terça-feira, 10 de dezembro de 2024

RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E PARA REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

RESERVA DE CARGOS PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E PARA REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Atenção: abaixo temos dois documentos. O primeiro é a decisão do PREGOEIRO. O segundo documento é um PARECER( PARECER - DG/ASSEAD)

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PRIMEIRO DOCUMENTO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - 7º B - Bairro Praia de Belas - CEP 90010-395 - Porto Alegre - RS - www.trf4.jus.br

DECISÃO

 

Trata-se de procedimento licitatório instaurado na modalidade pregão eletrônico, pelo critério de julgamento de menor preço, com fornecimento parcelado, visando ao registro de preços de subsistemas de armazenamento de dados (storage), incluindo serviços de instalação, configuração e garantia por um prazo de 60 (sessenta) meses, nos termos do edital 6914044, do Pregão Eletrônico nº 21/2022, sob a regência da Lei n.º 14.133/2021.

Conforme se depreende da Ata da sessão, doc. 6954056, houve 9 (nove) licitantes participando da sessão com vistas ao grupo 01, e 10 (dez), para o grupo 2, e ao final da fase competitiva a licitante Zoom Tecnologia Ltda. Ficou melhor classificada com lance final de R$ 44.380.000,16 (quarenta e quatro milhões trezentos e oitenta mil reais e dezesseis centavos) para o Grupo 1 e R$ 33.848.000,11 (trinta e três milhões oitocentos e quarenta e oito mil reais e onze centavos) para o Grupo 2.

Os valores estimados pela Administração foram de R$ 123.269.495,36 (cento e vinte e três milhões, duzentos e sessenta e nove mil quatrocentos e noventa e cinco reais e trinta e seis centavos) para o Grupo 1 e R$ 123.369.240,65 (cento e vinte e três milhões, trezentos e sessenta e nove mil duzentos e quarenta reais e sessenta e cinco centavos) para o Grupo 2.

Encaminhada a documentação pertinente da licitante para a área técnica pelo Memorando 6949480, a mesma se manifestou pelo atendimento do edital pela documentação e proposta da licitante vencedora, doc. 6953091.

Concluído o certame, a licitante O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda. manifestou tempestivamente intenção de recorrer das decisões finais de julgamento de proposta e habilitação da licitante.

Concedidos e observados os prazos legais para razões e contrarrazões das licitantes, os documentos foram encaminhados tempestivamente via sistema Compras.Gov, e passa-se à análise de seus méritos.

 

Em suas razões de recurso, doc. 6960378, a licitante O2 sintetiza sua irresignação pretendendo demonstrar que “a recorrida não cumpre os requisitos de habilitação e não poderia ter participado do pregão” e em relação à solução ofertada, que “a tecnologia fornecida pela recorrida não atende o requisito de mitigação contra ataques de ramsomware e deleção intencional de dados e não poderia ter a proposta aceita pela contratante”.

No item 2 da peça recursal sustenta que a recorrida não atenderia aos requisitos de habilitação pois declarou no campo próprio do sistema o “aceite”, que gera o relatório 6949143, no qual consta:

 

"ii. Declarações para fins de habilitação

Atendo aos requisitos de habilitação previstos em lei e no instrumento convocatório. Inexiste impedimento à minha habilitação e comunicarei a superveniência de ocorrência impeditiva ao órgão ou entidade contratante.

Cumpro as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.”

 

Em atendimento à exigência do Edital, que em seu item 8.3. previu:

 

“8.3. Para fins de habilitação, a licitante também deverá apresentar a seguinte documentação:

[...]

8.3.6. declaração de cumprimento as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitação da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas;

[...]

8.3.9. As declarações previstas neste item 8.3 deverão ser preenchidas pela licitante no sistema Compras.gov.br e serão consultadas pelo pregoeiro durante a sessão, para posterior juntada ao processo administrativo.”

 

Enquanto em “consulta simples e aberta ao sistema do Ministério do trabalho verificamos que a Zoom não atende a esse requisito de habilitação:” apresentando a certidão emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, juntada sob n.º 6983542, e concluindo que:

 

“Desta maneira a habilitação da recorrida é inválida e a mesma deve ser inabilitadas dos lotes 1 e 2 deste certame. A recorrida jamais poderia ter participado e não pode ser habilitada.”

 

No item 3 de suas razões, a recorrente sustenta o não atendimento de requisito de proteção de dados pelas soluções ofertadas, já que

 

“[...] a tecnologia ofertada pela recorrida possui uma falha grave de implementação: ela permite a remoção dos dados gerados pela ferramenta de proteção, dependendo do nível de acesso do usuário. Não foram implementadas as mitigações necessárias, em especial do item 4.4.6.5.1.

Inicialmente, inclusive, a recorrida indica a funcionalidade errada para tal missão. Ela indica principalmente o documento “OceanStor Dorado 6.1.x HyperLock Feature Guide” para comprovar tal funcionalidade.

Acontece que o documento indica claramente que esta é uma funcionalidade para protocolos de arquivo, como filesystems, NAS, CIFS/SMB. Não é uma funcionalidade para armazenamento de block storage. Mas nosso foco não é nessa funcionalidade.

