Na licitação que tem como critério
de julgamento das propostas o maior desconto (art. 34, § 2º, da Lei
14.133/2021), é irregular a previsão, no edital, de desconto máximo a ser
ofertado pelo licitante, por caracterizar preço mínimo, o que afronta o
princípio da competitividade e o objetivo de selecionar a proposta mais
vantajosa para a Administração.
Representação
formulada ao TCU noticiou supostas irregularidades no Pregão Eletrônico
90.058/2024, promovido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que teve
como objeto a aquisição de materiais para manutenção predial, conforme
condições, quantidades e exigências estabelecidas no edital e seus anexos. Com
valor estimado de R$ 1.770.002,00, o certame fora dividido em dois lotes, sendo
o primeiro avaliado em R$ 1.350.001,00 e o segundo com orçamento estimativo de
R$ 420.001,00. Entre as irregularidades suscitadas, foi apontado que o edital
de licitação limitara o desconto máximo que seria ofertado por licitante a
18,3% da tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da
Construção Civil do Rio de Janeiro (Sinapi/RJ), o que caracterizaria preço
mínimo. Em exame preliminar, a unidade técnica destacou que: i) a
jurisprudência do TCU orienta que a estipulação de desconto máximo sobre
valores determinados em tabela equivale à fixação de preços mínimos, o que
seria vedado pela legislação; ii) a fixação de preço mínimo em licitação pode
restringir a competição e, consequentemente, comprometer o objetivo de
selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, o que
violaria o art. 11, inciso I, da Lei 14.133/2021; iii) em consulta ao Portal de
Compras do Governo Federal, “observa-se que, na prática, o prejuízo à
competitividade do certame não se consumou, haja vista os licitantes terem
ofertado praticamente os mesmos valores que foram estimados pela UFF”. Em
juízo preliminar, o relator concordou que, de fato, a limitação do desconto
máximo em 18,3% caracterizaria a prática de preço mínimo, infringindo o
objetivo de gerar o resultado mais vantajoso para a Administração Pública,
conforme o art. 11 da Lei 14.133/2021, e o princípio da competitividade,
previsto no art. 5º da mesma lei. Discordou, no entanto, da unidade técnica
quanto à inexistência de prejuízo à competitividade. Isso porque, a partir de
consulta ao Portal de Compras, “verificou-se que os licitantes ofertaram os
mesmos valores que foram estimados pela UFF, nos lotes 1 e 2, com descontos
reais próximos de 0%”. Ele destacou que o desconto máximo permitido no
pregão, em termos absolutos, fora de apenas R$ 0,19 para os dois lotes,
reproduzindo disposições do termo de referência que evidenciavam essa
limitação. E que, ao analisar os termos de homologação do certame, constatou
que, além de a limitação do desconto máximo de 18,3% ter caracterizado preço
mínimo, o desconto ofertado pelos licitantes “não incidiu sobre o valor
estimado dos lotes 1 e 2, mas somente sobre uma única unidade monetária (R$
1,00), o que fez com que as propostas classificadas para o lote 1 gravitassem
somente entre R$ 1.350.000,817 e R$ 1.350.001,00. No entanto, em princípio, o
desconto ofertado deveria incidir sobre todo o valor estimado. A título de
exemplo, o desconto de 18,3% deveria resultar em contratação de R$
1.116.450,83, e não de R$ 1.350,000,81, como se verificou”. Tal ocorrência,
a seu ver, denotaria descumprimento do disposto no art. 34, § 2º, da Lei 14.133/2021,
segundo o qual “o julgamento por maior desconto terá como referência o preço
global fixado no edital de licitação”. Considerando haver fundamento para a
expedição de medida cautelar, ele determinou a suspensão da execução dos
contratos celebrados com as empresas vencedoras dos lotes 1 e 2, medida essa
que foi referendada pelo Acórdão 315/2025-Plenário. Promoveu-se também a oitiva
da UFF e das empresas contratadas, para que se manifestassem sobre as seguintes
irregularidades: “a) previsão, no edital de licitação e no respectivo termo
de referência, de desconto máximo a ser ofertado por cada licitante em 18,3% da
tabela do Sinapi/RJ, o que caracterizaria preço mínimo, afrontando o princípio
da competitividade e o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a
administração; e b) não incidência do desconto ofertado pelas licitantes sobre
o valor total da proposta, o que limitou o intervalo de disputa nos lotes 1 e 2
nos intervalos compreendidos entre R$ 1.350.000,817 e R$ 1.350.001,00 (lote 1)
e R$ 420.000,817 e R$ 420.001,00, violando o disposto no art. 34, § 2º, da Lei
14.133/2021, que estipula que o critério de julgamento por maior desconto terá
como referência o preço global fixado no edital de licitação”. Em resposta
à oitiva, a UFF esclareceu que não houvera pagamento decorrente dos contratos
celebrados, pois estavam suspensos em obediência à medida cautelar do TCU.
Ademais, argumentou que o maior desconto sobre a tabela Sinapi não asseguraria,
por si só, vantagem econômica à Administração, pois poderia representar risco
de inexecução ou prática de “jogo de planilha”, em que o licitante baixa
artificialmente os preços na licitação e busca compensações posteriores com
superfaturamento de itens na fase contratual. Dessa forma, o estudo técnico
preliminar e os documentos licitatórios teriam sido estruturados para mitigar
essa “conduta oportunista”, estabelecendo desconto máximo aceitável com
base em parâmetros de mercado e viabilidade de execução, a fim de garantir a “exequibilidade
e sustentabilidade contratual, sem violar os preceitos da Lei 14.133/2021”.
A UFF ainda ressaltou que a vantajosidade da contratação pública não se limita
ao menor preço inicial, mas exige a consideração de custos indiretos e do ciclo
de vida do objeto licitado, e que o critério de julgamento por menor preço, “embora
permitido em diversas modalidades, nem sempre conduz à melhor contratação para
a Administração, exigindo análise técnica rigorosa”. No caso do Pregão
Eletrônico 90.058/2024, continuou a unidade jurisdicionada, todas as licitantes
“aceitaram os termos do edital, tendo algumas posteriormente apresentado
denúncias ao TCU sobre cláusulas previamente discutidas e afastadas em sede de
recurso administrativo, o que revela tentativa de tumultuar a execução contratual”.
Em seu pronunciamento de mérito, o relator, anuindo ao entendimento da unidade
técnica, considerou que os argumentos da UFF, como a tentativa de evitar o
“jogo de planilha” e a justificativa para limitar o desconto máximo, eram vagos
e desprovidos de respaldo legal ou fático suficiente para afastar as
irregularidades apontadas. Tais justificativas, reforçou o relator, não
lograram afastar a ilegalidade da restrição imposta ao percentual de desconto,
tampouco comprovaram sua compatibilidade com os princípios que regem as
licitações. Ele observou que, no caso concreto, o desconto seria aplicado de
forma uniforme sobre todos os itens de material constantes da Tabela Sinapi e
demais tabelas de referência, em função da natureza do objeto licitado (aquisição
de materiais para manutenção predial), razão por que o argumento de que a
limitação de desconto buscava evitar o “jogo de planilha” não “se sustenta,
uma vez que essa prática está associada à manipulação desigual de itens
orçamentários, o que não se verifica quando há aplicação linear do desconto”.
Além disso, a afirmação de que o menor dispêndio não se resumiria ao menor
valor de proposta, embora correta, não elidiria, sob sua ótica, a
irregularidade em discussão, pois o próprio edital do pregão não teria
considerado custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção,
utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado,
entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida. O relator enfatizou os
riscos de dano ao erário causados pela limitação do desconto máximo e pela não
incidência do desconto ofertado sobre o valor total das propostas,
exemplificando que, no lote 1, houve desclassificação de licitante que ofertara
desconto de 20% sobre a tabela Sinapi, embora tal desconto pudesse representar
um patamar exequível, considerando a existência de “diversos fatores que
fazem com que os valores dos insumos do referido sistema se apresentem, em
geral, acima dos preços efetivamente transacionados no mercado”. Repisou o
que já tinha constatado em sua manifestação preliminar, enfatizando que, além
da limitação do desconto máximo, este não fora aplicado sobre o valor total
estimado dos lotes, mas sim sobre uma unidade monetária fixa (R$ 1,00). Essa
prática resultara em propostas com variações mínimas, como no lote 1, cujos
valores oscilaram entre R$ 1.350.000,81 e R$ 1.350.001,00, quando um desconto
de 18,3% deveria ter reduzido o valor final para R$ 1.116.450,83, o que
demonstrava que o critério de julgamento utilizado distorcera o resultado da
licitação. Destarte, concluiu ter havido afronta ao disposto no art. 34, § 2º,
da Lei 14.133/2021, segundo o qual o julgamento pelo critério de maior desconto
deve ter como referência o preço global do edital, bem como violação do
princípio da competitividade e do objetivo de selecionar a proposta mais
