Na falta de documento relativo à
fase de habilitação em pregão que consista em mera declaração do licitante
sobre fato preexistente ou em simples compromisso por ele firmado, deve o
pregoeiro conceder-lhe prazo razoável para o saneamento da falha, em respeito
aos princípios do formalismo moderado e da razoabilidade, bem como ao art. 2º,
caput, da Lei 9.784/1999.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
11/2021, conduzido pela Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), cujo objeto
era a “prestação dos serviços de
levantamentos batimétricos periódicos nos acessos aquaviários dos Portos da
CDRJ”. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato
de o pregoeiro haver inabilitado a representante em razão da ausência de dois
documentos requeridos no instrumento convocatório: “o atestado de visita técnica ou a declaração formal do conhecimento
das condições locais de trabalho (item 10.10.4 ‘c’); e a declaração da
concordância com as disposições do instrumento convocatório e de seus anexos,
garantindo o prazo de validade dos preços e condições da proposta (item 10.10.4
‘d’)”. Instada a se pronunciar nos autos, a autoridade portuária
basicamente apresentou a manifestação do pregoeiro, o qual sustentou, em
essência, terem sido regulares os procedimentos por ele adotados,
descrevendo-os com detalhes e afirmando ter seguido fielmente o edital e a
legislação pertinente, sobretudo os arts. 26, § 9º, 38, § 2º, e 43, § 2º, do
Decreto 10.024/2019, dispositivos que, segundo ele, “vedam a anexação extemporânea de documentos de habilitação”.
Em seu voto, quanto aos dois documentos faltantes, o relator destacou que “a despeito de sua relevância, são meras
manifestações e compromissos, sendo sua ausência, portanto, de saneamento
simples e célere”. Acerca do pronunciamento do pregoeiro no sentido
de que deveriam prevalecer os princípios da legalidade e da vinculação ao
instrumento convocatório, em detrimento do formalismo moderado e da
razoabilidade, o relator ponderou que “a
simples verificação da natureza dos documentos faltantes permite concluir, sem
que restem dúvidas, que estes últimos preceitos devem prevalecer”.
Segundo ele, “conquanto seja
fundamental no Direito Administrativo, o princípio da legalidade não é absoluto”
e, no caso concreto, “parece-me
claro que sua aplicação irrestrita operou contra a obtenção da melhor proposta
e do alcance do interesse público, sendo apropriado ponderar a aplicação da
salutar flexibilização do formalismo”. Além disso, invocou o art.
2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei 9.784/1999, o qual estabelece como um
dos critérios a serem observados em processos administrativos a “adequação entre meios e fins, vedada a
imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas
estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. O
relator pontuou ainda que a aplicação do formalismo moderado e da razoabilidade
não consistiria, em absoluto, afronta à isonomia, pois “o licitante que comete erro sanável e o corrige tempestivamente
terá, ao fim dos procedimentos licitatórios, demonstrado, nos termos do edital,
sua capacidade de cumprir o objeto, da mesma forma de outro participante que
tenha seguido integralmente os requisitos do instrumento convocatório desde a
apresentação inicial da documentação”. Acrescentou que o
entendimento por ele externado seria harmônico com diversas e recentes
deliberações do Plenário, a exemplo dos Acórdãos 2673/2021, 2528/2021, 1636/2021 e 1211/2021. Em relação a esta última deliberação, o relator
transcreveu o seguinte excerto do voto condutor: “Admitir a juntada de documentos que apenas venham a atestar
condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os
princípios da isonomia e igualdade entre as licitantes e o oposto, ou seja, a
desclassificação do licitante, sem que lhe seja conferida oportunidade para
sanear os seus documentos de habilitação e/ou proposta, resulta em objetivo
dissociado do interesse público, com a prevalência do processo (meio) sobre o
resultado almejado (fim). O pregoeiro, durante as fases de julgamento das
propostas e/ou habilitação, deve sanear eventuais erros ou falhas que não
alterem a substância das propostas, dos documentos e sua validade jurídica,
mediante decisão fundamentada, registrada em ata e acessível aos licitantes
(...); sendo que a vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, §
3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021),
não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo
licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais
comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual
deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro.”. Para o relator,
seria exatamente essa a hipótese dos autos, uma vez “ambas as declarações ausentes retratariam condição anterior à
sessão do pregão e poderiam ser prontamente elaboradas e entregues”.
E arrematou: “Enfim, na minha
compreensão, de fato, o formalismo exacerbado do pregoeiro gerou a
desclassificação indevida da ora representante”. Considerando a
circunstância de que, antes mesmo da data em que a representação fora
apresentada ao TCU, o contrato com a empresa vencedora do Pregão Eletrônico
11/2021 já havia sido celebrado e que a anulação do certame seria medida
contrária ao interesse público, o relator ofereceu proposta ao colegiado,
acolhida pelos demais ministros, no sentido de determinar à CDRJ que se
abstivesse de prorrogar o contrato em andamento e de que a entidade fosse
cientificada que “nos casos em que
os documentos faltantes relativos à habilitação em pregões forem de fácil
elaboração e consistam em meras declarações sobre fatos preexistentes ou em
compromissos pelo licitante, deve ser concedido prazo razoável para o devido
saneamento, em respeito aos princípios do formalismo moderado e da
razoabilidade, bem como ao art. 2º, caput, da Lei 9.784/1999”.
Acórdão
988/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio Anastasia.