Após analisar a documentação fornecida pela recorrida encontramos que, na verdade, a funcionalidade que deveria atender o solicitado pelo edital para este tipo de funcionalidade seria o HyperCDP. Pode ter havido algum engano da recorrida ao indicar a funcionalidade errada (a recorrida até indica, de forma muito curta, o documento para tal funcionalidade na comprovação do item 4.4.6.5.1). Mas isso pode ter sido apenas um “pote de mel” para fazer os concorrentes indicarem uma não conformidade que seria depois facilmente corrigida e explicada e desviando a atenção do real problema que é o não atendimento da funcionalidade do edital.”

 

E prossegue com a explicação técnica de sua tese:

 

“Porém, é nesta funcionalidade que reside o não atendimento ao requisito do edital. O documento “OceanStor Dorado 6.1.x HyperCDP Feature Guide for Block.pdf” traz as informações técnicas da feature.

Ao efetuar a leitura do documento, identificamos que o HyperCDP é uma funcionalidade de Continuous Data Protection (CDP). Não vamos aqui explicar a tecnologia, não é nosso objetivo. Mas na página 15 do documento é citado um dos casos de uso para a funcionalidade:

“You can use the latest HyperCDP object to roll back data within several seconds. This protects data against the following situations:

● Virus infection

● Misdeletion

● Malicious tampering

● Data corruption caused by system breakdown

● Data corruption caused by application bugs

● Data corruption caused by storage system bugs”

“Você pode usar o objeto HyperCDP mais recente para reverter dados em alguns segundos. Isso protege os dados contra as seguintes situações:

● Infecção por vírus

● Exclusão incorreta

● Adulteração maliciosa

● Corrupção de dados causada por falha do sistema

● Corrupção de dados causada por bugs de aplicativos

● Corrupção de dados causada por bugs no sistema de armazenamento”

Exatamente o que se espera de uma funcionalidade como essa e é o que a contratante especificou para tal funcionalidade.

Continuando a leitura do documento, é descrito o processo de configuração, opções, parâmetros, entre outros. É possível identificar que a imutabilidade em especial é realizada pelo conceito de “secure snapshot” e tal conceito possui dois parâmetros básicos:

"Min. Protection Period: Protection period of a HyperCDP object. HyperCDP objects within the protection period cannot be deleted.

Automatic Deletion: After this function is enabled, the system automatically deletes files whose protection periods have expired”

“Min. Período de Proteção: Período de proteção de um objeto HyperCDP. Os objetos HyperCDP dentro do período de proteção não podem ser excluídos.

Exclusão Automática: Depois que esta função é habilitada, o sistema exclui automaticamente os arquivos cujos períodos de proteção expiraram.”

Porém, a funcionalidade tem uma falha grave de implementação e justamente por isso não atende o solicitado pelo item 4.4.6.5.1: Ela permite que um usuário com determinado nível de permissão altere as propriedades de um objeto protegido, permitindo assim sua alteração e/ou deleção. O procedimento para isso é claramente definido abaixo:

“If you want to disable the secure snapshot function of HyperCDP objects or change the min. protection period during the protection period, log in to the system using the serial port as a security administrator and modify the HyperCDP object properties. For details about the command, see change hyper_cdp general in Command Reference. For details on how to create a security administrator, see "Creating a Local User" in the Administrator Guide.”

“Se desejar desabilitar a função de instantâneo seguro de objetos HyperCDP ou alterar o período mínimo de proteção durante o período de proteção, faça login no sistema usando a porta serial como administrador de segurança e modifique as propriedades do objeto HyperCDP. Para obter detalhes sobre o comando, consulte alteração geral do hyper_cdp em Referência de Comando. Para obter detalhes sobre como criar um administrador de segurança, consulte "Criando um usuário local" no Guia do Administrador.”

O texto citado se repete em diversas partes do documento, sempre relacionado com a manipulação dos objetos criados pelo HyperCDP.

Para nós é evidente que esse problema é insuperável uma vez que o acesso via porta serial impossibilita os métodos alternativos de proteção que o edital permite.

A questão é que a especificação técnica do edital no item 4.4.6.5.1 é clara e foi muito específica em relação a isso e não deixa margem de dúvidas: A imutabilidade dos dados não pode ser alterada, independente do nível de acesso do usuário!

Isto não é verdade no HyperCDP, onde um usuário com o privilégio correto poderia sim alterar as propriedades de imutabilidade do objeto, permitindo assim sua alteração e/ou remoção.”

 

E conclui os argumentos técnicos com:

 

“De forma clara, a tecnologia usada no produto ofertado tanto no lote 1 quanto no lote 2 não atende a especificação técnica no edital no item 4.4.6.5.1, visto que permite a modificação da imutabilidade fornecida pelo secure snapshot, podendo assim trazer sério risco ao processo de recuperação de desastres solicitado pela contratante, conforme item 4.4.6.5:

“Deverá ter funcionalidade de mitigação contra ataques de ransomware e deleção intencional de dados, permitindo ao CONTRATANTE a restauração rápida dos dados criptografados ou deletados, mediante uma das seguintes alternativas”

Como a contratante poderia correr o risco de, em uma eventual necessidade de restauração de dados através de objetos protegidos, descobrir que um administrador de segurança alterou o período de retenção de um objeto necessário ao processo de recuperação de dados? Entendemos que foi com esta preocupação que a contratante solicitou estes itens.

Não houve questionamento sobre esta especificação para estabelecer novas exceções ao tipo de acesso, assim, da forma como o edital está especificado, o equipamento não pode oferecer a um administrador apenas a possibilidade de eliminar objetos, independente do seu modo de acesso.

