quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Em licitação que tem por objeto a prestação de serviços de transporte mediante a locação de veículos com motoristas, em que a locação é o componente principal do serviço e a mão de obra tem caráter acessório e instrumental, é possível a participação de microempresa ou empresa de pequeno porte optante do Simples Nacional

 

Em licitação que tem por objeto a prestação de serviços de transporte mediante a locação de veículos com motoristas, em que a locação é o componente principal do serviço e a mão de obra tem caráter acessório e instrumental, é possível a participação de microempresa ou empresa de pequeno porte optante do Simples Nacional, não sendo necessário que ela, caso contratada, promova sua exclusão desse regime tributário.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão 1/2020 da Gerência Regional da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no Rio Grande do Sul, que objetivava a contratação de empresa especializada na “prestação de serviços de transporte, incluindo veículos, motoristas e demais insumos, para o transporte de pessoas, materiais e equipamentos”. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a cláusula do edital que vedava o enquadramento, no regime de tributação do Simples Nacional, da atividade de prestação de serviços de transporte mediante a locação de veículos com motoristas, nos seguintes termos: “6.9. Na presente licitação, a Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte não poderão se beneficiar do regime de tributação pelo Simples Nacional, visto que os serviços serão prestados com disponibilização de trabalhadores em dedicação exclusiva de mão de obra, o que configura cessão de mão de obra para fins tributários, conforme art. 17, inciso XII, da Lei Complementar nº 123/2006”. Sob o argumento de que, para se caracterizar a cessão de mão de obra em uma contratação, os empregados da contratada devem estar à disposição da contratante, submetidos ao poder de comando desta, hipótese não presente na situação em apreço, o TCU proferiu o Acórdão de Relação 103/2021-Plenário, nos seguintes termos: “Considerando as condições específicas da contratação, em que não se verifica a presença da colocação de empregados da contratada à disposição do contratante, no sentido de colocar sob o comando e subordinação da tomadora dos serviços, requisito essencial para caracterizar a cessão de mão de obra, do que se conclui que não deve haver impedimento à participação de empresas optantes pelo regime tributário do Simples Nacional no referido certame [...];(...) 1.6. Dar ciência à Gerência Regional da Anatel no Rio Grande do Sul [...] sobre as seguintes impropriedades/falhas, identificadas no Pregão Eletrônico 1/2020, sucedido pelo Pregão Eletrônico 03/2020, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes: 1.6.1. a vedação indevida à participação de microempresa e empresa de pequeno porte optantes do Simples Nacional, ou a exigência de que a empresa optante, caso contratada, proceda a sua exclusão desse regime tributário, em certames licitatórios cujo objeto seja o transporte de passageiros, materiais e/ou equipamentos mediante a locação de veículos com motorista, mas que não reste caracterizada a cessão de mão de obra, caracteriza violação aos princípios basilares da licitação dispostos no art. 3º da Lei 8.666/1993 e no art. 4º, inciso III, da Lei 10.520/2002, especialmente, os da isonomia, vantajosidade e competitividade”. Inconformada com essa deliberação, a Anatel interpôs pedido de reexame, argumentando, em síntese, que : i) a interpretação do TCU, ao exigir a subordinação, extrapolou o conceito de cessão de mão de obra, o que inviabilizaria qualquer contratação sob tal modalidade por toda a Administração Pública, tendo em vista que o fundamento do acórdão seria contrário ao disposto no art. 7º, incisos II e IV, do Decreto 9.507/2018; ii) a cessão de mão de obra implica coordenação da execução dos serviços pelo contratante, sem que disso decorra a subordinação direta dos empregados ao tomador; iii) a contratação pretendida apresentava elementos que caracterizariam a cessão de mão de obra, assim entendida, segundo o art. 31, § 3º, da Lei 8.212/1991, como “a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação”. Adicionalmente, a recorrente defendeu a regularidade da cláusula do edital questionada, “visto que os funcionários da empresa terceirizada prestam o serviço em caráter continuado e nas dependências da agência reguladora, se enquadrando no conceito de cessão de mão de obra previsto no art. 31, § 3º, da Lei nº 8.212/91”.  Em seu voto, o relator considerou assistir razão à recorrente quanto ao argumento de que a subordinação não é elemento caracterizador da cessão de mão de obra em contatos de terceirização de serviços com a Administração Pública, haja vista que, “em diversos normativos, a cessão ou locação de mão de obra é definida apenas como sendo a colocação de trabalhadores à disposição da empresa contratante, em caráter não eventual, para realização de serviços contínuos”, conceito que poderia ser encontrado, com pequenas distinções de redação, no art. 31, § 3º, da Lei 8.212/1991; no art. 115 da IN 971/2009 da Receita Federal do Brasil; e no art. 112, § 1º, da Resolução 140/2018 do Conselho Gestor do Simples Nacional. O relator assinalou que a própria Justiça do Trabalho reconhece a subordinação como elemento do vínculo empregatício, mas a rechaça na terceirização de mão de obra, a exemplo do conteúdo da Súmula 331 do TST, que em seu inciso III, dispõe: “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”. Depois de transcrever excerto da Solução de Consulta 19, de 15/1/2019, da Receita Federal, ressaltando que o documento é bastante elucidativo ao dispor que, na cessão de mão de obra, o poder de comando da tomadora dos serviços não se confunde com a subordinação jurídica entre empresa contratada e seus empregados, o relator concluiu que deveriam ser acolhidos os argumentos da peça recursal neste particular. Todavia, quanto à regularidade da cláusula editalícia, o relator negou provimento ao pleito da Anatel. Para tanto, invocou excerto do voto condutor do Acórdão 554/2016-Plenário, por meio do qual o TCU deixou assente que, nos casos em que o contrato tenha por objeto principal a locação de veículos, não há vedação a que a licitante seja optante do Simples Nacional, ainda que, em caráter supletivo, seja também fornecida a mão de obra necessária para a condução dos veículos locados. Na linha daquela decisão, a mão de obra é fornecida em caráter instrumental, não impedindo a incidência do regime tributário aplicável ao objeto principal. Ao final, visando à manutenção da segurança jurídica na atuação do Tribunal, o relator propôs, e o Plenário acolheu, dar provimento parcial ao pedido de reexame para tornar insubsistente o acórdão recorrido, sem prejuízo de dar ciência à Anatel, com vistas à prevenção de outras ocorrências semelhantes, que “caracteriza violação aos princípios basilares da licitação dispostos no art. 3º da Lei 8.666/1993 e no art. 4º, inciso III, da Lei 10.520/2002, especialmente os da isonomia, vantajosidade e competitividade, a vedação indevida à participação de microempresa e empresa de pequeno porte optantes do Simples Nacional, ou a exigência de que a empresa optante, caso contratada, proceda a sua exclusão desse regime tributário, em certames licitatórios cujo objeto seja o transporte de passageiros, materiais e/ou equipamentos, mediante a locação de veículos com motorista, nas situações em que a correspondente mão de obra para prestação dos serviços apresentar caráter acessório ao objeto principal e finalidade instrumental à operação dos veículos locados”.

Acórdão 1778/2022 Plenário, Pedido de Reexame, Relator Ministro Jorge Oliveira.