terça-feira, 5 de setembro de 2023

COMENTÁRIO 5 (Artigo 5º da Lei 14.133/21)

COMENTÁRIO 5 (Artigo 5º da Lei 14.133/21)

Lei Comentada

LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021

Lei de Licitações e Contratos Administrativos

 

CAPÍTULO II

DOS PRINCÍPIOS

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Aqui temos a alma da Lei. Só se aplica bem a Lei se o agente souber se nortear pelos princípios e, diante deles, fazer o devido sopesamento. Colocarei abaixo um trecho de um acórdão do Tribunal de Contas da União - TCU que vem bem a calhar:

SOPESAMENTO DE PRINCÍPIOS - Possibilidade do aproveitamento de licitação anterior

Representação formulada ao Tribunal apontou possíveis irregularidades na execução de obras rodoviárias no Estado do Paraná, a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT. Dentre elas, constou o aproveitamento de licitação anterior (Concorrência Internacional nº 2/1999), cuja contratação não chegou a se concretizar. Para a unidade técnica, o procedimento estaria à margem da lei, não havendo justificativas para tanto. Em consequência, propôs aplicação de multa aos responsáveis, proposta da qual dissentiu o relator, por não estar plenamente convicto da gravidade do fato. Para ele, “não se trata do procedimento ideal, pois o mais adequado seria a realização de uma nova licitação”. Entretanto, ponderou que “o aproveitamento dos procedimentos do certame não pode ser de todo condenável”. Considerou, ainda, que a medida pode até ser vista como “uma iniciativa aceitável e bastante razoável, tendo em vista: i. a ausência de óbice legal; ii. o fato de a obra estar concluída; iii. não ter havido qualquer manifestação contrária por parte de outras firmas interessadas; iv. não ter resultado, dessa ação, prejuízo ao erário; v. ter sido expedido o devido parecer favorável do órgão jurídico para o aproveitamento do certame; vi. ter ocorrido a emissão de nova autorização do ordenador de despesa em face à existência de recursos suficientes no orçamento”. Acresceu que “se, porventura, houve ofensa aos princípios da legalidade, da isonomia e da transparência, como assevera a unidade técnica”, por outro lado, “outros princípios de igual relevância foram preservados, como os da economicidade, da razoabilidade e da finalidade, princípio este, aliás, pelo qual se entende que a norma administrativa, no caso, o estatuto das licitações, deve ser interpretada e aplicada de forma que melhor garanta a realização do fim público a que se dirige”. Ao final, o relator votou pela improcedência da representação, no que foi acompanhado pelos demais ministros. Acórdão n.º 7669/2010-1ª Câmara, TC-013.354/2006-4, rel. Min. Augusto Nardes, 16.11.2010.

 

Vamos às definições dos princípios:

Princípio da Legalidade: Administração Pública, através dos seus agentes, só pode praticar atos que tenham expressa autorização em lei. O fato de uma conduta não ser proibida por lei, não quer dizer que ela pode ser praticada por um Agente Público no exercício de suas funções. Se a lei não previu, não se pode praticar. A lacuna da lei, no serviço público, não significa território livre à exploração. A lacuna da lei não significa nada para o Agente Público. Isso era o que se praticava antigamente. Agora temos o PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE.

O princípio da juridicidade no Direito Administrativo dá a ideia de legalidade em bloco, ou seja, vai além da legalidade. Não se pode mais vincular a atuação do Administrador à positividade de lei especifica, mas à legalidade em sentido amplo. Isso vincula o operador do direito ao conjunto de princípios e regras que regulamentam determinada matéria. 

Antes era válida a lição de que o agente público só poderia fazer o que estava autorizado em lei, enquanto o cidadão podia fazer tudo aquilo que não era proibido em lei. Essa é a clássica doutrina de Hely Lopes, em seu livro Direito Administrativo Brasileiro,

“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.

Agora, algo maior que o princípio da legalidade passou a ser reconhecido: o princípio da juridicidade administrativa. Está superada a exclusiva vinculação positiva à lei.

Isso traz uma responsabilidade enorme ao Administrador público que agora precisa mais do que nunca se capacitar e capacitar todos os agentes públicos sob seu comando. Não esqueçamos: muita responsabilidade e muito estudo é o que se espera do agente público a partir de agora. A propósito, antecipo a norma insculpida no artigo 7º da NL (Nova Lei de Licitações):

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos (...)

A indicação a que se refere o caput do artigo 7º será feita através de portaria assinada pela autoridade máxima do órgão. As pessoas indicadas, não necessariamente precisam atuar na área de direito, mas precisam ter o perfil adequado, ter atribuições relacionadas a licitações e contratos, ou possuam formação compatível, ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público. Necessariamente essas pessoas precisam participar de curso de capacitação conforme prescreve o inciso X do §1º do artigo 18 da Nova Lei, que exige capacitação para servidores ou empregados públicos que atuarem como gestores ou fiscais de contrato. Também o inciso I do §3º do artigo 169 da Nova Lei trata da capacitação dos agentes responsáveis que integram as linhas de defesa, na gestão de risco, a que são submetidas as contratações públicas. Ainda nesse sentido, o Artigo 173 atribui aos tribunais de contas, por meio de suas escolas de contas, a promoção de eventos de capacitação de servidores e empregados públicos designados para as funções essenciais à execução da Nova Lei.

 

Princípio da Impessoalidade: na defesa do interesse público, a Administração, através dos seus agentes, age com imparcialidade. Quando se tem que decidir, o servidor não tem vontade própria nem atua se envolvendo emocionalmente defendo interesses outros que não seja o interesse público. E só há defesa do interesse público quando o agente executa seu dever com equidade, ou seja, com justiça, com imparcialidade.

Princípio da Moralidade: a Administração é o reflexo da ação de seus agentes. O dever de moralidade exige uma conduta que se guia por preceitos éticos e morais.

Princípio da Publicidade: exprime o dever de transparência na divulgação dos atos administrativos. Os administrados têm direito à informação sobre como atua a Administração através de seus agentes para, assim, exercer também o controle das ações.

Princípio da Eficiência: o Agente Público deve sempre se pautar pela busca do melhor resultado, com a melhor qualidade e EFICÁCIA. Na nova Lei, o legislador citou a eficiência e a eficácia separados. Melhor seria se os dois viessem juntos. Mas já está de bom tamanho. Antes a eficácia nem era citada explicitamente.

Eficiência é fazer o que tem que ser feito. Só isso. Mas isso só não basta para fazer a máquina administrativa funcionar bem.

Eficácia é ser eficiente, mas tendo em mente os objetivos a serem alcançados com o menor dispêndio de recursos.

Entendemos que é o agir eficazmente que completa o sentido que o legislador quis dar ao princípio da eficiência.

A eficácia é executar as coisas tendo em mente o fim que se deseja e, assim, obter-se melhor aproveitamento e melhor resultado. O princípio da eficiência não terá sentido na Administração Pública se ele se apresentar isolado da Eficácia.

Como entender a diferença de eficiente e eficaz? Vamos a um exemplo:

Certo fazendeiro contratou o melhor trio de coletores para realizar a colheita de suas maçãs.

O trabalho era feito da seguinte forma: um verificava se a maçã estava no ponto de ser colhida e colhia apenas aquelas que estavam prontas. Em seguida ele arremessava a maçã para o segundo que a pegava no ar depositando-a em um carrinho de mão. Um terceiro tinha a função de levar o carrinho até o deposito e retornar para pegar o próximo.

