É irregular o pagamento antecipado
de bens condicionado à apresentação, pelo contratado, de termo de fiel
depositário, sem a exigência de garantias específicas para o adiantamento,
entre as modalidades previstas no art. 56 da Lei 8.666/1993. A antecipação de
pagamento somente deve ser admitida em situações excepcionais em que ficar
demonstrado o interesse público e houver previsão no edital, sendo necessário
exigir do contratado as devidas garantias, tais como cartas-fiança ou seguros,
que mitiguem os riscos à Administração.
Ao apreciar relatório de auditoria realizada nas obras
do campus da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em Governador
Valadares/MG, como desdobramento de decisões proferidas em processos de
fiscalização relativos ao referido empreendimento e à construção da nova
reitoria da UFJF, o Plenário do TCU, por meio do Acórdão 733/2017, decidiu: “9.3. determinar à Universidade Federal
de Juiz de Fora, considerando o Processo Administrativo 23071.004595/2016-8
acerca do Contrato 144/2012 (obra do Campus Avançado em Governador Valadares),
que, no prazo de 90 (noventa) dias: 9.3.1 encaminhe a este Tribunal informações
atualizadas sobre as medidas administrativas adotadas para apurar a real
existência do débito decorrente do adiantamento de pagamento de obra
posteriormente abandonada e, caso confirmado, as providências tomadas para o
devido ressarcimento; 9.3.2 instaure, caso venham a se esgotar as medidas
administrativas do item anterior sem o devido ressarcimento, processo de tomada
de contas especial, nos termos do art. 4º da IN TCU 71/2012, encaminhando a
este Tribunal em até 180 (cento e oitenta) dias, após a instauração, o
resultado de suas ações”. Em cumprimento, a UFJF encaminhou ao Tribunal
cópia do relatório final da sindicância administrativa instaurada para apuração
de irregularidades na referida avença, entre elas o adiantamento temerário à
construtora para compra de material, em desacordo com os termos legais e
contratuais, uma vez que não teria havido a prestação de garantia pela
contratada, que posteriormente abandonou a obra. Esgotadas as medidas
administrativas sem o devido ressarcimento, e seguindo a orientação contida no
citado Acórdão 733/2017-Plenário, a UFJF instaurou a tomada de contas especial,
atribuindo a responsabilidade pelo débito decorrente da “aquisição de
estruturas metálicas e de lajes steel deck para as obras de expansão do campus,
sem a entrega do material à universidade”, apenas à empresa contratada,
pois ela “recebeu recursos públicos por serviços não executados e não
devolveu os valores que lhe foram pagos em adiantamento”. Em sua instrução,
a unidade técnica arrolou também, como responsáveis solidários, o então Pró-Reitor
(fiscal do contrato) e o Secretário de Assuntos Jurídicos da UFJF à época. Suas
responsabilidades foram assim contextualizadas na instrução técnica: “33.
Após a assinatura do Contrato 144/2012, a [contratada] solicitou,
verbalmente, ao então Pró-Reitor (Sr. [responsável 1], o qual acumulava
as funções de gestor e fiscal do contrato), um adiantamento para aquisição de
material para a estrutura metálica e lajes do tipo Steel Deck, na monta
de 30% do valor previsto na planilha de quantitativos da avença. 34.
