Não se enquadra na vedação prevista
no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993 a contratação de empresa que tenha,
na condição de sócio cotista, servidor do órgão contratante sem capacidade
para influenciar o resultado da licitação e sem atribuições ligadas à gestão
ou à fiscalização do contrato.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Contrato 217/2018,
celebrado pela Superintendência da Diretoria de Administração e Logística do
Ministério da Economia no Estado de São Paulo, cujo objeto era a “prestação de serviços de perícias médicas em
psiquiatria e perícias médicas em especialidades diversas, a serem realizadas
por Junta Médica, composta por 3 profissionais médicos”. O autor da
representação alegou, em síntese, que: a) um dos sócios da empresa contratada
possuiria vínculo com a Administração Pública Federal desde 2006, sendo detentor
do cargo de perito médico federal, o qual fazia parte, originalmente, da
carreira de perito médico previdenciário e integrava o quadro de pessoal do
INSS; b) após a promulgação da MP 871/2019, convertida na Lei 13.846/2019, os
integrantes da carreira de perito médico federal passaram a se vincular ao
Ministério da Economia, por força do art. 19 da referida norma; c) atualmente,
os peritos médicos federais integram o quadro de pessoal do Ministério do
Trabalho e Previdência, em virtude da alteração promovida na aludida norma pelo
art. 10 da Lei 14.261/2021; e d) considerando que aquele sócio da contratada
permanece vinculado diretamente à União, a contratação em apreço violaria o
art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993. No âmbito da unidade técnica, foi
promovida a oitiva da Superintendência da Diretoria de Administração e
Logística do Ministério da Economia no Estado de São Paulo, bem como da empresa
contratada, para que se manifestassem sobre “a manutenção do Contrato 217/2018 e a celebração de três aditivos
contratuais de prorrogação de vigência do mencionado instrumento, considerando
que, a partir de 18/1/2019 (data da edição MP 871/2019), a contratação se
mostrava irregular, por violar o art. 9º, III da Lei 8.666/1993”. Após
analisar as justificativas encaminhadas, a unidade instrutiva concluiu que a representação deveria ser considerada
procedente, por ter havido infração ao art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993,
durante o período de 18/1/2019 a 27/7/2021, uma vez que um dos sócios da
contratada era detentor do cargo de perito médico federal, que integrava o
quadro de pessoal do Ministério da Economia, órgão contratante. Ponderou, no
entanto, que o mencionado ajuste não mais se encontrava em situação de
ilegalidade, porquanto o cargo de perito médico passara a integrar o quadro de
pessoal do Ministério do Trabalho e Previdência, por força do art. 10 da Lei
14.261/2021. Nesse cenário, defendeu não ser adequada a anulação do contrato ou
a vedação à sua prorrogação, haja vista o déficit
de pessoal capacitado para realizar as perícias médicas, fundamentais às
atividades do Ministério da Economia, estando assim presente o risco de dano
reverso. Ademais, invocou o art. 147 da Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações
e Contratos Administrativos), que determina análise consequencial de eventual
anulação de contrato, “não obstante a
norma não seja aplicável à avença, já que o certame fora realizado com base nas
Leis 8.666/1993 e 10.520/2002”. Em seu voto, o relator entendeu que não
subsistia a irregularidade noticiada. Para tanto, julgou oportuno transcrever,
preliminarmente, o conteúdo do art. 9º da Lei 8.666/1993: “Art. 9º. Não poderá participar, direta ou indiretamente, da
licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles
necessários: I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou
jurídica; II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela
elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja
dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do
capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou
subcontratado; III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante
ou responsável pela licitação. [...] § 3º Considera-se participação
indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer
vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista
entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou
responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os
fornecimentos de bens e serviços a estes necessários. § 4º O disposto no
parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação”. Na
sequência, pontuou que a Lei 8.666/1993 proíbe a participação indireta de servidor
em licitação promovida pelo órgão ao qual está vinculado, mas não disciplina
como essa participação indireta seria configurada, e que, pela literalidade da
norma, o § 3º somente se aplica ao autor do projeto, pessoa física ou jurídica,
e aos membros da comissão de licitação, neste caso, por força do § 4º. Segundo
o relator, “a lei não é clara se um
servidor do órgão contratante, que não seja membro da comissão de licitação e
que possua vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista
com uma empresa contratada, a exemplo de alguém que seja sócio cotista desta,
incorre na vedação do art. 9°, caput c/c o inciso III, da Lei 8.666/1993”.
Nesse cenário, a definição do que vem a ser participação indireta, no caso de
servidor do órgão contratante, estaria a merecer interpretação. Em sua visão, o
art. 9º da referida norma “quis evitar
situações que pudessem caracterizar conflito de interesses em contratações
públicas. Dito de outra forma, ele buscou afastar do certame e da execução do contrato
todos os licitantes que tivessem alguma vinculação com alguém capaz de
influenciar o resultado da licitação ou com atribuições ligadas à gestão ou à
fiscalização do ajuste”. Para o relator, tal interpretação estaria coerente
com o teor do art. 14, inciso V, da Lei 14.133/2021, que vem a ser o
dispositivo equivalente ao que se encontrava sob análise. Conforme a referida
disposição, não podem disputar licitação ou participar da execução de contrato,
direta ou indiretamente: “V - aquele que
mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira,
trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com
agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na
gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em
linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa
proibição constar expressamente do edital de licitação;”. Em seguida, o
relator frisou que, embora não seja adequado interpretar o alcance da lei anterior
com base no texto da nova, a comparação entre os dispositivos “sugere uma certa evolução do legislador, no
sentido de tornar mais clara a hipótese de conflito de interesses no âmbito das
contratações públicas”. Por essa razão, “o novel estatuto pode ser usado como inspiração para a solução do
presente caso concreto, por revelar uma solução razoável”. Considerando
então que, durante o período da suposta ocorrência da ilegalidade, aquele sócio
cotista da empresa contratada estava vinculado à Secretaria Especial de
Previdência e Trabalho, unidade administrativa distinta da que promoveu a
licitação e geriu o contrato, qual seja, a Superintendência da Diretoria de
Administração e Logística, integrante da estrutura da Secretaria de Gestão
Corporativa, ambas do Ministério da Economia, o relator concluiu não restar
configurada a vedação prevista no art. 9º, inciso III, da Lei 8.666/1993,
motivo pelo qual, divergindo do posicionamento da unidade técnica, compreendeu
que a representação deveria ser considerada improcedente. Ao final do seu voto,
assinalou que, ainda que fosse adotada outra exegese do art. 9°, inciso III, da
Lei 8.666/1993, no sentido de que estaria vedada a participação indireta de
qualquer servidor do Ministério da Economia na contratação em exame, por força
do § 3º do mesmo artigo, a eventual anulação do Contrato 217/2018, ou mesmo a
proibição de sua prorrogação, iria ensejar custos administrativos ao Ministério
da Economia para promover nova licitação, em um contexto em que a situação de
irregularidade não mais persistiria. Isso porque, complementou o relator,
houvera nova reestruturação na carreira de perito médico federal, de sorte que,
atualmente, aquele sócio está vinculado a outro órgão, o Ministério do Trabalho
e Previdência. O Plenário acolheu o entendimento do relator e decidiu
considerar improcedente a representação.
Acórdão
2099/2022 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.
INFORMATIVO DE LICITAÇÕES E CONTRATOS DO TCU – Nº 466