É uma
questão legal. Dúvidas não há: tem que ser dado tratamento diferenciado nas contratações
públicas às microempresas e empresas de pequeno porte. Vejamos os Arts. 47, 48 e 49 do supracitado diploma legal:
Art. 47.
Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica
e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento
diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte
objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito
municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o
incentivo à inovação tecnológica. (Redação
dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Parágrafo único. No que diz respeito às compras
públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento
específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno
porte, aplica-se a legislação federal.
(Incluído
pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Art. 48. Para o cumprimento do
disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração
pública: (Redação
dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Os incisos I e II do artigo 48 trazem enorme vantagem para
as microempresas e empresas de pequeno porte, senão vejamos:
I - deverá realizar processo licitatório destinado
exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos
itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil
reais); (Redação
dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
II - poderá,
em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e
serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de
pequeno porte; (Redação
dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
O inciso III do
artigo 48 traz vantagem para as microempresas e empresas de pequeno porte, mas “no
conjunto da obra” não é bem assim.
Vejamos a redação do inciso:
III - deverá estabelecer, em certames para
aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por
cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno
porte. (Redação
dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Notem que não importa qual será o valor das aquisições. Pode
ser de R$1.000.000,00 ou mais. Os editais devem abrir um “item-cota”,
especialmente para as microempresas e empresas de pequeno porte, de ATÉ 25%. A única
ressalva é a de que o objeto desse item seja DIVISÍVEL.
Aqui precisamos ter certo cuidado na hora de interpretar “bens
de natureza divisível” previsto no inciso III. Uma caneta é um bem divisível? Não.
Então farei uma compra de canetas, num total de 100.000 canetas, e não vou
reservar ATÉ 25% para as microempresas? Não me parece coerente essa interpretação.
Uma unidade de caneta é um objeto INDIVISÍVEL, mas se o objeto da licitação for
a compra de 100.000 canetas, entendemos que esse objeto é perfeitamente DIVISÍVEL,
pode ser fracionado. Enquanto não tivermos o disciplinamento do TCU sobre isso,
acho coerente reservar um percentual de ATÉ 25% das “quantidades” do OBJETO a
ser licitado. Neste caso estamos interpretando que o objeto em si (100.000 canetas)
é divisível. Saliente-se que o referido inciso III fala de ATÈ 25% DO “OBJETO”.
Ainda com relação aos
“bens de natureza divisível”, o art. 23, § 7º, da Lei nº 8.666/93, estabelece
que “Na compra de bens de natureza divisível, é permitida a cotação de
quantidade inferior à demanda na licitação, com vistas a ampliação da
competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a
economia de escala”.
Parece-nos que a ideia
de “bem de natureza divisível”, PARA AS NORMAS LCITATÓRIAS, não está somente e intimamente ligada ao bem em
si, mas também à quantidade desse bem sem a perda da sua integralidade, de modo que acreditamos que fica mais clara uma interpretação como "objeto divisível".
Adquirir quantidades
diferentes de um bem divisível pode ser desastroso. Um desktop (cpu, teclado e
mouse) forma o que entendemos por um computador completo e perfeitamente divisível.
Posso comprar separadamente a cpu, o teclado e o monitor. Mas não poderia, em
tese, adquirir quantidades menores desses bens.
Se pretendo adquirir
10 microcomputadores para o uso em uma repartição pública, não me interessa
adquirir 5 monitores, 10 cpu’s e 6 teclados, mas poderia, para aplicar o 23, §
7º, da Lei nº 8.666/93, adquirir de um fornecedor: 4 monitores, 4 cpu’s e 4
teclados e de outro fornecedor 6 monitores, 6 cpu’s e 6 teclados. Embora seja o
objeto divisível, não devemos prejudicar a integralidade do bem.
Continuemos. Citaremos um exemplo prático de licitação para
REGISTRO DE PREÇOS, onde a Administração NÃO tem obrigação de adquirir qualquer
quantidade do objeto.
