcialmente procedente;
9.2.
indeferir o pedido de concessão de medida cautelar;
9.3.
dar ciência à Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério da
Educação, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução - TCU 315/2020,
sobre as seguintes impropriedades/falhas, identificadas no Pregão Eletrônico
90008/2024, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de
outras ocorrências semelhantes:
9.3.1.
inabilitação da licitante RCS Tecnologia S.A. por não apresentação do balanço
patrimonial de 2023, exigido no item 8.25 do termo de referência, que poderia
ter sido solicitado por meio de diligência, tendo em vista que é lícita a
admissão da juntada de documentos, durante as fases de classificação ou de
habilitação, que venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão
pública do certame, sem que isso represente afronta aos princípios da isonomia
e da igualdade entre as licitantes, contrariando o art. art. 64 da Lei
14.133/2021 e a jurisprudência do TCU, a exemplo dos Acórdão 966/2022-TCU-Plenário, relator Ministro Benjamin
Zymler, e 988/2022-TCU-Plenário, relator Ministro Antonio Anastasia; e
9.3.2.
inabilitação da licitante RCS Tecnologia S.A. por não comprovação de que
cumpriria as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para
reabilitado da Previdência Social, conforme exigência do item 8.8 do edital,
uma vez que certidão do Ministério do Trabalho e Emprego, emitida em
24.11.2024, comprovava o respectivo atendimento;
9.3.
comunicar a prolação do presente Acórdão à Subsecretaria de Assuntos
Administrativos do Ministério da Educação e à representante; e
9.4.
arquivar os presentes autos nos termos dos art. 169, II, do Regimento Interno
deste Tribunal.
Quórum
13.1. Ministros presentes: Vital do Rêgo (Presidente),
Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Aroldo Cedraz, Bruno Dantas, Jorge
Oliveira, Antonio Anastasia (Relator) e Jhonatan de Jesus.
13.2. Ministro-Substituto convocado: Marcos Bemquerer Costa.
13.3. Ministro-Substituto presente: Weder de Oliveira.
Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
DILIGÊNCIA EM QUALQUER FASE
DA LICITAÇÃO
O Parágrafo 3º do artigo 43 da 8.666/93 deve ser interpretado
juntamente com toda a legislação pertencente à matéria e seus princípios
correlatos.
Veja o que diz o citado parágrafo:
§ 3o É facultada à Comissão ou autoridade
superior, em qualquer fase da licitação, a promoção de diligência destinada a
esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedada a inclusão
posterior de documento ou informação que deveria constar originariamente da
proposta.
O dispositivo legal acima
citado (Parágrafo 3º do artigo 43 da 8.666/93) não proíbe a juntada de
qualquer documento, até mesmo porque, se a diligência é procedimento
administrativo investigatório com finalidade elucidativa, SEMPRE haverá a
necessidade de se produzir novos documentos. COMO É QUE SE PROMOVE UMA
DILIGÊNCIA QUE AO FINAL NÃO SE PRODUZ DOCUMENTO? É DILIGÊNCIA VERBAL?
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Assim, caros pregoeiros,
agentes de contratação, comissões de contratação, licitantes e “dispensantes”,
diante de uma farta jurisprudência do TCU, temos que ter muito cuidado ao
recusar uma proposta de um licitante que possui o melhor preço. Claro que existem
casos e “casos” e só analisando o caso concreto é que podemos, com base no
formalismo moderado, verificar qual princípio é o mais adequado para se atingir
a melhor contratação para o órgão e, no final, para aos anseios da sociedade.
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA
UNIÃO
NÚMERO DO
ACÓRDÃO
RELATOR
AUGUSTO SHERMAN
PROCESSO
TIPO DE
PROCESSO
REPRESENTAÇÃO (REPR)
DATA DA SESSÃO
06/10/2021
NÚMERO DA ATA
OS EFEITOS
DESSE ACÓRDÃO PODEM TER SIDO AFETADOS
POR
DECISÃO JUDICIAL
INTERESSADO /
RESPONSÁVEL / RECORRENTE
3. Interessado/Representante:
3.1. Interessado: Centro de Controle Interno da Aeronáutica.
3.2. Representante: Delurb Ambiental Ltda. (CNPJ: 24.219.106/0001-49).
ENTIDADE
Comando da Aeronáutica.
REPRESENTANTE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Não atuou.
UNIDADE TÉCNICA
Secretaria de Controle Externo de
Aquisições Logísticas (Selog).
REPRESENTANTE
LEGAL
Bruno Gomes Pessoa Mendes
(166842/OAB-RJ), representando Delurb Ambiental Ltda.
ASSUNTO
Representação sobre possíveis
irregularidades em pregão eletrônico para contratação de empresa especializada
na prestação de serviços de coleta, transporte e destinação final de resíduos
para a Odontoclínica de Aeronáutica do Aeroporto Santos Dumont.
SUMÁRIO
REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE CAUTELAR.
IRREGULARIDADES NO PREGÃO ELETRÔNICO 45/2020 PROMOVIDO PELO GRUPAMENTO DE APOIO
DO RIO DE JANEIRO DO COMANDO DA AERONÁUTICA. CAUTELAR E DETERMINAÇÃO DE OITIVA.
PROCEDÊNCIA PARCIAL DA REPRESENTAÇÃO. REVOGAÇÃO DA CAUTELAR E DETERMINAÇÃO AO
GAP-RJ PARA QUE PROMOVA A ANULAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE REFORMOU A
DECISÃO DO PREGOEIRO QUANTO À HABILITAÇÃO DA LICITANTE DELURB, QUE OFERTOU O
MENOR PREÇO, COM A CONSEQUENTE HABILITAÇÃO DA REFERIDA EMPRESA. CIÊNCIA.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes
autos de Representação com pedido de medida cautelar, por meio da qual a
licitante Delurb Ambiental Ltda. noticiou a este Tribunal alegadas
irregularidades que teriam ocorrido no Pregão Eletrônico 45/2020, promovido
pelo Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro do Comando da Aeronáutica - UASG
120039, cujo objeto é a contratação de empresa especializada na prestação de
serviços de coleta, transporte e destinação final de resíduos para a
Odontoclínica de Aeronáutica do Aeroporto Santos Dumont,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de
Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo
Relator, em:
9.1. conhecer da representação,
satisfeitos os requisitos de admissibilidade constantes dos arts. 235 e 237,
VII, do Regimento Interno deste Tribunal, e no art. 103, § 1º, da Resolução -
TCU 259/2014, para, no mérito, considerá-la parcialmente procedente;
9.2. revogar a medida cautelar adotada,
mediante o Acórdão 1636/2021-TCU-Plenário;
9.3. determinar ao Grupamento de Apoio
do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 4º, inciso I da Resolução - TCU
315/2020, que, no prazo de quinze dias, adote providências quanto ao item
abaixo, e informe ao TCU os encaminhamentos realizados:
9.3.1. promova a anulação da decisão da
autoridade competente que reformou a decisão do pregoeiro quanto à habilitação
da licitante Delurb Ambiental Ltda. no Pregão 45/2020, que ofertou o menor
preço, com a consequente habilitação da citada Empresa, tendo em vista que a
apresentação, em sede de diligência, do CAT 24097/2021 pela Empresa Delurb,
emitido em 9/3/2021, destinado a atestar condição preexistente à abertura da
sessão pública, não se configura motivo plausível para a inabilitação do
licitante, conforme entendimento firmado no Acórdão 1211/2021-TCU-Plenário, Relator Ministro Walton Alencar
Rodrigues;
9.4. dar ciência ao Grupamento de Apoio
do Rio de Janeiro, com fundamento no art. 9º, inciso I, da Resolução-TCU
315/2020, sobre a seguinte impropriedade/falha, identificada no Pregão 45/2020,
para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras
ocorrências semelhantes:
9.4.1. a exigência, contida no item
5.1.1, alínea "a", do Termo de Referência, de apresentação de
atestados de capacidade técnico-profissional em relação a todos os itens da
planilha, e não somente das parcelas de maior relevância e valor significativo,
está em desacordo com art. 30, § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993;
9.5. dar ciência desta deliberação à
representante e ao Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro; e
9.6. arquivar os presentes autos, nos
termos do art. 169, inciso V, do Regimento Interno/TCU, sem prejuízo de que a
Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) monitore a
determinação supra.
QUÓRUM
13.1. Ministros presentes: Ana Arraes (Presidente), Walton Alencar Rodrigues,
Benjamin Zymler, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro, Bruno
Dantas, Vital do Rêgo e Jorge Oliveira.
13.2. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti (Relator),
Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.
Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
A QUESTÃO FOI PARA O
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
VEJA O RESULTADO:
MANDADO DE SEGURANÇA 38.297
DISTRITO FEDERAL
RELATOR |
: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI |
IMPTE.(S) |
:LANDTEC CONSULTORIA AMBIENTAL E SERVICOS DE CONSTRUCAO CIVIL LTDA |
ADV.(A/S) |
:TABITHA NEVES DOS SANTOS E OUTRO(A/S) |
IMPDO.(A/S) |
:TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO |
PROC.(A/S)(ES) |
:ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO |
LIT.PAS. |
:DELURB AMBIENTAL LTDA |
ADV.(A/S) |
:GIORGIO PIERSON OLIBONI |
INTDO.(A/S) |
:UNIÃO |
PROC.(A/S)(ES) |
:ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO |
Trata-se de mandado de segurança com pedido de liminar
impetrado por Landtec Consultoria Ambiental e Serviços de Construção Civil
Ltda. contra ato do Tribunal de Contas da União – TCU proferido no Processo TC
016.670/2021-3 (Acórdão 2.443/2021-TCU-Plenário), por meio do qual se
determinou ao Grupamento de Apoio do Rio de Janeiro do Comando da Aeronáutica
que promova a habilitação da licitante Delurb Ambiental Ltda. no Pregão
42/2020.
Na inicial, narra-se o seguinte:
“A empresa autora participou no dia 14/12/2020,
às 10h, do Pregão Eletrônico nº 45/2020, cujo objeto é a escolha da proposta
mais vantajosa para a contratação de empresa especializada na prestação de
serviços de coleta, transporte e destinação final de resíduos para a
ODONTOCLÍNICA DE AERONÁUTICA DO SANTOS DUMONT (OASD), conforme condições,
quantidades e exigências estabelecidas no respectivo Edital e seus anexos.
No decorrer da licitação a empresa DELURB
foi equivocadamente declarada vencedora de todos os sete itens contidos no
Edital, quais sejam, serviço de Recolhimento de resíduos CLASSE II-B, CLASSE
II-A, CLASSE B, CLASSE I, grupos A e E, Efluentes, Lâmpadas e Recicláveis.
Ocorre que no dia 07/06/2021 a empresa
DELURB fora inabilitada em virtude do teor da Nota Técnica nº 003.005.2021/AJUR_SAAC/DECEA,
juntada em anexo, que se posiciona e afirma que a empresa violou o art. 26 do
Decreto 10.024/2019 (Regulamenta o pregão) em virtude da inserção de documento
novo, quando já não mais seria lícito fazê-lo, por expressa determinação
normativa.
Ato contínuo, a empresa FGP ANDRADE
TRANSPORTES E LOCACAO LTDA foi convocada, porém teve sua proposta recusada no
dia 29/06/2021 pelo seguinte motivo:
‘conforme Parecer Técnico, o qual concluiu
que o rateio alegado procede, entretanto, as discrepâncias de custos informados
para o mesmo serviço, e na mesma proposta, não se justificariam, como por
exemplo: Mão de Obra de anual na síntese de custo- R$ 642,26, e Mão de Obra
anual detalhada - R$ 2.795,53’.
Logo em seguida, no dia 30/06/2021 a
empresa autora foi convocada para enviar a proposta, mas no dia 09/07/2021 foi
informada que sessão seria suspensa por 15 dias devido a medida cautelar uma
vez que fora interposta representação no TCU.
No dia 18/10/2021 a DELURB foi novamente
habilitada pelo seguinte motivo:
‘Motivo: Informo que tendo em vista a
publicação do ACÓRDÃO Nº 2443/2021 – TCU – Plenário, a referida proposta será
aceita e habilitada.’
O referido Acórdão foi prolatado em
sentido diametralmente oposto aos pareceres técnicos da assessoria jurídica da
Aeronáutica para aceitar o CAT 24097/2021 com a justificativa de atestar
condição preexistente à abertura da sessão pública, utilizando para tanto o
acórdão 1211/2021 – TCU/Plenário, como referência” (págs. 2-3 da inicial).
Nesse contexto, a impetrante aponta que o acórdão do TCU,
ao afastar a inabilitação da empresa Delurb Ambiental Ltda., desrespeitou o
disposto nos arts. 26 do Decreto 10.024/2019 e 43, § 3º, da Lei 8.666/2002, uma
vez que
“o Pregão nº 45/2020 fora realizado no dia
14/12/2020 às 10:00h, essa era a data e horário limites para envio da
documentação exigida em edital.
Ocorre que a empresa DELURB, em total
afronta aos art. 26 do Decreto 10.024/2019 e ao art. 43, § 3º, da Lei
8.666/1993, enviou o atestado registrado no CREA-RJ sob o CAT nº 24097/2021 no
dia 11/03/2020 às 15:18h, razão pela qual esse documento não deveria ter sido
aceito e, como consequência, a empresa desclassificada.
Nesse sentido, a empresa autora junta em
anexo os dois pareceres técnicos da assessoria da Aeronáutica que corroboram
todo o exposto.
Ocorre que a empresa Delurb impetrou
representação no Tribunal de Contas da União, TC nº 016.670/2021-3, que
culminou no acórdão nº 2443/2021.
[…]
Importante salientar que esse
posicionamento não merece prosperar uma vez que a própria DELURB já deveria ter
anexado todos os documentos necessários à comprovação da aptidão do serviço no
momento adequado, repita-se, até a data e o horário estabelecidos para abertura
da sessão pública, ou seja, até 14/12/2020 às 10:00h, atendendo ao disposto na
legislação citada.
Como se não bastasse a extemporaneidade da
juntada do atestado registrado no CREA-RJ sob o CAT nº 24097/2021, o qual fora
enviado via ComprasNet em 11/03/2020 às 15:18h, portanto, em data posterior ao
início do Pregão, verifica-se que consta do próprio CAT nº 24097/2021 que a ART
nº 2020210041697 foi PAGA em 03/03/2021, quando a fase de lances do Pregão nº
45/2020 já havia sido finalizada.
Ou seja, a situação que a empresa pleiteia
ser comprobatória de sua habilitação no certame foi constituída em momento
posterior ao determinado pela legislação do Pregão, devendo ser, para fins de
direito, considerado documento novo e, portanto, insuscetível de ser juntado e
analisado no âmbito da licitação.
Tal fato demonstra que a empresa não tinha
anexado o documento até a data e o horário estabelecidos para abertura da
sessão pública, que ocorreu em 14/12/2020 às 10h, justamente porque não tinha
registrado o atestado referente ao Condomínio Sete de Setembro no CREA/RJ, bem
como resta claro que a DELURB pagou a ART em data posterior ao início do
Pregão.
