sexta-feira, 4 de novembro de 2022

É dever do responsável por conduzir licitação no âmbito da Administração, a partir de impugnação ao edital apontando a existência de cláusulas restritivas à competitividade do certame, realizar a revisão criteriosa dessas cláusulas, ainda que a impugnação não seja conhecida. O agente público tem o dever de adotar providências de ofício com vistas à correção de eventuais ilegalidades que cheguem ao seu conhecimento.

 


Representação formulada ao TCU noticiou possíveis irregularidades na Concorrência 1/2018, realizada pela Prefeitura Municipal de São Francisco/MG com recursos oriundos de contrato de repasse celebrado com o Ministério das Cidades, no âmbito do Programa Planejamento Urbano, objetivando o recapeamento de vias públicas. O objeto da licitação envolvia a execução de 49.140,79m² de recapeamento asfáltico de diversas vias urbanas na sede do município. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque a inclusão, no edital, de “exigências restritivas à competitividade do certame”. A então presidente da comissão permanente de licitação (CPL) da prefeitura foi chamada em audiência por “ter deixado de adotar qualquer providência corretiva no edital, mesmo com os alertas contidos na impugnação ao edital (...) acerca das mencionadas cláusulas restritivas à competitividade existentes no edital, ainda que tal impugnação não tivesse sido conhecida, uma vez que o agente público tem o dever de adotar providências de ofício com vistas à correção de ilegalidades que cheguem ao seu conhecimento”. Em suas razões de justificativa, a responsável assinalou que, na qualidade de presidente da CPL, assinou a minuta do edital e, na mesma data, a encaminhou para apreciação do procurador jurídico do município, que a aprovou sem qualquer alteração, por concluir que continha os elementos essenciais exigidos pela legislação aplicável à espécie e que estava apta à utilização. Depois de publicado, o instrumento convocatório fora objeto de impugnação, em que foram apontadas cláusulas restritivas à competitividade relativas à qualificação técnica dos licitantes, e a presidente da CPL, em resposta à impugnação do edital, repetiu a conclusão a que chegara o procurador jurídico, manifestando-se pelo não conhecimento da peça de impugnação, por ser intempestiva e pela ausência de representação legal da empresa que apresentou a contestação. A responsável argumentou ainda que as cláusulas do edital foram elaboradas por setor técnico do município e “repassadas à presidente da CPL como sendo legais, adequadas e hábeis à consecução do processo licitatório, tanto que foram chanceladas por profissional do direito, devidamente investido no cargo de procurador municipal, que formalizou parecer jurídico nesse sentido”. Argumentou também que “sempre que houve impugnação e/ou solicitação de esclarecimento, requisitou auxílio técnico dos profissionais municipais disponíveis (advogado e engenheiro), acatando integralmente as determinações por eles exaradas”. Por fim, ressaltou que, na situação em apreço, não houvera prejuízo ao erário. Em seu voto, o relator entendeu que não mereciam acolhimento as justificativas apresentadas pela responsável, isso porque, ainda que não tenha sido constatado dano ao erário, sua conduta “não poderia ser passiva diante de vícios no instrumento convocatório que afrontaram a competitividade do certame, em violação ao art. 30, inciso II, e §§ 1º e 6º, c/c o art. 3º, caput e § 1º, da Lei 8.666/1993”. Ademais, o relator reforçou o entendimento da unidade instrutiva de que o gestor médio, responsável por presidir licitações no âmbito da Administração Pública, ciente de exigências restritivas no edital do certame, deveria proceder à revisão criteriosa desses aspectos, ainda que eventual impugnação oferecida contra o ato convocatório não lograsse êxito na superação das exigências formais para conhecimento. E arrematou: “No presente caso, não foi essa a conduta” da responsável, “que seguiu adiante com a contratação defeituosa, deixando, portanto, de adotar qualquer providência corretiva no edital”. Acolhendo a proposição do relator, o Plenário decidiu aplicar à presidente da CPL à época dos fatos a multa prevista no art. 58, inciso II, da Lei 8.443/1992.

Acórdão 7289/2022 Primeira Câmara, Representação, Relator Ministro Vital do Rêgo.