Exemplo: A Administração pretende adquirir 100 computadores.
Do comentário acima, entendemos que o objeto dessa licitação pode ser
fracionado. Logo, podemos reservar os (até) 25% do objeto, de que trata o
inciso III do Art. 48, para as microempresas.
Para fazer essa reserva, criaremos um item-cota. O objeto
da licitação agora será composto de dois itens: item 01: Aquisição de 75 computadores;
item 02: Aquisição de 25 (se a cota for de 25%. Pode ser inferior.) Computadores.
Esse item 02 é de participação exclusiva de microempresa.
Agora vejamos o que pode acontecer no resultado desta
licitação:
Situação 1 – Uma empresa qualquer vence o item 01 cotando computador
bic a R$ 1.000,00 e a microempresa, no item 02, vence cotando computador bic a
R$ 1.000,00. Até aqui, não há problema. Temos o mesmo preço. Teremos duas atas
de registro de preços com os mesmos valores. A administração pode escolher de quem
irá comprar. Outras Administrações poderão aderir a qualquer uma das atas, escolhendo
qualquer uma das duas para comprar.
Situação 2 – Uma empresa qualquer vence o item 01 cotando computador
bic a R$ 1.000,00 e a microempresa, no item 02, vence cotando computador bic a
R$ 800,00. Teremos duas atas de registro de preços com valores diferentes. A administração,
se precisar adquirir até 25 computadores, por lógica, vai adquirir os 25 mais
baratos, da microempresa. Se precisar de mais computadores, começará a adquirir
da “empresa qualquer”. Outras Administrações poderão aderir a qualquer uma das
atas, mas é lógico que vai aderir a ata mais barata. Se aderir a ata da
microempresa e comprar os 25 computadores, tudo bem. Mas se precisar de mais, terá
que ir para o mais caro;
Situação 3 – Uma empresa qualquer vence o item 01 cotando computador
bic a R$ 1.000,00 e a microempresa, no item 02, vence cotando computador bic a
R$ 1.200,00. Teremos duas atas de registro de preços com valores diferentes. A administração,
se precisar adquirir até 25 computadores, por lógica, vai adquirir os 25 mais
baratos, da “empresa qualquer”. Só depois de adquirir os 75 computadores mais
baratos é que poderia adquirir o 25, bem mais caros da microempresa. Talvez isso
não aconteça nunca.
Outras Administrações
poderão aderir a qualquer uma das atas, mas é lógico que vai aderir a ata mais
barata, da “empresa qualquer”. Só depois de aderir à ata e adquirir os 75
computadores mais baratos é que poderia adquirir o 25, bem mais caros da
microempresa. Talvez isso não aconteça nunca.
A situação nº 3 provavelmente vai sempre acontecer, pois não
será fácil para uma microempresa disputar com uma empresa de grande porte.
Caso concreto presenciei. Isso gerou uma discussão sobre ser
letra morta o inciso III do Art. 48. Surgiu uma proposta: será que a Administração
não seria obrigada a contratar com a microempresa, ao menos proporcionalmente? Ou
seja, se reservou 10% do quantitativo do objeto, então sempre que comprar ao frnecedr
normal, terá que comprar 10% do valor ao fornecedor microempresas.
A discussão se encerra quando nos deparamos com o art. 49
Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47
e 48 desta Lei Complementar quando:
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III - o tratamento diferenciado e
simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for
vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou
complexo do objeto a ser contratado;
Compra mais
caro nunca foi vantajoso. Nem mesmo se compramos ao fornecedor microempresa. Assim,
a reserva de até 25% do objeto para as microempresas e empresas de pequeno
porte pode não ser aplicado se não for vantajoso e o Inciso III do art. 48
poderá não passar de letra morta.
Eu sou JOSÉ
IVAN B M FERRAZ – Especialista em Direito Público