quinta-feira, 2 de junho de 2022

Na falta de documento relativo à fase de habilitação em pregão que consista em mera declaração do licitante sobre fato preexistente ou em simples compromisso por ele firmado, deve o pregoeiro conceder-lhe prazo razoável para o saneamento da falha

 

Na falta de documento relativo à fase de habilitação em pregão que consista em mera declaração do licitante sobre fato preexistente ou em simples compromisso por ele firmado, deve o pregoeiro conceder-lhe prazo razoável para o saneamento da falha, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 11/2021, conduzido pela Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), cujo objeto era a prestação dos serviços de levantamentos batimétricos periódicos nos acessos aquaviários dos Portos da CDRJ. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de o pregoeiro haver inabilitado a representante em razão da ausência de dois documentos requeridos no instrumento convocatório: o atestado de visita técnica ou a declaração formal do conhecimento das condições locais de trabalho (item 10.10.4 ‘c’); e a declaração da concordância com as disposições do instrumento convocatório e de seus anexos, garantindo o prazo de validade dos preços e condições da proposta (item 10.10.4 ‘d’). Instada a se pronunciar nos autos, a autoridade portuária basicamente apresentou a manifestação do pregoeiro, o qual sustentou, em essência, terem sido regulares os procedimentos por ele adotados, descrevendo-os com detalhes e afirmando ter seguido fielmente o edital e a legislação pertinente, sobretudo os arts. 26, § 9º, 38, § 2º, e 43, § 2º, do Decreto 10.024/2019, dispositivos que, segundo ele, vedam a anexação extemporânea de documentos de habilitação. Em seu voto, quanto aos dois documentos faltantes, o relator destacou que a despeito de sua relevância, são meras manifestações e compromissos, sendo sua ausência, portanto, de saneamento simples e célere. Acerca do pronunciamento do pregoeiro no sentido de que deveriam prevalecer os princípios da legalidade e da vinculação ao instrumento convocatório, em detrimento do formalismo moderado e da razoabilidade, o relator ponderou que a simples verificação da natureza dos documentos faltantes permite concluir, sem que restem dúvidas, que estes últimos preceitos devem prevalecer. Segundo ele, conquanto seja fundamental no Direito Administrativo, o princípio da legalidade não é absoluto e, no caso concreto, parece-me claro que sua aplicação irrestrita operou contra a obtenção da melhor proposta e do alcance do interesse público, sendo apropriado ponderar a aplicação da salutar flexibilização do formalismo. Além disso, invocou o art. 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei 9.784/1999, o qual estabelece como um dos critérios a serem observados em processos administrativos a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público. O relator pontuou ainda que a aplicação do formalismo moderado e da razoabilidade não consistiria, em absoluto, afronta à isonomia, pois o licitante que comete erro sanável e o corrige tempestivamente terá, ao fim dos procedimentos licitatórios, demonstrado, nos termos do edital, sua capacidade de cumprir o objeto, da mesma forma de outro participante que tenha seguido integralmente os requisitos do instrumento convocatório desde a apresentação inicial da documentação. Acrescentou que o entendimento por ele externado seria harmônico com diversas e recentes deliberações do Plenário, a exemplo dos Acórdãos 2673/2021, 2528/2021, 1636/2021 e 1211/2021. Em relação a esta última deliberação, o relator transcreveu o seguinte excerto do voto condutor: Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases de julgamento das propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica, mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes (...); sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.. Para o relator, seria exatamente essa a hipótese dos autos, uma vez ambas as declarações ausentes retratariam condição anterior à sessão do pregão e poderiam ser prontamente elaboradas e entregues. E arrematou: Enfim, na minha compreensão, de fato, o formalismo exacerbado do pregoeiro gerou a desclassificação indevida da ora representante. Considerando a circunstância de que, antes mesmo da data em que a representação fora apresentada ao TCU, o contrato com a empresa vencedora do Pregão Eletrônico 11/2021 já havia sido celebrado e que a anulação do certame seria medida contrária ao interesse público, o relator ofereceu proposta ao colegiado, acolhida pelos demais ministros, no sentido de determinar à CDRJ que se abstivesse de prorrogar o contrato em andamento e de que a entidade fosse cientificada que nos casos em que os documentos faltantes relativos à habilitação em pregões forem de fácil elaboração e consistam em meras declarações sobre fatos preexistentes ou em compromissos pelo licitante, deve ser concedido prazo razoável para o devido saneamento, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999.

Acórdão 988/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio Anastasia.