vantajosa para a Administração. A UFF apontara, ainda, limitações sistêmicas na
plataforma Compras.gov.br e no Siafi, justificando que a prática de calcular o
desconto sobre uma unidade monetária fixa (R$ 1,00), em vez do valor total
estimado, fora adotada como alternativa para evitar a redução do “poder de
compra/empenho/valor do contrato”, o que poderia comprometer as demandas da
Administração. O relator reconheceu a necessidade de ajustes na plataforma
Compras.gov.br para permitir o processamento adequado de licitações pelo
critério de maior desconto, destacando que, mesmo após mais de quatro anos da
publicação da Lei 14.133/2021 e catorze desde o Regime Diferenciado de
Contratações Públicas (RDC), o sistema ainda não está adaptado. Ele criticou a
ausência de melhorias, afirmando que isso obriga os gestores a recorrerem a
soluções improvisadas, como o cálculo do desconto sobre R$ 1,00, prática que
classificou como “uma espécie de gambiarra para operacionalizar o uso do
instituto na plataforma Compras.gov.br. e, eventualmente, para burlar a
disposição do art. 34, § 2º, da Lei 14.133/2021”. Apesar das impropriedades
verificadas, o relator reconheceu que o julgamento pelo maior desconto oferece
vantagens, como evitar o “jogo de planilha” e o “jogo de cronograma”, além de
proporcionar celeridade e eficiência em licitações para objetos com demanda
futura incerta. Contudo, ressaltou que o critério ainda exige refinamento
procedimental e ajustes nos sistemas informatizados, razão por que julgou
oportuno propor o envio de cópia da deliberação a ser proferida à Câmara
Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA/AGU/CGU), para que
ela avalie a possibilidade de aprimorar os modelos de minutas padronizadas de
termos de referência e editais, incluindo a disposição de que, em licitações
pelo maior desconto, o percentual ofertado deve incidir linearmente sobre cada
item do orçamento estimado. Justificou o relator que, ao contrário do RDC, a
Lei 14.133/2021 não traz comando claro sobre essa linearidade, e permitir
descontos diferenciados por item desvirtuaria o critério de maior desconto,
tornando-o semelhante ao de menor preço. Assim sendo, acolhendo as proposições
do relator, o Plenário decidiu fixar prazo à UFF para anular o Pregão
Eletrônico 90.058/2024, bem como os contratos dele decorrentes, sem prejuízo de
cientificar a unidade jurisdicionada sobre as seguintes irregularidades, entre
outras, identificadas no Pregão Eletrônico 90.058/2024: I) a “previsão no
edital de desconto máximo a ser ofertado por licitante em 18,3% da tabela do
Sinapi/RJ caracteriza preço mínimo, afrontando o princípio da competitividade e
o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a administração”;
II) “não incidência do desconto ofertado pelas licitantes sobre o valor
total da proposta, o que limitou o intervalo de disputa nos lotes 1 e 2 nos
intervalos compreendidos entre R$ 1.350.000,817 e R$ 1.350.001,00 (lote 1) e R$
420.000,817 e R$ 420.001,00 (lote 2), violando o disposto no art. 34, § 2º, da
Lei 14.133/2021, que estipula que o critério de julgamento por maior desconto
terá como referência o preço global fixado no edital de licitação”. O Pleno
também decidiu dar ciência do inteiro teor do acórdão proferido ao Ministério
da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, visando à adoção de medidas para “adequar,
com a urgência necessária, o Sistema Compras.gov.br ao critério de julgamento
pelo maior desconto, a fim de evitar problemas semelhantes como os verificados
nestes autos”. Outrossim, decidiu dar ciência da deliberação do Tribunal à
Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos, para que “avalie
a possibilidade de aprimorar a redação dos modelos de minutas padronizadas de
termos de referência e editais regidos pela Lei 14.133/2021 com vistas a
eliminar irregularidades como as que foram apuradas nestes autos”, além de
incorporar, entre outras disposições, a seguinte: “nas licitações
adjudicadas por lote/grupo ou preço global que adotem o critério de julgamento
de maior desconto, o percentual de desconto oferecido pelo licitante, além de
incidir sobre o preço global fixado, deve incidir linearmente sobre cada item
de serviço do orçamento estimado”.
Acórdão
1354/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.