Constatado que lance manifestamente
inexequível possa, durante a disputa, comprometer, restringir ou frustrar a competitividade
do processo licitatório, o agente de contratação pode excluí-lo, de forma a
resguardar a Administração de eventual comprometimento da busca pela proposta
mais vantajosa (art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022).
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
35/2023, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3)
visando à contratação de serviço de segurança patrimonial em suas dependências,
com valor estimado de R$ 25.938.300,84. A representante alegou, em suma, que: “i)
houve falha no sistema do Compras.gov.br, quando tentou corrigir lance enviado
com erro de digitação; ii) não foi realizada diligência por parte da equipe
condutora do certame, tendo havido excesso de formalismo em sua
desclassificação; e iii) suas contrarrazões não foram consideradas na decisão
dos recursos, em violação ao contraditório e à ampla defesa, além de não se
encontrarem disponíveis no Portal da Transparência do órgão, nem no site
Compras.gov.br”. O referido certame teve
abertura em 31/10/2023, quando se iniciou a etapa de oferta de lances no
sistema. Após aproximadamente vinte minutos de disputa, a representante teria
ofertado lance considerado manifestamente inexequível. A fase de lances se
estendeu por mais 49 minutos, tendo a disputa prosseguido entre as demais
licitantes. Ao ser convocada, em diligência, para justificar a sua proposta, a
representante, então classificada em primeiro lugar, argumentou ter ocorrido
equívoco na digitação do seu lance, além de falha técnica do sistema, que teria
impedido a exclusão do lance durante o prazo de quinze segundos, estabelecido
no item 6.10 do edital e no art. 21, § 3º, da IN Seges/ME 73/2022. Diante da
possibilidade de ter havido inoperabilidade do sistema Compras.gov.br, a
pregoeira do certame enviou, em 9/11/2023, ofício ao Ministério da Gestão e da
Inovação em Serviços Públicos, para fins de apuração da suposta falha. Frente à
ausência de manifestação do ministério até o dia 20/11/2023, a pregoeira
decidiu pela revogação do certame, com abertura de prazo para interposição de
recursos, em atendimento ao art. 165, inciso I, alínea “d”, da Lei 14.133/2021.
Duas empresas participantes da licitação recorreram no prazo fixado,
sustentando, em essência, que a representante não teria comprovado a existência
de erro no sistema, e pleiteando o cancelamento da decisão que havia revogado a
licitação. Em 22/11/2023, foi enfim encaminhado ao TRT-3 relatório emitido pelo
Serpro, noticiando a ausência de identificação de erro no sistema durante a
fase de lances do PE 35/2023. Diante disso, o órgão decidiu dar provimento aos
recursos e cancelar a decisão que havia revogado o pregão, com retorno à fase
de julgamento das propostas e consequente desclassificação da representante. No
âmbito do TCU, a representante expôs que, apesar de ter ofertado vários lances
durante a disputa, a partir de sua proposta inicial de R$28.000.000,00, acabara
por inserir equivocadamente um valor sem digitar a ordem das centenas, de R$
22.705,00. Informou que, ao tentar excluir o lance durante o prazo de quinze
segundos, estabelecido no edital, não conseguira concluir a operação, devido a
um bug do sistema. Aduziu ainda que não fora disponibilizado qualquer
canal de comunicação com a pregoeira, uma vez que o chat estava
desativado para as licitantes, e que ficara impedida de ofertar outros lances,
tendo as demais competidoras perdido a referência do valor real da melhor
oferta exequível. Por meio de despacho, o relator entendeu não assistir razão à
representante quanto a esse ponto, uma vez que não foram acostados aos autos
elementos que pudessem indicar ter havido, de fato, algum tipo de interrupção
ou falha no funcionamento do sistema, a ponto de indisponibilizar as
funcionalidades às licitantes. Ademais, de acordo com o relatório do Serpro, o
Compras.gov.br esteve com funcionamento regular durante toda a sessão de
lances, restando esclarecido nesse relatório que, “caso a licitante digite
lance inexequível, o sistema disponibiliza tela de confirmação com o seguinte
texto: ‘Senhor fornecedor, o valor informado para seu lance está inferior a 50%
do valor estimado pelo órgão para este item, deseja confirmar?’. Se o valor for
confirmado, o fornecedor ainda dispõe da possibilidade de excluir o lance nos
quinze segundos subsequentes, conforme estabelecido no art. 21, § 3º, da IN
Seges/ME 73/2022”. Naquela oportunidade, o relator então concluiu que a
falha relatada fora de responsabilidade da própria licitante, a qual “incorreu
em erro duplo ao confirmar, no sistema, um lance inferior a 50% do valor
estimado e, posteriormente, ao não o excluir a tempo”. Ele ainda refutou a
alegação de excesso de formalismo, considerando que, após a fase de lances e