A regra é clara, se isso é permitido, apenas 2 administradores em simultâneo e com dupla autenticação podem fazer isso e este equipamento não atende a isso.

Não existe caminho para relativização disso através do ofício do formalismo moderado que é comumente invocado.

Temos aqui 2 problemas claros e objetivos:

- Houve erro na comprovação técnica, com indicação de uma funcionalidade errada do storage em relação ao edital e assim, não foi feita a comprovação técnica.

- A pesquisa ao material técnico do edital mostra que a funcionalidade implementada pelo equipamento não atende a especificação do edital.

É decerto que mesmo nossa análise pode ser falha porque uma vez que a recorrida não apresentou a correta demonstração técnica, fazendo, grosseiramente a indicação, intencional ou não, de uma funcionalidade errada, não podemos nem analisar os argumentos desta e a mesma fará isso sem que possamos retrucar.”

 

No item 4 de suas razões, a recorrente defende a inabilitação da licitante vencedora pelo entendimento de que a sua declaração de cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitação da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas, seria falsa, considerando a consulta à certidão do Ministério do Trabalho, e que o princípio da vinculação ao instrumento convocatório exige o cumprimento da condição na data do certame, além disso, que tal irregularidade consiste em vício insanável e tampouco sujeito a juízo de formalidade moderada.

E em sua conclusão, item 5, pretende ter demonstrado a existência de erro na habilitação da recorrida, contrariando o Edital; o não atendimento de uma funcionalidade técnica pela solução ofertada; e que a consideração da exeqüibilidade da proposta vencedora se baseou em uma manifestação da recorrida baseada em “emotividade”.

Por fim, pede “Por todo o exposto, requer esta licitante que a empresa Recorrida seja considerada inabilitada devido a documentação de Habilitação não atender a condição do edital”.

 

Em contrarrazões, doc. 6969276, a licitante Zoom Tecnologia Ltda. defende a inconstitucionalidade da inabilitação com base na comprovação exigida em Edital, pois “comprovou condições técnicas e econômicas suficientemente aptas à garantia da segurança da futura contratação, cumprindo, por conseguinte, as exigências máximas admitidas no texto constitucional (art. 37, XXI, CF/88).” Além disso, sustenta que a nova lei de licitações, n.º 14.133/2021, introduz nova lógica de prevalência do resultado sobre a forma, e que sua proposta, cerca de R$ 19 milhões mais barata que a da recorrente, seria a opção adequada ao atendimento do interesse público.

No item 1.1. de suas contrarrazões, a licitante informa que o não atendimento da reserva de vagas para PcD foi uma situação temporária e que já estaria sanada na data da apresentação de seus argumentos, demonstrando documentalmente tal atendimento, e que tal desatendimento é recorrente, pois:

 

“18. Como é cediço, qualquer empresa obrigada à reserva de cotas prevista na Lei 8.213/91, encontra-se suscetível de não preencher, temporariamente, o percentual previsto no art. 93, o que se dá, fundamentalmente, pela própria dinâmica e fluidez do mercado de contratações, sendo certo que, em qualquer situação, a tarefa de localizar um candidato que preencha os requisitos da seleção é árdua e desafiadora até mesmo para a melhor gestão de recursos humanos.

19. Essa transição temporária, contudo, alheia à vontade do empregador, não tem o condão de, por si só, caracterizar o descumprimento da obrigação legal, e deve ser temperada por critérios de justiça e razoabilidade.”

 

No item 1.2. defende que a comprovação do cumprimento da reserva de vagas para PcD e Reabilitados da Previdência deveria ser flexibilizada diante de “os objetivos e o norte interpretativo da Lei 14.133/21”, que tal comprovação como condição de participação ou habilitação seria inconstitucional e que atentaria contra diversos princípios:

 

“20. A discussão em torno da reserva de cargos passa, preambularmente, pela mudança de cenário nas aquisições públicas, proporcionada pela correta aplicação da Lei 14.133/21.

21. Indiscutivelmente a Nova Lei de Licitações traz uma disruptura em relação ao regime tradicional das Leis 8.666/93 (Geral), 10.520/02 (Pregão) e 12.462/11 (RDC), no que diz respeito aos objetivos do certame licitatório.

22. Tal disruptura passa quase desapercebida numa primeira análise, devido ao fato de que, tocante ao rito procedimental do certame, poucas questões foram, de fato, inovadoras. Cria-se então uma mentalidade de que nada mudou no ordenamento jurídico.

23. Porém, num olhar mais atento, verificar-se-á que a Nova Lei de Licitações tem o seu foco nos objetivos do certame e não no rito procedimental propriamente dito, podendo essa realidade ser muito bem visualizada no seu artigo 11, verbis:

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;

II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;

III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;

IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações. Destacado.’

24. O dispositivo legal em comento deixa claro que o processo licitatório tem um foco: assegurar um excelente resultado para a sociedade, isto é, a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso, garantindo, isonomia, justa competição, preço justo e inovação. O que se deseja, em última instância, é garantir eficiência, efetividade e eficácia da contratação.

25. Diferente, portanto, do regime tradicional, onde o foco está na rigidez procedimental, isto é, valoriza-se muito mais o rito do procedimento de seleção do fornecedor, do que o resultado que se necessita alcançar: a boa compra pública.

