Nas contratações de serviços de
terceirização, é irregular a desclassificação de licitante por não ter
incluído em sua planilha de custos e formação de preços despesas com
benefícios, previstos em convenção coletiva de trabalho, exclusivos aos
empregados envolvidos na execução de tais contratos, por se tratar de
exigência a que a Administração Pública está vedada de se vincular (art. 135,
§ 2º, da Lei 14.133/2021 e art. 6º, parágrafo único, da IN Seges-MPDG 5/2017).
Representação
formulada ao TCU apontou possível irregularidade no Pregão Eletrônico 100/2023,
promovido pelo Hospital das Forças Armadas (HFA), com valor estimado de R$
8.792.690,43, cujo objeto era a contratação de empresa especializada na
prestação de serviços contínuos de “apoio administrativo e gestão dos
processos de contas hospitalares internas (com regime de dedicação exclusiva de
mão de obra) e externas (sob demanda)”. A representante alegou, em síntese,
a sua “desclassificação indevida” em decorrência da “não
cotação do valor referente aos planos de saúde e odontológico dos trabalhadores
ocupantes dos postos licitados, previsto na Convenção Coletiva de trabalho
2023/2023, celebrada entre o Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação,
Trabalhos Temporário e Serviços Terceirizáveis do DF e o Sindicato dos
Empregados de Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho temporário, Prestação
de Serviços e Serviços terceirizáveis do DFSINDISERVICOS/DF)”. Asseverou
ter havido infração ao disposto no art. 6º, parágrafo único, da IN 5/2017, da
Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão,
que proíbe órgão ou entidade do Poder Executivo federal de “vincular-se às
disposições previstas nos Acordos, Convenções ou Dissídios Coletivos de Trabalho
que tratem de obrigações e direitos que somente se aplicam aos contratos com a
Administração Pública”. Além disso, a conduta do órgão licitante teria sido
contrária aos Pareceres 15/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU e
012/2016/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, emitidos pela AGU em relação ao tema, que
concluíram como sendo ilegal o custeio de plano de saúde com oneração exclusiva
da Administração Pública tomadora do serviço, o que beneficiaria apenas a
categoria de empregados terceirizados da contratada. Em resposta à oitiva
prévia, o HFA argumentou, em resumo, que: i) a representante não fizera pedido
de esclarecimento ou impugnação ao edital, tendo assinado declaração de ciência
das condições editalícias; ii) ela não corrigira sua planilha quando instada
por quatro
vezes;
iii) a Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa analisara os documentos da
contratação e não apontara irregularidades, ilegalidades ou a necessidade de
alteração do edital e seus anexos; iv) a CCT vigente não previra obrigação
exclusiva de benefícios em contratos com o Poder Público. Em relação às
argumentações aduzidas pelo HFA, a unidade técnica ponderou que as planilhas
apresentadas pela Administração são meramente estimativas e que cada licitante
deve realizar cotação de acordo com suas especificidades, observadas as
disposições legais e regulamentares pertinentes, bem como que a previsão de
custos relativos aos planos médico e odontológico não vincula os licitantes,
razões pelas quais não procederia o argumento “ii” acima. A unidade instrutiva ressaltou,
ainda, não ser possível “vislumbrar menções a suposta obrigatoriedade para
as aludidas rubricas nos documentos da contratação, o que poderia justificar
ausências de pedidos de esclarecimentos ou impugnações ao edital” e, de
igual forma, a ausência de apontamentos sobre a irregularidade por parte da
Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, não procedendo assim as alegações
“i” e “iii”. Quanto à infração ao art. 6º, parágrafo único, da IN Seges-MPDG
5/2017, cujo conteúdo está incorporado ao art. 135, § 2º, da Lei 14.133/2021
(nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), a unidade técnica rebateu
o argumento “iv” do HFA, de que a CCT vigente não previra obrigação exclusiva
de benefícios em contratos com o Poder Público. Ela rememorou que o aludido
dispositivo tivera origem nos pareceres da AGU supracitados, que “consideraram
a CCT 2014 irregular, por prever o custeio de plano de saúde com custeio
exclusivo dos ‘valores repassados pelos órgãos da administração pública e
privada, contratantes da prestação dos serviços’, o que beneficiaria somente os
profissionais terceirizados das contratadas”. E arrematou que “a
diferença redacional entre aquela CCT e a de 2023 não muda os efeitos de prever
os benefícios apenas para os empregados terceirizados, independentemente de o