Em apertada síntese, a empresa DELURB só
não anexou o CAT nº 24097/2021 na documentação enviada no dia 14/12/2020
justamente porque nessa data não possuía o CAT nº 24097/2021 registrado no
Conselho Regional de Engenharia e Agronomia CREA da região em que estava
vinculado o profissional, violando, portanto, o item 5.1.1 do Termo de
Referência” (págs. 4-6 da inicial).
Afirma estarem presentes os requisitos para a concessão de
medida liminar, nesses termos:
“O perigo da demora resta caracterizado
uma vez que, tendo chegado a termo a licitação objeto da presente Ação, com a
habilitação ilegal da licitante DELURB AMBIENTAL LTDA, corre-se o risco de se
concretizar um ajuste contratual maculado desde seu nascedouro, com claro vício
na origem. A própria Lei 8.666/1993 informa, em seu art. 39, parágrafo segundo,
que ‘a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato.’
Portanto, a manutenção do ato terá como
reflexo um contrato nulo de pleno direito, em afronta aos princípios regedores
da atividade administrativa e ao ordenamento vigente.
A fumaça do bom direito resta amplamente
comprovada em face da precisa legislação colacionada e dos anexos apresentados,
e de acordo com o demonstrado no item anterior” (pág. 9 da inicial).
Por fim, requer:
“3 A concessão da medida liminar
determinando a volta de fase do Pregão Eletrônico 45/2020 e, consequente, a
desclassificação da empresa DELURB AMBIENTAL LTDA, bem como prosseguimento do
certame com a convocação da licitante subsequente LANDTEC;
4 Caso
o contrato já tenha sido assinado, requer a
SUSPENSÃO dos efeitos para que não haja
qualquer prejuízo à Organização Militar;
5 A
confirmação da liminar, com a concessão da segurança, com a desclassificação/
inabilitação da empresa DELURB, bem como convocação/habilitação da empresa
LANDTEC; ” (pág. 9 da inicial).
Primeiramente, determinei à impetrante que emendasse a
inicial para esclarecer a autoridade impetrada e comprovar o recolhimento das
custas (documento eletrônico 18), o que foi realizado por meio da Petição
108.124/2021 (documento eletrônico 19).
Em 17/11/2021, indeferi o pedido liminar (documento
eletrônico 22). Não houve interposição de recurso (documento eletrônico 43).
A União requereu ingresso no feito (documento eletrônico
29).
A impetrante juntou o parecer 00006/2021/CNMLC/CGU/AGU
(documentos eletrônicos 32 e 33).
O Tribunal de Contas da União prestou informações
(documentos eletrônicos 35-41).
A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da
segurança (documento eletrônico 46).
A litisconsorte passiva Delurb Ambiental Ltda. apresentou
contestação (documento eletrônico 48).
É o relatório. Decido.
Conforme relatado, insurge-se a impetrante contra o Acórdão
2.443/2021 proferido pelo Plenário do Tribunal de Contas da União – TCU no TC
016.670/2021-3. Por oportuno, destaco os seguintes trechos da proposta de
deliberação do relator dos autos no TCU, a qual integra o ato impugnado:
“[...] 7. A representante, a Empresa
Delurb, inicialmente, foi habilitada para a execução dos serviços licitados em
23/3/2021, após aprovação de sua proposta de preço e exame dos documentos
apresentados relativos à habitação (peça 24). Conforme apontou a unidade
técnica, após detalhada análise da documentação apresentada pela Delurb, o
pregoeiro do GAP-RJ considerou a licitante apta para a execução dos serviços
licitados, o que levou ao indeferimento do recurso administrativo interposto
pela Landtec que questionava a habilitação da licitante melhor classificada
(Delurb).
8. No
entanto, quatro dias depois, conforme aviso publicado no portal de compras
governamentais (peça 15), o GAP-RJ entendeu necessária a comprovação da
participação do engenheiro químico, consignando a possibilidade de a licitante
ter inserido novos documentos, que, em seu entendimento, teriam sido emitidos
após a abertura do certame. Por essa razão, exigiu-se, da Delurb, a
apresentação do Manifesto de Transporte de Resíduos - MTR do serviço prestado.
9. De
acordo com a unidade jurisdicionada, a
desclassificação da representante teria
ocorrido porque o GAPRJ considerou que a empresa teria apresentado documentação
nova, com a data de emissão posterior a abertura do certame.
10. Em
sede de oitiva, o órgão aduz que a decisão do
Ordenador de Despesas em reverter a
habilitação da Empresa Delurb, realizada pelo pregoeiro, foi pautada em
assessoramento prestado pelo corpo jurídico do Departamento de Controle do
Espaço Aéreo - DECEA (peça 47), Organização Militar apoiada administrativamente
pelo GAP-RJ.
11. No
entanto, conforme anteriormente consignado na instrução da unidade técnica
(peça 27) e Despacho que determinou a medida cautelar (peça 30), entendo que a
documentação trazida pela Empresa Delurb é apenas a atestação de situação
anterior ao certame.
12. Nesse
sentido, apesar de a CAT 24097/2021 (peça 64) ter sido emitida em 9/3/2021,
esta se refere a ‘participação do Engenheiro Químico Carlos Eduardo Moreira
Garrido nos serviços descritos a partir de 3/6/2020, quando foi incluído no
quadro técnico da empresa’ (peça 64, p. 2, grifo nosso), portanto em momento
anterior à realização do certame.
13. Ademais,
conforme bem pontuado pela Selog, os pareceres jurídicos que pautaram essa
decisão, ignoram a jurisprudência mais recente do Tribunal, notadamente o
Acórdão 1.211/2021-TCU-Plenário, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues,
cujo entendimento foi:
‘Admitir a juntada de documentos que
apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do
certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o
oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida
oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta,
resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do
processo (meio) sobre o resultado almejado (fim)’.
14. Desse
modo, considero que a inabilitação da empresa Delurb foi irregular, e para que
o interesse público seja preservado, acompanho a proposta da unidade instrutiva
no sentido de que seja expedida determinação ao GAP-RJ para que promova a
anulação da decisão administrativa que reformou a decisão do pregoeiro quanto à
habilitação da licitante Delurb, que ofertou o menor preço, com a consequente
habilitação da referida empresa.
15. Além
desse ponto, a Selog identificou que o dispositivo do edital que exige os
atestados técnicos das licitantes não informa quais seriam parcelas dos
serviços consideradas na avaliação desse item, em claro desacordo com o
disposto no inciso I do § 1o do art. 30 da Lei 8.666/1993, o qual autoriza a
exigência de atestados relativos exclusivamente às parcelas de maior relevância
e valor significativo do objeto do certame.
16. Acolho,
portanto, a proposta de dar ciência ao GAP-RJ desta impropriedade, com vistas a
prevenir ocorrências semelhantes em futuras licitações realizadas pela unidade
jurisdicionada.
17. Quanto
à exigência de apresentação, em sede de diligência, de Manifesto de Transporte
de Resíduos – MTR, convém destacar que tal documento de habilitação não era
exigido no Edital do certame. A diligência objetivou atestar a execução dos
serviços pelo engenheiro químico responsável técnico indicado pela licitante.
No entanto, observa-se, no presente caso, que o MTR não foi utilizado como
embasamento para a inabilitação da proposta da Empresa Delurb pela autoridade
superior. Entendo que tal ponto deve ser considerado improcedente.
18. Assim,
deve-se revogar a medida cautelar adotada, tendo em vista as análises retro,
com a realização de determinação e ciência, na forma descrita nesta proposta de
deliberação.
