TCU Decisão 215/1999-Plenário.
ALTERAÇÕES QUALITATIVAS X ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS
Tribunal de Contas da União
Número do documento:
DC-0215-18/99-P
Identidade do documento:
Decisão 215/1999 - Plenário
Ementa:
Consulta formulada pelo Ministério do
Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Possibilidade de
alteração de contrato administrativo em valor excedente ao limite estabelecido
na Lei 8.666/93, visando à utilização de nova tecnologia na execução das obras.
Caso concreto. Considerações levantadas pelo Ministério Público junto ao TCU
quanto à relevância da matéria para o interesse público.
Comunicação. Arquivamento.
- Alteração contratual. Considerações.
Grupo/Classe/Colegiado:
Grupo II - CLASSE III - Plenário
Processo: 930.039/1998-0
Natureza: Consulta.
Entidade: Órgão de Origem: Ministério do
Meio Ambiente (ex-Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da
Amazônia Legal).
Interessados:
Interessado: Gustavo Krause Gonçalves
Sobrinho, ex-Ministro.
Dados materiais:
DOU de 21/05/1999
2º Revisor: MINISTRO ADHEMAR PALADINI
GHISI
Sumário:
Consulta sobre a possibilidade de
alteração de contrato administrativo em valor que excederia os limites
estabelecidos na Lei n. 8.666/93. Conhecimento. Esclarecimentos à autoridade
consulente. Arquivamento. Relatório: Inteiro teor do Relatório, Voto e Proposta
de Decisão emitida pelo Relator, Ministro-Substituto José Antonio Barreto de
Macedo (Ata nº 10/99), bem como do Voto apresentado, nesta data, pelo 1º
Revisor, Ministro Adylson Motta, no tocante ao processo nº 930.039/1998-0, cuja
votação foi, novamente, suspensa, ante novo pedido de vista dessa feita formulado
pelo Ministro Adhemar Paladini Ghisi, de acordo com o artigo 56 do Regimento
Interno.
Adoto como Relatório o Parecer da lavra
do ilustre Subprocurador-Geral do Ministério Público junto a este Tribunal, Dr.
Lucas Rocha Furtado (fls. 11/17):
"Trata-se de Consulta formulada
pelo ex-Ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da
Amazônia Legal, o excelentíssimo senhor GUSTAVO KRAUSE GONÇALVES SOBRINHO,
acerca de alteração de contrato administrativo que excede, em valor, os limites
legais preestabelecidos.
Apresenta o consulente (fl.1), a título
de suposições, a existência de obra pública, para construção de barragem, em
adiantado estágio de execução, em que se verificou a necessidade de acréscimos
nos quantitativos de obras e serviços, em virtude da situação encontrada quando
das escavações da fundação.
Continuando sua exposição, argumenta que
a substituição do maciço de terra, originalmente previsto no projeto básico e
no contrato, por maciço em concreto compactado a rolo - CCR, traria benefícios econômicos
e sociais à comunidade alcançada pela obra (quase três milhões de pessoas),
como: a redução do prazo total de conclusão da barragem; a possibilidade de
estocar água à medida em que o maciço CCR vai sendo elevado, antecipando a
acumulação de água na região em dois ou três anos; a segurança no abastecimento
de água para projetos industriais, turísticos e de irrigação, em vias de
implantação na região (fls. 1/2).
Acrescenta, ainda, que a tecnologia CCR
quase não era utilizada na construção de barragens no Brasil, à época da
elaboração do projeto básico; que a utilização dessa tecnologia não
comprometerá a segurança da obra nem alterará as suas características, pois que
será mantido o volume original de acumulação de água e serão preservados todos
os seus múltiplos usos, como a produção de pescado, o controle de enchentes e o
fornecimento de água para consumo humano e industrial, bem como para irrigação.
Por fim, salienta que os acréscimos em
obras e serviços necessários para concluir a barragem, tanto mantendo o
processo construtivo original (maciço de terra) quanto modificando-o,
utilizando-se a tecnologia CCR, implicam a elevação do valor inicialmente
contratado em patamar superior ao limite legalmente permitido de 25%.
Colocados os fatos, o consulente,
salientando que o contrato mencionado é regido pelo Decreto-Lei n.º 2.300/86
(arts. 48, I, 55, I, a, e 55, § 4.º), oferece as seguintes questões:
'I) é lícito fazer aditamento ao
contrato acima citado, no sentido de alterar o tipo de tecnologia de construção
do trecho central do maciço, na calha do rio, de barragem de terra para
barragem de concreto compactado a rolo, arrimado nos permissivos da legislação
acima mencionada, com vistas à otimização do objeto contratado, tendo em vista
que as modificações de projeto ou especificações não resultariam em transmudar
o objeto licitado, que continuaria sendo o mesmo, ou seja, construção de açude
com mesmo porte e capacidade, porém executado com melhor tipo de tecnologia?
II) as extensões contratuais ditadas por
razões de natureza 'qualitativa' -
caso acima mencionado - ainda que impliquem em acréscimos de quantidades, podem
ser aditadas em contrato, mesmo estando estas sujeitas aos limites do § 1.º do
art. 55 do Decreto-Lei n.º 2.300/86, apesar do que preceitua o § 4.º do mesmo
diploma legal?' (grifos do original).
Trazendo a colação entendimentos
doutrinários sobre o assunto, o consulente conclui asserindo que as extensões
contratuais ditadas por razões de natureza qualitativa, ainda que impliquem
acréscimos em quantidades de obras e serviços, não estão sujeitas aos limites estabelecidos
no art. 55, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 2.300/86 ou no art. 65 da Lei n.º
8.666/93.
II
A Unidade Técnica, ressaltando a
legitimidade do então Ministro de Estado do MMA para formular consulta a este
Tribunal (art. 216, II, do Regimento Interno), opina no sentido de que dela não
se conheça por versar sobre caso concreto (art. 217 do Regimento Interno) ou,
caso o Tribunal decida conhecê-la, que responda ao consulente, quanto ao primeiro
quesito, que as alterações em contratos de obras públicas envolvendo mudanças
de projeto básico, em face de nova tecnologia, exigem a realização de novo
procedimento licitatório; quanto ao segundo, que, nas alterações contratuais,
devem ser observados os limites estabelecidos no art. 55, § 1.º, do Decreto-Lei
n.º 2.300/86 e no art. 65, § 2.º, c/c o art. 121 da Lei 8666/93 (fl. 9).
Honra este parquet a oitiva solicitada
mediante o r. despacho de V. Exa. à fl. 10.
III
Tendo em vista a minudência do caso
narrado pelo consulente, é bem possível que a presente consulta esteja ancorada
em um caso concreto, de modo que seria justificável a incidência do art. 217 do
Regimento Interno, como pretende a 6.ª SECEX.
Contudo, é de ver que, em regra, a
consulta ao Tribunal, quanto a dúvidas suscitadas na aplicação de dispositivos
legais ou regulamentares, tem em vista a solução de caso concreto, mesmo que
não revelado no texto. Afinal, é para isso - para a solução de casos concretos
- que servem as normas. Entender de outro modo seria admitir que este Tribunal
estaria, no uso dessa competência, prestando-se a solução de questões jurídicas
meramente teóricas ou acadêmicas, sem interesse imediato para a Administração. Se
a presente consulta tivesse sido formulada de outra maneira, sem detalhar o
caso, mas apenas argüindo a possibilidade de extensões de contratos
administrativos além dos limites legais preestabelecidos, ou argüindo a
submissão das alterações unilaterais dos contratos administrativos, em face de
mudanças de projeto ou especificações, aos mencionados limites, nada se poderia
opor a ela quanto à concretude. Se o Tribunal vier a rejeitá-la, nada impediria
o consulente de repeti-la sem mencionar o caso concreto, retirando-lhe o óbice
à admissibilidade.