26. Essa mudança de foco, tão necessária para combater a má qualidade da compra pública, ao longo dos últimos 30 anos de vigência da Lei 8.666/93, é indispensável para a boa aplicação da Nova Lei de Licitações, e também para a interpretação a ser dado ao edital, que passa a ser muito mais um documento que reúne a modelagem e a boa estratégia de seleção do fornecedor e da compra pública, do que um instrumento rígido ou até mesmo acima do ordenamento jurídico.”

 

Cita ainda outros dispositivos da Lei 14.133/2021 como exemplos de um “norte interpretativo” que deveria atribuir “menos exigências restritivas, porém mais exigências que garantam a qualidade do objeto a ser contratado” e que a exigência de cumprimento de cota de vagas para PcD se dá sobre empresas que empregam mais de 100 (cem) funcionários, e que essas enfrentam dificuldades para preenchimento dessas vagas em diversas situações transitórias, ilustrando com notícia do portal da câmara de deputados tal dificuldade:

 

“33. Note-se que se trata de obrigação que depende da vontade de terceiros – no caso, a pessoa portadora de deficiência ou reabilitada da Previdência Social – não podendo a empresa ser considerada uma descumpridora da Lei 8.213/91, pelo simples fato de que, numa determinada temporalidade, encontra-se com o preenchimento abaixo do número mínimo indispensável.

34. Este rigor, por certo, atentaria contra a isonomia, que é um dos objetivos precípuos do certame para se alcançar a justa competição e, por conseguinte, o resultado da contratação mais vantajosa ao erário.

35. No caso, uma empresa que emprega mais de 300 funcionários, como a Recorrida, e, portanto, possui um importante papel socioeconômico, ficará desalijada do certame por uma situação fática momentânea que não representa a sua realidade preponderante, que é de cumprir as cotas previstas na legislação especial. Ao passo que empresas que sequer empregam pessoas no quantitativo mínimo, como a Recorrente, seriam consideradas aptas a contratar com a Administração Pública.

36. Veja-se que não há lógica nesse raciocínio e a questão certamente deverá ser enfrentada na aplicação da Nova Lei de Licitações, a qual, como visto, tem como base interpretativa a busca dos objetivos indispensáveis ao alcance de uma contratação eficiente, eficaz e efetiva.”

 

A recorrida sustenta ainda que o princípio da razoabilidade deveria ser ponderado na aplicação da lei, evitando injustiças e buscando o atendimento do interesse público já que:

 

“44. O presente caso tem características singulares! O confronto de uma compra pública com economia de mais de 19 milhões de reais, e o descumprimento, meramente temporário, e não por culpa da Recorrida, da reserva de cotas para deficientes e reabilitados da Previdência Social, em aparente infração ao art. 63, IV da Lei 14.133/21.

45. E nesse compasso, seria no mínimo irrazoável desalijar a proposta de menor preço, apresentada por uma empresa que emprega mais de 300 funcionários - por estar ela, num momento transitório de busca de pessoas que preencham os critérios da reserva - e contratar a Recorrente, que não desempenha papel socioeconômico relevante, e por isso, encontra-se desobrigada da reserva de cargos, e ainda apresenta proposta que onera a Administração Pública em mais de 19 milhões.” (grifos no original)

 

Sinalizando, por fim, que a Constituição assegura a isonomia em licitações e permite somente “exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI) e que, além disso, uma interpretação “sistêmica da Lei 14.133/21, denota-se que todas as outras políticas públicas de inclusão, foram feitas em sede de contratação e não como requisito de habilitação”.

Em seu ponto 1.3. a recorrida sustenta que sua defesa da exeqüibilidade da proposta não foi “emotiva” mas que destacou sua experiência e contratos públicos anteriores, que possui certificações e cultura de sustentabilidade, reduzindo seus custos e possui parceria duradoura com a fabricante dos equipamentos.

A defesa do cumprimento dos requisitos técnicos é feita no item 1.4., no qual a licitante recorrida informa em que documentos e passagens é feita a demonstração do atendimento dos requisitos citados pela recorrente:

 

“90. Desta feita, não cabe a alegação de que a solução não atende ao requisito de imutabilidade, muito pelo contrário, o que a solução realizar com o acesso do administrador local, via portal serial, é a mudança ou ajuste de propriedades do secure sanpshot, bem como da política de retenção, mas não a deleção de dados, veja-se:

“If you want to disable the secure snapshot function of HyperCDP objects or change the min. protection period during the protection period, log in to the system using the serial port as a security administrator and modify the HyperCDP object properties.” Fonte: OceanStor Dorado 6.1.x HyperCDP Feature Guide for Block.pdf (pág. 37)

91. Isto é, verifica-se nesse caso, que o requisito de “imutabilidade que impeça alteração e deleção dos dados” ocorre “independentemente do nível de acesso do usuário e/ou que possua que possua mecanismo de execução de comando privilegiado”, conforme solicitado no item editalício.

92. Mais. O Huawei OceanStor Dorado permite a criação de mais de um usuário administrador da solução de armazenamento, com perfis diferenciados, incluindo super administrators, administradors, security administrators e outros [...]”.

 

Por fim, pede a recorrida Zoom que o recurso apresentado pela recursante O2 tenha negado provimento, mantendo a sua proposta classificada e a mesma habilitada.

