No regime de contratação integrada,
é irregular a alteração de valores contratuais em decorrência de acréscimos de
quantidades por imprecisão nos projetos, pois, nesse regime de contratação,
acréscimos de tal natureza configuram risco alocado ao contratado (arts. 6º,
inciso XXXII, e 133 da Lei 14.133/2021; arts. 43 e 81 da Lei 13.303/2016).
No
relatório da fiscalização realizada com o objetivo de analisar a conformidade
do edital da licitação RCE 2/2023, a cargo da Companhia Docas do Rio de
Janeiro, atualmente denominada Autoridade Portuária do Rio de Janeiro
(PortosRio), tendo como objeto a execução de “obra de dragagem por
resultado, para adequar a infraestrutura aquaviária de acesso ao Complexo
Portuário do Rio de Janeiro/RJ, compreendendo ainda a elaboração dos projetos
básico e executivo de dragagem, sinalização e balizamento”, a equipe do TCU
apontou dois achados de auditoria, sendo um deles a “adequação do regime de
execução contratual adotado, que foi a contratação integrada, previsto na Lei
13.303/2016”. Os auditores do Tribunal questionaram a ausência, no caso
concreto, tanto de justificativas consistentes sobre a vantajosidade da
utilização desse regime, quanto dos critérios exigidos em lei para sua adoção,
a exemplo da existência de diferentes metodologias ou de tecnologias de domínio
restrito no mercado para a execução dos serviços. Ademais, a minuta contratual
teria aberto “brecha para permitir acréscimos ou supressões de quantitativos
de serviços, que é uma medida autorizada apenas para outros regimes de execução”,
isso por meio do parágrafo primeiro da sua cláusula primeira, vazado nos
seguintes termos: “A contratada poderá aceitar, nas mesmas condições
contratuais, os acréscimos e supressões que a PortosRio realizar, em até 25%
(vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, em
conformidade com o estabelecido no art. 81, §1º, da Lei 13.303/2016”.
Instada a justificar a opção pelo regime de contratação integrada e a presença
de regras contratuais não previstas em lei para esse regime, a estatal explicou
que haveria número pequeno de empresas de dragagem marítima no cenário mundial,
em torno de dez, onde cada uma possuiria o seu parque de equipamentos próprios,
conhecimentos metodológicos específicos e dotados de tecnologias únicas, o que,
a seu ver, justificaria a afirmação de se estar, sim, diante de um serviço com
tecnologia de domínio restrito do mercado, atendendo à condição legal para a
adoção da contratação integrada. Outrossim, sustentou que esse regime
permitiria ganhos financeiros, de eficácia e de eficiência na contratação da
obra, englobando a elaboração dos projetos básico, executivo e de sinalização
náutica, de modo que seria possível “utilizar todo o conhecimento do
contratado, suas tecnologias disponíveis e seu parque de equipamentos”.
Argumentou ainda a estatal que esse regime de execução já teria sido objeto de
exame pelo TCU em obras de dragagem pretéritas, a exemplo do Acórdão
306/2017-Plenário, indicando haver “histórico
de sucesso” nesse tipo de contratação. Em relação à possibilidade de
acréscimos e supressões, reconheceu não existir previsão legal para que os contratos
firmados no âmbito da contratação integrada contenham cláusula estabelecendo a
possibilidade de acréscimos e supressões de até 25% do valor atualizado, sendo
essa cláusula “obrigatória apenas para os contratos celebrados nos regimes
previstos nos incisos I a V do art. 43, não incluindo a contratação integrada”;
logo, “poderiam exercer sua discricionaridade e incluir também a referida
cláusula para esse regime”. A unidade técnica analisou as respostas e
concluiu que estaria justificada a escolha pela contratação integrada,
especialmente porque a elaboração dos projetos e a execução dos serviços de
dragagem por um único responsável “diminui a possibilidade de interferências
indesejáveis, questionamentos administrativos e judiciais”, além de
possíveis atrasos no início e na conclusão dos serviços. No entanto, reputou
irregular cláusula contratual prevendo a possibilidade de acréscimos e
supressões contratuais nesse regime de execução. Em seu voto, anuindo ao
entendimento da unidade instrutiva, o relator rememorou, preliminarmente, que a
instituição do regime de contratação integrada permite à Administração licitar,
como objeto único, tanto a elaboração dos projetos básico e executivo quanto a
execução das obras e dos serviços de engenharia, além de todas as demais
operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto. Essa
abordagem teria representado significativa inovação em comparação aos regimes
de execução tradicionalmente utilizados. Nesse novo regime, continuou o
relator, o construtor passou a assumir responsabilidade maior pelo
empreendimento, desde a elaboração do projeto até a execução da obra, e essa
transferência de encargos impactou também a modelagem contratual, tendo as
hipóteses de modificação do valor dos contratos ficado mais restritas. Para
ele, essa concepção “guarda uma lógica inerente”, pois “se, por um
lado, o contratado possui a liberdade de otimizar as soluções técnicas e
econômicas dos projetos, por outro, ele se torna integralmente responsável por
eventuais imprecisões que possam surgir nos seus próprios levantamentos”.