O que importa, a nosso ver, nesse caso,
é que a consulta versa indiscutivelmente sobre questão jurídica em tese, da
maior relevância para a Administração Pública. Aliás, são duas questões, como explicitado
no parágrafo precedente.
Com base nisso - de que se cuida também
de questão em tese relevante -, opinamos no sentido de que seja superada a
incidência do art. 217 do Regimento Interno, para que seja conhecida a presente
consulta.
IV
Na hipótese de vir a ser acolhida essa
opinião, cumpre-nos então agora percorrer o árido e tormentoso caminho que nos
levará a compreender e solver as
aludidas questões jurídicas.
Cabe esclarecer que os dispositivos legais objeto
da interpretação que se irá conduzir são os arts. 58, inciso I, e 65, inciso I,
e §§ 1.º e 2.º da Lei 8.666/93, alterada pelas Leis 8.883/94 e 9.648/98, sucedâneos
dos arts. 48, caput e inciso I, e 55, inciso I, e §§ 1.º e 4.º do Decreto-Lei
2.300/86. Isso, porque o art. 121 da Lei 8.666/93 prescreve a incidência dos §§
1.º e 2.º do seu art. 65 aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência.
Embora a constitucionalidade desse dispositivo seja duvidosa, não cabe
discuti-la nesta oportunidade.
Desde já adiantamos que a adoção dos dispositivos
do Decreto-lei, em vez dos da Lei, levaria ao mesmo resultado interpretativo.
Como se trata de apreciação em abstrato de questão
jurídica, evitaremos de fazer remissão ao caso suscitado na consulta, até mesmo
na resposta que iremos propor.
Iniciamos o percurso, lembrando que a mutabilidade
é da própria natureza do contrato administrativo, é imanente a ele.
Pode-se dizer que, faltando a prerrogativa, ou
melhor, o dever-poder da Administração para instabilizar o vínculo, mediante
alteração ou rescisão unilateral, não existe contrato administrativo.
Bom de ver que tal prerrogativa não decorre de uma
condição de superioridade própria da Administração em relação ao contratado,
mas senão de sua condição de curadora dos interesses públicos primários, também
denominados interesses coletivos primários.
É a supremacia do interesse público e a
indisponibilidade deles que fundamenta a existência do contrato administrativo
e do seu traço distintivo: a mutabilidade.
É o que se dessume do art. 58, I, da Lei de
Licitações e Contratos, in verbis:
'Art. 58 O regime jurídico dos contratos
administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a
eles, a prerrogativa de:
I - modificá-los, unilateralmente, para melhor
adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do
contratado'.
Esse entendimento sobre a sua mutabilidade e o seu
fundamento – a realização do interesse público primário - pode ser confirmado observando-se
o próprio conceito de contrato administrativo.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO define-o como 'um
tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de
lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as
condições preestabelecidas assujeitam-se a
cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses
patrimoniais do contratante privado' (Curso de Direito Administrativo, 10.ª ed,
São Paulo: Malheiros, 1998, p. 401) (grifamos).
Trazemos também à luz a lição de CARLOS ARI
SUNDFELD sobre a matéria:
'É perfeitamente natural ao contrato administrativo
a faculdade de o Estado introduzir alterações unilaterais. Trata-se de
instrumentá-lo com os poderes indispensáveis à persecução do interesse público.
Caso a administração ficasse totalmente vinculada pelo que avençou, com o correlato
direito de o particular exigir a integral observância do pacto, eventuais
alterações do interesse público - decorrentes de fatos supervenientes ao
contrato - não teriam como ser atendidas. Em suma, a possibilidade de o Poder
Público modificar unilateralmente o vínculo constituído é corolário da
prioridade do interesse público em relação ao privado, bem assim de sua
indisponibilidade' ('Contratos Administrativos - Acréscimos de obras e serviços
- Alteração'. Revista Trimestral de Direito Público n.º 2, São Paulo:Malheiros,
p. 152).
O interesse público primário - às vezes distinto do
interesse da Administração, que é o interesse público secundário - é não só o fundamento
da mutabilidade nos contratos administrativos, como também o
seu real limite, como se verá.
V
Enfrentemos, inicialmente, a questão colocada sobre
a possibilidade de aditamento de contrato administrativo, imposto
unilateralmente pela Administração, que supere, em valor, os limites
estabelecidos no § 1.º do art. 65 da Lei 8.666/93.
Neste
ponto, cumpre distinguir as alterações contratuais quantitativas das
qualitativas.
Considerando que o objeto do contrato distingue-se
em natureza e dimensão, tem-se a natureza sempre intangível, tanto nas
alterações quantitativas quanto nas qualitativas.
Não se pode transformar a aquisição de bicicletas
em compra de aviões, ou a prestação de serviços de marcenaria em serralheria.
Contudo, nas modificações quantitativas, a dimensão
do objeto pode ser modificada dentro dos limites previstos no § 1.º do art. 65
da Lei 8.666/93, isto é, pode ser adquirida uma quantidade de bicicletas maior do
que o originalmente previsto, desde que o acréscimo, em valor, não ultrapasse
25% do valor inicial atualizado do contrato.
As alterações qualitativas, por sua vez, decorrem
de modificações necessárias ou convenientes nas quantidades de obras ou
serviços sem, entretanto, implicarem mudanças no objeto contratual, seja em
natureza ou dimensão.
Convém distinguir dimensão do objeto de quantidade
de obras ou serviços necessários à realização do objeto. Servimo-nos dos
ensinamentos de EROS ROBERTO GRAU, verbis:
'(a) contrata-se a pavimentação de 100km de
rodovia; se a Administração estender a pavimentação por mais 10km, estará
acrescendo, quantitativamente, o seu objeto - a dimensão do objeto foi
alterada;
(b) previa-se, para a realização do objeto, a
execução de serviços de terraplanagem de 1000m3; se circunstâncias
supervenientes importarem que se tenha de executar serviços de terraplanagem de
1200m3, estará sendo acrescida a quantidade de obras, sem que, contudo, se
esteja a alterar a dimensão do objeto - a execução de mais 200m3 de serviços de
terraplanagem viabiliza a execução do objeto originalmente contratado'
(Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 1995, p.29).
Quase sempre, as alterações qualitativas são
necessárias e imprescindíveis à realização do objeto e, conseqüentemente, à realização
do interesse público primário, pois que este se confunde com aquele.
As alterações qualitativas podem derivar tanto de
modificações de projeto ou de especificação do objeto quanto da necessidade de acréscimo
ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato
vislumbradas após a contratação.
Conquanto não se modifique o objeto contratual, em
natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações
qualitativas requerem, em regra, mudanças no valor original do contrato.
Enfrentemos
a questão então colocada.
De início, é de ver que fere não só o Direito como
também o senso comum a hipótese de alterações contratuais ilimitadas no âmbito administrativo,
sobretudo as unilaterais. Os limites genéricos importam o respeito ao direito
dos contratados e a interdição da fraude à licitação.
O respeito ao contratado - explicitamente exigido
no art. 58, I, da Lei 8.666/93 -consubstancia-se na mantença do equilíbrio econômico-financeiro
do contrato, na intangibilidade do objeto e, nas alterações unilaterais, na
imposição objetiva de limite máximo aos acréscimos e supressões. Evidente que,
nas alterações consensuais, o contratado manifesta sua vontade, podendo
rejeitar acréscimos ou supressões indesejáveis, dentro das fronteiras legais.
Nas alterações unilaterais quantitativas, previstas
no art. 65, I, b, da Lei 8.666/93, a referência aos limites é expressa, uma vez
que os contratos podem ser alterados unilateralmente 'quando necessária a modificação
do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de
seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei'. Estão eles previstos no § 1.º
do referido artigo.
Assim, em relação às alterações unilaterais
quantitativas (art. 65, I, b), não se tem dúvida sobre a incidência dos limites
legais. Nas alterações unilaterais qualitativas, consubstanciadas no art. 65, I,
“a”, da aludida Lei, não há referência expressa a esses limites, pois os
contratos podem ser alterados 'quando houver modificação do projeto ou das
especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos'.
Nas opiniões de eminentes doutrinadores, algumas
até colacionadas no texto da presente consulta, como CAIO TÁCITO, MARÇAL JUSTEN
FILHO e ANTONIO MARCELO DA SILVA, não se aplicam às alterações qualitativas unilaterais
os limites previstos no § 1.º do art. 65 da Lei, porque a mencionada alínea “a”
não lhes faz referência.
'2.1. Modificação unilateral
Genericamente previsto no art. 58-I, está
condicionado por seu objetivo: a 'melhor adequação às finalidades de interesse
público'.
Pode decorrer da modificação do projeto ou das
especificações para, segundo o art. 65-I, 'melhor adequação técnica aos seus
objetivos'.
Essa alteração encontra, contudo, barreiras e
condicionantes. De um lado, nos direitos do contratado, a quem se assegura a
intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro e da natureza do objeto do
contrato, além de um limite máximo de valor para os acréscimos e supressões
(art.65-§1.º)' (Licitação e Contrato Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994,
pp. 227/228) (grifamos).
Mesmo que se entenda que não se possa extrair
diretamente do art. 65, I, “a”, essa ilação, em virtude da não-referência aos
limites máximos de acréscimo e supressão de valor, a inexistência desses
limites não se coaduna com o Direito, pois pode ser deduzida a partir do art.
58, I, da Lei de Licitações e Contratos, anelado pelo princípio da proporcionalidade,
em virtude da observância aos direitos do contratado.
A utilização da proporção adequada nos atos da
Administração é condição de legalidade deles. O atendimento ao interesse
público não deve ser esteio a sacrifícios desnecessários do interesse privado.
É o que reza o princípio da proporcionalidade, que proíbe os excessos da Administração.
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO esclarece: 'as
competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade
proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de
interesse público a que estão atreladas'
(ob. cit., p. 67).
A hipótese de supressão ilimitada no valor
contratual é que nos leva a compreender melhor os excessos que podem advir da
inexistência dessas barreiras.
Imagine-se, como exemplo, a disponibilidade de nova
tecnologia que pudesse reduzir os custos de determinada obra em 80%. Seria
possível à Administração impor ao contratado, unilateralmente, a obrigação de
ele adotá-la na execução da obra, reduzindo o valor inicial do contrato na mesma
proporção, sem considerar a manifestação de sua vontade ou recusa?
Evidente que se trata de uma supressão de valor
contratual desarrazoada. Mas o que seria razoável? 70%? 60%? 50% .... 25%?. A fixação
desse limite, pensamos, inclui-se na discricionariedade do legislador.
Cumpre, aqui, esclarecer que, a fim de não submeter
o contratado a alteração contratual unilateral que não seja razoável ou
proporcional, a opção que restaria à Administração seria a de rescindir unilateralmente
o contrato, nos termos do art. 78, XII, da Lei n º 8.666/93, e proceder a nova
licitação e contratar o novo objeto.
Referidos limites, em nossa opinião, têm de ser
claros, objetivos e preestabelecidos em lei, pois é a partir deles que o
possível contratado dimensiona os riscos que deve suportar, na hipótese de uma alteração
unilateral imposta pela Administração.
Acreditamos até que poucos contratariam com a
Administração se não houvesse limites objetivos, claros e fixados em lei a esse
poder de alteração unilateral a ela concedido.
Chamamos mais uma vez a esclarecedora orientação de
CARLOS ARI SUNDFELD:
'Ao contratar com a Administração, a empresa
privada já sabe que, até certo limite, pode ser constrangida a realizar
quantidade de prestações superior à inicialmente estipulada. Quando participa
de licitação e, especialmente, quando trava um contrato, deve se preparar para
tal eventualidade' ('Contratos Administrativos - Acréscimos de obras e serviços
- Alteração', p. 153).
Por isso, alinhamo-nos à tese de que as alterações
unilaterais qualitativas estão sujeitas aos mesmos limites escolhidos pelo legislador
para as alterações unilaterais quantitativas, previstos no art. 65, § 1.º, da
Lei 8.666/93, não obstante a falta de referência a eles no art. 65, I, “a”.
Fundamentamo-nos na necessidade de previsão de
limites objetivos e claros em Lei, no princípio da proporcionalidade e no
respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da Lei 8.666/93.
Note-se que a supressão, por parte da
Administração, de obras, serviços ou compras, que excedam os limites prescritos
no art. 65, § 1.º, é também causa de rescisão do contrato, por inexecução pela Administração,
conforme prevê o art. 78, XIII, da Lei 8.666/93. O que reforça a nossa tese, de
observância a esses limites nas alterações unilaterais, sejam quantitativas ou
qualitativas.
Embora nossa exemplificação tenha-se baseado na
hipótese de supressão de serviços, porque é mais evidente a onerosidade ao
contratado, cabe ressaltar que a não-imposição de barreiras aos acréscimos
unilaterais pode também ser fonte de ônus desnecessário ao contratado.
Vejam-se as palavras de CARLOS ARI SUNDFELD sobre o
assunto, in verbis:
'Se a Administração pudesse impor ao particular a
ampliação desmesurada de suas obrigações, mesmo com a garantia de incremento da
remuneração, poderia, em muitos casos, inviabilizar o cumprimento do contrato.
É que, de um lado, a empresa pode não ter capacidade operacional para atender
ao aumento de suas obrigações; de outro, a realização das prestações
acrescidas, pelo mesmo preço unitário previsto no contrato, pode resultar
excessivamente onerosa' ('Contratos Administrativos - Acréscimos de obras e
serviços - Alteração', p. 153).
VI
Isso não significa, entretanto, que, na realização
do interesse público, a Administração não possa, em caráter excepcional,
ultrapassar referidos limites.
Em nossa opinião, poderia fazê-lo, em situações
excepcionalíssimas, na hipótese de alterações qualitativas, revisando, não
unilateralmente, mas consensualmente, as obrigações e o valor do contrato.
