O estabelecimento do critério de
reajuste de preços, tanto no edital quanto no contrato, não constitui
discricionariedade conferida ao gestor, mas sim verdadeira imposição, ante o
disposto nos arts. 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei 8.666/1993, ainda
que a vigência contratual prevista não supere doze meses. Entretanto, eventual
ausência de cláusula de reajuste de preços não constitui impedimento ao
reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de ofensa à garantia
inserta no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como de
enriquecimento ilícito do erário e consequente violação ao princípio da boa-fé
objetiva.
Em
processo de tomada de contas especial instaurado para apurar irregularidades no
âmbito do Convênio 3.846/2001, celebrado entre a Fundação Nacional de Saúde e o
Município de Juazeiro/BA, com vistas à execução de sistema de abastecimento de
água naquela localidade, a Segunda Câmara do TCU, por meio do Acórdão
3225/2017, decidiu julgar irregulares
as contas do ex-prefeito e da construtora contratada para a realização da obra,
condená-los em débito e aplicar-lhes multa. Ao examinar recursos de
reconsideração interpostos pelos responsáveis contra o mencionado acórdão, a
unidade técnica constatou a existência de correlação entre os cheques dispostos
nos extratos bancários e os pagamentos feitos à contratada, atestada por meio
de medições e notas fiscais e confirmada em vistoria da concedente. Em seu
voto, o relator ressaltou que, “apenas em
virtude dessa constatação, é possível dizer que houve erro de julgamento na
condenação solidária dos responsáveis ao ressarcimento da diferença entre o
volume financeiro transferido ao município e o valor correspondente ao
percentual de execução declarado em vistorias da Funasa (77,38%)”. Reforçou
também que “o plano de trabalho previa
repasse integral dos recursos em dezembro de 2001; porém, as transferências se
deram em três parcelas (a primeira em outubro de 2002 e a última em abril de
2004) e o contrato foi assinado em maio de 2003. Por conta disso, a vigência do
convênio – que inicialmente iria até novembro de 2002 – se estendeu até junho
de 2005”. Nesse contexto, para o relator, “a contratada não deu causa aos atrasos. Muito pelo contrário, aceitou
as condições ofertadas pela primeira colocada no certame exatamente porque essa
declinara da assinatura do instrumento contratual em função da demora no
repasse dos recursos. Não deve, pois, responder, por débito a título de
recebimento de valores relativos a reajustamento contratual”. De acordo com
o relator, o ex-prefeito também deveria ter sua responsabilidade afastada “quanto ao valor pago a maior em virtude dos
reajustes contratuais”, em razão de não haver nenhuma evidência de que
tenha, na condição de representante do convenente e signatário do ajuste,
contribuído para o atraso nos repasses dos recursos da União. E arrematou: “Por certo, não seria a ausência de previsão
de reajuste de preços, no edital e no contrato, impedimento à manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro dos contratos (art. 37, inciso XXI), sob pena
de ofensa à garantia constitucional inserta no art. 37, inciso XXI da Carta
Maior. Ademais, a execução do contrato, com a recusa no reajustamento dos
preços oferecidos à época da proposta, configuraria enriquecimento ilícito do
erário e violaria o princípio da boa-fé objetiva, cuja presença no âmbito do
direito público é também primordial”. Na sequência, deixou assente que “todo esse imbróglio nasceu de falha da
Administração, não atribuível ao particular contratado com o poder público, ao
ter a Funasa deixado de incluir, no edital, cláusula de reajuste contratual
quando, inicialmente, previu a execução da obra em prazo inferior a um ano.
Essa situação aparentemente ocorreu como forma de assegurar atendimento à
periodicidade anual estabelecida na Lei 10.192/2001 – que dispôs sobre o Plano
Real – para fins de reajuste de preços dos contratos. Contudo, essa omissão dos
gestores públicos – a meu ver escusável diante da falta de uniformização da
questão, até mesmo internamente, e das circunstâncias da época – não deixa de
conflitar com o entendimento atual perfilhado nesta Corte a respeito da
obrigatoriedade de previsão de cláusula de reajuste, independentemente do prazo
inicialmente estipulado de execução da avença”. Tal entendimento foi assim
sintetizado pelo relator: “o
estabelecimento dos critérios de reajuste dos preços, tanto no edital quanto no
instrumento contratual, não constitui discricionariedade conferida ao gestor,
mas sim verdadeira imposição, ante o disposto nos artigos 40, inciso XI, e 55,
inciso III, da Lei 8.666/93. Assim, a sua ausência constitui irregularidade,
tendo, inclusive, este Tribunal se manifestado acerca da matéria, por meio do Acórdão 2804/2010-Plenário, no qual
julgou ilegal a ausência de cláusula neste sentido, por violar os dispositivos
legais acima reproduzidos. Até em contratos com prazo de duração inferior a
doze meses, o TCU determina que conste no edital cláusula que estabeleça o
critério de reajustamento de preço (Acórdão 73/2010-Plenário, Acórdão 597/2008-Plenário e Acórdão 2715/2008-Plenário, entre outros)”. Acolhendo o voto do relator, o
colegiado decidiu dar provimento aos recursos, tornando sem efeito o acórdão
recorrido.