antes da sua desclassificação, a empresa fora devidamente convocada pela
pregoeira para confirmar a exequibilidade da sua proposta, “conforme é
possível verificar nas mensagens trocadas durante o certame”. Por outro
lado, teriam sido identificados os seguintes indícios de irregularidade na
condução do certame: “a) não desclassificação de proposta manifestadamente
inexequível, em afronta ao art. 59, incisos III e IV e § 2º, da Lei
14.133/2021, ao art. 21, § 4º, da Instrução Normativa - Seges/ME 73/2022 e à
jurisprudência deste Tribunal, a exemplo do Acórdão
2.920/2020-TCU-Plenário,
relator: Ministro-Substituto Augusto Sherman; b) violação do contraditório e
ampla defesa, em afronta ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de
1988, ao art. 165, § 4º, da Lei 14.133/2021, e ao art. 2º da Lei 9.784/1999;”. Tais indícios acabaram levando o relator a deferir
medida cautelar no sentido de que o TRT-3 suspendesse o andamento do PE
35/2023, sem prejuízo de determinar a oitiva da unidade jurisdicionada para que
se pronunciasse acerca dos sobreditos indícios. No que se refere à não exclusão
do lance manifestamente inexequível, o TRT-3 alegou, em síntese, que: a) a
pregoeira se empenhara em atuar dentro dos limites da razoabilidade, avaliando,
com cautela, se deveria ou não operar a exclusão do lance manifestamente
inexequível, sopesando os princípios da legalidade, o qual recomenda avaliar o
risco à competitividade (art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022), com os da
busca da proposta mais vantajosa, da impessoalidade e da isonomia entre os
licitantes; b) o sistema registrara 31 novos lances após aquele que a
representante afirmou ter sido sua verdadeira intenção (R$ 22.705.000,00), o
que reforçou a convicção da pregoeira, no momento da sessão, de não ter havido
prejuízo ao caráter competitivo do certame; c) a providência prevista no art. 21,
§ 4º, da IN Seges/ME 73/2022 é de caráter excepcional, quando a competitividade
estiver em risco; d) a proposta vencedora, da segunda colocada, fora quase 14%
inferior ao valor estimado, o que levou à ilação de que o certame merecia ter
seguimento, pois não houve prejuízo à competitividade nem à economicidade da
contratação; e) a licitação se revestia de grande complexidade, o que tornava a
decisão “mais espinhosa”, ao se considerar o vultoso valor estimado, a
natureza do objeto, o número de pedidos de esclarecimento e de impugnações do
edital e a urgência em se ultimar o processo licitatório, em razão da
prorrogação excepcional do contrato vigente. Após se debruçar sobre a matéria,
a unidade técnica concluiu que, no caso concreto, não houve comprometimento à
competitividade, considerando, em síntese, que: i) o modo de disputa da
licitação era ‘aberto’, e não ‘aberto e fechado’; ii) foram efetuados outros 31
lances após o inexequível, inclusive inferiores àquele que a representante
afirmou ter sido sua real intenção; e iii) o prosseguimento da sessão de lances
permitira a oferta da proposta da segunda colocada, de R$ 22.342.245,00, ou
seja, R$ 407.000,00 inferior à pretendida pela representante. Em seu voto, o
relator assinalou que, de fato, a questão do modo de disputa da licitação já
havia sido abordada em seu despacho, nos seguintes termos: “14. Caso a
licitação tivesse se processado no modo ‘aberto e fechado’, de fato, haveria um
comprometimento da etapa fechada ao não se excluir o lance manifestamente inexequível.
Isso porque, conforme disposto no art. 24 da IN Seges/ME 73/2022, na etapa
fechada, o sistema abre oportunidade para que o autor da oferta de valor mais
baixo e os autores das ofertas subsequentes com valores até 10% superiores
àquela – ou, na ausência de propostas nessas condições, os autores subsequentes
até, no máximo, três – possam ofertar o lance final fechado. Nesse cenário, uma
das ‘vagas’ para participação na etapa fechada estaria sendo ocupada pela
proposta manifestamente inexequível do representante. 15. Contudo,
conforme o item 6.13 do edital (peça 14, p. 9), o modo de disputa adotado
para o PE 35/2023 é o ‘aberto’, em que as licitantes apresentam lances
públicos e sucessivos, com prorrogações. Dessa forma, conforme é
possível observar no Termo de Julgamento (peça 5, p. 6-7), as demais
licitantes apresentaram diversos lances posteriormente – considerados como
lances intermediários – nos quase 49 minutos subsequentes até o encerramento da
fase de lances” [grifos do relator]. Na sequência, acerca da
possibilidade de exclusão de lance manifestamente inexequível por parte da
pregoeira, o relator frisou que a previsão de exclusão “de proposta ou de
lances” consta do art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022, que assim dispõe
(grifos do relator): “Art. 21. Iniciada a fase competitiva, observado o modo
de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes
poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico. (...)
