Em licitações de serviços de
administração, gerenciamento, emissão e fornecimento de auxílio-alimentação,
caso diversos concorrentes ofertem a mesma taxa de administração zero,
situação que impede as microempresas e empresas de pequeno porte de exercerem
o direito de preferência previsto no art. 45 da LC 123/2006, haja vista a
proibição de taxa de administração negativa (art. 3º, inciso I, da Lei
14.442/2022), é cabível, como critério de desempate, a realização de sorteio
entre todos os licitantes empatados.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis
irregularidades no Pregão Eletrônico 118/2025, sob a responsabilidade do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), cujo objeto era a contratação de
empresa especializada na prestação de serviços de administração, gerenciamento,
emissão e fornecimento de auxílio-alimentação, em forma de cartão eletrônico.
Entre as irregularidades suscitadas quanto ao aludido certame, regido pela Lei
13.303/2016 (Lei das Estatais) e pelo regulamento próprio da entidade,
destacara-se o descumprimento do direito de preferência de microempresas (ME) e
empresas de pequeno porte (EPP), uma vez que o sorteio definidor da empresa
vencedora, após empate, teria incluído todas as licitantes empatadas, e não
apenas as ME/EPP. O representante alegou que, em caso de empate, a solução
admitida pela lei seria, com fundamento no art. 45, III, da Lei Complementar
123/2006, “o sorteio entre as microempresas e empresas de pequeno
porte participantes do certame, e não um sorteio entre todos os licitantes com
lances empatados”. O mencionado dispositivo legal,
transcrito no voto do relator, assim dispõe: “Art. 45. Para efeito do
disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á
da seguinte forma: I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem
classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora
do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II
- não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na
forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que
porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei
Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito; III
- no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e
empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos
§§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar [empate ficto nas faixas de até
10% e 5%, respectivamente], será realizado sorteio entre elas para
que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta”
(grifos e acréscimo do original). A alegação do representante fora objeto de
impugnação no âmbito do procedimento licitatório e a conclusão externada em
parecer jurídico do HCPA respondera que: “Assim, em caso de empate, diante
da hipótese do oferecimento de taxa de administração zero (proibição de deságio
nos termos do art. 3º, I, da Lei 14.442/2022), não será possível a
empresa de pequeno porte ME/EPP oferecer preço inferior, razão pela qual o
tratamento diferenciado para microempresa ou empresa de pequeno porte fica sem
condições de aplicabilidade, do contrário, caso fosse permitido, equivaleria
a dizer que, nesses casos, as ME e EPP sempre estariam em vantagem, ferindo
os princípios constitucionais da isonomia, legalidade e livre concorrência (grifos
do original). Ao analisar o caso, a unidade técnica adotou como referência o Acórdão 2.107/2023-1ª Câmara, prolatado por relação, em sede de representação na qual o autor também
questionara o descumprimento dos arts. 44, §§ 1º e 2º, e 45, inciso III, da LC
123/2006, sustentando, em essência, que somente as licitantes classificadas
como ME e EPP poderiam ter participado do sorteio previsto na lei. Naquela
ocasião, a área técnica defendera que não seria possível convocar apenas as
licitantes que eram ME ou EPP, diante das seguintes considerações: “12.
Nesse ponto, importa destacar, que a interpretação dada aos arts. 44 e 45 da LC
123/2006, deve sempre ser realizada da forma mais restritiva possível, tendo em
vista tratar-se de exceção ao princípio constitucional da isonomia. 13.
Portanto, como as ME e EPP não poderiam ser convocadas para apresentarem
proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, nos
precisos termos do art. 45, inciso I, da LC 123/2006, o sorteio
realmente teria que ser realizado entre todos os licitantes, seguindo o que
estabelece o art. 37, parágrafo único, do Decreto 10.024/2019 e o item 5.31 do
edital” (grifos do original). Manifestando-se pelo acolhimento das
conclusões da unidade instrutiva, o relator justificou que a realização do
sorteio previsto no art. 45, inciso III, da LC 123/2006 “não pode ser
considerada isoladamente em benefício de ME/EPPs, na medida em que é parte de
um conjunto de critérios previsto em lei para solucionar o empate, em situação
na qual se aplique a preferência de contratação para ME/EPPs”. Nesse
sentido, destacou que, segundo a ordem definida no art. 45 da mencionada lei
complementar, o sorteio é o terceiro critério de desempate, que só deve ser
utilizado se os dois primeiros critérios – estabelecidos nos incisos I e II do
mesmo artigo – não forem suficientes para determinar o vencedor da licitação.
Em decorrência das características específicas do objeto licitado, em que não
há possibilidade de oferta de lances inferiores após o empate entre as propostas
com taxa de administração zero, o relator entendeu que a solução prevista no
art. 45 da LC 123/2006, “como um todo, não se mostra aplicável, não se
admitindo a aplicação isolada de seu inciso III”, ressaltando que o “§
2º do art. 45 da LC 123/2006 estabelece sua aplicação exclusivamente em casos
em que a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por ME/EPP”.
Voltando a atenção para o caso concreto, o relator observou que as dezessete
empresas participantes da licitação apresentaram o mesmo valor de lance (taxa
de administração de 0%), que correspondia ao mínimo possível, tendo em vista o
disposto no art. 3º, inciso I, da Lei 14.442/2022, que proíbe qualquer tipo de
deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado. Observou, ainda,
que das dezessete licitantes, quatorze não eram microempresas ou empresas de
pequeno porte, sendo a disputa finalizada por meio de sorteio, no qual uma
empresa não enquadrada como ME ou EPP fora declarada vencedora. Assim, diante
do fato de todas as licitantes terem ofertado o mesmo valor, o relator concluiu
que não seria possível ao HCPA aplicar o direito de preferência previsto no
art. 45, inciso I, da LC 123/2006 e convocar somente as três licitantes
enquadradas como EPP para apresentar uma melhor oferta para o desempate. Do que
expôs, o relator asseverou que não foram confirmados os indícios de
irregularidade suscitados na representação, razão por que propôs, e o Plenário
decidiu, pelo conhecimento e pela improcedência da representação.
Acórdão
792/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro-Substituto Augusto
Sherman.