Nas licitações promovidas por órgãos
e entidades sob a jurisdição do TCU, regidas pela Lei 14.133/2021 (nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativos), os pregoeiros ou os agentes de
contratação devem ser servidores efetivos ou empregados dos quadros
permanentes da Administração Pública (arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei
14.133/2021). A não ser em situações extraordinárias, devidamente fundamentadas,
a indicação de agente público que não satisfaça o comando dos mencionados
dispositivos legais pode causar culpa in eligendo da autoridade responsável
pela designação por eventuais falhas cometidas pelo agente designado (arts.
7º, caput, e 11, parágrafo único, da mesma lei).
No
relatório da fiscalização realizada para mensurar e acompanhar, por amostragem
e com o uso de indicadores, o grau de maturação dos órgãos e entidades para a
aplicação da Lei 14.133/2021, a fim de identificar e avaliar os aspectos que
possam estar dificultando a internalização da nova Lei de Licitações e
Contratos Administrativos (NLLC), a equipe do TCU, entre outras abordagens,
teceu comentários sobre o perfil de ocupação de agentes de contratação e de
pregoeiros, fazendo alusão ao disposto no art. 8º da Lei 14.133/2021, segundo o
qual “a licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada
pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos
dos quadros permanentes da Administração Pública”. Após citar como
fundamento diversas deliberações de tribunais de contas estaduais e reconhecer
a controvérsia sobre a matéria, a equipe de fiscalização propôs que o Tribunal
firmasse entendimento no sentido de que as funções de agente de contratação e
de pregoeiro deveriam ser exercidas somente por servidores efetivos ou
empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, tendo em
vista o disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da NLLC. Em seu voto, o relator destacou haver “aparente dubiedade na Lei 14.133/2021 que
precisa ser devidamente interpretada”. Segundo ele, se, por um lado, é “peremptória a previsão constante dos arts.
6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, de que os pregoeiros/agentes de
contratação devem ser servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros
permanentes da administração pública”, por outro lado, a leitura do art.
7º, inciso I, da mesma lei claramente disciplina que tais agentes devem ser “preferencialmente, servidor efetivo
ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública”
(grifo do relator). Para ele, o conteúdo do art. 7º, inciso I, da NLLC pode ser
compreendido como regra geral, aplicável a todos os agentes públicos que atuam
em processos licitatórios, ao passo que o teor dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, deve ser tomado como regra
especial. E acrescentou: “Com efeito, a hermenêutica
jurídica contém princípios que solucionam as antinomias normativas,
determinando, em cada caso, a norma que prevalece. Segundo o princípio da
especialidade, a regra especial prevalece, no seu âmbito restrito de atuação,
sobre a regra geral em sentido contrário”. Em outros termos, prosseguiu, a
norma geral do art. 7º da Lei 14.133/2021, aplicável a todos os entes
federados, estabelecendo que as funções de agente de contratação devem ser
preferencialmente ocupadas por servidores efetivos, “deixa de prevalecer” no âmbito federal, em razão da norma especial
dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput,
os quais exigem servidores efetivos para ocupar as funções de agente de
contratação. Assim, considerou “perfeita
a interpretação conferida aos dispositivos em apreciação pela unidade técnica”.
Na sequência, ressaltou que a regulamentação federal sobre as regras para
atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, o funcionamento da
comissão de contratação e a atuação dos gestores e fiscais de contratos, no
âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional,
consubstanciada no Decreto 11.246/2022, “também
repetiu” que o agente de contratação deve satisfazer os requisitos do art.
8º da Lei 14.133/2021, ou seja, ser servidor de cargo efetivo ou empregado do
quadro permanente da Administração, in
verbis: “Art. 3º O agente de
contratação e o respectivo substituto serão designados pela autoridade
competente, em caráter permanente ou especial, conforme o disposto no art. 8º
da Lei nº 14.133, de 2021”.
Indo além das percepções da equipe de fiscalização, o relator avaliou como
preocupante o risco de que servidores demissíveis ad nutum possam ser incumbidos de funções tão relevantes como os de
agente de contratação ou de pregoeiro, o que, a seu ver, “abre as portas para toda sorte de problemas e desvios”. Pontuou
também que a Constituição Federal estabelece que os cargos comissionados são
destinados às funções de direção, chefia e assessoramento (art. 37, inciso V)
e, como as atribuições de pregoeiro e de agente de contratação são
eminentemente de caráter executivo, “espera-se
que tais funções sejam exercidas por servidores com vínculo permanente com o
poder público, e não por detentores de cargo em comissão de livre provimento”.
Ademais, assinalou que, ao dispor sobre o tema na NLLC, o legislador ordinário
reconheceu a importância das funções de pregoeiro e agente de contratação para
o Estado e para a sociedade, exigindo que tais funções “sejam endereçadas” a servidores dos quadros permanentes da
Administração. Nesse contexto, em vez de o TCU apenas expedir comando abstrato
de “firmar entendimento”, conforme a
proposição da equipe de fiscalização, o relator reputou mais assertivo que o
Tribunal emitisse orientação às suas unidades técnicas para que, no exame dos
processos envolvendo “certames
licitatórios da nossa jurisdição conduzidos sob a égide da Lei 14.133/2021”,
verificassem se os agentes de contratação ou pregoeiros seriam, de fato,
servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da
Administração Pública, em razão do disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, “representando no caso de encontrar
desconformidades”. Outrossim, ele deixou assente que, a não ser em
situações extraordinárias, devidamente fundamentadas, a indicação de agente
público que não satisfaça o comando dos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021 “pode causar culpa in elegendo” da
autoridade responsável por essa designação no caso de eventuais falhas
cometidas pelo agente designado, haja vista que, conforme o art. 11, parágrafo
único, da mencionada lei, “a alta
administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das
contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de
riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos
licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos
estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável,
assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis
orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas
contratações”. Além disso, a autoridade competente “infringirá a diretriz de promover a gestão por competências dos agentes
públicos que atuam nas licitações e contratos”, prevista no art. 7º, caput, da NLLC. Destarte, o relator
propôs, e o Plenário decidiu, entre outras medidas, determinar à Secretaria
Geral de Controle Externo a expedição das seguintes orientações às unidades
técnicas do Tribunal: a) “no exame dos
processos de controle externo envolvendo certames licitatórios de jurisdição do
TCU, realizados sob a égide da Lei 14.133/2021, verifiquem se os agentes de
contratação ou pregoeiros responsáveis pela condução do certame são servidores
efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da administração
pública, tendo em vista o disposto nos arts. 6º, inciso LX, e 8º, caput, da Lei
14.133/2021, bem como se existem situações extraordinárias, devidamente
motivadas pela autoridade competente, que justifiquem o não cumprimento dos
referidos dispositivos”; b) “no caso
de eventualmente haver apuração de indício de irregularidade praticada por agente
de contratação ou pregoeiro que não satisfaça o comando dos arts. 6º, inciso
LX, e 8º, caput, da Lei 14.133/2021, avaliem a ocorrência de culpa in eligendo
da autoridade responsável pela designação do referido agente, nos termos dos
arts. 7º, caput, e 11, parágrafo único, do mesmo diploma legal”.
Acórdão
1917/2024 Plenário, Acompanhamento, Relator Ministro Benjamin Zymler.