§ 4º O agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir,
poderá, durante a disputa, como medida excepcional, excluir a proposta ou o
lance que possa comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo do
processo licitatório, mediante comunicação eletrônica automática via
sistema”. O relator registrou que o dispositivo citado tem por objetivo
primordial assegurar o caráter competitivo do processo licitatório, sendo a
exclusão de lance ou proposta medida de caráter excepcional. Destarte, “uma
vez detectada a possibilidade de que determinado lance possa comprometer,
restringir ou frustrar a competitividade do processo licitatório, abre-se a
faculdade ao agente de contratação de excluí-lo. Nesse sentido, o que se busca
é resguardar a Administração de eventual comprometimento da busca pela proposta
mais vantajosa, que é o próprio fim do procedimento licitatório”. A partir
da análise do relatório de lances do certame, constante do ‘Termo de
Julgamento’, o relator concluiu não ser possível afirmar que tivesse havido o
comprometimento da competitividade do certame, uma vez que foram apresentados
diversos lances (intermediários) pelas demais licitantes nos quase 49 minutos
subsequentes, tendo a proposta da segunda colocada chegado a R$ 22.342.245,00,
aproximadamente R$ 3,6 milhões a menos que o valor estimado. Todavia,
considerando a avidez da disputa travada pela representante e por outra
licitante na fase inicial do certame, haveria, a seu ver, “indícios de que
seria possível a obtenção de preço ainda mais vantajoso pela Administração,
caso o lance inexequível tivesse sido excluído”. No que concerne à conduta
da pregoeira, o relator entendeu que não caberia a sua responsabilização por
deixar de excluir o lance manifestamente inexequível. Segundo ele, tal
procedimento seria imprescindível e incontestável caso a licitação tivesse se
processado pelo modo de disputa ‘aberto e fechado’, tendo em vista a flagrante
restrição ou frustração da competitividade do processo licitatório que
decorreria da sua omissão, e outra hipótese seria se o certame contasse com
número bastante diminuto de licitantes, o que também não fora o caso. Afirmou
ser compreensível, portanto, que, frente ao caráter excepcional atribuído à
faculdade prevista no art. 21, § 4º, da IN Seges/ME 73/2022, a agente de contratação,
em uma licitação processada pelo modo de disputa aberto e com número razoável
de participantes (dezesseis), entendesse que o procedimento seria
desnecessário, pela possibilidade de as demais licitantes seguirem ofertando
lances intermediários até o encerramento da disputa. No que diz respeito ao
segundo questionamento da oitiva do TRT-3, referente à possível violação do
contraditório e da ampla defesa, o relator rememorou as alegações da
representante quanto a esse ponto, no sentido de que ela teria inserido no
sistema as contrarrazões aos recursos interpostos pelas demais licitantes após
a decisão pela revogação do certame, apresentando print da tela do
Compras.gov.br, mas que não foram objeto de análise pela pregoeira. O relator
chamou a atenção para o fato de que, conforme apontado pela pregoeira, embora
não tenham sido analisadas tempestivamente, as contrarrazões da representante “discutem
argumentos que não serviram de supedâneo para a tomada de decisão”. Isso
porque a real motivação para o retorno à fase de julgamento das propostas,
conforme a resposta da pregoeira aos recursos contra a revogação do certame,
foi o conteúdo do parecer do Serpro, que noticiara a regularidade do sistema
Compras.gov.br durante a sessão de lances da licitação. Entretanto, ponderou o
relator, apesar de não ter sido caracterizado dolo ou má-fé na atuação dos
servidores envolvidos no pregão, nem erro grosseiro, que poderiam ensejar algum
tipo de responsabilização, “o contraditório e a ampla defesa restaram
comprometidos”. Para ele, a decisão pelo cancelamento da revogação da
licitação e pelo consequente retorno à fase de julgamento das propostas
desconsiderara as contrarrazões da representante aos recursos interpostos pelas
demais licitantes, violando, assim, direito fundamental da empresa assegurado
pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, bem como os dispositivos
legais mencionados na oitiva. Por conseguinte, em razão da ilegalidade
evidenciada no processo licitatório, o relator concluiu que a anulação do
certame seria a medida adequada, ainda mais que o contrato em curso, apesar de
se encontrar em prorrogação excepcional, tivera sua vigência estendida até
18/10/2024, ou até que se ultime a contratação decorrente do devido certame
licitatório, “conforme disposto no parágrafo único da Clausula Primeira do
seu 16º Termo Aditivo”. Ele reconheceu que, levando em conta que não seriam
promovidas alterações no edital, aquele prazo se mostrava suficiente para a
realização de nova licitação, sem comprometimento da continuidade dos serviços
indispensáveis ao órgão. Assim sendo, ante a “ausência de análise tempestiva
das contrarrazões apresentadas pelo representante após a revogação da
licitação, em violação ao disposto nos arts. 5º, inciso LV, da Constituição
Federal de 1988; 165, inciso I, alínea ‘d’ c/c os §§ 2º e 4º, da Lei
14.133/2021, 2º da Lei 9.784/1999, e 9º e 10 da Lei 13.105/2015”, o relator
propôs, e o Plenário decidiu, determinar ao TRT-3 que procedesse a anulação do
Pregão Eletrônico 35/2023.
Acórdão
948/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.