Por cinco anos consecutivos o trio executou o trabalho com eficiência. Aquele que colhia, colhia exatamente a maçã que devia colher e, com extrema perícia e rapidez, sem precisar olhar para o segundo coletor, arremessava a maçã na direção correta e na exata altura para que o segundo coletor a pegasse. Este, extremamente ágil não deixava a maçã cair no chão e com eficiência e rapidez a arrumava no carrinho. O terceiro, com rapidez e eficiência corria com o carrinho até o depósito. Deixava o carrinho no exato lugar onde ele devia ficar e partia correndo para buscar o próximo carrinho.

No sexto ano, ao perceber que os carrinhos do depósito estavam em seus devidos lugares, mas não continham nenhuma maçã, o fazendeiro resolveu verificar o que estava errado.

Ao chegar à plantação, pasmo, ele verificou que o coletor que colhia os frutos continuava colhendo, como na safra passada, com extrema perícia, rapidez e dedicação. E sem precisar olhar para o segundo coletor arremessava a maçã na direção correta e na exata altura para que o segundo coletor a pegasse. Seu arremesso era preciso, mas as maçãs caiam todas no chão porque o segundo coletor não estava lá para pegá-las. E o fazendeiro ficou ainda mais estarrecido quando percebeu que o terceiro coletor continuava, como na safra passada, levando o carrinho com extrema rapidez e dedicação para o depósito sem prestar atenção se o mesmo continha ou não as maçãs.

O fazendeiro, ao perguntar o que tinha acontecido com o segundo coletor, ouviu a seguinte resposta: - morreu depois do final da safra passada.

Se o leitor riu e achou o exemplo estúpido e impossível de acontecer, eu digo que isso é muito comum no serviço público.

Analisando o exemplo acima, percebemos que por cinco anos o trio de coletores foi eficiente. Mas o que aconteceu no sexto ano? Vejamos:

a) no sexto ano, o primeiro coletor foi, da mesma forma que nos cinco anos anteriores, EFICIENTE, pois executou sua tarefa: verificou o fruto com perícia, colheu com rapidez e arremessou com precisão na direção que tinha que arremessar. Ele fez o que tinha que fazer. Não se preocupou com o resultado e por isso não foi EFICAZ. Sua atuação foi vã, seus esforços foram inúteis, dispendiosos e o resultado foi trazer prejuízos para o agricultor.

No serviço público, cada agente deve executar bem sua função com a observância do resultado. Não adianta, por exemplo, receber um processo e executar bem sua tarefa sem saber analisar se aquele era o momento correto para a sua atuação. Ou, se o momento era o correto. Não adianta fazer o que tem que fazer e em seguida enviar o processo para o setor errado.

b) Da mesma forma que o primeiro, o terceiro coletor fez o que tinha que fazer e fez com eficiência, mas não foi eficaz. Não se preocupou em verificar se aquele era o momento de executar sua função. Sua atuação contribuiu para o insucesso de toda a operação.

É isso que acontece quando o agente sabe executar bem sua tarefa e o faz com EFICIÊNCIA, mas como não passa de uma peça desconectada, que não entende nem procura entender, ainda que vagamente, o funcionamento, os objetivos e os resultados a serem alcançados no processo como um todo, não é EFICAZ e apenas contribui para o insucesso do aparelho público.

Princípio do Interesse Público: é o nosso velho conhecido princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. O Agente Público não pode conhecer outra finalidade para sua atuação se não for a finalidade de bem servir a sociedade. Não se pode conceber outro propósito nem outro interesse nas ações dos agentes públicos que não seja apenas e simplesmente o interesse público. Não se pode esperar do administrador público nenhuma vontade particular ou a defesa de interesses de outrem, nem qualquer desejo que não seja o de bem servir a coletividade cumprindo com equidade os mandamentos legais. Cumprir com equidade é cumprir agindo de forma justa, reta e igual com todos. Se um desafeto do agente solicita um serviço, o agente põe de lado seus sentimentos e atende ao pedido agindo da mesma forma que agiria se o pedido fosse feito por um amigo ou outra pessoa do público: agiria conforme a lei.

Princípio da Probidade Administrativa: todo Agente Público tem o dever de ser probo, honesto, reto, íntegro.

Princípio da igualdade: trataremos desse princípio levando em consideração o caso particular das licitações e contratos. Assim, perante a lei e o edital, todos os licitantes serão tratados de forma igual e os textos produzidos devem ser claros e sem subjetividades ou tratamento diferenciado a determinados licitantes ou marcas.

É oportuno dizer que, por medida de clareza e para que todos entendam as regras, e não só determinada classe de pessoas, a Administração jamais deve adotar em seus editais de licitação e demais atos administrativos redação dúbia ou subjetiva. Os textos escritos não podem satisfazer o ego de quem os escreve, parecendo mais um desfile literário com linguagem rebuscada onde só os gramáticos entendem. Não interessa para o público o quanto o redator entende a gramática. Os textos dos documentos públicos, principalmente de um edital, devem adotar uma linguagem simples e objetiva, sem levar em conta as condições pessoais do licitante ou as vantagens pessoais do licitante ou as vantagens por ele oferecidas, exceto aquelas expressamente previstas em lei.

Ainda, para cumprir os ditames do princípio da igualdade, o Agente Público não pode criar distinções entre os licitantes. Só a lei pode fazer isso.

Um exemplo de distinção na lei é o tratamento diferenciado dado às microempresas e empresas de pequeno porte onde a comprovação da regularidade fiscal e trabalhista das MEs (microempresas) e das EPPs (empresas de pequeno porte) somente será exigida para efeito de assinatura do contrato. Isso é o que diz o Art. 42 da Lei Complementar 123/06.

No artigo 44 da Lei Complementar 123/06, foi adotado um critério de desempate em favor das MEs e das EPPs que assegura nas LICITAÇÕES a preferência dessas empresas em fazer um último lance ou PROPOSTA, caso se configure o empate de propostas. Que fique claro, somente a lei pode criar distinções, tratamento diferenciado, tratamento desigual entre licitantes. Se o Agente o fizer estará cometendo ilegalidade.

Princípio do Planejamento: sem planejamento, todo sucesso nos processos para aquisição de bens e serviços se deve ao acaso. Assim, sem planejar, a margem de sucesso e a eficácia nos processos são mínimas e grande será o desperdício. O resultado de tudo isso é visto por aí: obras inacabadas, obras inacabáveis e recursos públicos desperdiçados. É, portanto, dever da Administração, através de seus agentes, planejar.

Planejar é discutir, diante do surgimento de uma necessidade, para finalmente redigir documentos contendo um conjunto de ações a serem implementadas com eficiência e eficácia para se concretizar a solução, e esta, após processo previsto na Nova Lei de Licitações, será materializada por meio de um serviço ou de um objeto legalmente possível.

Princípio da transparência: esse princípio vem de mãos dadas com o princípio da publicidade. Não há transparência sem publicidade. A transparência é um reforço à publicidade trazendo a ideia de que o agir da Administração será feito às claras. Não existe sequer um véu cobrindo os atos administrativos. Eles serão claros, nítidos e cristalinos aos olhos dos administrados.

Princípio da eficácia: aqui, aplicamos o mesmo comentário feito ao princípio da eficiência.

Princípio da segregação de funções: esse princípio reforça a ideia do CONTROLE dos atos administrativos e traz impedimento de um mesmo agente executar vários atos num processo. Cada agente faz apenas a sua parte. É preciso segregar, separar as atribuições e responsabilidades de cada Agente Público. Só assim, a função de controle poderá ser mais efetiva.

A Nova Lei dá bastante ênfase a essa questão. Não é possível, por exemplo, o pregoeiro fazer parte da equipe de planejamento da contratação, afinal, ele é quem vai conduzir o processo licitatório.

Em um processo licitatório há vários atores contribuindo para o sucesso na realização do objeto licitatório. Nada mais salutar do que cada um fazer o que tem que ser feito, porém, fiscalizando e sendo fiscalizado.

A propósito, trazemos um trecho do Artigo “O princípio da segregação de funções e sua aplicação no controle processual das despesas: uma abordagem analítica pela ótica das licitações públicas e das contratações administrativas” de Magno Antonio da Silva, publicado na Revista do TCU.

Endereço para consulta:

 https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/download/68/71

 

Segundo o Manual do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal (2001, p. 67-68), na aplicação da segregação de funções a estrutura das unidades/entidades deve prever a separação entre as funções de autorização/ aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio. Isto é, não se pode permitir, por exemplo, que todas as fases ou as fases mais críticas do processo de execução das despesas se concentrem nas mãos de somente um servidor ou agente público. Desta maneira, inserida no intento supracitado, almejando o aprimoramento da gestão e o impedimento da concentração de poder, a Resolução CGPAR nº 3/10, que trata das práticas de governança corporativa nas empresas estatais, determina o seguinte, in verbis: art. 1º [...] a adoção, pelas empresas estatais, das seguintes diretrizes, objetivando o aprimoramento das práticas de governança corporativa, relativas ao Conselho de Administração: a) segregação das funções de direção, evitando o acúmulo do cargo de Presidente do Conselho de Administração, ou assemelhado, e diretor presidente pela mesma pessoa, mesmo que interinamente, com o objetivo de impedir a concentração de poder.

Princípio da Motivação: motivar, segundo o dicionário Aurélio, significa: expor ou explicar o motivo ou a razão de; fundamentar.

No Direito Administrativo, o qual orienta toda a Administração Pública, encontramos, no §1º do inciso VIII do Art. 50 da Lei 9.784, de 29 de janeiro 1999, referência à motivação conforme se segue: 

§1º – A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso serão parte integrante do ato. 

Motivo e motivação são figuras que não se confundem. Motivo é a situação originária de um fato, evidentemente comprovável, que faz nascer um ato. Motivação é a exposição objetiva, a fundamentação, a ação de explanar, ainda que de modo sucinto, os motivos que levaram ao nascimento do ato. 

Princípio da Vinculação ao Edital: também conhecido como princípio da vinculação ao instrumento convocatório, esse princípio guarda respeito e reverência ao princípio da Formalidade Moderada.

Nada no direito é absoluto. A regra do princípio da vinculação ao edital é que o edital de licitações deve ser seguido em todas as suas cláusulas. Mas é possível, no caso concreto, afastar-se a lei e o edital quando o Agente Público, sopesando os princípios, defende e fundamenta sua decisão com base, por exemplo, no Princípio da escolha da proposta mais vantajosa para a Administração.

Vejamos abaixo um exemplo trazido por meio do Acórdão 3381/2013-Plenário, TC 016.462/2013-0, relator Ministro Valmir Campelo.

Para situar o leitor, informamos que houve uma representação junto ao TCU, relativa ao pregão eletrônico conduzido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), cujo objeto era à aquisição parcelada de equipamentos de informática. Foram apontadas algumas irregularidades, dentre elas, a desclassificação indevida de licitantes por conta da ausência, nas propostas, de informações sobre a marca/modelo, a garantia ou o prazo de entrega dos equipamentos.

Realizadas as oitivas regimentais, após a suspensão cautelar do certame, o relator anotou que, 

(...) tal procedimento, "de excessivo formalismo e rigor", foi determinante para a adjudicação de alguns itens por valores acima do preço de referência.

Acrescentou que,

(...) apesar de o edital exigir do licitante o preenchimento adequado do campo “descrição detalhada do objeto ofertado”, sob pena de desclassificação, e de o art. 41 da Lei 8.666/93 fixar que "a Administração não pode descumprir as normas e condições do edital", não poderia o gestor interpretar tais dispositivos "de maneira tão estreita". (...) as citadas disposições devem ser entendidas como prerrogativas do poder público, que deverão ser exercidas mediante a consideração dos princípios basilares que norteiam o procedimento licitatório, dentre eles, o da seleção da proposta mais vantajosa para a administração. (...) no caso concreto, caberia ao pregoeiro "encaminhar diligência às licitantes (art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993), a fim de suprir as lacunas quanto às informações dos equipamentos ofertados, medida simples que poderia ter oportunizado a obtenção de proposta mais vantajosa. 

Assim, cumprir os mandamentos do Princípio da vinculação ao edital é a regra e deve ser respeitada. Mas, cumprir com rigor excessivo, correndo o risco de trazer prejuízos para o órgão, pode-se cometer o erro do FORMALISMO EXAGERADO, ferindo o princípio da formalidade MODERADA. 

Princípio do Julgamento Objetivo: O processo licitatório como um todo deve ser objetivo. E com mais objetividade ainda, devem ser tomadas as decisões de julgamento das propostas, as decisões de recursos, de diligências, etc. Todas as manifestações dos pregoeiros/agentes de contratação e das comissões de contratação devem ser objetivas, claras, motivadas e fundamentadas, seguindo fielmente os dispositivos legais e editalícios.

Obs.: em toda a Nova Lei de Licitações o nome COMISSÃO DE LICITAÇÃO só aparece uma única vez e essa aparição se dá no § 1º do Art. 64. No restante da Lei, fala-se em COMISSÃO DE CONTRATAÇÃO. Parece que o copiar/colar não funcionou bem no citado parágrafo.

A Lei define, no inciso L do artigo 6º, a comissão de contratação como sendo o “conjunto de agentes públicos indicados pela Administração, em caráter permanente ou especial, com a função de receber, examinar e julgar documentos relativos às licitações e aos procedimentos auxiliares”. Ou seja, a Comissão de Contratação mudou de nome, a meu ver, sem necessidade, mas por conta do engano do copiar colar do Art. 64 (estou ironizando), podemos continuar chamando Comissão de Licitação em vez de Comissão de Contratação e vice-versa.

Outra curiosidade é que a Lei 14.133/21 também criou o “agente de contratação”. Curiosamente, conservou o termo “pregoeiro”, no § 5º do artigo 8º, para designar o agente responsável pela condução do pregão. 

Princípio da segurança jurídica: esse princípio protege as relações jurídicas garantindo-lhes preservação e estabilidade. A Administração não pode mudar a todo momento de decisão revendo situações plenamente constituídas. Vejamos o que prescreve o Artigo 24 da Lei n. 13.655/18:

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. 

Pelo princípio da Autotutela, a Administração pode rever seus atos, mas, no supracitado artigo há clara proibição de, diante de uma nova orientação, invalidar atos cuja situação esteja plenamente constituída.

Ainda, contemplando o supracitado princípio, também não pode a Administração, por exemplo, aceitar a propositura de recurso administrativo quando não há mais prazo para isso. Além de ilegal isso traz desconfiança, perda de credibilidade do pregoeiro ou da comissão de licitação.

Aliados a esse princípio, temos as preclusões, as prescrições e decadências.

 

Princípio da Razoabilidade: a Administração Pública deve atuar de forma sensata, racional cujo objetivo é o interesse público e não o ego do Agente Público. Assim, o princípio da razoabilidade tem o condão de conter excessos quando da atuação discricionária dos agentes públicos que, muitas vezes, utilizam-se da “conveniência e oportunidade” para cometerem imoralidade ou ilegalidade.

Atualmente, já está mais que assentada a ideia de que os atos discricionários não devem escapar da apreciação judicial no que diz respeito a razoabilidade. 

Princípio da Competitividade: O inciso I do Art. 11 da Nova Lei elenca vários objetivos do processo licitatório e, entre eles, o objetivo de assegurar a escolha a proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração. Sem competitividade esse objetivo jamais será alcançado.

O artigo 9º da Nova Lei, assegurando a isonomia entre os licitantes, para garantir o cumprimento do princípio da competitividade, traz uma série de proibições aos agentes públicos conforme veremos a seguir:

Art. 9º É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos que praticar, situações que:

a) comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do processo licitatório, inclusive nos casos de participação de sociedades cooperativas;

b) estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou do domicílio dos licitantes;

c) sejam impertinentes ou irrelevantes para o objeto específico do contrato;

II - estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamento, mesmo quando envolvido financiamento de agência internacional;

III - opor resistência injustificada ao andamento dos processos e, indevidamente, retardar ou deixar de praticar ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa em lei.

Assim, o princípio da competitividade além de assegurar o tratamento isonômico visa impedir que os agentes públicos limitem ou restrinjam, de alguma forma ou por qualquer motivo não previsto em lei, a participação do maior número possível de licitantes.

Os editais não podem trazer norma que propicie a apresentação de PROPOSTA ALTERNATIVA. Esse tipo de proposta fere mortamente o princípio da “isonomia” e do “julgamento objetivo”. Vejamos o Acórdão 237/2009 – Plenário:

 

ENUNCIADO

É irregular a inclusão de cláusula editalícia que possibilita ao licitante vencedor a apresentação de proposta alternativa àquela que foi selecionada ao final do certame, por violação dos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

 

EXCERTO

Relatório:

'43. A Lei nº 8.666/1993 dispõe:

[arts. 3º; 43, V; 44; 45; 46, §§ 1º, I e 2º, I; 54]

44. Deduz-se a preocupação do legislador em criar comandos que assegurem que nas licitações sejam obedecidos os princípios a que se vinculam os atos da administração pública, prevendo, inclusive, a seqüência de procedimentos a ser adotada nas modalidades 'melhor técnica' e 'técnica e preço' (art. 46 da Lei nº 8.666/1993, retro mencionada) .

45. Entende-se, então, que não é facultado ao administrador inovar nessa área, introduzindo no edital de concorrência procedimento de seleção de propostas não previsto na legislação.

46. Não consta do edital qual seria o critério de avaliação da 'PROPOSTA Alternativa', o que não está de acordo com o princípio do julgamento objetivo das propostas. Além disso, nada garante que algum licitante cuja 'PROPOSTA Básica' não seja vencedora não tenha apresentado a melhor 'PROPOSTA Alternativa'. Ou, em outros termos, não existe garantia que o licitante cuja 'PROPOSTA Básica' seja vencedora tenha apresentado a melhor 'PROPOSTA Alternativa', o que afronta o princípio de seleção da melhor proposta. Finalmente, na hipótese de a administração optar pela adoção da 'PROPOSTA Alternativa', provavelmente o contrato e/ou projeto básico deveriam sofrer adaptações, o que contrariaria o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.

47. Conclusão e proposta de encaminhamento.

47.1 Pelo exposto, conclui-se pela ilegalidade da inclusão de cláusula que prevê proposta alternativa da licitante, por afronta aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, constantes do artigo 3º, bem como ao procedimento licitatório previsto no artigo 46, ambos da Lei nº 8.666/1993.'

Voto:

Os demais indícios de irregularidades apontados na representação que constaram da oitiva promovida a Furnas, dizem respeito a:

[...]

b) inclusão de cláusula que considera a existência de proposta alternativa apresentada pela proponente (item 4, da seção III, do edital, à fl. 10 do anexo 1) , sem previsão legal para tanto.

[...]

Com respeito à outra irregularidade, consistente na inclusão de cláusula editalícia que possibilita a apresentação de proposta alternativa pela proponente, de igual modo, concordo com a análise empreendida e com o encaminhamento proposto pela Sefti.

Acórdão:

9.2 determinar a Furnas Centrais Elétricas S.A. que, em futuras licitações, abstenha-se de:

[...]

9.2.2 incluir cláusula que permita apresentação de propostas alternativas à proposta oficial, observando os princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo que regem o procedimento licitatório, conforme previsto nos arts. 3º e 46 da Lei nº 8.666/1993. 

 

Princípio da Proporcionalidade: significa que os meios empregados devem ser proporcionais aos fins a serem alcançados.

A proporcionalidade está em todos os atos do processo licitatório, desde a solução escolhida para a demanda que surgiu, até a decisão de homologação.

Outra questão a ser verificada é quanto a intensidade das exigências das normas editalícias. É preciso ser razoável e ter sempre em mente o equilíbrio.

Esse princípio tem estreita relação com o princípio da razoabilidade. As regras do edital devem exigir do licitante um agir dentro da razoabilidade, proporcional e coerente com a complexidade do objeto licitatório. Um edital que exige, por exemplo, que o licitante anexe sua documentação de proposta, ajustada ao último lance ofertado, em cinco minutos é um edital que traz norma desarrazoada, incoerente e desproporcional. Também exigir dos licitantes que enviem amostras em dois dias, contados da data em que o pregoeiro as solicitou, seria uma exigência absurda e desproporcional quando sabemos das dimensões continentais do nosso país. Outro exemplo seria a aplicação de pena desproporcional à conduta do licitante infrator. É necessário que o Agente Público tome decisões equilibradas e ajustadas proporcionalmente aos atos infracionais causados pelos licitantes ou contratados.

 

Princípio da Celeridade: com a entrada do pregão no rol das licitações esse princípio ganhou relevância nos processos licitatórios. Mas ele já tinha recebido status constitucional conforme vemos no Art. 5º, inciso LXXVIII da Carta Magna que diz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O Princípio da Celeridade exige um trâmite razoável na condução dos processos administrativos, incluindo-se aí, merecidamente, o processo licitatório.

Um exemplo de celeridade é a inversão das fases de JULGAMENTO DE PROPOSTA e HABILITAÇÃO. A Lei 8.666/93 trazia primeiro a habilitação e depois o julgamento de propostas. O Artigo 17 da Nova Lei mantém isso que na lei do pregão já era usual.

No §1º do artigo 17 da Nova Lei temos um retrocesso: a possibilidade de se executar primeiro a fase de habilitação, como na Lei 8.666/93, e depois a de julgamento de proposta. Duvido que algum agente público utilize isso! 

Princípio da economicidade: Trata-se de um princípio expresso no Art. 70 da Carta Magna.

Em poucas palavras, diríamos que o princípio da economicidade prega como sendo um dever do Agente Público fazer aquilo que se planejou, após o surgimento de uma necessidade da Administração, com eficiência e eficácia, no menor tempo possível e com o menor dispêndio de recursos para satisfazer o interesse público.

 

Princípio do desenvolvimento nacional sustentável

O princípio do desenvolvimento sustentável tem como substância a conservação dos alicerces da produção e reprodução do homem e suas atividades, conciliando o crescimento econômico e a conservação do meio ambiente, numa relação harmônica entre os homens e os recursos naturais para que as futuras gerações tenham também oportunidade de ter os recursos que temos hoje, em seu equilíbrio dinâmico. (AMBITO JURÍDICO – Direito Ambiental – Revista 71.

 https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-ambiental/direito-ambiental-e-o-principio-do-desenvolvimento-sustentavel/). Data da consulta: 02/10/2021

O artigo 5º que estudamos também estabelece que devemos observar as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, plenamente em vigor, em seu Artigo 22 preceitua que,

Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º  Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

§ 2º  Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.

§ 3º  As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.

O artigo 28 do mesmo Decreto ordena que,

Art. 28.  O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.

Vejamos algumas definições de ERRO:

O “ERRO MATERIAL” é conceituado como equívoco ou inexatidão relacionados a aspectos objetivos como um cálculo errado, troca de palavras, erros de digitação, grafia equivocada, troca de nome etc. Erro material compreende as inexatidões materiais como erros de cálculo, previstos no artigo 494, I do Novo CPC. São erros que podem ser reconhecidos e que não alteram o resultado de uma decisão.

O ERRO FORMAL é um erro na forma do documento ou erro de procedimento quando este é realizado incorretamente.

O erro formal acarreta a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, conforme o art. 283 do CPC:

Art. 283. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.


Parágrafo único. Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte.

Como exemplo de erro formal, temos a inversão da ordem de oitiva de testemunhas, a produção de documento feita de maneira diferente do prescrito em lei.

Erro grosseiro.

Trazemos a definição de erro grosseiro prevista no Art. 2º da Medida Provisória 966 de 13 de maio de 2020:

Art. 2º: “Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

 Acórdão 1264/2019 - TCU - Plenário

"Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, pode ser tipificado como erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) o direcionamento de licitação para marca específica sem a devida justificativa técnica".

 Acórdão 9294/2020 - TCU - Primeira Câmara

"Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, pode ser tipificado como erro grosseiro (art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) a aprovação, pelo parecerista jurídico (art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93), de minuta de edital contendo vícios que não envolvam controvérsias jurídicas ou complexidades técnicas".

JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

ACÓRDÃO Nº 1735/2023 - TCU – Plenário

b) dar ciência à Fundação Oswaldo Cruz da seguinte impropriedade/falha identificada no item 22.3.4 do termo de referência do edital do Pregão Eletrônico SRP 16/2023, para que sejam adotadas medidas com vistas à prevenção de ocorrências semelhantes: a vedação expressa à possibilidade de somatório de atestados para comprovação de qualificação técnico-operacional, quando a aptidão da licitante puder ser demonstrada de forma suficiente por mais de um atestado, mediante prestações simultâneas e/ou sucessivas do objeto nas condições técnicas requeridas, com vistas à busca da melhor proposta e à prevenção de restrições excessivas à competição fere os termos do art. 3º da Lei 8.666/1993, o art. 5º da Lei 14.133/2021 e a jurisprudência deste Tribunal (Acórdãos 1.865/2012 e 2.291/2021, ambos do Plenário, e 849/2014, da Segunda Câmara);

*****

A vedação ao somatório de atestados, para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional, deve estar restrita aos casos em que o aumento de quantitativos acarretarem, incontestavelmente, o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução, capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo.

Representação formulada ao TCU indicou possível irregularidade na Concorrência 2/2023, promovida pela Câmara dos Deputados, cujo objeto era a “realização de obras de reforma geral e ampliação de imóveis funcionais, Edifícios Bloco K e Bloco L, situados na SQN 202 da Asa Norte, em Brasília/DF”. A suposta irregularidade estaria relacionada ao item 3.3.2 do edital, o qual exigia que a qualificação técnica para execução do objeto fosse comprovada em um único contrato, além de prever que o licitante deveria demonstrar que executou taxas médias de construção ou reforma iguais ou superiores ao estipulado no próprio edital, sendo tal índice obtido pela “razão entre a área construída e o tempo utilizado para a conclusão dos trabalhos”. A representante apontara a “ocorrência de interpretação indevida pela comissão de licitação, o que violaria a Lei de Licitações, restringindo a competitividade do certame, em virtude de não ter aceitado a soma dos quantitativos executados em dois contratos simultâneos”. Ao analisar as justificativas apresentadas pela Câmara dos Deputados, instada a se manifestar, o relator pontuou preliminarmente que, a respeito da matéria, a jurisprudência do TCU tem se consolidado no sentido de que “a referida soma é regular e que sua proibição, que é, em princípio, restritiva à competição, é possível, desde que seja devida e tecnicamente justificada”, destacando, a título de exemplo, os seguintes enunciados extraídos da ferramenta “Jurisprudência Selecionada”: I) “A vedação, sem justificativa técnica, ao somatório de atestados para comprovar os quantitativos mínimos exigidos na qualificação técnico-operacional contraria os princípios da motivação e da competitividade.” (Acórdão 2291/2021-Plenário); II) “É vedada a imposição de limites ou de quantidade certa de atestados ou certidões para fins de comprovação da qualificação técnica. Contudo, caso a natureza e a complexidade técnica da obra ou do serviço mostrem indispensáveis tais restrições, deve a Administração demonstrar a pertinência e a necessidade de estabelecer limites ao somatório de atestados ou mesmo não o permitir no exame da qualificação técnica do licitante.” (Acórdão 1095/2018-Plenário); III) “A vedação ao somatório de atestados, para o fim de comprovação da capacidade técnico-operacional, deve estar restrita aos casos em que o aumento de quantitativos acarretarem, incontestavelmente, o aumento da complexidade técnica do objeto ou uma desproporção entre quantidades e prazos de execução, capazes de exigir maior capacidade operativa e gerencial da licitante e ensejar potencial comprometimento da qualidade ou da finalidade almejadas na contratação, devendo a restrição ser justificada técnica e detalhadamente no respectivo processo administrativo.” (Acórdão 7105/2014-2ª Câmara). Restaria então, conforme o relator, examinar se a Câmara dos Deputados apresentara elementos suficientes para que o TCU pudesse concluir tratar-se de contratação cujo objeto detinha características peculiares que justificavam a vedação do somatório de atestados para fim de demonstração da capacidade técnica do licitante. A respeito da obra, embora em princípio, segundo ele, parecesse uma reforma usual de edifício de apartamentos, restou demonstrada nos autos a presença de características que a diferenciavam de uma obra comum. Uma das peculiaridades mais relevantes, frisou o relator, consistia na divisão a ser feita em cada unidade, duplicando a quantidade de residências do prédio de 48 para 96, alteração que não lhe parecia simples, por implicar “modificação significativa das características essenciais da edificação, com diversas alterações de natureza estrutural, de instalações hidráulicas e elétricas, de acabamento, entre outras”, indo os serviços “muito além de uma mera criação de parede ou divisória para transformar um apartamento em dois”, e que a duplicação das unidades exigiria a ampliação da área do subsolo e novo trecho abaixo do já existente”. Ainda consoante o relator, a intervenção na estrutura “talvez seja a mais dificultosa, uma vez que as construções originais são antigas e que apresentam falhas importantes, tendo havido inclusive a necessidade de escoramento em determinadas lajes do Bloco L, que já foram providenciadas para evitar o risco de colapso”. Ademais, “ensaios realizados para o projeto das fundações indicaram a existência de brocas de concretagem (vazios em peças de concreto armado), o que, por certo, torna os serviços mais sensíveis e dificultosos”, isso sem falar na “dificuldade de acesso em determinados locais em que serão feitos os reparos”. Dessa forma, para ele, a primeira premissa indispensável para análise do caso era a de que se tratava, de fato, de uma “série de serviços individualmente complexos”. O segundo pressuposto igualmente relevante, o qual, no entender do relator, além de decisivo era consequência do primeiro, dizia respeito ao fato de que, como a reforma estava prevista para ser realizada no curto período de quatorze meses, isso representava “desafio adicional, tendo em vista ser necessária não apenas capacidade técnica da executora, mas também operacional e gerencial para lidar com os picos de atividades em que parte considerável dos trabalhos estarão sendo feitos em um mesmo momento”. A esse respeito, ressaltou que obras dessa natureza “têm períodos inicial e final em que há poucos serviços sendo executados, quando sua logística chega a ser trivial”, existindo entre eles interregno no qual há momentos que demandam grande capacidade de coordenação e planejamento para que, em um mesmo local, sejam realizados vários serviços concomitantes”, sendo perfeitamente possível “admitir que a aptidão para trabalhos com essa natureza possa ser aferida com a demonstração pela licitante de que tem experiência em gerir esses períodos críticos de forma satisfatória”. Na sequência, constatou que os atestados de capacidade técnica apresentados pela representante demonstravam a realização de duas reformas, tendo a primeira durado de 2/7/2012 a 31/12/2014 e a segunda, de 21/6/2013 a 21/6/2015, de modo que somente com a soma da área das duas (5.559,25 m² + 5.600,21 m² = 11.121,4 m²) dividida pelo tempo entre o início da primeira e o final da segunda (35,6 meses) seria possível alcançar a taxa mínima de construção de 250 m²/mês exigida no edital, obtendo-se 312,14 m²/mês. Ponderou, no entanto, que as obras “não foram realizadas de forma simultânea. A princípio, houve um lapso de quase um ano em que houve apenas a execução da primeira obra; depois, aproximadamente um ano e meio de concomitância; por fim, foram quase seis meses somente com a segunda obra. Cabe anotar que, quando a segunda se iniciou, havia poucos serviços sendo efetuados e, quando o ritmo dessa obra aumentou, a quantidade de atividades da primeira já estava reduzida”. Considerando então que os picos de trabalho em cada uma aconteceram em momentos distintos”, seria razoável a exigência de que a demonstração de capacidade técnico-operacional ocorresse em contrato único, embora ele entendesse “plausível permitir a apresentação de mais de um atestado, desde que se comprovasse que as obras foram realizadas em período coincidente, ou quase coincidente”, de forma a verificar a capacidade da empresa em administrar serviços semelhantes ao da licitação em tela. Outro argumento da Câmara do Deputados que, a seu ver, também deveria ser considerado, por ser complementar ao primeiro, era relativo à experiência do órgão com contratações semelhantes, em que “as vencedoras das primeiras concorrências realizadas não terminaram as obras ou sequer as iniciaram”, apresentando, nesse sentido, o seguinte histórico: “A vencedora da Concorrência 3/2009 também não terminou a obra que começou, apesar de ter executado cerca de 96% dos serviços contratados. A vencedora da Concorrência 4/2009, mesmo tendo concluído os serviços contratados, move até hoje processo judicial contra a União (Câmara dos Deputados) pelo qual pretende receber valores adicionais pelos serviços executados, alegando, basicamente, que a obra de reforma se fez mais complexa do que o previsto. Pela mesma razão, essa empresa gastou mais tempo do que o inicialmente contratado para a execução da obra, alegando que a complexidade dos serviços e o fato de ser uma reforma levaram-na a inúmeras dificuldades de gerenciamento, por exemplo, dos seus fornecedores com as dimensões variáveis dos acabamentos para se adaptar à estrutura existente dos edifício”. Diante desse contexto, na licitação subsequente a essas (“Concorrência 1/2013, reforma dos Blocos C, D e E da SQN 302”), o órgão optara por adotar critérios mais restritivos, “incluindo o que se debate neste processo (comprovação de taxa média de construção em atestado único)”, tendo o objeto sido concluído com êxito. E arrematou o relator: “De fato, inexecuções e atrasos ocorridos em certames anteriores possibilitam ao órgão a adequação de parâmetros que não se mostraram suficientes para o alcance satisfatório do resultado. Nesse contexto, cabe sempre deixar assente que o processo licitatório não é uma busca somente pelo menor valor, mas pela condição mais vantajosa, que também abrange critérios técnicos e operacionais que permitam a efetiva realização do serviço com a qualidade desejada”. Diante então da excepcionalidade do objeto da Concorrência 2/2023, concluiu que o caso em apreço se amoldaria à jurisprudência do TCU, a qual “permite a vedação ao somatório de atestados para a comprovação da capacidade técnico-operacional em situações em que essa medida se justifica tecnicamente”. Assim sendo, o relator propôs, e o Plenário decidiu, considerar improcedente a representação.

