Em licitação que tem por objeto a
prestação de serviços de transporte mediante a locação de veículos com
motoristas, em que a locação é o componente principal do serviço e a mão de
obra tem caráter acessório e instrumental, é possível a participação de
microempresa ou empresa de pequeno porte optante do Simples Nacional, não
sendo necessário que ela, caso contratada, promova sua exclusão desse regime
tributário.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão 1/2020 da Gerência
Regional da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no Rio Grande do Sul,
que objetivava a contratação de empresa especializada na “prestação de
serviços de transporte, incluindo veículos, motoristas e demais insumos, para o
transporte de pessoas, materiais e equipamentos”. Entre as irregularidades
suscitadas, mereceu destaque a cláusula do edital que vedava o enquadramento,
no regime de tributação do Simples Nacional, da atividade de prestação de
serviços de transporte mediante a locação de veículos com motoristas, nos
seguintes termos: “6.9. Na presente licitação, a Microempresa e a Empresa de
Pequeno Porte não poderão se beneficiar do regime de tributação pelo Simples
Nacional, visto que os serviços serão prestados com disponibilização de
trabalhadores em dedicação exclusiva de mão de obra, o que configura cessão de
mão de obra para fins tributários, conforme art. 17, inciso XII, da Lei
Complementar nº 123/2006”. Sob o argumento de que, para se caracterizar a
cessão de mão de obra em uma contratação, os empregados da contratada devem
estar à disposição da contratante, submetidos ao poder de comando desta,
hipótese não presente na situação em apreço, o TCU proferiu o Acórdão de Relação
103/2021-Plenário, nos seguintes
termos: “Considerando as condições específicas da contratação, em que não se
verifica a presença da colocação de empregados da contratada à disposição do
contratante, no sentido de colocar sob o comando e subordinação da tomadora dos
serviços, requisito essencial para caracterizar a cessão de mão de obra, do que
se conclui que não deve haver impedimento à participação de empresas optantes
pelo regime tributário do Simples Nacional no referido certame [...];(...)
1.6. Dar ciência à Gerência Regional da Anatel no Rio Grande do Sul [...]
sobre as seguintes impropriedades/falhas, identificadas no Pregão Eletrônico
1/2020, sucedido pelo Pregão Eletrônico 03/2020, para que sejam adotadas
medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes:
1.6.1. a vedação indevida à participação de microempresa e empresa de pequeno
porte optantes do Simples Nacional, ou a exigência de que a empresa optante,
caso contratada, proceda a sua exclusão desse regime tributário, em certames
licitatórios cujo objeto seja o transporte de passageiros, materiais e/ou
equipamentos mediante a locação de veículos com motorista, mas que não reste
caracterizada a cessão de mão de obra, caracteriza violação aos princípios
basilares da licitação dispostos no art. 3º da Lei 8.666/1993 e no art. 4º,
inciso III, da Lei 10.520/2002, especialmente, os da isonomia, vantajosidade e
competitividade”. Inconformada com essa deliberação, a Anatel interpôs
pedido de reexame, argumentando, em síntese, que : i) a interpretação do TCU,
ao exigir a subordinação, extrapolou o conceito de cessão de mão de obra, o que
inviabilizaria qualquer contratação sob tal modalidade por toda a Administração
Pública, tendo em vista que o fundamento do acórdão seria contrário ao disposto
no art. 7º, incisos II e IV, do Decreto 9.507/2018; ii) a cessão de mão de obra
implica coordenação da execução dos serviços pelo contratante, sem que disso
decorra a subordinação direta dos empregados ao tomador; iii) a contratação
pretendida apresentava elementos que caracterizariam a cessão de mão de obra,
assim entendida, segundo o art. 31, § 3º, da Lei 8.212/1991, como “a
colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de
terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não
com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de
contratação”. Adicionalmente, a recorrente defendeu a regularidade da
cláusula do edital questionada, “visto que os funcionários da empresa
terceirizada prestam o serviço em caráter continuado e nas dependências da agência
reguladora, se enquadrando no conceito de cessão de mão de obra previsto no
art. 31, § 3º, da Lei nº 8.212/91”.
Em seu voto, o relator considerou assistir razão à recorrente quanto ao
argumento de que a subordinação não é elemento caracterizador da cessão de mão
de obra em contatos de terceirização de serviços com a Administração Pública,
haja vista que, “em diversos normativos, a cessão ou locação de mão de obra
é definida apenas como sendo a colocação de trabalhadores à disposição da
empresa contratante, em caráter não eventual, para realização de serviços
contínuos”, conceito que poderia ser encontrado, com pequenas distinções de
redação, no art. 31, § 3º, da Lei 8.212/1991; no art. 115 da IN 971/2009 da
Receita Federal do Brasil; e no art. 112, § 1º, da Resolução 140/2018 do
Conselho Gestor do Simples Nacional. O relator assinalou que a própria Justiça
do Trabalho reconhece a subordinação como elemento do vínculo empregatício, mas
a rechaça na terceirização de mão de obra, a exemplo do conteúdo da Súmula 331
do TST, que em seu inciso III, dispõe: “Não forma vínculo de emprego com o
tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e
de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à
atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a
subordinação direta”. Depois de transcrever excerto da Solução de Consulta
19, de 15/1/2019, da Receita Federal, ressaltando que o documento é bastante
elucidativo ao dispor que, na cessão de mão de obra, o poder de comando da
tomadora dos serviços não se confunde com a subordinação jurídica entre empresa
contratada e seus empregados, o relator concluiu que deveriam ser acolhidos os
argumentos da peça recursal neste particular. Todavia, quanto à regularidade da
cláusula editalícia, o relator negou provimento ao pleito da Anatel. Para
tanto, invocou excerto do voto condutor do Acórdão
554/2016-Plenário, por meio do qual o
TCU deixou assente que, nos casos em que o contrato tenha por objeto principal
a locação de veículos, não há vedação a que a licitante seja optante do Simples
Nacional, ainda que, em caráter supletivo, seja também fornecida a mão de obra
necessária para a condução dos veículos locados. Na linha daquela decisão, a
mão de obra é fornecida em caráter instrumental, não impedindo a incidência do
regime tributário aplicável ao objeto principal. Ao final, visando à manutenção
da segurança jurídica na atuação do Tribunal, o relator propôs, e o Plenário
acolheu, dar provimento parcial ao pedido de reexame para tornar insubsistente
o acórdão recorrido, sem prejuízo de dar ciência à Anatel, com vistas à
prevenção de outras ocorrências semelhantes, que “caracteriza violação aos
princípios basilares da licitação dispostos no art. 3º da Lei 8.666/1993 e no
art. 4º, inciso III, da Lei 10.520/2002, especialmente os da isonomia,
vantajosidade e competitividade, a vedação indevida à participação de
microempresa e empresa de pequeno porte optantes do Simples Nacional, ou a
exigência de que a empresa optante, caso contratada, proceda a sua exclusão
desse regime tributário, em certames licitatórios cujo objeto seja o transporte
de passageiros, materiais e/ou equipamentos, mediante a locação de veículos com
motorista, nas situações em que a correspondente mão de obra para prestação dos
serviços apresentar caráter acessório ao objeto principal e finalidade
instrumental à operação dos veículos locados”.
Acórdão
1778/2022 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Jorge Oliveira.