tomador ser público ou privado”. Considerando então a procedência das
alegações da autora da representação, a unidade técnica propôs o “retorno da
fase” para reanálise da proposta “irregularmente
desclassificada”, ressaltando, também, que “a diferença de
valores envolvidos entre a proposta inicialmente vencedora e a segunda colocada
pode chegar a R$ 1.520.607,70, para o caso de a contratação ser prolongada por
10 (dez) anos”. Em seu voto, o relator destacou, preliminarmente, que o cerne
da questão não seria um comando específico na CCT voltado para a Administração
Pública, conforme alegou o HFA, mas a “previsão de benefícios exclusivos aos
empregados terceirizados nas contratações previstos nas cláusulas de Convenções
Coletivas de Trabalho, das quais a administração pública fica vedada de se
vincular”. A corroborar sua assertiva, reproduziu as cláusulas décima
sétima e décima oitava, que “tratam de plano ambulatorial e de assistência
odontológica”, respectivamente, com previsão de que os benefícios “se
destinam aos profissionais envolvidos nos contratos de terceirização
estabelecidos que, neste caso, tem a administração pública como tomadora dos
serviços”, senão vejamos: “CLÁUSULA DÉCIMA SÉTIMA - PLANO
AMBULATORIAL – Fica estipulado que para todos os contratos será obrigatório,
por parte das empresas, a cotação em suas planilhas de custo, o plano
ambulatorial no valor de R$ 175,76 (cento e setenta e cinco reais e
setenta e seis centavos), unicamente por empregado envolvido e
diretamente ativado na execução dos serviços, limitado ao
quantitativo de profissionais contratados pelo tomador dos serviços. O
referido valor será repassado pelas empresas mensalmente ao SINDISERVIÇOS/DF,
visando à manutenção de um fundo administrado pelo sindicato profissional,
visando prover a assistência médica dos empregados pertencentes à base de
representação do sindicato, mediante assinatura de convenio saúde a ser firmado
e administrado pelo Sindicato Laboral, a ser prestado na forma dos parágrafos
seguintes. [...] CLÁUSULA DÉCIMA OITAVA - ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA – Fica
convencionado que, as empresas pagarão mensalmente ao Sindicato Laboral, o
valor de R$ 11,92 (onze reais e noventa e dois centavos), por empregado
efetivado e diretamente ativado na execução dos seus contratos de prestação de
serviços, públicos ou privados, limitado ao
quantitativo de trabalhadores contratados pelos tomadores dos serviços.
Valor esse a ser pago até o 20º (vigésimo) dia do mês subsequente, sem ônus
para o empregado, para fins de custeio de auxílio odontológico para todos os
trabalhadores.” (grifos do relator). Nesse contexto, continuou ele, “não
se pode olvidar que o fundamento legal utilizado no Pregão 100/2023 é a Lei
14.133/2021, que reproduziu a vedação originária da IN ao seu art. 135, § 2º,
dispositivo que também resta violado no caso ora em análise”. Ademais, o
relator reforçou o entendimento da unidade técnica que, ao citar o Acórdão
1033/2015-Plenário, deixou assente
que a Administração Pública “tampouco tem a obrigação de contemplar o valor
referente aos benefícios em questão em suas planilhas, uma vez que elas devem
conter apenas os custos mínimos da contratação, que garantam a exequibilidade
dos serviços a serem prestados”. Por fim, tendo em vista que, em sua
manifestação, o HFA informara, ante a possibilidade de retorno de fase do
certame, ter decidido “não efetuar a contratação do item e prorrogar o
contrato com a finalidade de mitigar riscos decorrentes da presente
representação até 16/2/2025”, o relator concluiu não vislumbrar “maiores
impactos relacionados à proposta alvitrada” pela unidade instrutiva. Assim
sendo, ele propôs, e o Plenário decidiu, considerar procedente a representação,
sem prejuízo de determinar ao HFA o retorno do Pregão Eletrônico 100/2023 à “fase
de aceitação e julgamento das propostas”, para reanálise da proposta da
empresa representante, tendo em vista sua “desclassificação indevida”
por não ter incluído, em sua planilha de custos e formação de preços, as “despesas
com plano ambulatorial e assistência odontológica, previstas nas Cláusulas
Décima Sétima e Décima Oitava da Convenção Coletiva do Trabalho 2023/2023,
celebrada entre o Sindiserviços/DF e o Seac/DF, em violação ao §2º, do art.
135, da Lei 14.133/2021, ao parágrafo único do art. 6º da Instrução Normativa
Seges/MPDG 5/2017, aos Pareceres 15/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU e
012/2016/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU e ao Acórdão 1.033/2015-TCU-Plenário”.
Acórdão
1784/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz.