RODRIGO FERREIRA SANTOS: Procurador Federal. Pós-graduado
em Direito.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Definição do conceito de “ônus”; 3. Notas quanto à
penhora; 4. Cautelas a serem tomadas pela Administração Pública; 5. Da
possibilidade de perda da posse do bem em caso de hasta pública.
1. Introdução:
Aqueles que atuam
na Administração Pública por vezes se deparam com dúvidas quanto à melhor
maneira de proceder pela administração quando da devolução do imóvel ao
proprietário em razão do término do contrato.
Não raramente, a
Administração encontra-se em vias de alugar um imóvel que é objeto de penhora.
RODRIGO FERREIRA
SANTOS: Procurador Federal. Pós-graduado em Direito.
Normalmente,
constam dos contratos de locação cláusula que estabelece obrigação dos
locadores “entregar o imóvel, em perfeitas condições de uso, livre e
desembaraçado de quaisquer ônus judicial ou extrajudicial”.
Nesses casos,
dúvida surge quando a certidão do Registro de Imóveis informa existir penhora
registrada sobre o imóvel, oriunda de mandado da Justiça.
2. Definição do
conceito de “ônus”:
Assim, cumpre
indagar inicialmente se a penhora é ou não um “ônus”.
Como se sabe, as
obrigações podem ser reais (propter rem) ou pessoais.
As obrigações reais
são aquelas que estão ligadas à existência de um imóvel. Melhor dizendo, se
originam a partir de um imóvel determinado. São exemplos o dever de pagar as
cotas condominiais, o IPTU, ou mesmo os direitos reais sobre a coisa, como a
anticrese, a servidão etc. O não-cumprimento da obrigação acarreta
responsabilidade sobre o imóvel.
As obrigações
pessoais são aquelas que devem ser satisfeitas pela pessoa do devedor, sem
qualquer relação com um bem específico. O não cumprimento, de regra, importa na
obrigação de pagar quantia ao credor. Por certo, em não cumprindo a obrigação,
os bens do credor respondem pelo débito. Todavia, essa responsabilidade recai
sobre qualquer bem, e não um bem específico.
3. Notas quanto à penhora:
No caso em análise,
a penhora originou-se de uma dívida trabalhista, ou seja, obrigação pessoal.
Logo, podem responder pelo débito não só o imóvel objeto do contrato, mas
qualquer outro bem do credor, como automóveis, somas em dinheiro etc.
Assim, a penhora,
no caso concreto, não é um ônus real, embora recaia sobre a coisa.
Silvio de Salvo
Venosa conceitua ônus reais “como o gravame que recai sobre uma coisa,
restringindo o direito do titular de direito real” [1]. Já
Carlos Roberto Gonçalves afirma que “são obrigações que limitam o uso e gozo da
propriedade constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes”[2] . Maria Helena
Diniz afirma que os ônus reais “são obrigações que limitam a fruição e a
disposição da propriedade. Representam direitos sobre coisa alheia e prevalecem
erga omnes”[3] e exemplifica
como ônus reais: a servidão predial, a enfiteuse, o usufruto, o uso, a
habitação, a superfície, a hipoteca, o penhor e a anticrese[4].
Assim, fica claro
que a penhora acima relatada não constitui ônus real.
Entendo que o
“ônus” mencionado pela cláusula do contrato restringe-se apenas aos “ônus
reais”, posto que estão diretamente ligados à coisa e, em muitos casos,
restringem o direito do possuidor direto – no caso, o locatário.
A Administração, na
condição de locatária, somente seria prejudicada se sobre o bem existisse um
ônus reais que limitasse sua utilização.
A penhora não
restringe sequer a alienação do bem, quanto mais a sua utilização.
4. Cautelas a serem tomadas pela
Administração Pública:
Fixado esse
entendimento, surge uma segunda questão relevante: como a Administração pode se
“proteger” de uma eventual alienação em hasta pública decorrente da penhora
acima mencionada?
A lei do
inquilinato (Lei 8.245/91), dispõe que:
Art. 8º Se o imóvel
for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o
prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo
determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e
estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
Para a locação
viger mesmo em caso de alienação, é necessário observar 3 (três) requisitos: 1)
o contrato ser por prazo determinado; 2) existir cláusula prevendo a vigência
da locação em caso de alienação, e; 3) a cláusula ser registrada no Cartório de
Imóveis.
5. Da possibilidade de perda da posse
do bem em caso de hasta pública:
Poderia surgir
algum questionamento quanto à subsistência do contrato de aluguel nos casos de
alienação por hasta pública. A solução gira em torno de saber se a hasta pública
é uma forma de “alienação” prevista no art. 8º da lei do inquilinato ou não.
A resposta a esse
questionamento só pode ser afirmativa.
Primeiro porque o
adquirente do imóvel em hasta pública não é diferente do adquirente por outros
meios. A hasta pública, segundo Araken de Assis:
"transfere a
arrematação a coisa com toso os ônus que a oneravam, tirante os direitos reais
de garantia, porquanto se trata de aquisição derivativa (nemo plus iuris in
alios transferre potest quam ipse haberet)."
(Manual do processo
de execução. 4ª ed., São Paulo: RT, 1997, p. 575)
Em segundo lugar, o
adquirente do imóvel em hasta pública, caso o contrato de locação estivesse
registrado, estaria ciente da existência do ônus, posto que pelo art. 686,
inciso V, do CPC, o edital da hasta deve mencionar a existência de quaisquer
ônus – entre eles, o contrato de locação com vigência em caso de alienação.
Outra não é a
posição dos tribunais pátrios. A título de exemplo, veja-se o posicionamento do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
CIVIL E PROCESSO
CIVIL. MANUTENÇÃO DE POSSE. IMÓVEL ARREMATADO EM HASTA PÚBLICA NO PERÍODO DO
CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA MATRÍCULA DO BEM DE CLÁUSULA DE
VIGÊNCIA DO ACORDO PARA O CASO DE SUA ALIENAÇÃO. INOPONIBILIDADE DA RELAÇÃO EX LOCATO
AO TERCEIRO ADQUIRENTE.
1. Para que haja a
oponibilidade do contrato de locação ao terceiro arrematante do imóvel locado,
necessária que a cláusula de vigência da relação locatícia, no caso de
alienação do bem, esteja devidamente averbada na sua matrícula, sob pena de não
gerar efeitos ao novo adquirente. Inteligência do artigo 576 do Código
Civil.
2. No caso em
comento, forçoso indeferir o pedido de manutenção de posse em favor da parte
autora, seja por esta não haver cumprido a aludida determinação legal, seja
pela regular denúncia do contrato de locação, efetivada pelo legítimo
proprietário do imóvel.
3. Apelação da
requerida parcialmente provida, para indeferir o pedido de manutenção de posse
formulado pela autora, todavia, sem a sua condenação na litigância de má-fé.
(Órgão 1ª Turma
Cível; Processo N. Apelação Cível 20060111101985APC; Apelante(s) GLOBAL
DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS LTDA; Apelado(s) PETROBRÁS DISTRIBUIDORA. Relator
Desembargador FLAVIO ROSTIROLA. Revisora Desembargadora ANA CANTARINO.
Acórdão Nº 354.298)
Sobre o tema em
análise, leciona Nelson Rosenvald, in verbis[5]:
“(...) no contrato
de locação – como em qualquer relação obrigacional -, a venda do bem móvel ou
imóvel propicia ao novo proprietário o imediato acesso à posse do bem, já que a
transferência da titularidade é acompanhada da ampla possibilidade de
exploração econômica da coisa. Daí porque o novo proprietário exercitará a
denuncia vazia contra aquele com quem não contratou locação.
Todavia, se o
locatário cuidou de ajustar cláusula de vigência do contrato para o caso de
alienação do bem, sendo esta registrada no Cartório de Título e Documentos (bem
móvel) ou no RGI (bem imóvel), o contrato de locação adquire eficácia real
perante eventuais adquirentes, submetendo-se estes ao aguardo do término do
prazo estipulado para o negócio jurídico. Não se cuida de uma conversão em
direito real, apenas do acréscimo a um direito obrigacional da oponibilidade
coletiva em razão da publicidade do registro e inserção de cláusula contratual.
Mesmo que o
locatário não tenha se acautelado com o registro da cláusula de vigência –
submetendo-se ao direito potestativo de resilição por parte do novo
proprietário –, cuidando-se de bens imóveis, impõe-se a notificação daquele com
a concessão do prazo de noventa dias para a desocupação.” [sem grifos no
original]
Ainda sobre a
questão, pontuam Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin
de Moraes:
“Os requisitos para
que o contrato continue válido em caso de alienação são a pactuação de prazo
determinado, a existência de cláusula de vigência em caso de alienação e o seu
registro. Não basta haver clausula, nem é suficiente o registro do contrato se
nele não constar a referida convenção, uma vez que os requisitos são
cumulativos” . [6]
Assim, para se
proteger da alienação a Administração deve levar a registro no Cartório de
Imóveis o presente contrato.
Dessa forma,
recomendamos que o termo aditivo contenha novamente a previsão de que o
contrato deve viger mesmo em caso de alienação como o uma cláusula específica
estipulando que o contrato será levado a registro para esse fim.
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-locacao-pela-administracao-publica-de-imovel-penhorado,49024.html
BIBLIOGRAFIA:
ASSI, Araken.
Manual do processo de execução. 4ª ed., São Paulo: RT, 1997.
DINIZ, Maria
Helena. Dicionário jurídico. 2ªed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 200.
DINIZ, Maria
Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São
Paulo: Saraiva, v. 2. 2004.
GONÇALVES, Carlos
Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 2ªEd. . São
Paulo: Saraiva, 2008. V. 2º,.
ROSENLVALD, Nelson.
In Código civil comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso
– 2. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2008.
TEPEDINO, Gustavo.
In Código civil interpretado – vol. III, Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
VENOSA, Sílvio de
Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas. v. IV, 2005.
Notas:
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 2ªEd. . São Paulo: Saraiva,
2008. V. 2º, p. 14.
[3] DINIZ, Maria Helena. Direito Civil
Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2.
2004, p. 14-15.
[5] In Código civil
comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso – 2. ed. rev. e
atual. – Barueri, SP: Manole, 2008. p.’547.
Conforme a NBR 6023:2000 da
Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico
publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS,
Rodrigo Ferreira. A locação pela Administração Pública de imóvel penhorado.
Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul. 2014. Disponivel em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.49024&seo=1>.
Acesso em: 04 maio 2016.