 

Destacado o núcleo das razões e contrarrazões, juntadas aos autos, informa-se que foi recebido, no dia 17/11/2023, e-mail juntado sob n.º 6983554, em que uma pessoa identificada pelo endereço jairo.silva151955@gmail.com, declara que a “A empresa Zoom Tecnologia apresentou declaração falsa, ao declarar que cumpre com as cotas para pessoa com deficiência, prevista no item 8.3.6 do edital, basta consultar o link https://certidoes.sit.trabalho.gov.br/”. Instado a informar se agia em nome de alguma empresa, não foi obtida resposta. Contudo, como a matéria foi também objeto das razões de recurso, será aqui esgotada.

Informa-se, ainda, que a recorrente O2 encaminhou e-mail e ofício em 27/11/2023, intempestivamente; portanto, visando “esclarecer de maneira mais detalhada” questões técnicas mencionadas pela recorrida em suas contrarrazões. Apesar de não ser admitida tal réplica, ou deveríamos abrir oportunidade de uma tréplica, ambas não previstas, foi dada notícia à área técnica sobre a mensagem, doc. 6983594.

 

É o que se tinha a relatar.

Com base no exposto, observam-se três pontos que devem ser enfrentados na presente decisão:

I – Quanto à exeqüibilidade da proposta vencedora;

II – Quanto ao cumprimento dos requisitos técnicos exigidos no instrumento convocatório; e

III – Quanto ao cumprimento da condição de habilitação prevista no item 8.3.6. do Edital.

 

I - Quanto ao primeiro:

A aferição da exeqüibilidade da proposta é regida pelo item 7.11. do Edital:

 

“7.11. O pregoeiro poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade da proposta ofertada ou solicitar à licitante da proposta classificada em primeiro lugar com valor inferior a 50% (cinquenta por cento) do valor estimado da contratação para comprovar:

7.11.1. que o custo da licitante não ultrapasse o valor da proposta; e

7.11.2. a existência de custos de oportunidades capazes de justificar o vulto da oferta.

7.11.3. Será desclassificada a proposta da licitante que não demonstrar a exequibilidade da proposta.” (grifo nosso)

 

Assim, constatado que a proposta melhor classificada foi próxima de 36% do estimado para o Grupo 1 e 27% do estimado para o Grupo 2, solicitou-se, em sede de diligência, manifestação da licitante Zoom, e-mail 6953063, bem como manifestação da área técnica sobre a compatibilidade dos valores com o mercado, Memorando 6949480.

Consultou-se, ainda, a Planilha Comparativa de Preços, doc. 6897343, Planilha Comparativa de Atas, doc. 6816646, e, por fim, o Estudo Técnico Preliminar, onde fica claro que o valor estimado para a contratação, frente às Atas de Registro de Preços consultadas, ficou muito próximo do valor final do pregão. O ETP, doc. 6669345, em seu item 6 – Análise Comparativa de Custos, previu um investimento de cerca da R$ 78,5 milhões, enquanto a proposta final da recorrida Zoom foi de aproximadamente R$ 78,2 milhões.

Além disso, a área técnica dispôs na Informação 6953091 que “Quanto à compatibilidade com os preços de mercado, embora o presente pregão tenha obtido um resultado bastante abaixo da média estimada, os preços da proposta são apenas um pouco abaixo dos melhores resultados obtidos por órgãos que fizeram grandes aquisições, o que indica que as propostas são exequíveis.”

Quanto à manifestação da licitante Zoom, através da Carta 6953066, esta não acrescentou informação relevante para a decisão sobre a exequibilidade de sua proposta.

 

II - Quanto ao segundo:

Impende esclarecer que o pregoeiro conduz o procedimento licitatório conforme os preceitos legais e editalícios, não lhe cabendo, todavia, uma análise dos aspectos técnicos ou quanto à conveniência e oportunidade do processo, sujeitos à discricionariedade da autoridade ordenadora de despesa competente.

Preliminarmente a Diretoria de Tecnologia da Informação se manifestou quanto à aceitabilidade do objeto e proposta da licitante vencedora, Informação 6953091, declarando que:

 

“Em atenção ao memorando 6949480, e em relação à documentação apresentada pela empresa Zoom Tecnologia Ltda., esta Secretaria se manifesta conforme abaixo.

Proposta Comercial - documento 6949326 (substituído pelo 6953054, para correção de erro material).

Parecer: ATENDE às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Proposta Técnica (e planilhas de verificação) - documentos 6949334 e 6949343.

Parecer: ATENDEM ao objeto e condições de habilitação técnica exigidos no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Declarações de Conformidade e Parceria - documento 6949378.

Parecer: ATENDEM às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Atestados de Capacidade Técnica - documento 6949393.

Parecer: ATENDEM às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).”

 

Estabelecida a fase recursal e recebidas as razões e contrarrazões das licitantes, solicitou-se nova manifestação da competente área técnica, Memorando 6969529, à luz dos apontamentos trazidos pela nova documentação:

 

“Encaminham-se os autos para que se manifeste esta competente área técnica acerca das razões de recurso apresentadas pela licitante recorrente O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda., doc. 6960378, bem como sobre as contrarrazões da licitante recorrida Zoom Tecnologia Ltda., doc. 6969276, no que concerne aos aspectos técnicos das argumentações.”

 

Ao que a DTI atendeu com a Manifestação 6973893:

 

“Em atenção ao Memorando 6969529, no que concerne aos aspectos técnicos das argumentações apresentadas nas razões e nas contrarrazões, esta área técnica se manifesta conforme segue.

