quarta-feira, 14 de junho de 2023

Qualificação técnica-operacional

 

Em licitação para registro de preços, é regular que os quantitativos mínimos exigidos para comprovação de experiência anterior, para fins de qualificação técnica-operacional, sejam estabelecidos por percentual do somatório dos quantitativos a serem demandados tanto pelo órgão gerenciador quanto pelos órgãos participantes (art. 9º, incisos II, III e § 3º, do Decreto 7.892/2013).

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 15/2017, promovido pelo Ministério da Cultura, destinado à “contratação de ata de registro de preços para serviços em acervo bibliográfico e arquivístico”. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque o fato de que “à exceção da 1ª colocada no certame, cuja proposta teria sido recusada por não ter sido apresentada no prazo fixado, as três outras empresas foram desclassificadas por não terem atendido aos requisitos de qualificação técnica estabelecidos nos subitens 9.7.1 e 9.7.3 do edital”, os quais “exigiriam que a licitante demonstrasse a execução de 50% da quantidade de metros lineares dos serviços de tratamento arquivístico do acervo documental, de transferência ordenada de documentos e de armazenamento e guarda documental, em conformidade com as métricas fixadas no termo de referência”. Tais exigências, conforme a representação, além de não se limitarem às parcelas de maior relevância técnica e valor significativo, teriam resultado na “indevida necessidade de comprovação de serviços superiores às demandas individuais do próprio órgão gerenciador da ata (Ministério da Cultura) e de outros dois órgãos que participaram da intenção de registro de preços (Incra e Ministério do Trabalho)”. Diante desse contexto, foi realizada a audiência da então Coordenadora de Documentação e Informação do Ministério da Cultura, que atuara na “elaboração dos documentos para a contratação”, e do então Coordenador de Licitação e Gestão de Contratos do órgão, responsável pela “elaboração do edital e apoio da equipe do pregão”, para que apresentassem razões de justificativa acerca das irregularidades identificadas no Pregão Eletrônico 15/2017, entre as quais se inseria a “adoção do mínimo de 50% do somatório da demanda de todos os participantes como parâmetro para a fixação dos quantitativos mínimos exigidos para fins de comprovação de qualificação técnica, em detrimento da exigência calcada apenas na demanda do gerenciador, aumentando artificialmente a qualificação mínima necessária para o atendimento das necessidades do contratante e restringindo indevidamente a competitividade no certame, com ofensa ao art. 37, XXI, da Constituição de 1988 e ao art. 3º, § 1º, I, da Lei 8.666, de 1993”. Em sua instrução, acerca do referido indício de irregularidade, a unidade técnica chamou a atenção para o conteúdo dos seguintes dispositivos do Decreto 7.892/2013, o qual regulamenta o sistema de registro de preços no âmbito da Administração Pública Federal: “Art. 9º O edital de licitação para registro de preços observará o disposto nas Leis nº 8.666, de 1993, e nº 10.520, de 2002, e contemplará, no mínimo: (...) II - estimativa de quantidades a serem adquiridas pelo órgão gerenciador e órgãos participantes; III - estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes, observado o disposto no § 4º do art. 22, no caso de o órgão gerenciador admitir adesões; (...) § 3º A estimativa a que se refere o inciso III do caput não será considerada para fins de qualificação técnica e qualificação econômico-financeira na habilitação do licitante.”. Com base nessa norma regulamentar, a unidade técnica considerou que “a disposição do instrumento convocatório ora em análise não poderia ser considerada irregular, não cabendo a aplicação de quaisquer sanções aos responsáveis quanto a esse ponto da audiência que lhes foi endereçada”. Em seu voto, o relator registrou anuir ao entendimento da unidade instrutiva, fazendo, no entanto, a ressalva de que, a seu ver, o percentual fixado em 50% se mostrou desproporcional no caso concreto. Para tanto, invocou a Súmula TCU 263, segundo a qual “para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado” (grifos do relator). Destarte, segundo ele, não haveria propriamente um percentual máximo relativo à comprovação de execução anterior de quantidade mínima de serviços estabelecido na Lei 8.666/1993. Não obstante, diversas deliberações do TCU acenariam no sentido de que as exigências de capacidade técnico-operacional devem estar restritas aos “mínimos necessários que garantam a qualificação técnica das empresas para a execução do objeto”, devendo então os órgãos absterem-se de estabelecer exigências excessivas, que possam restringir indevidamente a competitividade dos certames, a exemplo da comprovação de experiência em percentual superior a 50% dos quantitativos a executar (Acórdãos 1.284/2003-Plenário, 2.088/2004-Plenário, 2.656/2007-Plenário e 608/2008-Plenário, entre outros), conforme o que “prescreve o art. 37 da Constituição Federal e o art. 3º da Lei 8.666/1993”. Na sequência, o relator ressaltou que, nessa mesma toada, a Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos) está “positivando o tema, dispondo em seu art. 67, §2º, a exigência de até 50% das parcelas de maior relevância ou valor significativo do objeto da licitação” (grifo do relator), assim consideradas as que “tenham valor individual igual ou superior a 4% (quatro por cento) do valor total estimado da contratação, nos termos do § 1º do mesmo artigo”. Portanto, o percentual de 50% deve ser compreendido como “valor máximo a ser estipulado para fins de qualificação técnica”, cabendo ao órgão promotor da licitação fixar proporção menor sempre que possível, a fim de ampliar a competividade. Dito isso, assinalou que deveria ser verificado, no caso concreto, se a exigência de tal percentual fora demasiada e teria provocado restrição de competitividade. Ele próprio concluiu ter havido, de fato, restrição ao caráter competitivo do certame e, por conseguinte, a contratação de proposta que não era a mais vantajosa para a Administração, circunstância que poderia inclusive ensejar a aplicação de sanção aos responsáveis. Não obstante, ponderou o relator, a audiência que lhes fora endereçada “não se refere ao percentual exigido para fins de habilitação técnica, o qual realmente se demonstrou desproporcional e restritivo”, e sim ao fato de ele ter sido aplicado sobre o somatório dos quantitativos a serem demandados pelo órgão gerenciador e pelos participantes do registro de preços. Por fim, o relator considerou “razoável que a exigência de qualificação técnica-operacional recaia tanto sobre a demanda do órgão gerenciador quanto sobre as demandas dos órgãos participantes”, no que foi acompanhado pelos demais ministros.

Acórdão 978/2023 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.