Novamente nos socorremos das lições de CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, in verbis:
'Embora a lei não o diga, entendemos que, por mútuo
acordo, caberia ainda, modificação efetuada acima dos limites previstos no §
1.º do art. 65, se ocorrer verdadeira e induvidosamente alguma situação anômala,
excepcionalíssima, ou então perante as chamadas 'sujeições imprevistas'; isto
é: quando dificuldades naturais insuspeitadas se antepõem à realização da obra
ou serviço, exigindo tal acréscimo' (ob.cit, p. 407).
Tais alterações devem ser efetuadas por acordo
mútuo - bilaterais -, pois dessa maneira evita-se a excessiva onerosidade nas
obrigações do contratado, vez que o novo pacto passa a depender da manifestação
de sua vontade.
Além de consensuais, sustentamos que tais
alterações devem ser necessariamente qualitativas. Estas, diferentemente das
quantitativas - que não configuram embaraços à execução do objeto como
inicialmente avençado -, ou são imprescindíveis ou viabilizam a realização do objeto.
Sem a implementação das modificações qualitativas
não há objeto e, por conseguinte, não há a satisfação do interesse público
primário que determinou a celebração do contrato. Relembrando o exemplo de alterações
qualitativas que aduzimos, verifica-se que, sem o acréscimo dos serviços de
terraplanagem, não seria possível a realização dos 100km de pavimentação.
Distinta é a situação, quando a modificação
contratual visa a aumentar a extensão da via de 100 para 150km - alteração quantitativa.
Nesse caso, a não-alteração do contrato não impede a realização do interesse público
que determinou a sua celebração, pelo menos parcialmente, uma vez que não
configura óbice à execução dos 100km da via, inicialmente contratados.
Alterações qualitativas são também aquelas
decorrentes de modificações de projeto ou de especificações, para melhor
adequação técnica aos objetivos da Administração (art. 65, I, a). Objetivo da
Administração é a satisfação do interesse público.
A modificação do projeto ou especificação pode ser
necessária independentemente de o fato motivador ser superveniente ou de conhecimento
superveniente. Tal fato, comungando a opinião de ANTÔNIO CARLOS CINTRA DO
AMARAL (ob. cit., pp. 128/129), pode ser um 'fato da natureza quanto outro',
desde que extrínsecos à relação contratual, pode ser, ainda, o 'domínio de nova
tecnologia mais avançada' ou a 'disponibilidade de equipamentos tecnicamente
mais aperfeiçoados'. Além de bilaterais e qualitativas, sustentamos que tais
alterações sejam excepcionalíssimas, no sentido de que sejam realizadas quando
a outra alternativa - a rescisão do contrato, seguida de nova licitação e contratação
- significar sacrifício insuportável do interesse coletivo primário a ser
atendido pela obra ou serviço. Caso contrário, poder-se-ia estar abrindo
precedente para, de modo astucioso, contornar-se a exigência constitucional do
procedimento licitatório e a obediência ao princípio da isonomia.
Ora, se o interesse coletivo primário exigir a
revisão contratual, esta deve ser implementada pela Administração, porque
aquele é seu objetivo, ademais indisponível. Sabe-se que a rescisão contratual,
por interesse público, com vistas a nova licitação e contratação, a que já se
fez referência, traz uma série de conseqüências: a indenização de prejuízos
causados ao ex-contratado, como, por exemplo, os custos com a dispensa dos empregados
específicos para aquela obra; o pagamento ao ex-contratado do custo da
desmobilização; os pagamentos devidos pela execução do contrato anterior até a
data da rescisão; a diluição da responsabilidade pela execução da obra; e a
paralisação da obra por tempo relativamente longo - até a conclusão do novo
processo de contratação e a mobilização do novo contratado -, atrasando o atendimento
da coletividade beneficiada. Somente quando tais conseqüências forem
gravíssimas ao interesse coletivo primário é que se justificaria a revisão
contratual, qualitativa e consensual, que importe em superação dos limites econômico-financeiros
previstos nos §§ 1º e 2º da Lei 8.666/93.
Ressalve-se somente a hipótese de supressões
contratuais quantitativas, além dos limites referidos, em que se exige apenas a
consensualidade, nos termos do inciso II, do § 2.º, do art. 65, da Lei
8.666/93, incluído pela Lei 9.648/98.
VII
Isso posto, com base no art. 1.º, § 2.º, da Lei
8.443/92, e no art. 216 do Regimento Interno, sugerimos que este Tribunal
conheça da presente consulta, para responder ao consulente que:
a) tanto as alterações contratuais unilaterais
quantitativas – que modificam a dimensão do objeto - quanto as unilaterais
qualitativas - que mantém intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão
sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1.º e 2.º da Lei 8.666/93, em face
do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei,
do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem
obrigatoriamente fixados em lei;
b) é permitido à Administração ultrapassar os
aludidos limites, na hipótese de alterações contratuais consensuais,
qualitativas e excepcionalíssimas, no sentido de que só seriam aceitáveis
quando, no caso específico, a outra alternativa - a rescisão do contrato por interesse
público, seguida de nova licitação e contratação – significar sacrifício
insuportável ao interesse coletivo primário a ser atendido, pela obra ou
serviço; ou seja, a revisão contratual qualitativa e consensual, que ultrapasse
os limites preestabelecidos no art. 65, § 1.º, da Lei 8.666/93, somente seria
justificável, no caso concreto, quando as conseqüências da outra alternativa -
a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação - forem
gravíssimas ao interesse público primário."
2.É o relatório.
Voto:
Consoante assinala a instrução a cargo da 6a SECEX
(fls. 6/9), o Aviso ministerial às fls. 1/5 contém diversos elementos, a seguir
transcritos, reveladores de que a presente Consulta versa sobre caso concreto:
"(...)
a) que se trata de uma barragem de terra que está
sendo construída sem o desvio do leito do rio, onde a construção do maciço de
terra na calha central do rio somente poderá ser feita nos períodos de estiagem
obrigando, em vista disso, que o ritmo de construção das obras fique diretamente
relacionado ao ciclo hidrológico da área, cuja consequência é a suspensão das
referidas obras em terra, durante vários meses do ano;
b) que a mencionada obra se encontra em adiantado
estágio de execução, mas exige um aditamento ao contrato por alteração dos
quantitativos de serviços, em razão da constatação de fatos supervenientes
verificados quando das escavações na fundação da barragem;
c) que uma mudança no processo construtivo na calha
central do rio, previsto no projeto inicial como sendo um maciço de terra, para
um maciço de Concreto Compactado a Rolo (CCR) apresentaria, dentre outras, as
vantagens abaixo relacionadas:
i) (...) acrescente-se que, à época da elaboração
do Projeto Básico da barragem, concebido em maciço de terra, a técnica
construtiva de concreto compactado a rolo era pouco ou quase não utilizada em
obras de barragem no Brasil;
ii) a possibilidade de estocar água, à medida em
que o maciço de CCR vai sendo elevado, o que não ocorreria no caso do processo
construtivo ser mantido de acordo com o projeto original, ou seja, barragem de terra.