Ante o exposto, manifesto-me por que o Tribunal aprove o
Acórdão que ora submeto à deliberação
deste Colegiado” (págs. 1-2 do documento eletrônico 15).
Observa-se que o Colegiado do TCU concluiu que a
documentação trazida pela Empresa Delurb é apenas a atestação de situação
anterior ao certame. Por esse motivo, e acatando a própria jurisprudência
colacionada no voto transcrito, admitiu a juntada do referido
documento e considerou a inabilitação da empresa Delurb irregular.
Constato, ainda, que o referido acórdão respeitou os
princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e a prevalência do
interesse público.
Acrescento, ainda, que, ao prestar informações, o TCU
consignou o seguinte:
“26. O Acórdão 2443/2021-TCU-Plenário
resultou de procedimento que respeitou o devido processo legal substancial.
27. Preliminarmente,
cumpre realçar que, sob pena de inviabilizar o exercício do mister
constitucional do controle externo da despesa pública delegado ao TCU, não
seria exigível desta Corte de Contas franquear contraditório a todo e qualquer
terceiro particular cujos interesses possam vir a ser afetados futura,
hipotética e eventualmente por consequências reflexas de sua atuação no
exercício da fiscalização de atos administrativos. Especialmente quando tal
atuação se dá em fases preliminares internas à Administração Pública
jurisdicionada ao TCU, como se vê no presente caso – controle de atos
desenvolvidos em procedimento licitatório, anterior à existência de vínculo
jurídico-contratual específico com qualquer pessoa jurídica. No contexto de
procedimento licitatório, restará aos licitantes, mesmo àquele ao final
classificado em primeiro lugar, mera expectativa de direito à formalização do
vínculo jurídico subjetivo (contrato), decisão sempre subordinada à
conveniência administrativa posterior.
28. Em
circunstâncias variadas, a linha adotada por este r. Supremo Tribunal Federal
tem sido exatamente a de refutar a obrigatoriedade do contraditório prévio
quando a decisão do TCU não implicar anulação/revogação de ato administrativo
específico que beneficie subjetiva e concretamente algum interessado. Veja-se,
a título de ilustração, o julgamento da Rcl 6396 AgR/DF, quando a Suprema Corte
enfatizou, no particular, a natureza do processo de contas ordinárias: […]
31. Portanto,
como regra, o contraditório é incontornável apenas nos casos em que a decisão
do TCU puder resultar em ônus específico à parte, o que se verifica em casos
como o de anular/revogar ato administrativo representativo de vínculo jurídico
concreto e subjetivo (p. ex. contrato em curso), impor penas, suprimir vantagens,
condenar ao ressarcimento de valores, restringir direitos, entre outros. O
mesmo condicionamento procedimental não se imporia se a decisão simplesmente
veiculasse determinação à Administração jurisdicionada, no sentido de adotar
providências para o cumprimento de seus deveres legais, sem que daí resultassem
obrigações a que o destinatário já não estivesse sujeito.
32. Dito
de outra forma, no caso presente não houve imposição de deveres ou restrição de
direitos a nenhum particular. A decisão de determinar à Administração do
GAPRJ/MD o saneamento de procedimento licitatório decorre do entendimento da
Corte acerca das obrigações já impostas ao ente pelo ordenamento jurídico,
razão por que não se vislumbra, com a decisão do TCU em tela, prejuízo a terceiros
particulares apenas pleiteantes de futura e incerta contratação que dali
poderia derivar. Em situações do tipo, não custa referenciar o princípio
expresso em normas variadas de que, sem prejuízo, não há razão para reconhecer
nulidade processual (p. ex., RI/TCU, art. 171, caput; CPC, art.
282, §1º; CPP, art. 563).
33. Nesse
contexto, não seria exigível do TCU abrir contraditório à empresa ora
impetrante. Ademais, como antes consignado, embora confrontada com as
consequências da decisão do TCU no âmbito do certame em curso, haja vista que a
liminar foi formalmente comunicada à Administração do GAP-RJ/MD em 7/7/2021 e a
ela foi dado imediato cumprimento (considerando-se novamente habilitada a
empresa Delurb), a ora impetrante não se dirigiu ao TCU para postular seu
ingresso como parte interessada nos autos do processo de controle externo no
âmbito do qual referida decisão havia sido prolatada (TC-016.670/2021-3), o que
lhe habilitaria a exercer o contraditório e a ampla defesa perante a Corte de Contas.
34. De
outro lado, aí sim, à Administração licitante (GAPRJ/MD) foi franqueado o
contraditório mediante regular notificação acompanhada da completa descrição da
situação fática em apuração e das possíveis consequências jurídicas que dela poderiam
derivar [doc. 2 em anexo]. Ademais, o contraditório foi efetivamente exercido
por aquela Administração junto ao TCU, pois formalizou substanciosa defesa de
seus atos no certame questionado e produziu as provas que lhe convinha. Ao
final, regularmente notificada da decisão de mérito, informou acatamento das
determinações proferidas pelo TCU (doc. 4 em anexo).
35. Referidos
elementos de defesa foram analisados de forma fundamentada pela unidade técnica
do TCU especializada na fiscalização de aquisições logísticas (Secretaria de
Controle Externo de Aquisições Logísticas – Selog/TCU), de forma a evidenciar a
irregularidade da decisão que inabilitou a licitante Delurb, formuladora da
proposta melhor classificada, com base em interpretação excessivamente
restritiva e apegada à letra de dispositivos isolados do instrumento
convocatório que veiculavam regras procedimentais (prazos para apresentação de
documentos úteis ao julgamento da capacidade técnica da licitante).
36. Reportamo-nos
à íntegra do Relatório e da Proposta de Deliberação (voto do Relator) que dão
suporte e integram a referida decisão do TCU, sem prejuízo de transcrevermos
aqui os seguintes excertos (destacou-se): […]
37. Como
se vê, a decisão que dirigiu determinações corretivas à Administração licitante
(GAP-RJ/MD) encontra-se devidamente fundamentada nos elementos coligidos aos
autos do processo de representação TC-016.670/2021-3 pela representante
(empresa Delurb), pela unidade técnica do TCU e pela própria Administração no
exercício do contraditório/ampla defesa. Repise-se que, mesmo tendo tomado
inequívoco conhecimento (via atos da Administração do GAP-RJ/MD registrados nas
atas do procedimento licitatório) das decisões do TCU com repercussão no
certame do qual participava, a empresa Landtec (ora impetrante) não procurou se
habilitar como parte interessada nos autos perante o TCU.
38. Nota-se
que o TCU adotou postura equilibrada no sentido de desapegar-se de extremada
leitura do princípio da vinculação ao instrumento convocatório (meio),
notadamente quando tal medida se revela contrária ao interesse público visado
em todo procedimento da espécie – seleção da proposta mais vantajosa (fim). Tal
interpretação revela-se razoável e consentânea com precedentes deste e. Supremo
Tribunal Federal, proferidos segundo apreciação conjunta de todo o tecido
normativo regente das aquisições públicas, desde o art. 37, XXI, da
Constituição Federal, passando pela Lei 8.666/1993, art. 3º e pela Lei
10.520/2002. Dentre tantos, colhem-se os seguintes para ilustrar (destacou-se):
[…]
39. Assim,
evidencia-se a legalidade e a legitimidade do Acórdão 2443/2021-TCU-Plenário,
por meio do qual, mediante o devido processo legal, foi determinada providência
no sentido de sanear ato ilegítimo da Administração gestora do certame
licitatório, de forma a restaurar a habilitação da licitante que houvera
ofertado a proposta mais vantajosa (empresa Delurb). Nesse quadro, resta apenas
concluir que a atuação do TCU no caso em tela deu-se no perímetro traçado pela
Constituição Federal, pela Lei 8.443/1992 e por precedentes desta e. Suprema
Corte e resultou, concretamente, na materialização da finalidade essencial a
ser alcançada em todo procedimento de aquisição custeada com recursos do Tesouro
Nacional” (págs. 15-32 do documento eletrônico 36; sem os grifos do original).
