quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Em licitação para registro de preços que permita cotação parcial (art. 82, inciso IV, da Lei 14.133/2021), caso a proposta de menor preço seja para quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, é irregular a desclassificação de licitantes que apresentaram preços abaixo do valor de referência para todo o quantitativo licitado, mas que não igualaram o preço da melhor proposta. Tal procedimento impede a formação do cadastro de reserva e, na prática, inviabiliza o fornecimento do saldo remanescente.

 

Em licitação para registro de preços que permita cotação parcial (art. 82, inciso IV, da Lei 14.133/2021), caso a proposta de menor preço seja para quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, é irregular a desclassificação de licitantes que apresentaram preços abaixo do valor de referência para todo o quantitativo licitado, mas que não igualaram o preço da melhor proposta. Tal procedimento impede a formação do cadastro de reserva e, na prática, inviabiliza o fornecimento do saldo remanescente.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico (PE) 90026/2025, sob a responsabilidade do Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde (DLOG/MS), cujo objeto era o registro de preços para “aquisição de estradiol, valerato associado com noretisterona enantato, 5mg + 50mg/ml, injetável”, com valor estimado de R$ 54.810.532,15 (R$ 4,93/ampola). Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a “recusa do pregoeiro em classificar as demais licitantes para fornecimento do quantitativo restante do edital”. No que diz respeito a esse indício, foi realizada oitiva do DLOG/MS para que se pronunciasse quanto à “desclassificação indevida, com fundamento no art. 82, VII, da Lei 14.133/2021”, das propostas das licitantes segunda e terceira colocadas no PE 90026/2025, “em afronta ao art. 59 dessa lei, aos arts. 15, XII, e 18, II e III, do Decreto 11.462/2023, ao item 10 e subitens do edital e aos princípios da legalidade, da vinculação ao edital, da economicidade, do interesse público e da eficiência, previstos no art. 5º da referida lei”. A unidade jurisdicionada também foi questionada sobre quais licitantes e em que condições foram aceitas para compor o cadastro reserva da ata de registro de preços a ser formalizada” com a vencedora da licitação, em relação ao “quantitativo parcial de 3.335.326 unidades”. Acerca do indício levantado, o DLOG/MS alegou que: a) a legislação aplicável seria a IN Seges ME 73/2022, a qual autorizaria expressamente a apresentação de propostas para fornecimento de quantidade parcial do objeto licitado, dispondo que o saldo remanescente da quantidade não ofertada deve ser negociado com os demais licitantes, na ordem de classificação, com observância obrigatória às condições propostas pelo licitante vencedor, especialmente quanto ao preço (art. 32); b) ao serem convocadas para negociar o saldo remanescente, aquelas duas licitantes teriam se recusado a ofertar o mesmo valor da vencedora, optando por manter seus preços originais; c) o “agente de contratação” teria desclassificado formalmente tais empresas nos exatos termos da legislação, prosseguindo com o encerramento do certame e homologando a proposta da vencedora; d) o edital previa expressamente a possibilidade de cotação parcial e a negociação do saldo remanescente, e que todas as decisões teriam sido tomadas em cumprimento ao edital; e) não seria juridicamente admissível que a Administração aceitasse proposta de valor superior ao da mais bem classificada, ainda que dentro do valor de referência, invocando, para tanto, o art. 82, inciso VII, da Lei 14.133/2021; f) “quanto à desclassificação das três primeiras licitantes e não das demais”, tratar-se-ia de limitação operacional do sistema, considerando que as demais licitantes “não foram convocadas para a fase de lances fechada” por terem apresentado propostas acima do valor estimado. Em sua instrução, a unidade técnica ressaltou inicialmente que, em nenhum momento, questionara a classificação e a habilitação da licitante vencedora, ou mesmo a possibilidade de cotação parcial do objeto. Segundo ela, teria ficado claro que o valor de R$ 1,74/unidade, muito inferior ao estimado de R$ 4,93, só se justificara pelo custo de oportunidade demonstrado, sendo natural que nenhuma outra licitante acompanhasse esse valor, uma vez que o custo de oportunidade “se traduz numa situação excepcional, fora do ordinário”. A seu ver, seria razoável presumir que uma empresa do porte da vencedora teria condições de ofertar proposta para o quantitativo total, como todas as outras licitantes o fizeram, só que não por esse valor excepcional. Por isso mesmo, ela teria apresentado proposta apenas para a cotação parcial mínima permitida no certame, isto é, de 30% do objeto, equivalente a 3.335.326 unidades. Nesse contexto, a unidade instrutiva considerou fragilizada a alegação de que a vencedora seria a “única licitante a atender as condições do edital e da fase de negociação de saldo remanescente”, haja vista que “nunca houve interesse da vencedora no saldo remanescente. A unidade técnica ponderou que, ao contrário do alegado pelo DLOG/MS – “a desclassificação das empresas não alcança, aqui neste pregão, o cadastro de reserva” –, a classificação “é premissa para integrar o cadastro reserva”, isso porque, tanto o Decreto 11.462/2023 (que dispõe sobre o sistema de registro de preços no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional), quanto o próprio edital do certame “utilizam expressões como ‘licitantes classificados’ ou a ‘ordem de classificação’, o que pressupõe que a proposta foi validada e considerada adequada, ou seja, classificada”, senão vejamos (grifos da instrução técnica): “Decreto 11.462/2023 - Art. 15. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais estabelecidas na Lei nº 14.133, de 2021, e disporá sobre: (...) XII - a inclusão, na ata de registro de preços, para a formação do cadastro de reserva, conforme o disposto no inciso II do caput do art. 18: a) dos licitantes que aceitarem cotar os bens, as obras ou os serviços em preços iguais aos do licitante vencedor, observada a ordem de classificação da licitação; e b) dos licitantes que mantiverem sua proposta original; (...) Art. 18. Após a homologação da licitação ou da contratação direta, deverão ser observadas as seguintes condições para a formalização da ata de registro de preços: I - serão registrados na ata os preços e os quantitativos do adjudicatário, observado o disposto no inciso IV do caput do art. 15; II - será incluído na ata, na forma de anexo, o registro: a) dos licitantes ou dos fornecedores que aceitarem cotar os bens, as obras ou os serviços com preços iguais aos do adjudicatário, observada a classificação na licitação; e b) dos licitantes ou dos fornecedores que mantiverem sua proposta original; e III - será respeitada, nas contratações, a ordem de classificação dos licitantes ou fornecedores registrados na ata. (...) Edital do PE 90026/2025 - 10. DA FORMAÇÃO DO CADASTRO RESERVA 10.1. Após a homologação da licitação, será incluído na ata, na forma de anexo, o registro: 10.1.1. Dos licitantes que aceitarem cotar o objeto com preço igual ao do adjudicatário, observada a classificação na licitação e excluído o percentual referente à margem de preferência, quando o objeto não atender aos requisitos previstos no art. 26 da Lei nº 14.133, de 2021; e 10.1.2. Dos licitantes que mantiverem sua proposta original 10.1.3. Os licitantes poderão ser convocados pelo Pregoeiro, entre a etapa de aceitação da proposta e a habilitação para se manifestar, por meio do CHAT do Pregão, se aceita compor o cadastro de reserva do item, observado o valor estimado e o prazo concedido pelo Pregoeiro, o qual pode ser de, no mínimo 10 (dez) e no máximo 20 (vinte) minutos, para que o licitante manifeste o interesse. 10.2. Será respeitada, nas contratações, a ordem de classificação dos licitantes ou fornecedores registrados na ata. 10.2.1. A apresentação de novas propostas na forma deste item não prejudicará o resultado do certame em relação ao licitante mais bem classificado. 10.2.2. Para fins da ordem de classificação, os licitantes ou fornecedores que aceitarem cotar o objeto com preço igual ao do adjudicatário antecederão aqueles que mantiverem sua proposta original. Mais adiante, a unidade instrutiva reiterou que a decisão das licitantes de manterem seus preços originais seria legítima e, portanto, não configuraria motivo para sua desclassificação. Destarte, comprovada ser “necessária a devida classificação das propostas tanto para a ARP parcial decorrente, quanto para o prosseguimento do certame referente ao saldo remanescente”, ela afirmou que houve irregularidade na desclassificação das propostas da segunda e terceira colocadas no PE 90026/2025, cujos valores de R$ 4,36 e R$ 4,48, respectivamente, estavam abaixo do valor máximo estimado. Ademais, continuou a unidade técnica, o art. 82, inciso VII, da Lei 14.133/2021 dispõe apenas “sobre a possibilidade de registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação”. E como o disposto no mencionado inciso não trata de saldo remanescente, mas de registro na própria ata (ARP), “não se mostra apto a desclassificar a licitante que se recusa a cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor”. Na sequência, frisou ser imperioso distinguir a ARP assinada com a licitante vencedora para fornecimento de apenas 30% do objeto e o saldo remanescente de 70% do mesmo objeto. Asseverou que, em relação ao quantitativo parcial de 30%, foi assinada a ARP 86/2025 com a vencedora para fornecimento da quantidade de 3.335.326 ampolas ou seringas, ao valor unitário de R$ 1,74, e uma das licitantes manifestara interesse em fazer parte do cadastro de reserva, mas com seu valor original, o que de fato se verificou. Todavia, pontuou a unidade instrutiva, “o quantitativo do cadastro reserva é equivalente ao quantitativo total da licitação, quando deveria se limitar ao quantitativo máximo efetivamente registrado na ata”, à luz dos seguintes dispositivos do Decreto 11.462/2023 (grifos da unidade técnica): “Art. 18. Após a homologação da licitação ou da contratação direta, deverão ser observadas as seguintes condições para a formalização da ata de registro de preços: I - serão registrados na ata os preços e os quantitativos do adjudicatário, observado o disposto no inciso IV do caput do art. 15; (...) Art. 23. Fica vedado efetuar acréscimos nos quantitativos estabelecidos na ata de registro de preços. Assinalou que o quantitativo efetivamente registrado na ARP 86/2025 fora de 30% do objeto da licitação, definindo o valor total máximo que poderia ser contratado durante a vigência da ata em 3.335.326 unidades, ou seja, “ao serem fornecidas as 3.335.326 unidades, a ata estará esgotada”, sendo incabível, portanto, “sequer se cogitar em convocar o fornecedor do cadastro reserva, após o esgotamento da ata, para a contratação de mais 7.782.429 unidades”. Nesse cenário, evidenciar-se-ia a necessidade de prosseguimento do certame referente ao saldo remanescente, “o que não só se mostra vantajoso para a Administração – considerando a existência de duas propostas abaixo do valor estimado –, como também o custo de realizar nova licitação, agravado pelo tempo necessário até sua conclusão”. Propôs então que fosse expedida determinação ao DLOG/MS visando à retificação do quantitativo do cadastro de reserva para o quantitativo total efetivamente registrado na Ata 86/2025 (3.335.326 unidades), “em obediência ao disposto nos arts. 18, I, e 23 do Decreto 11.462/2023”. E quanto ao saldo remanescente de 70% do objeto (7.782.429 unidades), seria possível “dar continuidade ao certame em caso de haver saldo remanescente de quantidade aceita menor que a solicitada”, com o retorno à fase de classificação de propostas. Afirmou, por fim, não vislumbrar óbice legal à possível assinatura de nova ARP, referente ao saldo remanescente, considerando que a ARP 86/2025 “somente necessita de ajuste no quantitativo do cadastro reserva”. E arrematou: “Caso nova ARP venha de fato a ser firmada, obviamente que o DLOG deverá esgotar a ARP 86/2025 primeiro, ante o preço excepcional ali registrado, para somente depois utilizar a ARP dos 70% do objeto. Em seu voto, o relator enfatizou o procedimento incorreto verificado no PE 90026/2025, qual seja, o de desclassificar as licitantes que, embora tivessem apresentado preços abaixo da referência, não ofereceram valores inferiores ao da vencedora do certame. Reforçou que o preço ofertado pela empresa vencedora decorrera de situação excepcional, e a quantidade oferecida “somente atende a 30% do objeto pretendido”. Ele lembrou que uma das inovações da Lei 14.133/2021 foi justamente a possibilidade de o licitante ofertar quantitativo inferior ao máximo previsto no edital (art. 82, inciso IV), mas essa peculiaridade “não pode constranger os demais participantes a adotarem esse mesmo preço, sob pena de ferir princípios relevantes da liberdade econômica e inviabilizar a sobrevivência econômica das firmas”. Endossou então o entendimento da unidade técnica de que, no caso concreto, “não há amparo legal para o procedimento de desclassificação” das propostas das licitantes segunda e terceira colocadas na disputa, “o que as exclui da formação do cadastro reserva e impede, na prática, o fornecimento do saldo remanescente”, tampouco se identificara “impeditivo de ordem técnica no sistema compras.gov para o escorreito registro e para a devida classificação das propostas, ainda que não tenham igualado o preço oferecido pela vencedora para fornecimento parcial do objeto”. Dessa forma, entendeu cabível a determinação ao DLOG/MS para anulação do ato que desclassificou as sobreditas licitantes, com retorno à fase de classificação das propostas, no bojo do Pregão 90026/2025. No que concerne à outra determinação sugerida pela unidade instrutiva, no sentido da retificação do quantitativo do cadastro de reserva na ARP 86/2025, ele considerou mais adequado transformá-la em “ciência”. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário decidiu, fixar prazo ao DLOG/MS para anular o ato administrativo que desclassificou, com fundamento no art. 82, inciso VII, da Lei 14.133/2021, as propostas das empresas segunda e terceira colocadas na licitação, com retorno à fase de classificação. O Pleno também decidiu dar ciência à unidade jurisdicionada que, esgotado o fornecimento previsto na ARP 86/2025, e vedado o acréscimo de quantitativos, deve ela convocar as demais licitantes, conforme ordem de classificação das propostas, para firmar ata de registro de preços do saldo remanescente, dentro do prazo de validade do certame.

Acórdão 1564/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio Anastasia.