 

Recurso O2 Soluções em Tecnologia Ltda. - Razões (6960378) / Contrarrazões Zoom Tecnologia (6969276)

A empresa O2 afirma que o equipamento proposto pela licitante Zoom não atende uma das funcionalidades requeridas para a solução. No recurso, isto está agrupado sob o título "DO NÃO ATENDIMENTO AO REQUISITO DE PROTEÇÃO DE DADOS. O subitem do edital que trata da questão é o que segue:

4.4.6.5. Deverá ter funcionalidade de mitigação contra ataques de ransomware e deleção intencional de dados, permitindo ao CONTRATANTE a restauração rápida dos dados criptografados ou deletados, mediante uma das seguintes alternativas:

4.4.6.5.1. Imutabilidade que impeça alteração e deleção dos dados, independentemente do nível de acesso do usuário e/ou que possua mecanismo de execução de comando privilegiado por meio da aprovação de, no mínimo, dois usuários administradores da solução de armazenamento e com duplo fator de autenticação;

4.4.6.5.2. Isolamento por meios lógicos usando cópias protegidas, armazenamento de objetos na nuvem ou por meio de um “air gap” físico;

4.4.6.5.3. A funcionalidade em questão poderá ser externa (não nativa do sistema ofertado), podendo ser composta por mais de um produto, desde que comprovadas as homologações de todas as fabricantes envolvidas;

4.4.6.5.4. O fornecimento de hardware computacional e armazenamento externo, caso necessários, bem como serviços de implementação e configuração, deverão ser considerados para o limite de capacidade exigida, respeitando os mesmos níveis de resiliência, suporte e prazos de garantia desta especificação;

4.4.6.5.5. Neste caso todos os custos acima, incluindo a manutenção da funcionalidade não nativa da solução, deverão ser considerados pela CONTRATADA em sua proposta, não cabendo ao CONTRATANTE o dispêndio de recursos extras para obter a funcionalidade desejada;

4.4.6.5.6. Sendo a solução “não nativa”, todos os componentes deverão ser atualizados (sistema operacional, firmware, etc.) pela CONTRATADA, durante toda a duração da garantia do equipamento principal.

4.4.6.6. Para a funcionalidade de mitigação acima, a solução deverá permitir configuração granular da proteção, permitindo definir o tempo entre cópias (RPO) e o tempo de retenção para as cópias imutáveis.

Se nota, além do que foi reproduzido no recurso, que o subitem tem mais detalhes. Detalhes que demonstram que o edital é bem aberto sobre qual maneira o fabricante vai utilizar para prover a mitigação contra ataques (de ransomware e deleção intencional de dados). A recorrente alega que uma característica da solução proposta pela Zoom faz com que esta não atenda ao solicitado no edital. Reproduzimos abaixo (texto que é repetido várias vezes na documentação):

If you want to disable the secure snapshot function of HyperCDP objects or change the min. protection period during the protection period, log in to the system using the serial port as a security administrator and modify the HyperCDP object properties. For details about the command, see change hyper_cdp general in Command Reference. For details on how to create a security administrator, see "Creating a Local User" in the Administrator Guide.

Sem entrar em detalhes muito técnicos, a "deficiência" apontada pela recorrente reside no fato de que existe uma maneira de alterar a retenção dos dados, através da ação de um único usuário (administrador de segurança). A maneira de fazer essa alteração é seguindo o procedimento introduzido acima. Acontece que o procedimento acima implica em uso da "porta serial" do equipamento.

Para explorar esta deficiência é necessário que uma pessoa mal intencionada consiga acesso físico ao equipamento (para o uso da porta serial). Ou seja, o atacante, além da credencial de administrador de segurança do sistema, precisa passar pelo credenciamento no tribunal, conhecer o caminho até a sala de data center, obter credencial de acesso à sala segura do data center e, então, encontrar o equipamento no data center para, enfim, acessar a porta serial. Só depois disto seria possível realizar alterações que pudessem facilitar a exclusão de arquivos (que antes eram configurados para serem imutáveis).

Ora, um atacante com acesso físico ao data center não precisa se preocupar em alterar retenção de arquivos, sendo que com um simples copo d’água ele conseguiria danificar um equipamento garantindo assim a perda eficaz dos dados armazenados. Podemos perceber que assumir o acesso físico do equipamento implica em outra avaliação de risco, pois é outro cenário. O item em questão tem o objetivo primário de criar um controle lógico de segurança para prevenir exclusão ou alteração indevida de arquivos mediante um ataque cibernético. E, considerando esse contexto, a solução ofertada atende o que é requerido, alcançando esse objetivo.

Por esses motivos, esta Área Técnica entende que o equipamento da licitante Zoom Tecnologia Ltda. atende ao item 4.4.6 (Segurança da Informação) e respectivos subitens, sendo, s. m. j., improcedente o recurso da empresa da empresa O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda.”

 

III – Quanto ao terceiro:

A nova lei de licitações está em vigência desde 1º de abril de 2021 enquanto a lei antiga teve sua aplicação estendida até 30/12/2023 por força da L.C. 198/2023, o que tem levado a maioria dos órgãos públicos a continuarem utilizando a Lei n.º 8.666/1993 pela segurança que representa a utilização de uma norma conhecida e de jurisprudência consolidada.