Assim, fica claro que a Corte de Contas, amparada em seu
dever constitucional de fiscalização contábil, financeira e orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e
indireta (art. 70, caput, da CF), decidiu a controvérsia com
fundamento em sua própria orientação jurisprudencial e no art. 47, caput,
do Decreto 10.024/2019, que assim dispõe:
“Art. 47. O pregoeiro poderá, no
julgamento da habilitação e das propostas, sanar erros ou falhas que não
alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica,
mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, e
lhes atribuirá validade e eficácia para fins de habilitação e classificação,
observado o disposto na Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999”.
Ressalto, ainda, que para eventual discordância da
conclusão alcançada a respeito da natureza da documentação trazida pela Empresa
Delurb seria necessário reanalisar o mérito e as provas constantes no processo,
o que não é cabível pela via estreita do mandado de segurança.
Nesse sentido, ante a inviabilidade de dilação probatória
em mandado de segurança, o Poder Judiciário somente examina a legalidade do ato
coator, possíveis vícios de caráter formal ou atos que atentem contra o
princípio constitucional do devido processo legal.
Na espécie, não é possível reconhecer a ocorrência das
hipóteses supratranscritas, uma vez que a autoridade dita coatora atuou nos estritos
termos de sua competência legal e constitucional. Assim, constato a ausência de
qualquer vício no ato impugnado que pudesse caracterizar ofensa a direito
líquido e certo da impetrante, sob nenhum dos aspectos por ela sustentado.
Com efeito, esta Corte, em sucessivas decisões, a exemplo
daquela proferida no RE 269.464/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, já
assinalou que o direito líquido e certo, capaz de autorizar o ajuizamento do
mandado de segurança, é, tão somente, aquele que concerne a fatos
incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca.
A pretensão da impetrante, portanto, refoge aos estreitos
limites do mandamus, em razão da ausência de liquidez e certeza do
direito pleiteado. Nesse sentido, como bem lembrou Celso Antônio Bandeira de
Mello,
“[c]onsidera-se líquido e certo o direito,
independentemente de sua complexidade, quando os fatos a que se deva aplicá-lo
sejam demonstráveis de plano; é dizer, quando independam de instrução probatória,
sendo comprováveis por documentação acostada quando da impetração da segurança
ou, então, requisitada pelo juiz a instâncias do impetrante, se o documento
necessário estiver em poder de autoridade que recuse fornecê-lo (art. 6º,
parágrafo único, da Lei 1.533) (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 837-838).
No mesmo sentido, cito trecho do parecer proferido pela
Procuradoria-Geral da República:
“Não se verificam as ilegalidades apontadas
pelo impetrante no Acórdão nº 2443/2021. Ao contrário, este se pautou na letra
da lei (art. 47, caput, do Decreto n. 10.024/20193) e no
afastamento do formalismo exacerbado em prol do interesse público (escolha da
melhor proposta).
Além disso, ao que consta, se tratava da
juntada de certidão (CAT) cujo objetivo era apenas de atestar condição
preexistente à abertura da sessão pública, o que não fere o princípio da
isonomia e igualdade entre os licitantes, até mesmo porque a licitação não é um
concurso de destreza destinado a selecionar o melhor cumpridor de edital, mas
sim a seleção da melhor proposta para a Administração.
Destarte, não se verificam as condições
necessárias à concessão da segurança, tendo em conta que ‘a noção de direito
líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídicoprocessual, ao
conceito de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível
de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída’ (MS
26.552 AgR-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal
Pleno, DJe
16.10.2009)”
Isso posto, denego a segurança.
Publique-se.
Brasília, 30 de março de 2022.
Ministro Ricardo Lewandowski
Relator
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1. No regime de contratação integrada
da Lei 12.462/2011 (RDC), embora o detalhamento do BDI deva ocorrer
preferencialmente por ocasião da apresentação do projeto básico, não configura
irregularidade o edital da licitação exigi-lo durante o certame, juntamente
com as propostas dos licitantes. Contudo, a não apresentação do detalhamento é
falha sanável, devendo ser conferida ao licitante a oportunidade de saneamento
de sua proposta, em observância aos princípios do formalismo moderado, da
competitividade, da economicidade, do interesse público, da razoabilidade e da
proporcionalidade.
O
Plenário do TCU analisou pedido de reexame interposto por consórcio de empresas
contra o Acórdão
2.531/2022-Plenário, proferido em
sede de representação noticiando irregularidade no âmbito do processo
licitatório RDC 1/2021, conduzido pelo Município de Ponta Grossa/PR com
recursos da União recebidos mediante termo de compromisso, para a contratação
de pessoa jurídica para a elaboração de projeto básico, projeto executivo e
execução de obras de melhorias na infraestrutura do aeroporto daquela
municipalidade. Por intermédio da representação, o Tribunal discutiu a necessidade
de os licitantes, no regime da contratação integrada, instituído pelo Regime
Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), apresentarem detalhamento da
composição da taxa de BDI (benefícios e despesas indiretas) apenas por ocasião
da apresentação do projeto básico e/ou do projeto executivo, e não no momento
da oferta da proposta de preço, como fora definido no edital do certame em
comento. Na etapa processual anterior, prevaleceu o entendimento de que a
desclassificação da melhor proposta ofertada no certame pelo descumprimento do
edital fora indevida, tendo em vista que, conforme precedentes do Tribunal, “no
regime de contratação integrada é exigível a apresentação do detalhamento da
composição do BDI apenas por ocasião da apresentação do projeto básico e/ou do
projeto executivo, não sendo necessário exigir-se tal detalhamento no momento
da apresentação da proposta de preço”. Além disso, a ausência do
detalhamento do BDI no momento da entrega das propostas de preço poderia ser
considerada vício sanável, a ser corrigido, por exemplo, com a realização de
diligência, em observância aos princípios do formalismo moderado e da
razoabilidade. Por conta da irregularidade, o Tribunal determinou ao município
de Ponta Grossa/PR que anulasse a decisão de desclassificação do primeiro
colocado, bem como tornasse nulos a adjudicação do objeto ao consórcio, segundo
colocado, e o contrato decorrente do certame.
Inconformado, o consórcio interpôs pedido de reexame, alegando, em
síntese, que a inabilitação em questão fora adequada, uma vez que o licitante
provisoriamente classificado em primeiro lugar não atendera exigência do
edital. Depois de analisar os argumentos da recorrente, a unidade técnica
propôs negar provimento ao recurso, considerando ser indevida a exigência editalícia,
uma vez que ela não consta da Lei 12.462/2011 e que, conforme previsto no art.