(...) Assim, podem ser destacadas, entre as vantagens econômicas e sociais, a
da antecipação de 2 ou 3 anos de acumulação de água na região, a garantia de
abastecimento de água para uma população de quase 3 milhões de pessoas, e a
segurança do abastecimento de água para grandes projetos industriais, de
irrigação e turismo, em vias de implantação na área de abrangência do
atendimento previsto para a barragem;
iii) (...);
d) que os acréscimos tidos como necessários e
essenciais para complementar a obra em questão, mantido o processo construtivo
do projeto original ou por outro lado modificando-se a tecnologia construtiva
para CCR, induzirão elevação dos custos em patamar superior a 25% (vinte e
cinco por cento) do valor inicial do contrato, e que não será conveniente
tentar resolver o problema mediante uma nova licitação, devido às incertezas
próprias dos eventos de licitação.
2.Isto posto, e considerando que a obra supracitada
é objeto de contrato regido pelo Decreto-Lei n. 2.300/86 (...)".
2.Nestas
condições, com a devida vênia da douta Procuradoria, estou de acordo com a
conclusão da Unidade Técnica, tendo em vista o disposto no art. 217 do Regimento Interno,
segundo o qual "o Relator ou o Tribunal não conhecerá de Consulta"
que "verse sobre caso concreto, devendo o processo ser arquivado após comunicação
ao consulente".
3.Essa, aliás, é a jurisprudência predominante
deste Tribunal, haja vista as seguintes decisões plenárias, entre outras:
Decisão n. 796/96 - in Ata n. 50/96; Decisão n. 331/98 - in Ata n. 20/98;
Decisão n. 47/96 - in Ata n. 06/96; Decisão n. 95/93 - in Ata n. 11/93; Decisão
n. 91/95 - in Ata n. 09/95.
Rejeitada a preliminar de que a Consulta versa
sobre caso concreto, vencido que foi este Relator, voto por que se conheça da
Consulta para respondê-la nos termos propostos pelo Ministério Público.
Assunto:
III - Consulta
Relator:
JOSÉ ANTONIO B. DE MACEDO
Representante do Ministério Público:
LUCAS ROCHA FURTADO
Unidade técnica:
6ª SECEX
Quórum:
1 Ministros presentes na sessão de 24/03/1999: Iram
Saraiva (Presidente), Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça, Humberto Guimarães Souto,
Valmir Campelo, Adylson Motta e os Ministros-Substitutos José Antonio Barreto
de Macedo (Relator), Lincoln Magalhães da Rocha e Benjamin Zymler.
2 Ministros presentes na sessão de 14/04/1999: Iram
Saraiva (Presidente), Adhemar Paladini Ghisi (Revisor), Marcos Vinicios Rodrigues
Vilaça, Homero Santos, Humberto Guimarães Souto, Bento José Bugarin, Valmir
Campelo, Adylson Motta (Revisor) e Walton Alencar Rodrigues.
3 Ministros presentes nesta sessão: Iram Saraiva
(Presidente), Adhemar
Paladini Ghisi (Revisor), Marcos Vinicios Rodrigues
Vilaça, Homero
Santos, Humberto Guimarães Souto, Bento José
Bugarin, Adylson Motta
(Revisor), Walton Alencar Rodrigues e o
Ministro-Substituto Lincoln
Magalhães da Rocha.
4 Ministro que não votou: Homero Santos (art. 57,
parágrafo único, do
Regimento Interno).
Sessão:
T.C.U., Sala de Sessões, em 12 de maio de 1999
Decisão:
O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo
Relator, DECIDE:
8.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII, § 2º
da Lei nº 8.443/92, e no art. 216, inciso II, do Regimento Interno deste
Tribunal, responder à Consulta formulada pelo ex-Ministro de Estado de Estado
do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause Gonçalves
Sobrinho, nos seguintes termos:
Administração ultrapassar os limites aludidos no
item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade,
além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos
cumulativamente os seguintes pressupostos:
I - não acarretar para a Administração encargos
contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por
razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento
licitatório;
II - não possibilitar a inexecução contratual, à
vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III - decorrer de fatos supervenientes que
impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da
contratação inicial;
IV - não ocasionar a transfiguração do objeto
originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V - ser necessárias à completa execução do objeto
original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação
dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI - demonstrar-se - na motivação do ato que
autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados
na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a
rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício
insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido
pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à
sua urgência e emergência;
8.2. encaminhar à autoridade consulente cópia do
inteiro teor desta Decisão, bem como dos Relatórios e Votos que a
fundamentaram;
8.3. determinar o arquivamento do presente
processo.
Revisor:
PROSSEGUIMENTO DE VOTAÇÃO SUSPENSA EM FACE DE
PEDIDO DE VISTA
Inteiros teores do Relatório e Voto emitido pelo
Relator, Ministro-Substituto José Antonio Barreto de Macedo, na Sessão de 24.03.1999
(Ata nº 10/1999), do Voto do 1º Revisor, Ministro Adylson Motta, na Sessão de
14.04.1999 (Ata nº 14/1999) e do Voto 2º Revisor, Ministro Adhemar Paladini
Ghisi proferido nesta Sessão, e, ainda, da Decisão nº 215/99, aprovada, por
unanimidade, uma vez que o Relator, Ministro-Substituto José Antonio Barreto de
Macedo que se encontra de férias, aderira à proposta apresentada pelo 1º
Revisor, referente à Consulta formulada pelo ex-Ministro de Estado do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, sobre a possibilidade de alteração
de contrato administrativo em valor que excederia os limites estabelecidos na
Lei nº 8.666/93 (Proc. nº 930.039 1998-0).
VOTO REVISOR
Como consignado no bem lançado Relatório, os
presentes autos tratam de consulta do então Ministro de Estado do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Dr. Gustavo Krause
Gonçalves Sobrinho, a respeito da viabilidade de enquadramento da modificação
do método construtivo como alteração qualitativa, prevista no art. 65, inciso
I, alínea "a", da Lei nº 8.666/93, e de sua sujeição aos limites prescritos
no § 1º do mesmo artigo.
Para a formulação das questões que submete à
apreciação desta Corte, embora não faça referência a nomes e lugares, aquela
autoridade faz minucioso relato da execução de um contrato firmado sob a égide
do Decreto-lei nº 2.300/86, cujo objeto é a construção de uma barragem. Segundo
o consignado, a obra encontra-se em adiantado estado de execução, mas, em razão
de fatos supervenientes, precisa de acréscimos que ultrapassam o limite de 25%
do valor inicial do contrato. A adoção de um novo método construtivo, embora
não contribuísse para a redução dos referidos acréscimos ao limite legal,
traria como vantagens a diminuição do prazo de conclusão da obra e o início
antecipado da acumulação de água na barragem, sem qualquer comprometimento
técnico ou de segurança.
Ao final, submete a este Tribunal as questões
sintetizadas a seguir:
a) pode-se fazer aditamento ao contrato inicial
para se alterar o método construtivo, sem alteração do seu objeto?
b) tal aditamento, ainda que acarrete aumento ou
supressão na obra, está sujeito aos limites estabelecidos no art. 55, § 1º , do
Decreto-lei nº 2.300/86?
O ilustre representante do Ministério Público junto
a esta Corte, com seu costumeiro brilhantismo, enfrenta corajosamente essas
questões tormentosas, resultando valiosa contribuição para seu deslinde.
