Em licitação para registro de
preços, é regular que os quantitativos mínimos exigidos para comprovação de
experiência anterior, para fins de qualificação técnica-operacional, sejam
estabelecidos por percentual do somatório dos quantitativos a serem demandados
tanto pelo órgão gerenciador quanto pelos órgãos participantes (art. 9º,
incisos II, III e § 3º, do Decreto 7.892/2013).
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
15/2017, promovido pelo Ministério da Cultura, destinado à “contratação de
ata de registro de preços para serviços em acervo bibliográfico e arquivístico”.
Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de que “à
exceção da 1ª colocada no certame, cuja proposta teria sido recusada por não
ter sido apresentada no prazo fixado, as três outras empresas foram
desclassificadas por não terem atendido aos requisitos de qualificação técnica
estabelecidos nos subitens 9.7.1 e 9.7.3 do edital”, os quais “exigiriam
que a licitante demonstrasse a execução de 50% da quantidade de metros lineares
dos serviços de tratamento arquivístico do acervo documental, de transferência
ordenada de documentos e de armazenamento e guarda documental, em conformidade
com as métricas fixadas no termo de referência”. Tais exigências, conforme
a representação, além de não se limitarem às parcelas de maior relevância
técnica e valor significativo, teriam resultado na “indevida necessidade de
comprovação de serviços superiores às demandas individuais do próprio órgão
gerenciador da ata (Ministério da Cultura) e de outros dois órgãos que
participaram da intenção de registro de preços (Incra e Ministério do Trabalho)”.
Diante desse contexto, foi realizada a audiência da então Coordenadora de
Documentação e Informação do Ministério da Cultura, que atuara na “elaboração
dos documentos para a contratação”, e do então Coordenador de Licitação e
Gestão de Contratos do órgão, responsável pela “elaboração do edital e apoio
da equipe do pregão”, para que apresentassem razões de justificativa acerca
das irregularidades identificadas no Pregão Eletrônico 15/2017, entre as quais
se inseria a “adoção do mínimo de 50% do somatório da demanda de todos os
participantes como parâmetro para a fixação dos quantitativos mínimos exigidos
para fins de comprovação de qualificação técnica, em detrimento da exigência
calcada apenas na demanda do gerenciador, aumentando artificialmente a
qualificação mínima necessária para o atendimento das necessidades do
contratante e restringindo indevidamente a competitividade no certame, com
ofensa ao art. 37, XXI, da Constituição de 1988 e ao art. 3º, § 1º, I, da Lei
8.666, de 1993”. Em sua instrução, acerca do referido indício de
irregularidade, a unidade técnica chamou a atenção para o conteúdo dos
seguintes dispositivos do Decreto 7.892/2013, o qual regulamenta o sistema de
registro de preços no âmbito da Administração Pública Federal: “Art. 9º O edital de licitação para registro de preços
observará o disposto nas Leis
nº 8.666, de 1993, e nº
10.520, de 2002, e contemplará, no mínimo: (...) II - estimativa de quantidades a
serem adquiridas pelo órgão gerenciador e órgãos participantes; III -
estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes,
observado o disposto no § 4º do art. 22, no caso de o órgão gerenciador admitir
adesões; (...) § 3º A estimativa a que se refere o inciso III do caput não será
considerada para fins de qualificação técnica e qualificação
econômico-financeira na habilitação do licitante.”. Com base nessa norma regulamentar, a unidade
técnica considerou que “a disposição do instrumento convocatório ora em
análise não poderia ser considerada irregular, não cabendo a aplicação de
quaisquer sanções aos responsáveis quanto a esse ponto da audiência que lhes
foi endereçada”. Em seu voto, o relator registrou anuir ao entendimento da
unidade instrutiva, fazendo, no entanto, a ressalva de que, a seu ver, o
percentual fixado em 50% se mostrou desproporcional no caso concreto. Para
tanto, invocou a Súmula TCU 263, segundo a qual “para a comprovação da capacidade
técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às
parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado,
é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em
obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência
guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado”
(grifos do relator). Destarte, segundo ele, não haveria propriamente um
percentual máximo relativo à comprovação de execução anterior de quantidade
mínima de serviços estabelecido na Lei 8.666/1993. Não obstante, diversas
deliberações do TCU acenariam no sentido de que as exigências de capacidade
técnico-operacional devem estar restritas aos “mínimos necessários que
garantam a qualificação técnica das empresas para a execução do objeto”,
devendo então os órgãos absterem-se de estabelecer exigências excessivas, que
possam restringir indevidamente a competitividade dos certames, a exemplo da
comprovação de experiência em percentual superior a 50% dos quantitativos a
executar (Acórdãos 1.284/2003-Plenário, 2.088/2004-Plenário, 2.656/2007-Plenário e 608/2008-Plenário, entre outros), conforme o que “prescreve o art.
37 da Constituição Federal e o art. 3º da Lei 8.666/1993”. Na sequência, o
relator ressaltou que, nessa mesma toada, a Lei 14.133/2021 (nova Lei de
Licitações e Contratos) está “positivando o tema, dispondo em seu art. 67,
§2º, a exigência de até 50% das parcelas de maior relevância ou valor
significativo do objeto da licitação” (grifo do relator), assim
consideradas as que “tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro
por cento) do valor total estimado da contratação, nos termos do § 1º do mesmo
artigo”. Portanto, o percentual de 50% deve ser compreendido como “valor
máximo a ser estipulado para fins de qualificação técnica”, cabendo ao
órgão promotor da licitação fixar proporção menor sempre que possível, a fim de
ampliar a competividade. Dito isso, assinalou que deveria ser verificado, no
caso concreto, se a exigência de tal percentual fora demasiada e teria
provocado restrição de competitividade. Ele próprio concluiu ter havido, de
fato, restrição ao caráter competitivo do certame e, por conseguinte, a
contratação de proposta que não era a mais vantajosa para a Administração,
circunstância que poderia inclusive ensejar a aplicação de sanção aos
responsáveis. Não obstante, ponderou o relator, a audiência que lhes fora
endereçada “não se refere ao percentual exigido para fins de habilitação
técnica, o qual realmente se demonstrou desproporcional e restritivo”, e
sim ao fato de ele ter sido aplicado sobre o somatório dos quantitativos a
serem demandados pelo órgão gerenciador e pelos participantes do registro de
preços. Por fim, o relator considerou “razoável que a exigência de
qualificação técnica-operacional recaia tanto sobre a demanda do órgão
gerenciador quanto sobre as demandas dos órgãos participantes”, no que foi
acompanhado pelos demais ministros.
Acórdão
978/2023 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.