Acórdão 1153/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Antonio Anastasia. 

*****

ACÓRDÃO Nº 1702/2023 – TCU – Plenário

(...)

9.5.7. desclassificação da proposta da empresa Delurb Ambiental com motivação em itens genéricos do edital (8.8.1 e 8.8.3), em afronta ao princípio do julgamento objetivo, constante do caput do art. 3º da Lei 8.666/1993, bem como o formalismo exacerbado em relação à planilha de custos da citada empresa, tendo em vista que, de acordo com a jurisprudência do TCU, a planilha de preços tem caráter instrumental, sendo que eventual erro é de ampla e exclusiva responsabilidade do licitante, que deve arcar com os custos da execução contratual (v.g. Acórdãos 963/2004-TCU-Plenário, 1.179/2008-TCU-Plenário, 4.621/2009-TCU-2ª Câmara, 2.060/2009-TCU-Plenário e 2.562/2016-TCU-Plenário);

 XXXXXXXXXXXXXXXXX

 Acordao 1574/2015 - TCU - Plenário

[Voto] 15. O STF também já se manifestou em questão semelhante (RMS no 23.714/DF,

1a T, em 5/9/2000), tendo entendido que:

“Licitacao: irregularidade formal na proposta vencedora que, por sua irrelevância não gera nulidade [...] Se a irregularidade praticada pela licitante vencedora a ela não trouxe vantagem, nem implicou em desvantagem para as demais participantes, não resultando assim em ofensa a igualdade; se o vício apontado não interfere no julgamento objetivo da proposta, e se não se vislumbra ofensa aos demais princípios exigíveis na atuação da Administração Pública, correta e a adjudicação do objeto da licitação a licitante que ofereceu a proposta mais vantajosa, em prestigio do interesse público, escopo da atividade administrativa.”

16. Portanto, diante da ocorrência de falha no ato de desclassificação de licitante, em razão de vicio insanável procedimento licitatório, cumpre ao TCU assinar prazo para que a [omissis] adote medidas com vistas a anulação da referida licitação.

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

DENÚNCIA. PREGÃO REALIZADO PARA LOCAÇÃO DE ESTRUTURA PARA MONTAGEM DE AMBULATÓRIO PROVISÓRIO PARA TRATAMENTO DE PACIENTES COM SINTOMAS GRIPAIS. FRAUDE À LICITAÇÃO. RETENÇÃO DEFINITIVA DO VALOR IMPUGNADO. MULTA. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE DE LICITANTES

(...)

...........................................................................................................................................

 

Análise

17.18          Os argumentos do responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli não são suficientes para afastar a irregularidade constatada.

17.19          Conforme a instrução da peça 49, a inabilitação dessa empresa, que apresentou a proposta de menor valor, teria se baseado em mera formalidade, a falta de assinatura digital na proposta inicial, sem que lhe fosse dada a oportunidade de sanear a falha. Conforme as razões de justificativas ora apresentadas pelo então pregoeiro, a inabilitação teria decorrido do fato de que a proposta de preços inicial, apesar de registrada no sistema, não teve o seu arquivo também anexado ao sistema para posterior juntada ao processo físico da licitação. Nas duas hipóteses o fundamento da inabilitação seria o item 6.10 do edital, que assim registra (peça 72, p. 4-5 e peça 3, p. 6):

6.10. As licitantes arcarão com todos os custos decorrentes da obtenção e apresentação dos documentos para habilitação, a proposta de preços inicial e os documentos de habilitação deverão ser anexados concomitante ao registro da proposta no sistema, as declarações e proposta inicial deverão ser assinadas digitalmente através de assinatura digital, para conferir aos mesmos autenticidade e integridade. (Grifo nosso)

17.20          Analisando a manifestação do pregoeiro sobre a intenção de recurso que tratou da inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli, percebe-se que é mencionado o item 6.10, não ficando claro se a razão foi apenas a ausência de assinatura digital ou ausência de anexação da proposta inicial, conforme transcrito a seguir:

Justificativa: Boa tarde senhor licitante, realmente a empresa GM FEITOSA EIRELI está em conformidade com os itens 8.5 e 8.7 do edital, porém o motivo de inabilitação da empresa supracitada é referente ao item 6.10 do edital, item claro e objetivo. “6.10. As licitantes arcarão com todos os custos decorrentes da obtenção e apresentação dos documentos para habilitação, a proposta de preços inicial e os documentos de habilitação deverão ser anexados concomitante ao registro da proposta no sistema, as declarações e proposta inicial deverão ser assinadas digitalmente através de assinatura digital, para conferir aos mesmos autenticidade e integridade”. Esse item tem amparo legal no art. 26 do decreto 10.024/19, ao qual pode ser consultado pela licitante a qualquer momento via internet. (...)