Assim, ao permitir que o particular desenvolva os projetos, quantifique os
serviços e defina a metodologia de execução, a Administração “deve,
consequentemente, transferir a ele todos os riscos subjacentes a essa autonomia”.
Naturalmente, “isso inclui os riscos decorrentes de erros ou imprecisões nos
quantitativos ou de superveniência de serviços não previstos inicialmente”.
Por conseguinte, pontuou o relator, as modificações contratuais no regime de contratação
integrada “assumem um caráter mais restritivo, não sendo aplicável no caso
de acréscimos ou diminuições dos serviços planejados para a realização da obra”.
Na sequência, o relator invocou a legislação que respaldaria a sua assertiva,
mencionando, em primeiro lugar, a Lei 12.462/2011 (RDC), expressa em vedar
termos aditivos nas contratações integradas, exceto nas hipóteses de caso
fortuito, força maior ou alteração do projeto a pedido da Administração. A
seguir, reportou-se à Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), aplicável à
contratação em tela, que “também restringe a ocorrência de termos aditivos
nas contratações integradas. Segundo o art. 81, é possível modificações do
valor contratual nos casos de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto.
No entanto, essa possibilidade é limitada aos regimes de execução previstos nos
incisos I a V do art. 43, excluindo as contratações integradas. Neste
caso, os acréscimos e supressões podem ocorrer apenas nas hipóteses em que o
risco é alocado ao contratante, no limite de 25% do valor contratual.”
(grifos do relator). Por fim, a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e
Contratos Administrativos) “reserva a possibilidade de aditivos nas
contratações integradas a situações de força maior, caso fortuito, por necessidade
do contratante ou em decorrência de evento superveniente alocado na matriz de
riscos como de responsabilidade da Administração”. Seria então possível
depreender que a legislação pertinente “é restritiva quanto a alterações
contratuais em decorrência de acréscimos ou diminuições do seu objeto, ao
contrário do que estabelece o edital RCE 2/2023”. Nesse mesmo sentido, o
relator destacou a jurisprudência do TCU, a exemplo do Acórdão
831/2023-Plenário, do qual
transcreveu o seguinte trecho do voto condutor daquela decisão: “O art. 9º,
§ 4º, da Lei 12.462/2011, estabelece que na contratação integrada é vedada a
celebração de termos aditivos aos contratos firmados, exceto para recomposição
do equilíbrio econômico-financeiro, decorrente de caso fortuito ou força maior,
ou por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor
adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da administração
pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do
contratado. (...) Pondero que um anteprojeto, por certo, não contém todos os
elementos de um projeto executivo ou projeto definitivo, de forma que sempre
existirão definições, ajustes, detalhamentos, encaminhamentos e
compatibilizações a serem realizados pelo construtor por ocasião da elaboração
dos projetos, quando adotada a contratação integrada. A este cabe estabelecer
algumas soluções, metodologias executivas e dimensionamentos dos componentes da
estrutura e das instalações da edificação. Assim, é bastante provável (e até
desejável) que todo anteprojeto seja, em algum grau, alterado pelos projetos
básico e executivo, o que está na essência da atividade de projetar, sem que
caiba necessariamente a realização de aditamentos contratuais, que são em regra
expressamente vedados na contratação integrada. A própria Lei Instituidora do
RDC prevê a possibilidade de apresentação de projetos com metodologia
diferenciada de execução pelo contratado. Ressalto, ainda, que uma das
hipóteses presentes de aditamento contratual na contratação integrada é a
alteração do projeto solicitada pela Administração, entendida como uma
modificação superveniente à aprovação dos projetos básico e/ou executivo