Considerando a ressalva do art. 121 da Lei nº
8.666/93, que determina a aplicação de regras vigentes de alteração contratual
aos contratos firmados sob o abrigo do Decreto-lei nº 2.300/86, primeiramente entende,
com toda razão, que o resultado da tarefa de interpretação das normas
atualmente aplicáveis não perde sua validade pelo fato de o contrato hipotético
sub examine ter sido assinado com arrimo na pretérita lei de licitações.
Entende que a mutabilidade é da própria natureza do
contrato administrativo, cujo fundamento é a supremacia do interesse público e sua
indisponibilidade. No entanto, as alterações contratuais ilimitadas ferem o
senso comum e o Direito, pois os limites legais são a garantia do respeito dos
princípios da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e da
obrigatoriedade de licitação.
Constata que a referência legal aos limites é
expressa quanto às alterações quantitativas (art. 65, inciso I, alínea
"b"), mas que, ao tratar das alterações qualitativas, a lei é omissa.
Não obstante, defende que tais limites podem ser deduzidos a partir da ressalva
aos direitos dos contratados feita pelo art. 58, inciso I, in fine, em conjunto
com o princípio da proporcionalidade do atos da Administração.
No que concerne à segunda questão, adota o posicionamento
de que a Administração, na realização do interesse público, pode excepcionalmente
ultrapassar esses limites em comum acordo com o contratado, desde que tais
alterações sejam qualitativas, ou seja, imprescindíveis ou viabilizadoras da
realização do objeto. Isto se dá porque sem a implementação das alterações
qualitativas não há satisfação do interesse público que determinou a celebração
do contrato. Ressalta, no entanto, que tais alterações devem ser excepcionalíssimas
e só devem ser adotadas quando a rescisão do contrato e suas repercussões
financeiras, seguida de nova licitação e contratação, significar sacrifício
insuportável do interesse coletivo primário a ser atendido, pois, do contrário,
poder-se-ia configurar fuga da exigência constitucional do procedimento
licitatório e da obediência ao princípio da isonomia.
Face às razões sumariadas nos parágrafos
anteriores, com o acolhimento do eminente Ministro-Relator, propõe responder à
autoridade consulente que:
"a) tanto em alterações contratuais unilaterais
quantitativas – que modificam a dimensão do objeto -, quanto as unilaterais
qualitativas - que mantém intangível o objeto, em natureza e em dimensão -,
estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos § § 1º e 2º do art . 65 da lei
8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 57,
I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses
limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
b) é permitido à Administração ultrapassar os
aludidos limites, na hipótese de alterações contratuais consensuais,
qualitativas e excepcionalíssimas, no sentido de que só seriam aceitáveis
quando, no caso específico, a outra alternativa - a rescisão do contrato por interesse
público, seguida de nova licitação e contratação – significar sacrifício
insuportável ao interesse coletivo a ser atendido, pela obra ou serviço; ou
seja, a revisão contratual qualitativa e consensual, que ultrapasse os limite
preestabelecidos no art. 65, § 1º , da Lei 8.666/93, somente seria justificável,
no caso concreto, quando as conseqüências da outra alternativa - a rescisão
contratual, seguida de nova licitação e contratação - forem gravíssimas ao
interesse público primário".
II
Como afirma o Professor Adilson Abreu Dallari, a
doutrina é pacífica em afirmar que o contrato administrativo tem como
característica identificadora a instabilidade do vínculo, cuja permanência e
condições se subordinam às variáveis imposições do interesse público, sem prejuízo
da salvaguarda dos interesses patrimoniais privados do contratado. O autor,
arrimando-se na lição do célebre administrativista Celso Antônio Bandeira de
Mello, distingue-o com maestria dos contratos privados em uma frase que
considero lapidar: "a imutabilidade das cláusulas do contrato privado
converte-se, no âmbito administrativo, em imutabilidade do fim" (1)
-------------------------
(1) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à
Alterabilidade do Contrato de
Obra Pública, in BLC, V. 9, Nº 10, p. 465.
--------------------------
Tal fim público consubstancia-se na consecução do
objeto da avença, cuja conceituação considero ser o verdadeiro ponto de partida
para a elucidação das questões respondidas com grande habilidade pelo digno representante
do Ministério Público junto a esta Corte.
Na lição de Marçal Justen Filho,
"O objeto do contrato é o seu núcleo. Consiste
nas pretensões que as partes se obrigam a realizar. O objeto imediato do
contrato administrativo é a conduta humana (consistente em um dar, fazer ou não
fazer). O objeto mediato do contrato administrativo é o bem jurídico sobre o
qual versa a prestação de dar, fazer ou não fazer"(2)
--------------------------
JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à Lei de
Licitações e Contratos Administrativos, Aide Editora, 4ª edição, Rio de
Janeiro, 1996, P. 349.
---------------------------
Pode-se asseverar, com base nos doutrinadores, que
o objeto mediato possui como elementos a natureza, imutável por força dos
princípios da obrigatoriedade de licitação e da isonomia que regem as
licitações, e a dimensão, que pode ser passível de alteração para o atendimento
do interesse público primário, ressalvados os direitos dos contratados (3) Esta
peculiaridade, a meu ver, determina as características das alterações
quantitativas e qualitativas.
-------------------------
(3) SUNDFELD, Carlos Ari, Contratos Administrativos
- Acréscimo de
Obras e Serviços - Alteração, in RTDP, p. 156.
--------------------------
Permitindo-me não me alongar demasiadamente em
definições já exaustivamente explanadas, posso afirmar que as alterações qualitativas
decorrem de modificações necessárias ou convenientes nas quantidades de obras e
serviços, consistentes na obrigação de fazer contraída pelo contratado (objeto
imediato), sem, no entanto, implicarem mudanças na natureza e dimensão do
objeto mediato (exempli gratia, a construção visada).
Baseando-se no mestre venezuelano Alan Randolph
Brewer-Carias, Dallari
afirma que as alterações qualitativas
"comportam uma subdivisão em obras extras, complementares ou novas. São
obras extras aquelas compreendidas nos planos e especificações, mas não
computadas no orçamento. São obras complementares as que não figuram nem nos
planos, nem nos orçamentos, mas cuja execução é essencial para o perfeito funcionamento
da obra. São obras novas as modificações ordenadas pelo contratante" (4)
--------------------------
(4) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à
Alterabilidade ..., cit,. p. 469
---------------------------
As alterações qualitativas, portanto, visam apenas
à consecução ótima do objeto mediato, que se mantém inalterado em sua natureza
e dimensão, por meio do aumento ou supressão do objeto imediato, utilizando-se
de obras extras, complementares ou novas em relação às já contratadas, e também
requerem, via de regra, mudanças no valor original do contrato. Por sua vez, as
alterações quantitativas visam à modificação na dimensão do objeto mediato
igualmente por meio do aumento e supressão do objeto imediato e acarretam
invariavelmente abalos na equação econômico-financeira do vínculo contratual.
A leitura do art. 65, § 1º, leva-nos a constatar
que, não obstante aparentemente referir-se somente às alterações quantitativas,
esse dispositivo utiliza-se do termo "obras" que, consoante se
depreende do art. 6º , inciso I, enquadra-se com perfeição no conceito de
objeto imediato ( toda "construção", ou seja, ação de construir;
"reforma", ação de reformar etc.). Ademais, tal preceptivo utiliza-se
do valor do contrato e não da prestação correspondente (objeto imediato) como parâmetro
sobre o qual incidirá os percentuais-limite de 25% e 50 %. À vista das razões
apresentadas no Parecer e do fato de que as alterações qualitativas também
implicam aumentos e supressões de obras e serviços para a consecução do objeto
mediato, originadas pela "modificação do projeto ou das especificações,
para melhor adequação técnica aos seus objetivos" (art. 65, inciso I,
alínea "a"), perfilho o posicionamento de que nenhum óbice se
apresenta à aplicação da referida norma às alterações qualitativas. (5)
-----------------------------
(5) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à
Alterabilidade"..., cit., p. 467.
