sexta-feira, 25 de outubro de 2024

PREGOEIRO E AGENTE DE CONTRATAÇÃO

 

Nas licitações promovidas por órgãos e entidades sob a jurisdição do TCU, regidas pela Lei 14.133/2021 (nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), os pregoeiros ou os agentes de contratação devem ser servidores efetivos ou empregados dos quadros permanentes da Administração Pública (arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021). A não ser em situações extraordinárias, devidamente fundamentadas, a indicação de agente público que não satisfaça o comando dos mencionados dispositivos legais pode causar culpa in eligendo da autoridade responsável pela designação por eventuais falhas cometidas pelo agente designado (arts. 7º, caput, e 11, parágrafo único, da mesma lei).

No relatório da fiscalização realizada para mensurar e acompanhar, por amostragem e com o uso de indicadores, o grau de maturação dos órgãos e entidades para a aplicação da Lei 14.133/2021, a fim de identificar e avaliar os aspectos que possam estar dificultando a internalização da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), a equipe do TCU, entre outras abordagens, teceu comentários sobre o perfil de ocupação de agentes de contratação e de pregoeiros, fazendo alusão ao disposto no art. 8º da Lei 14.133/2021, segundo o qual “a licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública”. Após citar como fundamento diversas deliberações de tribunais de contas estaduais e reconhecer a controvérsia sobre a matéria, a equipe de fiscalização propôs que o Tribunal firmasse entendimento no sentido de que as funções de agente de contratação e de pregoeiro deveriam ser exercidas somente por servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, tendo em vista o disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da NLLC. Em seu voto, o relator destacou haver “aparente dubiedade na Lei 14.133/2021 que precisa ser devidamente interpretada”. Segundo ele, se, por um lado, é “peremptória a previsão constante dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, de que os pregoeiros/agentes de contratação devem ser servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública”, por outro lado, a leitura do art. 7º, inciso I, da mesma lei claramente disciplina que tais agentes devem ser “preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública” (grifo do relator). Para ele, o conteúdo do art. 7º, inciso I, da NLLC pode ser compreendido como regra geral, aplicável a todos os agentes públicos que atuam em processos licitatórios, ao passo que o teor dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, deve ser tomado como regra especial. E acrescentou: “Com efeito, a hermenêutica jurídica contém princípios que solucionam as antinomias normativas, determinando, em cada caso, a norma que prevalece. Segundo o princípio da especialidade, a regra especial prevalece, no seu âmbito restrito de atuação, sobre a regra geral em sentido contrário”. Em outros termos, prosseguiu, a norma geral do art. 7º da Lei 14.133/2021, aplicável a todos os entes federados, estabelecendo que as funções de agente de contratação devem ser preferencialmente ocupadas por servidores efetivos, “deixa de prevalecer” no âmbito federal, em razão da norma especial dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, os quais exigem servidores efetivos para ocupar as funções de agente de contratação. Assim, considerou “perfeita a interpretação conferida aos dispositivos em apreciação pela unidade técnica”. Na sequência, ressaltou que a regulamentação federal sobre as regras para atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, o funcionamento da comissão de contratação e a atuação dos gestores e fiscais de contratos, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, consubstanciada no Decreto 11.246/2022, “também repetiu” que o agente de contratação deve satisfazer os requisitos do art. 8º da Lei 14.133/2021, ou seja, ser servidor de cargo efetivo ou empregado do quadro permanente da Administração, in verbis: “Art. 3º O agente de contratação e o respectivo substituto serão designados pela autoridade competente, em caráter permanente ou especial, conforme o disposto no art. 8º da Lei nº 14.133, de 2021”. Indo além das percepções da equipe de fiscalização, o relator avaliou como preocupante o risco de que servidores demissíveis ad nutum possam ser incumbidos de funções tão relevantes como os de agente de contratação ou de pregoeiro, o que, a seu ver, “abre as portas para toda sorte de problemas e desvios”. Pontuou também que a Constituição Federal estabelece que os cargos comissionados são destinados às funções de direção, chefia e assessoramento (art. 37, inciso V) e, como as atribuições de pregoeiro e de agente de contratação são eminentemente de caráter executivo, “espera-se que tais funções sejam exercidas por servidores com vínculo permanente com o poder público, e não por detentores de cargo em comissão de livre provimento”. Ademais, assinalou que, ao dispor sobre o tema na NLLC, o legislador ordinário reconheceu a importância das funções de pregoeiro e agente de contratação para o Estado e para a sociedade, exigindo que tais funções “sejam endereçadas” a servidores dos quadros permanentes da Administração. Nesse contexto, em vez de o TCU apenas expedir comando abstrato de “firmar entendimento”, conforme a proposição da equipe de fiscalização, o relator reputou mais assertivo que o Tribunal emitisse orientação às suas unidades técnicas para que, no exame dos processos envolvendo “certames licitatórios da nossa jurisdição conduzidos sob a égide da Lei 14.133/2021”, verificassem se os agentes de contratação ou pregoeiros seriam, de fato, servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, em razão do disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, “representando no caso de encontrar desconformidades”. Outrossim, ele deixou assente que, a não ser em situações extraordinárias, devidamente fundamentadas, a indicação de agente público que não satisfaça o comando dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021 “pode causar culpa in elegendo” da autoridade responsável por essa designação no caso de eventuais falhas cometidas pelo agente designado, haja vista que, conforme o art. 11, parágrafo único, da mencionada lei, “a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações”. Além disso, a autoridade competente “infringirá a diretriz de promover a gestão por competências dos agentes públicos que atuam nas licitações e contratos”, prevista no art. 7º, caput, da NLLC. Destarte, o relator propôs, e o Plenário decidiu, entre outras medidas, determinar à Secretaria Geral de Controle Externo a expedição das seguintes orientações às unidades técnicas do Tribunal: a) “no exame dos processos de controle externo envolvendo certames licitatórios de jurisdição do TCU, realizados sob a égide da Lei 14.133/2021, verifiquem se os agentes de contratação ou pregoeiros responsáveis pela condução do certame são servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração pública, tendo em vista o disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, bem como se existem situações extraordinárias, devidamente motivadas pela autoridade competente, que justifiquem o não cumprimento dos referidos dispositivos”; b) “no caso de eventualmente haver apuração de indício de irregularidade praticada por agente de contratação ou pregoeiro que não satisfaça o comando dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, avaliem a ocorrência de culpa in eligendo da autoridade responsável pela designação do referido agente, nos termos dos arts. 7º, caput, e 11, parágrafo único, do mesmo diploma legal”.

Acórdão 1917/2024 Plenário, Acompanhamento, Relator Ministro Benjamin Zymler.