Questões que estão sendo enfrentadas atualmente nesta seara, o estão sendo sem exemplos que lhe sirvam de antecedente.

O dispositivo que exige a declaração de cumprimento de reserva da vagas para PcD e reabilitados da Previdência Social aparece como inovação da nova lei como requisito implícito de habilitação, pois não consta no artigo 68 como parte da habilitação, mas como um requisito a ser exigido na fase:

 

“Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:

[...]

IV - será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.”

 

A Constituição Federal, artigo 37, XXI, prevê que se exija das licitantes somente o necessário à demonstração da capacidade de execução do objeto:

 

“XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

 

Porém, a Carta Magna também é profícua no estabelecimento de direitos fundamentais, chegando a estabelecer que é competência concorrente da União, Estados, DF e Municípios, legislar sobre a proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência.

E parece que foi essa opção a do legislador, ao utilizar o novo regulamento de licitações para prever situações de implementação de políticas públicas com fins sociais e de inclusão, até pela dimensão que as compras públicas alcançam na economia brasileira, como leciona Jacoby Fernandes:

 

“[...] a nova norma não trata de licitações e contratos apenas, trata da contratação direta sem licitação [...] dos efeitos das políticas públicas, como os egressos do sistema prisional [...], as mulheres vítimas de violência doméstica [...], proteção do meio ambiente [...]” (Contratação Direta sem Licitação, 2021, p. 26)

 

O que não contraria a Lei n.º 14.133/2021, que prevê em seu artigo 5º:

 

“Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).”

 

E parece que este ponto da fase recursal deve ser encarado sob o aspecto da ponderação de princípios, que por representarem segundo Ávila “normas imediatamente finalísticas, estabelecem um estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas do mesmo sistema, notadamente das regras. Sendo assim, os princípios são normas importantes para a compreensão do sentido das regras”. (Teoria dos Princípios, 2016, p. 122)

 

Por um lado, legalidade, a vinculação ao instrumento convocatório e desenvolvimento nacional sustentável:

A legalidade impõe à Administração o império da lei, e, conforme Justen Filho, a existência de “disciplina legislativa prévia instituindo a competência administrativa e fixando pressupostos, limites, conteúdo e finalidade para a atuação da autoridade administrativa.” (Comentários, 2021, p. 107) Assim, diante da previsão expressa na Lei n.º 14.133 da exigência de uma declaração na fase de habilitação, não há interpretação diversa possível, além de exigi-la.

E na prática o sistema Compras.Gov exige de todos os licitantes a concordância com o “termo de Aceite”, doc. 6949143, previamente ao cadastramento da proposta. Sendo assim. Todos os licitantes que participam do pregão prestaram a declaração exigida no art. 63, IV.

E o Edital espelhou essa exigência em seu item 8.3., ao tratar da habilitação, vinculando a Administração e os licitantes a seus termos:

 

“8.3. Para fins de habilitação, a licitante também deverá apresentar a seguinte documentação:

[...]

8.3.6. declaração de cumprimento as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitação da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas;

[...]

8.3.9. As declarações previstas neste item 8.3 deverão ser preenchidas pela licitante no sistema Compras.gov.br e serão consultadas pelo pregoeiro durante a sessão, para posterior juntada ao processo administrativo.”

 

Ainda que formalmente a licitante recorrida tenha cumprido a exigência de prestar a declaração via sistema, essa declaração, conforme exposto por Justen Filho, tem presunção de veracidade relativa e constatou-se, após consulta ao portal no Ministério do Trabalho, que no dia do certame, a empresa não atendia a exigência legal.

Destaca-se que o procedimento licitatório contou com prazos para questionamentos, amplamente utilizados pelos licitantes, com mais de 16 mensagens de esclarecimento e teve prazo legal de impugnação transcorrido in albis, Não tendo sido, tal redação atacada por esta via, conforme consta dos autos.

Além disso, a opção legislativa de utilizar os efeitos extraeconômicos das licitações para o incremento de iniciativas de caráter sustentável, entendida a sustentabilidade em seu tripé social, ambiental e econômico, é compatível com a defesa dos direitos fundamentais, e as regras que promovem a efetividade das normas de proteção às pessoas com deficiência.

Frise-se que a Nova Lei de Licitações não só previu essa declaração como requisito de habilitação como previu, em seu artigo 92, XVII, que é obrigação contratual cumprir as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e reabilitado da previdência social ao longo de toda vigência contratual e, logo, obrigação da Administração fiscalizar tal cumprimento.

 

Por outro lado, a razoabilidade e proporcionalidade, interesse público, economicidade e eficiência:

A contrariu sensu, é sabido que a nova disciplina de licitações para além dos seus princípios, já citados, previu como objetivos dos processos licitatórios, art. 11:

 

“Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;

II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;

III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;

IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.”

 

No que aparenta ser um movimento, do formalismo do regulamento anterior, para um maior foco nos resultados dos procedimentos. Assim, não resta dúvida que a seleção da proposta mais vantajosa (inciso I), assume relevância ao ser associada à previsão de evitar contratações com sobrepreço (inciso III) e ao parágrafo único, que estabelece que à alta administração cabe promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

Ao considerar a diferença de valor da proposta vencedora para a da segunda colocada de cerca de R$ 19 milhões, não parece razoável ou proporcional uma inabilitação por uma comprovação que, em última análise, demonstra a posição da massa laboral de uma empresa em dado momento, situação que pode ser afetada temporariamente por um pedido de demissão ou falecimento, dentro de um mesmo mês e, portanto; fora do controle da empresa. A certidão citada, doc. 6983542, traz em seu texto a informação que a mesma é fornecida com base em dados que a própria empresa fornece:

 

“1. Esta certidão reflete tão somente os dados constantes dos registros administrativos do eSocial. Esses dados são declarados pelo próprio empregador, não havendo validação por parte da Secretaria de Inspeção do Trabalho.”