-----------------------------
Essas, por abranger apenas o objeto imediato,
mantidas a natureza e dimensão do objeto mediato, quase sempre significarão um
aumento ou supressão em obras e serviços que tornam possível a obtenção do
objeto mediato, com os conseqüentes reflexos financeiros no contrato. Logo, repito,
não vejo nenhum empecilho em se estender a esses casos a observância dos
limites prescritos no art. 65, § 1º , da Lei de Licitações e acolho o entendimento
do douto representante do Ministério Público.
III
No que concerne à segunda questão colocada pela
autoridade, sobre se as alterações qualitativas estão sujeitas aos limites
estabelecidos na lei de licitações , deve-se primeiramente afirmar que a lei vigente,
ao suprimir a anterior possibilidade de as alterações quantitativas ultrapassassem
os limites de 25 e 50%, demostrou claramente sua intenção de coibir as práticas
abusivas até então efetivadas com base no Decreto-lei nº 2.300/86. Embora não
digam respeito diretamente às alterações qualitativas, visto que o novo e atual
tratamento a elas reservado pela lei vigente possui características e
finalidades próprias (6) entendo que é um claro sinal de que o aditamento de alterações
qualitativas ao objeto fora dos limites legais deve ser considerado sob o
ângulo da estrita excepcionalidade, com a fixação necessária de limites
implícitos e explícitos à atividade discricionária dela decorrente.
------------------------------
(6) TÁCITO, Caio, Contrato Administrativo:
Alteração Quantitativa e
Qualitativa; Limites de Valor, in BLC, V. 10, Nº 3,
p. 118.
------------------------------
A esse respeito, ressalta dos autos a peculiaridade
da questão posta pelo Consulente, que consiste no fato de que a hipotética
alteração qualitativa, embora não contribuísse para a redução dos referidos acréscimos
ao limite legal, traria como vantagens a diminuição do prazo de conclusão da
obra e o início antecipado da acumulação de água na barragem. Entendo que esta
particularidade, por si só, não tem o condão de justificar a superação dos
limites legais de alteração contratual.
Vivemos em um país com enormes carências crônicas
de toda ordem, com emergências e urgências constantes na alocação de recursos
públicos em várias áreas prioritárias como saúde, educação e segurança, e
nessas circunstâncias é muito temerário afirmar com segurança se a satisfação do
interesse público primário se dá pelo satisfação incontinenti de necessidades
específicas de um grupo social determinado ou se pela busca do melhor preço
pela Administração por meio de nova licitação, dando maior poder de compra aos
parcos recursos públicos e possibilitando a satisfação desta e de outras
carências tão prementes quanto a primeira. Quanto aos casos em que o fator
tempo é preponderante para a satisfação eficiente do interesse público
primário, entendo que eles se restringem apenas às hipóteses legalmente
reguladas de dispensa de licitação, desde que atendidos os requisitos da
urgência, estado de calamidade etc. (art. 24, inciso IV). Logo, descabe
aventar, de forma exclusiva, a diminuição do prazo de conclusão como razão
suficiente para o aditamento além dos limites legais.
Com relação a esses limites, verifica-se inegável
preocupação da doutrina em identificá-los e fixá-los. Na lição de Caio Tácito,
embora a mutabilidade seja característica inconteste do contrato administrativo
e a atividade de alteração unilateral qualitativa figurar no âmbito da
discricionariedade, essa faculdade da Administração não é livre, depende da
ocorrência comprovada de determinados pressupostos. (7)
------------------------------
(7) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à
Alterabilidade..., cit., p. 467.
-------------------------------
Com o arrimo na preleção de doutrinadores como
Marçal Justen Filho, Adilson Dallari, Carlos Ari Sundfeld, Sérgio Ferraz e
Brewer-Carias, verifica-se que o primeiro deles é a basilar observância do
princípio constitucional da obrigatoriedade de licitação e da isonomia, e o respeito
necessário aos direitos patrimoniais do contratante privado, além dos
princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade Considerados
tais balizadores como limites gerais às alterações qualitativas, eles têm como
conseqüência a restrição das modificações qualitativas, além dos limites legais
estabelecidos, apenas à hipótese de ocorrência cumulativa dos seguintes
pressupostos: a) não acarretar para a Administração encargos contratuais
superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de
interesse público acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
e b) não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade
técnica e econômico-financeira do contratado.
As modificações qualitativas devem ser decorrentes
de fatos supervenientes que impliquem em "dificuldades não previstas ou imprevisíveis
por ocasião do pacto inicial", devendo corresponder ainda a uma alteração
de circunstâncias fáticas levadas em consideração por ocasião da avença.(8) A
Administração há que também evidenciar que "a solução localizada na fase
da licitação não se revelou, posteriormente, como a mais adequada". No
entanto, a modificação decorrente não pode ser de vulto tal que venha a
transfigurar o objeto original em outro, frustrando os princípios da obrigatoriedade
de licitação e da isonomia.(9)
-----------------------------
(8) SUNDFELD, Carlos Ari, Contratos
Administrativos..., cit., p. 159 e
DALLARI, Adilson Abreu, "Limites à
Alterabilidade..., cit., p. 470.
(9) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à Alterabilidade...,
cit., p.
469/470; JUSTEN FILHO, Marçal, ob. cit., p. 394; e
TÁCITO, Caio,
Contrato Administrativo..., cit., p. 118.
-----------------------------
Brewer-Carias, citado por Dallari, aventa ainda
como limite derivado
das regras que informam as contratações
administrativas o princípio da
boa-fé contratual, consistente no dever da
Administração de respeitar a
equação econômico-financeira avençada e do
contratado em não se evadir
das obrigações assumidas, incluídos os encargos
suplementares ("os
contratos devem ser executados de boa-fé, sem que
uma parte procure
levar vantagem em detrimento da outra") (10)
--------------------------
(10) DALLARI, Adilson Abreu, Limites à
Alterbilidade..., cit., pp. 469,
470, 471; e BANDEIRA MELLO, Celso Antônio, Curso de
Direito
Administrativo. Editora Malheiros, 4ª edição, São
Paulo, 1993, pp.
296/297.
--------------------------
Carlos Ari Sundfeld sintetiza "as condições em
que, sem qualquer
violação das normas constitucionais, os contratos
administrativos
admitem alteração, para acréscimo de quantidades,
acima de 25% do valor
original (ou 50%, no caso de reforma)", sob a
forma seguinte:
"a) deve-se tratar de contrato de obras ou
serviços;
b) a alteração há de ser feita por acordo de
vontades;
c) não pode haver mudança na natureza da prestação
prevista no
contrato;
d) não pode haver ampliação da dimensão do objeto
contratado, mas
apenas aumento da quantidade de trabalhos
necessários à sua cabal
execução;
e) os trabalhos a serem acrescidos devem ser
motivados por dificuldades
de ordem técnica não previstas e razoavelmente
imprevisíveis desde o
início;
f) os novos trabalhos devem ser necessários e
indispensáveis à completa
execução do objeto original do contrato" (11)
---------------------------
(11) SUNDFELD, Carlos Ari, "Contratos
Administrativos"..., cit., p.