 

17.21          De toda forma, a falha da empresa em não ter anexado a proposta inicial no sistema ou a ausência da assinatura digital seria facilmente sanável a partir da provocação do pregoeiro para que regularizasse a situação, em especial por estar relacionada ao procedimento de apresentação da proposta e não ao seu conteúdo.

17.22               O art. 26 do Decreto 10.024/2019, mencionado pelo pregoeiro e que trata da apresentação da proposta e dos documentos de habilitação pelo licitante via sistema (parágrafo 17.8 desta instrução), dispõe em seu § 6º que “Os licitantes poderão retirar ou substituir a proposta e os documentos de habilitação anteriormente inseridos no sistema, até a abertura da sessão pública”.

17.23          Desse modo, até a abertura da sessão pública, falhas formais relacionadas ao encaminhamento da proposta pelo licitante no sistema poderiam ter sido sanadas. Até mesmo erros materiais podem ser sanados, conforme entendimento constante do Voto do Acórdão 1.734/2009-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Raimundo Carreiro, o qual considerou que  a desclassificação de licitantes por conta de erro material na apresentação da proposta, além de ter ferido os princípios da competitividade, proporcionalidade e razoabilidade, “constituiu excesso de rigor por parte do pregoeiro, haja vista que alijou do certame empresas que ofertavam propostas mais vantajosas, com ofensa ao interesse público”.

17.24          Nesse sentido, a instrução da peça 49 informa ser assente neste Tribunal que o processo licitatório é pautado pelo formalismo moderado e pela busca da verdade material, consoante enunciados de decisões deste TCU transcritos no despacho do relator (peça 14), a exemplo do enunciado do Acórdão 357/2015-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Bruno Dantas:

Falhas formais, sanáveis durante o processo licitatório, não devem levar à desclassificação da licitante. No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados. (Grifamos)

17.25               Outro entendimento similar é o do Voto do Acórdão 369/2020-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer:

15. Cumpre ressaltar que caso a exigência ora questionada estivesse explicitamente prevista no edital, o que não ocorreu, não é possível a interpretação de que a melhor proposta deveria ser desclassificada com base, restritamente, na aplicação do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, pois tal princípio não se sobrepõe aos princípios do formalismo moderado, da supremacia do interesse público, da economicidade, da seleção da proposta mais vantajosa e da obtenção da competitividade.

16. Nesse sentido, trago à baila trecho do Voto do Ministro Benjamin Zymler, que embasou o recente Acórdão 898/2019-TCU-Plenário e que tratou de situação similar a que ora se analisa:

'13. Conforme deixei consignado no estágio anterior deste processo, em face do princípio do formalismo moderado e da supremacia do interesse público, que permeiam os processos licitatórios, o fato de o licitante apresentar proposta com erros formais ou vícios sanáveis não enseja a sua desclassificação, podendo ser corrigidos com a apresentação de nova proposta desprovida dos erros. Nesse sentido, há remansosa jurisprudência desta Corte de Contas, a exemplo do Acórdão 2239/2018-TCU-Plenário, em que o TCU entendeu ser irregular a desclassificação de proposta vantajosa à administração por erro de baixa materialidade que possa ser sanado mediante diligência, por afrontar o interesse público. (Grifo no original)

17.26          Menciona-se ainda o entendimento do Voto condutor do Acórdão 1.758/2003-TCU-Plenário, da relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues:

Ressalto, preliminarmente, que o edital não constitui um fim em si mesmo. Trata-se de instrumento para a consecução das finalidades do certame licitatório, que são assegurar a contratação da proposta mais vantajosa e a igualdade de oportunidade de participação dos interessados, nos precisos termos do art. 3º, caput, da Lei 8.666/93.

Assim, a interpretação e aplicação das regras nele estabelecidas deve sempre ter por norte o atingimento das finalidades da licitação, evitando-se o apego a formalismos exagerados, irrelevantes ou desarrazoados, que não contribuem para esse desiderato.

17.27          Diante do exposto, deve haver a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo e a aplicação das regras estabelecidas no edital deve sempre buscar o atingimento da finalidade da licitação, que é a seleção da proposta mais vantajosa.

17.28          De acordo com a referida instrução da peça 49, a conduta do pregoeiro contrariou o art. 64, §1º, da Lei 14.133/2021, o qual determina que, “na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.” A mesma instrução registra que o pregoeiro contrariou ainda o art. 12, inciso III, da mesma lei, que prevê que “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”.

17.29          Com relação a esses pontos, cabe mencionar que o responsável afirma que o município de Brejo/MA, na época do procedimento em questão, observava a Lei 8.666/1993 para a realização de seus procedimentos licitatórios, e que ainda hoje a observa, pois conforme o art. 193 da nova lei de licitações (Lei 14.133/2021), a Lei 8.666/1993 só será totalmente revogada após dois anos da publicação oficial da nova lei.

17.30               De fato, o edital indica expressamente estar sob a égide da Lei 8.666/1993 (peça 2, p. 2), a qual não possui dispositivos que tratem de matéria equivalente aos mencionados artigos da Lei 14.133/2021 (saneamento de falhas meramente formais). Soma-se a isso o fato de a nova lei ter sido publicada em 1°/4/2021, mesmo mês de publicação do edital, datado de 15/4/2021 (peça 2, p. 15). Ainda assim, deve-se destacar que a audiência do responsável quanto à inabilitação da empresa GM Feitosa Eireli não se fundamentou apenas na Lei 14.133/2021, mas também no art. 37, inc. XXI da Constituição Federal/1988; nos arts. 2º e 3º da Lei 8.666/1993; e nos Acórdãos 830/2018, da relatoria do Ministro-Substituto André Luis de Carvalho, 2.872/2010, da relatoria do Ministro José Mucio Monteiro, e 357/2015, da relatoria do Ministro Bruno Dantas, todos do Plenário desta Corte de Contas e que tratam do tema formalismo moderado.

17.31          Em relação à aceitação de atestado de capacidade técnica com objeto distinto do edital, a instrução da peça 49 destacou que o pregoeiro não teve o mesmo rigor com a formalidade documental ao analisar o atestado apresentado pela empresa que foi a vencedora do certame, que trazia a seguinte declaração: “Declaro para os devidos fins e direito que a Empresa RICARDO F. DOS SANTOS NETO (...) realiza eventos como: Carnaval, Festas Juninas e Aniversario da Cidade, entre outros, desde 2009” (peça 49, p. 5).

17.32          Relatou que tal atestado foi aceito sem qualquer ressalva e que a Prefeitura de Brejo/MA, em sua manifestação em resposta à oitiva efetuada (peça 42), alegou que esses eventos utilizam estruturas compatíveis com as características dos itens licitados no certame em questão e que, conforme a declaração, a empresa possuía experiência de mais de 12 anos. Ademais, informa que a prefeitura argumentou que, consoante o art. 30, inciso II, da Lei 8.666/1993, a comprovação de aptidão deve ser para desempenho de atividade “pertinente e compatível em características” (peça 49, p. 9).

17.33          Após a análise das explicações oferecidas, a referida instrução considerou que elas não poderiam ser aceitas sem ressalvas, tendo em vista que uma empresa que realiza eventos pode alugar a estrutura de cercas e grades de outra empresa. Assim, não poderia se afirmar que teria esse equipamento para fornecer diretamente para a prefeitura. Ao fim, contudo, ponderou que poderia ser aceito atestado de capacidade técnica com características compatíveis, como a realização de eventos (peça 49, p. 10).