2º, parágrafo único, inciso VI, da mencionada lei e em precedentes do TCU, a
planilha de BDI deveria constar apenas do projeto básico. Ao se manifestar no
voto, o relator acolheu o exame realizado pela unidade técnica, contudo
registrou discordância pontual quanto ao entendimento “de que
seria ilegal, quando adotado o regime de contratação integrada do RDC, exigir a
apresentação da composição do BDI por ocasião da apresentação da proposta dos
licitantes”. O ministro asseverou que não via “nenhum impedimento para
que tal exigência conste do edital, embora tal questão não seja determinante
para a apreciação do recurso ora em exame. Com efeito, existem inúmeros
precedentes desta Corte de Contas reconhecendo que a composição de BDI deve ser
apresentada por ocasião da apresentação do projeto básico, mas não há um
entendimento que afirme peremptoriamente ser ilegal a exigência no momento da
licitação”. O relator sustentou que a “apresentação de um orçamento
detalhado pelo construtor, por ocasião da entrega da submissão do projeto
básico ao órgão contratante, é condição indispensável para o posterior
acompanhamento da execução contratual, pois, apesar de os aditamentos
contratuais serem em regra vedados, pode haver situações supervenientes em que
os riscos alocados ao contratante sejam materializados, ensejando a celebração
de aditivos contratuais. Sem a prévia apresentação do orçamento detalhado, a
análise da alteração do valor contratual terá a confiabilidade definitivamente
comprometida”. Na sequência, afirmou que a “lógica existente na
exigência de apresentação da composição do BDI por ocasião da entrega do
projeto básico acaba por demonstrar ser de pouca utilidade prática a exigência
deste documento na fase de apresentação das propostas, quando ainda não se
dispõe dos projetos da obra e, por conseguinte, de condições de estabelecer com
boa acurácia o custo de execução do empreendimento. Assim, a apresentação do
detalhamento do BDI, informando rubricas como taxa de lucro, nada mais é do que
uma mera expectativa por parte do licitante, pois a concretização da
remuneração almejada só ocorrerá quando o projeto for desenvolvido e o custo de
execução da obra puder ser aferido com elevada precisão”. E, prosseguindo
em sua análise, destacou que no regime de contratação integrada do RDC é “desprovida
de maiores finalidades práticas a exigência do detalhamento do BDI no momento
de formulação das propostas. No entanto, tal exigência não pode ser considerada
ilegal. Se assim o fosse, a própria Súmula 258 do TCU estaria eivada da mesma
ilegalidade, já que a Lei 8.666/1993 também não prevê expressamente a
apresentação da composição do BDI pelos licitantes no momento de formulação de
suas propostas”. E concluindo quanto à exigência sustentou “que o
detalhamento do BDI na contratação integrada deve ocorrer preferencialmente por
ocasião da submissão do projeto básico pelo construtor ao órgão contratante. No
entanto, não se pode refutar o entendimento de que a composição do BDI seja
apresentada durante o próprio certame pelo licitante que estiver
provisoriamente classificado em primeiro lugar, a exemplo do que ocorreu no
âmbito do RDC 1/2021”. Quanto à desclassificação da proposta da empresa por
não ter sido apresentada a planilha com o detalhamento do BDI, o relator
considerou o ato da comissão indevido, uma vez que não foi conferida à
licitante a oportunidade de sanear sua proposta, “como aliás está
expressamente previsto no regulamento do RDC (Decreto 7.581/2011)”, no seu
art. 6º, §§ 1º e 2º. Esse procedimento, nas palavras do relator, “seria mais
do que indicado, dada a diferença da ordem de R$ 1,7 milhão entre a proposta
mais vantajosa (da [representante]) e o contrato que acabou celebrado com o [consórcio]”,
asseverando que a desclassificação do licitante provisoriamente classificado em
primeiro lugar “contraria os princípios da competitividade, economicidade,
do interesse público, da razoabilidade e da proporcionalidade, assim como é
contrário ao objetivo de selecionar a proposta apta a gerar o resultado de
contratação mais vantajoso para a administração pública”, típica situação
em que se deveria ponderar os princípios e os objetivos da licitação. Em
reforço aos seus argumentos, o relator fez referência ao art. 20 da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) e asseverou: “entendo que
o órgão licitante deve ponderar os resultados práticos de sua decisão, o que,
no caso concreto, implicaria contratar uma proposta mais cara por conta do
excesso de formalismo no exame da documentação do participante do certame que
ofertou as melhores condições, o que não se coaduna com a situação de um país
tão carente de recursos como o Brasil”. Por fim, após lembrar que o
procedimento licitatório não representa um fim em si, mas um meio que busca o
atendimento das necessidades públicas, o relator transcreveu a seguinte ementa
da jurisprudência do TCU, extraída do Acórdão
1211/2021-Plenário: “Admitir a
juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à
abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e
igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do
licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus
documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do
interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado
almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou
habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância
das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão
fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes, nos termos dos
arts. 8º, inciso XII, alínea "h"; 17, inciso VI; e 47 do Decreto
10.024/2019; sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art.
43, §3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei
14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida
pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os
demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o
qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”. Desse modo, seguindo
o voto do relator, o Plenário negou provimento ao mérito do recurso.
Acórdão
2351/2023 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Benjamin Zymler.
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DENÚNCIA.
PREGÃO REALIZADO PARA LOCAÇÃO DE ESTRUTURA PARA MONTAGEM DE AMBULATÓRIO
PROVISÓRIO PARA TRATAMENTO DE PACIENTES COM SINTOMAS GRIPAIS. FRAUDE À
LICITAÇÃO. RETENÇÃO DEFINITIVA DO VALOR IMPUGNADO. MULTA. DECLARAÇÃO DE
INIDONEIDADE DE LICITANTES
(...)
...........................................................................................................................................
Análise
17.18 Os
argumentos do responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli
não são suficientes para afastar a irregularidade constatada.
17.19 Conforme
a instrução da peça 49, a inabilitação dessa empresa, que apresentou a proposta
de menor valor, teria se baseado em mera formalidade, a falta de assinatura
digital na proposta inicial, sem que lhe fosse dada a oportunidade de sanear a
falha. Conforme as razões de justificativas ora apresentadas pelo então
pregoeiro, a inabilitação teria decorrido do fato de que a proposta de preços
inicial, apesar de registrada no sistema, não teve o seu arquivo também anexado
ao sistema para posterior juntada ao processo físico da licitação. Nas duas
hipóteses o fundamento da inabilitação seria o item 6.10 do edital, que assim
registra (peça 72, p. 4-5 e peça 3, p. 6):
6.10. As licitantes arcarão com todos os custos decorrentes
da obtenção e apresentação dos documentos para habilitação, a proposta de
preços inicial e os documentos de habilitação deverão ser anexados
concomitante ao registro da proposta no sistema, as declarações e proposta
inicial deverão ser assinadas digitalmente através de assinatura digital,
para conferir aos mesmos autenticidade e integridade. (Grifo nosso)
17.20 Analisando
a manifestação do pregoeiro sobre a intenção de recurso que tratou da
inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli, percebe-se que é mencionado o item
6.10, não ficando claro se a razão foi apenas a ausência de assinatura digital
ou ausência de anexação da proposta inicial, conforme transcrito a seguir:
Justificativa: Boa tarde senhor licitante, realmente a
empresa GM FEITOSA EIRELI está em conformidade com os itens 8.5 e 8.7 do
edital, porém o motivo de inabilitação da empresa supracitada é referente ao
item 6.10 do edital, item claro e objetivo. “6.10. As licitantes arcarão com
todos os custos decorrentes da obtenção e apresentação dos documentos para
habilitação, a proposta de preços inicial e os documentos de habilitação
deverão ser anexados concomitante ao registro da proposta no sistema, as
declarações e proposta inicial deverão ser assinadas digitalmente através de
assinatura digital, para conferir aos mesmos autenticidade e integridade”. Esse
item tem amparo legal no art. 26 do decreto 10.024/19, ao qual pode ser
consultado pela licitante a qualquer momento via internet. (...)
17.21 De
toda forma, a falha da empresa em não ter anexado a proposta inicial no sistema
ou a ausência da assinatura digital seria facilmente sanável a partir da
provocação do pregoeiro para que regularizasse a situação, em especial por
estar relacionada ao procedimento de apresentação da proposta e não ao seu
conteúdo.
17.22 O art. 26 do Decreto 10.024/2019,
mencionado pelo pregoeiro e que trata da apresentação
da proposta e dos documentos de habilitação pelo licitante via sistema
(parágrafo 17.8 desta instrução), dispõe em seu §
6º que “Os licitantes poderão retirar ou
substituir a proposta e os documentos de habilitação anteriormente inseridos no
sistema, até a abertura da sessão pública”.
17.23 Desse
modo, até a abertura da sessão pública, falhas formais relacionadas ao
encaminhamento da proposta pelo licitante no sistema
poderiam ter sido sanadas. Até mesmo
erros materiais podem ser sanados, conforme entendimento constante do Voto do
Acórdão 1.734/2009-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, o
qual considerou que a desclassificação de licitantes por conta de erro
material na apresentação da proposta, além de ter ferido os princípios da
competitividade, proporcionalidade e razoabilidade, “constituiu excesso de
rigor por parte do pregoeiro, haja vista que alijou do certame empresas que ofertavam
propostas mais vantajosas, com ofensa ao interesse público”.
17.24 Nesse
sentido, a instrução da peça 49 informa ser assente neste Tribunal que o
processo licitatório é pautado pelo formalismo moderado e pela busca da verdade
material, consoante enunciados de decisões deste TCU transcritos no despacho do
relator (peça 14), a exemplo do enunciado do Acórdão 357/2015-TCU-Plenário, da
relatoria do Ministro Bruno Dantas:
Falhas formais, sanáveis durante o
processo licitatório, não devem levar à desclassificação da licitante. No curso de procedimentos
licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do
formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e
suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos
direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo
sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à
proteção das prerrogativas dos administrados. (Grifamos)
17.25 Outro
entendimento similar é o do Voto do Acórdão 369/2020-TCU-Plenário, da relatoria
do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer:
15.
Cumpre ressaltar que caso a exigência ora questionada estivesse explicitamente
prevista no edital, o que não ocorreu, não é possível a interpretação de que a
melhor proposta deveria ser desclassificada com base, restritamente, na
aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, pois tal princípio
não se sobrepõe aos princípios do formalismo moderado, da supremacia do
interesse público, da economicidade, da seleção da proposta mais vantajosa e da
obtenção da competitividade.
16.
Nesse sentido, trago à baila trecho do Voto do Ministro Benjamin Zymler, que
embasou o recente Acórdão 898/2019-TCU-Plenário e que tratou
de situação similar a que ora se analisa:
'13.
Conforme deixei consignado no estágio anterior deste processo, em face
do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse público, que
permeiam os processos licitatórios, o fato de o licitante apresentar proposta
com erros formais ou vícios sanáveis não enseja a sua desclassificação, podendo
ser corrigidos com a apresentação de nova proposta desprovida dos erros.
Nesse sentido, há remansosa jurisprudência desta Corte de Contas, a exemplo
do Acórdão 2239/2018-TCU-Plenário, em que o TCU
entendeu ser irregular a desclassificação de proposta vantajosa à administração
por erro de baixa materialidade que possa ser sanado mediante diligência, por
afrontar o interesse público. (Grifo no original)
17.26 Menciona-se
ainda o entendimento do Voto condutor do Acórdão 1.758/2003-TCU-Plenário, da
relatoria do Ministro Walton Alencar
Rodrigues:
Ressalto, preliminarmente, que o edital não
constitui um fim em si mesmo. Trata-se de instrumento para a consecução das
finalidades do certame licitatório, que são assegurar a contratação da proposta
mais vantajosa e a igualdade de oportunidade de participação dos interessados,
nos precisos termos do art. 3º, caput, da Lei 8.666/93.
Assim, a interpretação e aplicação das regras
nele estabelecidas deve sempre ter por norte o atingimento das finalidades da
licitação, evitando-se o apego a formalismos exagerados, irrelevantes ou
desarrazoados, que não contribuem para esse desiderato.
17.27 Diante
do exposto, deve haver a prevalência do
conteúdo sobre o formalismo extremo e a aplicação das regras estabelecidas no
edital deve sempre buscar o atingimento da finalidade da licitação, que é a
seleção da proposta mais vantajosa.
17.28 De
acordo com a referida instrução da peça 49, a conduta do pregoeiro contrariou o
art. 64, §1º, da Lei 14.133/2021, o qual
determina que, “na análise dos documentos de
habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não
alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho
fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins
de habilitação e classificação.” A mesma instrução registra que o
pregoeiro contrariou ainda o art. 12, inciso III, da mesma lei, que prevê que
“o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a
aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua
proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do
processo”.
17.29 Com
relação a esses pontos, cabe mencionar que o responsável afirma que o município
de Brejo/MA, na época do procedimento em questão, observava a Lei 8.666/1993
para a realização de seus procedimentos licitatórios, e que ainda hoje a
observa, pois conforme o art. 193 da nova lei de licitações (Lei 14.133/2021),
a Lei 8.666/1993 só será totalmente revogada após dois anos da publicação
oficial da nova lei.
17.30 De
fato, o edital indica expressamente estar sob a égide da Lei 8.666/1993 (peça
2, p. 2), a qual não possui dispositivos que tratem de matéria equivalente aos
mencionados artigos da Lei 14.133/2021 (saneamento de falhas meramente
formais). Soma-se a isso o fato de a nova lei ter sido publicada em 1°/4/2021,
mesmo mês de publicação do edital, datado de 15/4/2021 (peça 2, p. 15). Ainda assim, deve-se destacar que a audiência do
responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli não se fundamentou apenas na Lei 14.133/2021, mas também no art. 37, inc. XXI da Constituição
Federal/1988; nos arts. 2º e 3º da Lei 8.666/1993; e nos Acórdãos 830/2018, da
relatoria do Ministro-Substituto André Luis de Carvalho, 2.872/2010, da
relatoria do Ministro José Mucio Monteiro, e 357/2015, da relatoria do Ministro
Bruno Dantas, todos do Plenário desta Corte de Contas e que tratam do tema
formalismo moderado.
17.31 Em
relação à aceitação de atestado de capacidade técnica com objeto distinto do
edital, a instrução da peça 49 destacou que o pregoeiro não teve o mesmo rigor
com a formalidade documental ao analisar o atestado apresentado pela empresa
que foi a vencedora do certame, que trazia a seguinte declaração: “Declaro para
os devidos fins e direito que a Empresa RICARDO F. DOS SANTOS NETO (...)
realiza eventos como: Carnaval, Festas Juninas e Aniversario da Cidade, entre
outros, desde 2009” (peça 49, p. 5).
17.32 Relatou
que tal atestado foi aceito sem qualquer ressalva e que a Prefeitura de
Brejo/MA, em sua manifestação em resposta à oitiva efetuada (peça 42), alegou
que esses eventos utilizam estruturas compatíveis com as características dos
itens licitados no certame em questão e que, conforme a declaração, a empresa
possuía experiência de mais de 12 anos. Ademais, informa que a prefeitura
argumentou que, consoante o art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993, a
comprovação de aptidão deve ser para desempenho de atividade “pertinente e
compatível em características” (peça 49, p. 9).
17.33 Após
a análise das explicações oferecidas, a referida instrução considerou que elas
não poderiam ser aceitas sem ressalvas, tendo em vista que uma empresa que
realiza eventos pode alugar a estrutura de cercas e grades de outra empresa.
Assim, não poderia se afirmar que teria esse equipamento para fornecer
diretamente para a prefeitura. Ao fim, contudo, ponderou que poderia ser aceito
atestado de capacidade técnica com características compatíveis, como a
realização de eventos (peça 49, p. 10).
17.34 Nas razões de justificativas ora
apresentadas, o responsável traz julgados desse TCU no sentido da suficiência
de atestado de capacidade técnica que comprove a responsabilidade por
empreendimento de características compatíveis ou de natureza similar ao objeto licitado,
sob pena de ficar configurada restrição à competitividade no certame. Alega
ainda ter realizado pesquisas nos sites do TCE/MA e Sacop e constatado que a
empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possuía várias contratações com outros
municípios, em certames de objetos similares, afirmando que os objetos
licitados são os mesmos utilizados em realização de festas e eventos. Conforme
registra, essas informações teriam sido utilizadas para certificar a legítima
capacidade técnica da referida empresa para a prestação dos serviços licitados.
No entanto, tais pesquisas não foram acostadas aos autos.
17.35 Em consulta à internet sobre a
referida empresa, pode-se verificar a sua participação em licitações cujo
objeto é relacionado a eventos (Ata de abertura e julgamento da documentação e
proposta – Convite 006/2019 da Prefeitura de São Bernardo/MA, Aviso de
adjudicação PE 10 e 11/2019 da Prefeitura de Brejo/MA, e Extratos de contratos
com Município de Campo Largo do Piauí/PI, peça 105), incluindo serviços de montagem
de palco e de iluminação. Não estavam disponíveis, porém, os termos de
referência dos editais ou os respectivos contratos, de modo a se verificar a
necessidade da montagem de estruturas semelhantes às contratadas por meio do
certame em questão.
17.36 Conforme pesquisa no portal da
transparência da Prefeitura de Brejo/MA
(https://www.transparencia.brejo.ma.gov.br/acessoInformacao/contratos/contratos),
foram identificados 28 contratos da citada empresa com a prefeitura no período
de 2/2017 a 6/2020, para execução de eventos como carnaval, festa junina,
aniversário da cidade, de ações de publicidade e divulgação de ações do
governo, entre outros objetos (peça 106). Não foi possível, porém, acessar os
documentos correspondentes, pois retornavam mensagens de erro.
17.37 De fato, o atestado apresentado pela
empresa é genérico, não detalhando os itens já fornecidos, como ocorre com os
apresentados pela empresa GM Feitosa Eireli (peça 36, p. 139-142). Por outro
lado, há que se considerar que a empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possui
experiência em eventos que normalmente requerem a montagem de estruturas, como
por exemplo, aniversários de cidades; que já havia sido contratada em outras
oportunidades pela Prefeitura de Brejo/MA; e que conforme consta no seu cadastro
na Receita Federal do Brasil, possui como atividade econômica secundária o
aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário (peça 36,
p. 90).
17.38 Por
todo exposto, considera-se que as razões de justificativa do responsável devem
ser acolhidas parcialmente, por se entender que houve a inabilitação
indevida da empresa GM Feitosa Eireli, em razão de mera formalidade, mas que a
aceitação de atestado de capacidade técnica da empresa Ricardo F dos Santos
Neto ME não foi completamente desprovida de razoabilidade. Dessa forma,
propõe-se a aplicação da multa do art. 58, II, da Lei 8.443/1992 apenas quanto à
primeira conduta (inabilitação indevida da empresa GM Feitosa Eireli).
(...)
................................................................
9. Acórdão:
VISTOS,
relatados e discutidos estes autos de denúncia a respeito de possíveis
irregularidades ocorridas no Município de Brejo/MA, relacionadas a pregão
eletrônico realizado para locação de estrutura para montagem de
ambulatório provisório para tratamento de pacientes com sintomas gripais,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da
União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1.
conhecer da presente denúncia, satisfeitos os requisitos de admissibilidade
previstos nos arts. 234 e 235, do Regimento Interno deste Tribunal, c/c art.
113, § 1º, da Lei 8.666/1993 e no art. 103, § 1º, da Resolução – TCU 259/2014,
para, no mérito, considerá-la procedente;
9.2. acolher as razões de justificativa apresentadas
pela empresa AFR Eventos e Locações Ltda.;
9.3. rejeitar as razões de justificativa
apresentadas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro,
Gilberto da Costa e Magno Lorenzzo Souza dos Santos, aplicando-lhes a multa
prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992, nos seguintes termos:
Responsável |
Valor (R$) |
Pollyanna Martins Castro |
79.000,00 |
José Farias de Castro |
79.000,00 |
Gilberto da Costa |
79.000,00 |
Magno Lorenzzo Souza dos Santos |
50.000,00 |
9.4. fixar o prazo de 15 (quinze) dias, a
contar das datas das notificações, para que os responsáveis de que trata o
subitem anterior comprovem, perante o Tribunal (arts. 214, inciso III, alínea
“a”, e 269 do RI/TCU), o recolhimento da referida quantia aos cofres do Tesouro
Nacional, atualizada monetariamente, quando paga após seu vencimento, desde a
data de prolação deste acórdão até a do efetivo recolhimento, na forma da
legislação em vigor;
9.7. considerar grave as infrações
cometidas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro e Gilberto
da Costa, inabilitando-os para o exercício de cargo em comissão ou função de
confiança no âmbito da Administração Pública pelo período de cinco anos, nos
termos do art. 60 da Lei 8.443/1992;
9.8. rejeitar as alegações das empresas
Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda., M.R. de Melo Gomes Locações e
Serviços Eireli, MPL de Sousa – ME e Ricardo F dos Santos Neto ME de forma a,
com fulcro no art. 46 da Lei 8.443/1992, declará-las inidôneas para participar
de licitação e contratar com a Administração Pública Federal ou de certame no
qual haja utilização de recursos federais, nos seguintes prazos:
Empresa |
Período |
Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda. |
2 anos |
MPL de Sousa – ME |
2 anos |
M.R. de Melo Gomes Locações e Serviços Eireli |
2 anos |
Ricardo F dos Santos Neto ME |
5 anos |
9.9.
com fundamento no art. 250, II, do RITCU, determinar à Prefeitura
Municipal de Brejo/MA que adote as providências de sua competência com vistas a
formalizar a retenção definitiva do valor de R$ 81.240,00 no âmbito do
Contrato PE nº 009/2021, correspondente à diferença entre o valor contratado
pela prefeitura municipal e a proposta de menor valor apresentada no Pregão
Eletrônico 9/2021, de modo que o pagamento à empresa contratada limite-se ao
montante total de R$ 328.800,00, equivalente à proposta mais vantajosa do
referido certame, comunicando-as ao Tribunal em sessenta dias, com a respectiva
documentação comprobatória, em atenção ao art. 37, inc. XXI da Constituição Federal/1988
e ao art. 3º da Lei 8.666/1993;
9.10. dar ciência deste acórdão à Prefeitura
Municipal de Brejo/MA e ao Ministério Público Federal no estado do Maranhão.
10. Ata n° 24/2023 – Plenário.
11. Data da Sessão: 14/6/2023 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na
Internet: AC-1217-24/23-P.
XXXXXXXXX
Caros pregoeiros e licitantes, a
melhor fonte de conhecimento sobre licitações se chama TCU - Tribunal de Contas
da União. Leiam atentamente os acórdãos do TCU, pois eles trazem ensinamentos e
recomendações importantíssimos, e tenham a certeza de estarem realizando um
grande serviço à sociedade.
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Artigo 1º da Lei 14.133/21.
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