domingo, 6 de maio de 2018

A declaração de inidoneidade prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992 pode ser aplicada a empresa que foi convidada para participar de licitação e absteve-se de apresentar proposta para, deliberadamente, beneficiar terceiros, caracterizando conduta omissiva com o objetivo de interferir ilicitamente no certame licitatório.



Em processo apartado, constituído a partir de representação que apontava fraudes em licitações conduzidas pela Petrobras, relacionadas às obras de implantação da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca/PE, a conduta de determinada empresa ao não apresentar proposta em licitações para as quais fora convidada restou inserida no seguinte contexto fático: “As condutas anticompetitivas consistiram em acordos de (i) fixação de preços, condições, vantagens e abstenção de participação, e (ii) divisão de mercado entre concorrentes, em licitações públicas de obras de montagem industrial ‘onshore’ da Petrobras do Brasil. Estas condutas foram viabilizadas, principalmente, por meio de reuniões presenciais, contatos telefônicos e SMS’s entre os representantes das empresas, voltados à supressão/redução de competividade nas licitações/contratações realizadas pela Petrobras nas obras de montagem industrial ‘onshore’, com prévio acerto do vencedor, preços apresentados, condições, divisões de lotes, abstenções, propostas de cobertura, dentre outros”. Em sua defesa, a empresa aduziu que a simples ausência da apresentação de propostas em certames licitatórios não constituiria, por si só, prática de ato ilícito. A despeito de concordar com essa afirmativa, o relator asseverou em seu voto que, de acordo com os autos, havia “elementos suficientes para se concluir que as omissões em questão constituíram em condutas deliberadas para dar azo ao funcionamento do cartel”. A partir dessa constatação, o relator passou a examinar a subsunção da conduta da empresa ao previsto no art. 46 da Lei 8.443/1992 (Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal), deixando assente, em preliminar, que a referida norma estabelece a condição de licitante para que a conduta do sujeito ativo se enquadre na figura típica, e que, nessa situação, a empresa não necessariamente figuraria na condição de licitante, já que “o entendimento usual da matéria é ser licitante aquele que participa do certame mediante a apresentação de propostas. Ponderou, contudo, que não existia uma definição legal de licitante e, a seu sentir, não havia obstáculos “para esse conceito ser entendido como o particular que de alguma forma participa do procedimento licitatório na condição de potencial contratado e interfere na disputa e no resultado”. Esse entendimento, a seu ver, “parece ser o que melhor busca concretizar a vontade da lei e impede o seu desvirtuamento, que constituiria no afastamento de sua incidência de condutas que evidentemente atentam contra o bem jurídico protegido – lisura das licitações efetuadas pela Administração Pública”. Na ótica do relator, estar-se-ia “diante de interpretação extensiva, a qual guarda restrição a sua aplicação no direito sancionatório em razão do princípio in dubio pro reo”, entretanto essa restrição não seria absoluta, tendo em vista que em precedente do STF, a Egrégia Corte já teria decidido que a “interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis”. No caso concreto, a empresa fora convidada para o certame e, deliberadamente, absteve-se de apresentar proposta para beneficiar terceiros. Nesse cenário, o relator vislumbrou “uma conduta omissiva efetuada com o objetivo específico de interferir nos certames ilicitamente, de forma que a empresa se amolda ao estabelecido no art. 46 da Lei 8.443/1992”. E arrematou: “mesmo que se admita que a empresa não detenha a condição de licitante, o fato é que, com sua conduta, contribuiu para que outras empresas, na condição de licitantes, fraudassem os certames em análise”. Dessa forma, a empresa “assumiria a condição de partícipe e igualmente deveria responder pelo ilícito na medida de sua culpabilidade”. Ao final, o relator propôs e o Plenário decidiu declarar, com fundamento no art. 46 da Lei 8.443/1992, a inidoneidade da empresa para participar, por três anos, de licitação na Administração Pública Federal.
Acórdão 300/2018 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.