17.34   Nas razões de justificativas ora apresentadas, o responsável traz julgados desse TCU no sentido da suficiência de atestado de capacidade técnica que comprove a responsabilidade por empreendimento de características compatíveis ou de natureza similar ao objeto licitado, sob pena de ficar configurada restrição à competitividade no certame. Alega ainda ter realizado pesquisas nos sites do TCE/MA e Sacop e constatado que a empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possuía várias contratações com outros municípios, em certames de objetos similares, afirmando que os objetos licitados são os mesmos utilizados em realização de festas e eventos. Conforme registra, essas informações teriam sido utilizadas para certificar a legítima capacidade técnica da referida empresa para a prestação dos serviços licitados. No entanto, tais pesquisas não foram acostadas aos autos.

17.35          Em consulta à internet sobre a referida empresa, pode-se verificar a sua participação em licitações cujo objeto é relacionado a eventos (Ata de abertura e julgamento da documentação e proposta – Convite 006/2019 da Prefeitura de São Bernardo/MA, Aviso de adjudicação PE 10 e 11/2019 da Prefeitura de Brejo/MA, e Extratos de contratos com Município de Campo Largo do Piauí/PI, peça 105), incluindo serviços de montagem de palco e de iluminação. Não estavam disponíveis, porém, os termos de referência dos editais ou os respectivos contratos, de modo a se verificar a necessidade da montagem de estruturas semelhantes às contratadas por meio do certame em questão.

17.36          Conforme pesquisa no portal da transparência da Prefeitura de Brejo/MA (https://www.transparencia.brejo.ma.gov.br/acessoInformacao/contratos/contratos), foram identificados 28 contratos da citada empresa com a prefeitura no período de 2/2017 a 6/2020, para execução de eventos como carnaval, festa junina, aniversário da cidade, de ações de publicidade e divulgação de ações do governo, entre outros objetos (peça 106). Não foi possível, porém, acessar os documentos correspondentes, pois retornavam mensagens de erro.

17.37          De fato, o atestado apresentado pela empresa é genérico, não detalhando os itens já fornecidos, como ocorre com os apresentados pela empresa GM Feitosa Eireli (peça 36, p. 139-142). Por outro lado, há que se considerar que a empresa Ricardo F dos Santos Neto ME possui experiência em eventos que normalmente requerem a montagem de estruturas, como por exemplo, aniversários de cidades; que já havia sido contratada em outras oportunidades pela Prefeitura de Brejo/MA; e que conforme consta no seu cadastro na Receita Federal do Brasil, possui como atividade econômica secundária o aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário (peça 36, p. 90).

17.38               Por todo exposto, considera-se que as razões de justificativa do responsável devem ser acolhidas parcialmente, por se entender que houve a inabilitação indevida da empresa GM Feitosa Eireli, em razão de mera formalidade, mas que a aceitação de atestado de capacidade técnica da empresa Ricardo F dos Santos Neto ME não foi completamente desprovida de razoabilidade. Dessa forma, propõe-se a aplicação da multa do art. 58, II, da Lei 8.443/1992 apenas quanto à primeira conduta (inabilitação indevida da empresa GM Feitosa Eireli).

(...)

................................................................

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de denúncia a respeito de possíveis irregularidades ocorridas no Município de Brejo/MA, relacionadas a pregão eletrônico realizado para locação de estrutura para montagem de ambulatório provisório para tratamento de pacientes com sintomas gripais,

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1.  conhecer da presente denúncia, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 234 e 235, do Regimento Interno deste Tribunal, c/c art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993 e no art. 103, § 1º, da Resolução – TCU 259/2014, para, no mérito, considerá-la procedente;

9.2. acolher as razões de justificativa apresentadas pela empresa AFR Eventos e Locações Ltda.;

9.3. rejeitar as razões de justificativa apresentadas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro, Gilberto da Costa e Magno Lorenzzo Souza dos Santos, aplicando-lhes a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992, nos seguintes termos:

Responsável

Valor (R$)

Pollyanna Martins Castro

79.000,00

José Farias de Castro

79.000,00

Gilberto da Costa

79.000,00

Magno Lorenzzo Souza dos Santos

50.000,00

9.4. fixar o prazo de 15 (quinze) dias, a contar das datas das notificações, para que os responsáveis de que trata o subitem anterior comprovem, perante o Tribunal (arts. 214, inciso III, alínea “a”, e 269 do RI/TCU), o recolhimento da referida quantia aos cofres do Tesouro Nacional, atualizada monetariamente, quando paga após seu vencimento, desde a data de prolação deste acórdão até a do efetivo recolhimento, na forma da legislação em vigor;

9.5. autorizar a cobrança judicial das dívidas, caso não atendidas as notificações, nos termos do art. 28, inciso II, da Lei 8.443/1992;

9.6. autorizar, desde já, caso requerido, o parcelamento das dívidas em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais e consecutivas, incidindo, sobre cada parcela, os correspondentes acréscimos legais, alertando os responsáveis de que a falta de pagamento de qualquer parcela importará no vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do art. 26 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 217 do Regimento Interno/TCU;

9.7.  considerar grave as infrações cometidas pelos srs. Pollyanna Martins Castro, José Farias de Castro e Gilberto da Costa, inabilitando-os para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração Pública pelo período de cinco anos, nos termos do art. 60 da Lei 8.443/1992;

9.8. rejeitar as alegações das empresas Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda., M.R. de Melo Gomes Locações e Serviços Eireli, MPL de Sousa – ME e Ricardo F dos Santos Neto ME de forma a, com fulcro no art. 46 da Lei 8.443/1992, declará-las inidôneas para participar de licitação e contratar com a Administração Pública Federal ou de certame no qual haja utilização de recursos federais, nos seguintes prazos:

Empresa

Período

Juraci Portela Vale Junior Serviços Ltda.

2 anos

MPL de Sousa – ME

2 anos

M.R. de Melo Gomes Locações e Serviços Eireli

2 anos

Ricardo F dos Santos Neto ME

5 anos

9.9.  com fundamento no art. 250, II, do RITCU, determinar à Prefeitura Municipal de Brejo/MA que adote as providências de sua competência com vistas a formalizar a retenção definitiva do valor de R$ 81.240,00 no âmbito do Contrato PE nº 009/2021, correspondente à diferença entre o valor contratado pela prefeitura municipal e a proposta de menor valor apresentada no Pregão Eletrônico 9/2021, de modo que o pagamento à empresa contratada limite-se ao montante total de R$ 328.800,00, equivalente à proposta mais vantajosa do referido certame, comunicando-as ao Tribunal em sessenta dias, com a respectiva documentação comprobatória, em atenção ao art. 37, inc. XXI da Constituição Federal/1988 e ao art. 3º da Lei 8.666/1993;

9.10. dar ciência deste acórdão à Prefeitura Municipal de Brejo/MA e ao Ministério Público Federal no estado do Maranhão.

 

10. Ata n° 24/2023 – Plenário.

11. Data da Sessão: 14/6/2023 – Ordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-1217-24/23-P.

 

 

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Caros pregoeiros e licitantes, a melhor fonte de conhecimento sobre licitações se chama TCU - Tribunal de Contas da União. Leiam atentamente os acórdãos do TCU, pois eles trazem ensinamentos e recomendações importantíssimos, e tenham a certeza de estarem realizando um grande serviço à sociedade.

 

 

Caros pregoeiros e licitantes, a melhor fonte de conhecimento sobre licitações se chama TCU - Tribunal de Contas da União. Leiam atentamente os acórdãos do TCU, pois eles trazem ensinamentos e recomendações importantíssimos, e tenham a certeza de estarem realizando um grande serviço à sociedade.

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