Contrariando a Cláusula Sexta, item 7 e subitens, do contrato já referenciado,
o então Pró-Reitor condicionou o adiantamento à apresentação de uma ‘Carta de
Fiel Depositário’ e uma ‘Nota Fiscal de Venda Futura’. 35. O mesmo Pró-Reitor,
agora acompanhado do Sr. [responsável 2] (Secretário de Assuntos
Jurídicos da UFJF-MG), realizou reunião com a empreiteira ([contratada]),
no dia 27/6/2014 (...), registrando em Ata a autorização para pagamento do
adiantamento à empresa, sob a justificativa de que teria em mãos a ‘(...) carta
de fiel depositário fornecida pela [contratada]’. 36. As notas fiscais
foram atestadas pelo Sr. [responsável 1] (...), afirmando haver recebido
os materiais/serviços conforme o contrato, e os pagamentos foram realizados à
contratada. 37. Motivada, entre outras coisas, pelos constantes atrasos nos
pagamentos realizados pela UFJF/MG, a empresa paralisou as obras e, após ação
do Ministério Público, o contrato foi anulado/rescindido, não tendo a empresa
concluído a obra, ficando o adiantamento ainda em poder da empresa, que acionou
a UFJF/MG para buscar ressarcimento por alegados prejuízos relativos ao
descumprimento do contrato por parte da Administração. (...) 47. (...) devem
ser arrolados os dois Pró-Reitores responsáveis por pagamentos à empreiteira
sem a real comprovação de entrega dos materiais, sendo que o primeiro (Sr. [responsável
1]) foi responsável por acatar o pedido de adiantamento da empresa e
autorizar o pagamento por material não entregue, sem que as exigências
contratuais tenham sido observadas. (...) 49. No caso do Sr. [responsável
2], este assinou documentos, tais como o Termo Aditivo ao Termo de Depósito
(...) e o referenciado Termo de Depósito (...), sem que tivesse
legitimidade/delegação para tal, dando ares de legitimidade a uma contratação
que desrespeitava as cláusulas contratuais e autorizava a empresa receber
adiantamento de pagamentos sem a apresentação das garantias exigidas na
legislação e no contrato”. A unidade técnica concluiu então pela
responsabilização de ambos os agentes. Para ela, “ao atestar os documentos
fiscais, o gestor assumiu o risco advindo dos pagamentos irregulares e a
responsabilidade pelo dano causado aos cofres da UFJF”. Por sua vez, o
assessor jurídico “manifestou concordância com os documentos que embasaram o
pagamento antecipado” e, ao assim proceder, “agiu de forma equivocada e
temerária, sem legitimidade ou delegação de competência para a prática do ato,
burlando expressa previsão contratual e possibilitando o pagamento adiantado desses
produtos sem a sua efetiva entrega”. Em seu voto, anuindo ao entendimento
da unidade técnica, o relator destacou, preliminarmente, que, embora o
adiantamento de valores para aquisição de materiais junto aos fabricantes
tivesse fundamento em cláusulas contratuais que previam essa possibilidade, o
contrato determinava, explicitamente, que esse procedimento só seria realizado
mediante apresentação de garantia complementar, no valor integral da compra, e
com prazo de validade de, no mínimo, trinta dias após a data de entrega
prevista para os materiais e equipamentos. Na sequência, deixou assente que,
conforme a jurisprudência do TCU, é irregular o pagamento antecipado de
produtos a partir da assinatura de “termo de fiel depositário”, como ocorreu no
caso concreto, sem a exigência de garantias para o adiantamento, entre as
modalidades previstas no art. 56 da Lei 8.666/1993. Consoante o relator, as
garantias contratuais deveriam ser específicas e no montante do valor
adiantado, mencionando para tanto, a título de exemplo, os Acórdãos 7.673/2010-1ª Câmara, 7.487/2013-2ª Câmara e 1.843/2005-1ª Câmara. Enfatizou também que a antecipação de pagamento em
obras públicas somente deve ser admitida em situações excepcionais, devidamente
justificadas, ocasião em que deve ficar demonstrado o interesse público e o
atendimento a dois critérios indispensáveis: a prévia inclusão dessa
possibilidade no edital e a existência de garantias, tais como cartas-fiança ou
seguros, que mitiguem os riscos à Administração. Segundo ele, na situação em
apreço, a autorização de pagamento antecipado por parte do fiscal do contrato,
com a participação do assessor jurídico, sem a exigência das garantias
necessárias, expôs a Administração a riscos derivados da inexecução do
contrato, “a partir do abandono das obras pela contratada, causando o dano
ao erário”. Especificamente quanto à empresa contratada, a qual recebera
pagamentos por serviços não executados, assinalou que, “ainda que ficasse
demonstrada a impossibilidade de executar os serviços na forma pactuada, era
sua obrigação devolver os recursos que lhe foram pagos em adiantamento, uma vez
que não pode se beneficiar de recursos públicos sem a correspondente
contrapartida”. Por derradeiro, frisou que, para fins do exercício do poder
sancionatório do TCU, “a realização de pagamento antecipado sem
justificativa do interesse público na sua adoção e sem as devidas garantias que
assegurem o pleno cumprimento do objeto pactuado pode ser tipificada como erro
grosseiro, nos termos do art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB) e na linha da jurisprudência desta Casa”, a exemplo dos
Acórdãos 185/2019-Plenário, 6.123/2022-2ª Câmara e 3.215/2022-1ª Câmara. Destarte, diante da “inexistência desses
pressupostos”, reputou que a conduta dos dois responsáveis caracterizou
culpa grave, ante a “profunda inobservância do dever de cuidado”, razão
pela qual propôs que as suas contas e as da empresa contratada fossem julgadas
irregulares, com a consequente condenação solidária ao ressarcimento do débito
quantificado nos autos e aplicação da multa proporcional ao débito, no que foi
acompanhado pelos demais ministros.
Acórdão
12313/2023 Primeira Câmara, Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Jorge
Oliveira.