submetidos à Administração. Porém, não existe permissão legal expressa para
aditamento contratual com vistas a corrigir erros ou omissões no anteprojeto,
como o que fora verificado nessa ocorrência. A contratação integrada é fruto da
intenção do legislador do RDC em conferir uma maior assunção de risco para o
particular, de maneira que nas situações em que não houver uma alocação objetiva
de riscos entre as partes, estabelecida contratualmente, o construtor acabaria
assumindo os eventuais encargos resultantes de incompletudes e omissões que são
inerentes a qualquer anteprojeto. Essa seria uma das principais características
desse regime de execução contratual, ou seja, a transferência da
responsabilidade pela elaboração do projeto básico ao contratado para execução
das obras. O anteprojeto serviria precipuamente apenas como parâmetro
referencial para a estimativa de custos e posterior avaliação das propostas
ofertadas no certame. No mesmo sentido, observo que a nova Lei de Licitações e
Contratos dispôs, em seu art. 46, § 3º, que o risco inerente ao desenvolvimento
dos projetos básicos no regime de contratação integrada é inteiramente alocado
ao particular, não cabendo a assinatura de aditivos por conta de eventuais
imprecisões ou omissões do anteprojeto: ‘§ 3º Na contratação integrada, após a
elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos,
especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à
aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos
parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas
alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a
responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto
básico.’ Da mesma forma, a Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) [...] prevê
a alocação de riscos do desenvolvimento dos projetos aos particulares, in
verbis: ‘Art. 42...§ 3º Nas contratações integradas ou semi-integradas, os
riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha
da solução de projeto básico pela contratante deverão ser alocados como de sua
responsabilidade na matriz de riscos.’”. E arrematou: “Portanto, a
legislação é cristalina ao delimitar que, nas contratações integradas, cabe ao
construtor o risco de eventuais supressões ou acréscimos de serviços, não sendo
permitida a celebração de termos aditivos em situações dessa natureza.” Ao
concordar então com os argumentos aduzidos pela unidade técnica, o relator
considerou irregular a cláusula contratual apreciada, a qual “amplia as
hipóteses de termo aditivo, além daquelas autorizadas pela legislação”. Por
certo, frisou ele, tal constatação resultaria em determinação do TCU no sentido
da anulação da referida cláusula, todavia, tendo em vista “a conclusão do
procedimento licitatório e a assinatura do Contrato 40/2023”, o
encaminhamento do processo estaria a merecer outro desfecho. Nesse cenário, o
estágio inicial do contrato “torna menos provável, por ora, a assinatura de
termos aditivos com base na referida cláusula irregular”, motivo pelo qual
o relator considerou suficiente a expedição de ciência à entidade,
encaminhamento que, enfatizou ele, “não traz prejuízos a futuras ações de
controle por parte deste Tribunal, caso sejam identificados processos aditivos
em trâmite na PortosRio com base na mencionada cláusula irregular, incluindo a
possibilidade de responsabilização dos gestores envolvidos”. Ao final, o
relator propôs, e o Plenário decidiu, cientificar a PortosRio de que “a
alteração de valores contratuais em decorrência de acréscimos de quantidades
por imprecisão nos projetos é incompatível com o regime de contratação integrada,
pois afronta o disposto nos arts. 6º, inciso XXXII, e 133 da Lei 14.133/2021,
c/c arts. 43 e 81 da Lei 13.303/2016, e a jurisprudência desta Corte, a exemplo
do Acórdão 831/2023-TCU-Plenário”.
Acórdão
1873/2024 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Vital do Rêgo.