quinta-feira, 15 de maio de 2025

Em licitações de serviços de administração, gerenciamento, emissão e fornecimento de auxílio-alimentação, caso diversos concorrentes ofertem a mesma taxa de administração zero, situação que impede as microempresas e empresas de pequeno porte de exercerem o direito de preferência

 

Em licitações de serviços de administração, gerenciamento, emissão e fornecimento de auxílio-alimentação, caso diversos concorrentes ofertem a mesma taxa de administração zero, situação que impede as microempresas e empresas de pequeno porte de exercerem o direito de preferência previsto no art. 45 da LC 123/2006, haja vista a proibição de taxa de administração negativa (art. 3º, inciso I, da Lei 14.442/2022), é cabível, como critério de desempate, a realização de sorteio entre todos os licitantes empatados.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 118/2025, sob a responsabilidade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), cujo objeto era a contratação de empresa especializada na prestação de serviços de administração, gerenciamento, emissão e fornecimento de auxílio-alimentação, em forma de cartão eletrônico. Entre as irregularidades suscitadas quanto ao aludido certame, regido pela Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais) e pelo regulamento próprio da entidade, destacara-se o descumprimento do direito de preferência de microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), uma vez que o sorteio definidor da empresa vencedora, após empate, teria incluído todas as licitantes empatadas, e não apenas as ME/EPP. O representante alegou que, em caso de empate, a solução admitida pela lei seria, com fundamento no art. 45, III, da Lei Complementar 123/2006, o sorteio entre as microempresas e empresas de pequeno porte participantes do certame, e não um sorteio entre todos os licitantes com lances empatados”. O mencionado dispositivo legal, transcrito no voto do relator, assim dispõe: “Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma: I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito; III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar [empate ficto nas faixas de até 10% e 5%, respectivamente], será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta” (grifos e acréscimo do original). A alegação do representante fora objeto de impugnação no âmbito do procedimento licitatório e a conclusão externada em parecer jurídico do HCPA respondera que: “Assim, em caso de empate, diante da hipótese do oferecimento de taxa de administração zero (proibição de deságio nos termos do art. 3º, I, da Lei 14.442/2022), não será possível a empresa de pequeno porte ME/EPP oferecer preço inferior, razão pela qual o tratamento diferenciado para microempresa ou empresa de pequeno porte fica sem condições de aplicabilidade, do contrário, caso fosse permitido, equivaleria a dizer que, nesses casos, as ME e EPP sempre estariam em vantagem, ferindo os princípios constitucionais da isonomia, legalidade e livre concorrência (grifos do original). Ao analisar o caso, a unidade técnica adotou como referência o Acórdão 2.107/2023-1ª Câmara, prolatado por relação, em sede de  representação na qual o autor também questionara o descumprimento dos arts. 44, §§ 1º e 2º, e 45, inciso III, da LC 123/2006, sustentando, em essência, que somente as licitantes classificadas como ME e EPP poderiam ter participado do sorteio previsto na lei. Naquela ocasião, a área técnica defendera que não seria possível convocar apenas as licitantes que eram ME ou EPP, diante das seguintes considerações: “12. Nesse ponto, importa destacar, que a interpretação dada aos arts. 44 e 45 da LC 123/2006, deve sempre ser realizada da forma mais restritiva possível, tendo em vista tratar-se de exceção ao princípio constitucional da isonomia. 13. Portanto, como as ME e EPP não poderiam ser convocadas para apresentarem proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, nos precisos termos do art. 45, inciso I, da LC 123/2006, o sorteio realmente teria que ser realizado entre todos os licitantes, seguindo o que estabelece o art. 37, parágrafo único, do Decreto 10.024/2019 e o item 5.31 do edital” (grifos do original). Manifestando-se pelo acolhimento das conclusões da unidade instrutiva, o relator justificou que a realização do sorteio previsto no art. 45, inciso III, da LC 123/2006 “não pode ser considerada isoladamente em benefício de ME/EPPs, na medida em que é parte de um conjunto de critérios previsto em lei para solucionar o empate, em situação na qual se aplique a preferência de contratação para ME/EPPs”. Nesse sentido, destacou que, segundo a ordem definida no art. 45 da mencionada lei complementar, o sorteio é o terceiro critério de desempate, que só deve ser utilizado se os dois primeiros critérios – estabelecidos nos incisos I e II do mesmo artigo – não forem suficientes para determinar o vencedor da licitação. Em decorrência das características específicas do objeto licitado, em que não há possibilidade de oferta de lances inferiores após o empate entre as propostas com taxa de administração zero, o relator entendeu que a solução prevista no art. 45 da LC 123/2006, “como um todo, não se mostra aplicável, não se admitindo a aplicação isolada de seu inciso III”, ressaltando que o “§ 2º do art. 45 da LC 123/2006 estabelece sua aplicação exclusivamente em casos em que a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por ME/EPP”. Voltando a atenção para o caso concreto, o relator observou que as dezessete empresas participantes da licitação apresentaram o mesmo valor de lance (taxa de administração de 0%), que correspondia ao mínimo possível, tendo em vista o disposto no art. 3º, inciso I, da Lei 14.442/2022, que proíbe qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado. Observou, ainda, que das dezessete licitantes, quatorze não eram microempresas ou empresas de pequeno porte, sendo a disputa finalizada por meio de sorteio, no qual uma empresa não enquadrada como ME ou EPP fora declarada vencedora. Assim, diante do fato de todas as licitantes terem ofertado o mesmo valor, o relator concluiu que não seria possível ao HCPA aplicar o direito de preferência previsto no art. 45, inciso I, da LC 123/2006 e convocar somente as três licitantes enquadradas como EPP para apresentar uma melhor oferta para o desempate. Do que expôs, o relator asseverou que não foram confirmados os indícios de irregularidade suscitados na representação, razão por que propôs, e o Plenário decidiu, pelo conhecimento e pela improcedência da representação.

Acórdão 792/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto Sherman.