160.
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IV
Como visto, as conclusões doutrinárias transcritas
em nada destoam da
apresentada pelo douto Procurador-Geral em
exercício. Todavia, dispõe o
§ 2º do art. 1º da Lei Orgânica que a resposta à
consulta tem caráter
normativo e constitui prejulgamento da tese, e isto
me faz apreensivo
quanto aos efeitos da resposta proposta por Sua
Excelência no que
pertine à segunda questão examinada. Entendo que
estabelecer
simplesmente que "a revisão contratual
qualitativa e consensual, que
ultrapasse os limite preestabelecidos no art. 65, §
1º , da Lei
8.666/93, somente seria justificável, no caso
concreto, quando as
conseqüências da outra alternativa - a rescisão
contratual, seguida de
nova licitação e contratação - forem gravíssimas ao
interesse público
primário", é deixar desidiosamente ao talante
do administrador, sem a
observância de quaisquer limites a sua atividade
discricionária, a
verificação da ocorrência ou não de graves
prejuízos ao interesse
público primário, o que certamente poderá ensejar
abusos inadmissíveis.
Se a quaestio juris ainda não tivesse sido
suficientemente analisada
pelos especialistas, talvez poder-se-ia adotá-la
como ponto de partida
para uma ulterior construção jurisprudencial, mas,
como demonstrado
exaustivamente nos parágrafos anteriores, há farta
doutrina no sentido
de delimitação de pressupostos para o exercício
dessa faculdade
deferida à Administração pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
Isto posto, Voto por que o Tribunal adote a Decisão
que ora submeto a
deliberação deste Plenário.
T.C.U., Sala das Sessões, em 14 de abril de 1999.
ADYLSON MOTTA
Ministro-Revisor
VOTO REVISOR
A matéria tratada nos presentes autos é, de fato,
conforme salientado pelo ilustre Representante do Ministério Público,
Procurador-Geral em exercício Dr. Lucas Rocha Furtado, de extrema relevância
para a Administração Pública. Assim entendido, e considerando que estive ausente
da Sessão deste Colegiado, realizada em 24.03.99, oportunidade em que, pela
primeira vez, foi esta Consulta apreciada, solicitei vista dos autos para que
pudesse, de forma mais aprofundada, inteirar-me das questões então discutidas.
2.Gostaria de registrar, inicialmente, que, no
concernente à preliminar de conhecimento, apesar de já ultrapassada naquela assentada,
conforme Decisão nº 101/99 - TCU - Plenário, entendo não terem sido preenchidos
os requisitos estabelecidos no art. 216 do Regimento Interno. Logo, em assim
sendo, não deveria ser conhecida a Consulta, haja vista conter todos os
elementos de caso concreto, aliás, fato reconhecido tanto pelos ilustres
Ministros que atuaram nos autos, como pelo Representante do Ministério Público.
Todavia, uma vez superada essa etapa, não caberia retomar tal discussão.
3.Permito-me, pois, na fase atual dos exames, tecer
algumas considerações acerca da tese defendida pelo ilustre Órgão do Ministério
Público e pelo eminente Ministro Adylson Motta. Com efeito, ressalto que o
ponto tido como determinante para o deslinde da matéria - o interesse público -
há que ser identificado caso a caso, diante das situações fáticas específicas
oportunamente colocadas.
4. Valho-me para tanto dos ensinamentos do
administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello que, em sua obra, "Curso
de Direito Administrativo", Malheiros Editores, 5ª edição, preleciona, ao discorrer
sobre o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado:
"Quem exerce 'função administrativa' está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja,
interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso de prerrogativas da
Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento
dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados democráticos
o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido." E
prossegue, após distinguir o interesse primário do secundário, este relacionado
ao Estado, à Administração, e aquele, aos interesses da coletividade como um
todo: "Não estaria, entretanto, atendendo ao interesse público, ao
interesse primário, isto é, àquele que a lei aponta como sendo o interesse da
coletividade: o da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem
curar o interesse de todos."
5.Nesse sentido, considerando, portanto, que, em
Estados democráticos de direito, há que se buscar resguardar o cumprimento das
leis, perseguindo-se, como corolário natural, a segurança jurídica das relações
estabelecidas na sociedade, o interesse público, em princípio, estará sempre
estampado nos textos legais aprovados pelo Congresso Nacional, como decorrência
da expressão máxima da vontade do povo. A propósito, define o citado autor:
"Interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e
só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei
consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo
social."
6.Por conseguinte, em respeito à busca incessante
da manutenção do Estado Democrático de Direito, julgo mais apropriado, em
princípio, reservar-se a esta Corte de Contas o direito de exercer sua competência
legal de manifestar-se em processos de consultas, exarando entendimento de
caráter normativo, apenas e tão-somente, na forma especificada na Lei Orgânica
e no Regimento Interno deste Tribunal, ou seja, quando a consulta não versar
sobre caso concreto.
7.Por essas razões e tendo em vista que a Consulta
trouxe ao descortino desta Corte uma questão concreta, entendo que a mesma não
pode e não deve ser respondida em tese, especialmente em face da necessidade de
que seja identificado o interesse público em cada um dos casos específicos
submetidos à apreciação deste Tribunal, para que se possa, então, em cada
situação particular, verificar a aplicabilidade da tese sustentada pelo ilustre
Representante do Ministério Público e pelo ilustre Ministro.
8.Por outro lado, estudada a questão sob a ótica do
caso concreto aqui versado, salientando-se, em especial, o cuidado e a
profundidade com que a matéria foi abordada pelo Sr. Procurador-Geral em
exercício, Dr. Lucas Rocha Furtado e pelo Senhor Ministro Adylson Motta, julgo
de todo apropriada a aplicação do entendimento então defendido à obra descrita
na peça consultiva. Na situação presente, restou demonstrado o interesse
público no acréscimo pretendido, razão que me faz opinar por que se responda à
autoridade consulente, no caso concreto descrito nos autos, em caráter
excepcional, nos termos já sugeridos pelo Ministro 1º Revisor.
9.Outrossim, com o objetivo de contribuir para o
aperfeiçoamento do texto oferecido pelo ilustre Ministro Adylson Motta,
consoante a posição por nós assumida neste processo, constante deste Voto
Revisor, sugerimos as alterações parciais dos textos do item 8.1, letra b,
itens IV e V, e do item 8.2, conforme nossa proposta de Decisão Anexa. 10.Acompanhando,
no mérito, portanto, o ilustre Representante do Ministério Público,
Procurador-Geral em exercício Dr. Lucas Rocha Furtado, e o Ministro Adylson
Motta, que tão brilhantemente defenderam a tese trazida à discussão deste
Colegiado, Voto por que o Tribunal adote a Decisão que ora submeto à deliberação
deste Plenário. T.C.U., Sala das Sessões Ministro luciano Brandão Alves de
Souza, em 12
de maio de 1999.
ADHEMAR PALADINI GHISI
Ministro-Relator
ADYLSON MOTTA
Ministro-Revisor