 

Além disso, consulta da mesma certidão para a recorrente, doc. 6983648, demonstra que aquela não pode ser emitida, visto que esta não se enquadra na hipótese legal para exigência mínima de reserva de cargos para PcD. Dos demais licitantes as certidões apontam 6 (seis) empresas das quais não seria exigida comprovação de empregar PCD e 2 (duas) com número inferior ao exigido.

Ou seja, em razão de uma licitante estar empregando menos de 9 (nove) PcD, exigidos por lei, na data do pregão, se levará à recusa de sua proposta de R$ 19 milhões mais econômica em prol de uma licitante da qual não é exigida a reserva de sequer 1 (uma) vaga PcD. É essa isonomia que atende ao interesse público? E ao interesse e direito ao trabalho dos PcD’s?

 

Porém, considerando que eventual consideração sobre a constitucionalidade do dispositivo, conforme argüido pela recorrida, não é competência deste pregoeiro, considerando que as disposições do Edital podem ser atacadas via impugnação, e não o foram, considerando que a discricionariedade do agente público não pode ofender a legalidade e que o Edital vincula as partes, e que a segurança jurídica é fator de estabilidade social, entendo que a recorrida não cumpriu requisito formal de habilitação

Assim, conforme pontos I, II e III abordados acima, pelas informações prestadas pelas licitantes e área técnica, decido:

 

Por fim, diante das razões acima expostas, CONHEÇO do recurso interposto pela licitante O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda., para DAR-LHE PROVIMENTO, inabilitando a licitante Zoom Tecnologia Ltda., com fundamento no artigo 165 da Lei n.º 14.133/201.

 

Contudo, diante da complexidade do tema, considerando a inexistência de jurisprudência sobre o assunto e que a decisão final depende de juízo de ponderação entre princípios, como economicidade e razoabilidade frente à legalidade, e que tal juízo seria manifestação da vontade e decorrência do entendimento da Administração, submeto à autoridade superior para análise da decisão acerca do exposto.

 

 

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SEGUNDO DOCUMENTO

 

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro Praia de Belas - CEP 90010-395 - Porto Alegre - RS - www.trf4.jus.br

PARECER - DG/ASSEAD

Senhor Diretor-Geral:

 

Esta Corte instaurou procedimento licitatório na modalidade pregão eletrônico, pelo critério de julgamento de menor preço, com fornecimento parcelado, visando ao registro de preços de subsistemas de armazenamento de dados (storage), incluindo serviços de instalação, configuração e garantia por um prazo de 60 (sessenta) meses, nos termos do edital 6914044, do Pregão Eletrônico nº 21/2022, sob a regência da Lei n.º 14.133/2021.

Por meio do Parecer (6905071) ASSEAD, esta Assessoria em Assuntos Administrativos, com apontamento, aprovou os demais aspectos jurídicos da documentação apresentada e opinou pelo prosseguimento da licitação, o que foi acolhido pelo Despacho (6907418) desse Diretor-Geral e por decisão do Exmo. Sr. Presidente (6913015).

A título de cotejo, importante referir que os valores inicialmente estimados pela Administração foram de R$ 123.269.495,36 (cento e vinte e três milhões, duzentos e sessenta e nove mil quatrocentos e noventa e cinco reais e trinta e seis centavos) para o Grupo 1 e R$ 123.369.240,65 (cento e vinte e três milhões, trezentos e sessenta e nove mil duzentos e quarenta reais e sessenta e cinco centavos) para o Grupo 2.

Conforme se depreende da Ata da sessão (6954056), houve 9 (nove) licitantes participando da sessão com vistas ao grupo 01, e 10 (dez), para o grupo 2, e ao final da fase competitiva a licitante Zoom Tecnologia Ltda. foi a melhor classificada, com lance final de R$ 44.380.000,16 (quarenta e quatro milhões trezentos e oitenta mil reais e dezesseis centavos) para o Grupo 1 e R$ 33.848.000,11 (trinta e três milhões oitocentos e quarenta e oito mil reais e onze centavos) para o Grupo 2.

Encaminhada a documentação pertinente da licitante Zoom Tecnologia Ltda. para a Diretoria de Tecnologia da Informação desta Corte, pelo Memorando 6949480, a referida área técnica manifestou-se no sentido de que a referida empresa atendeu aos requisitos constantes do edital (6953091), nos seguintes termos:

 

Em atenção ao memorando 6949480, e em relação à documentação apresentada pela empresa Zoom Tecnologia Ltda., esta Secretaria se manifesta conforme abaixo.

Proposta Comercial - documento 6949326 (substituído pelo 6953054, para correção de erro material).

Parecer: ATENDE às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Proposta Técnica (e planilhas de verificação) - documentos 6949334 e 6949343.

Parecer: ATENDEM ao objeto e condições de habilitação técnica exigidos no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Declarações de Conformidade e Parceria - documento 6949378.

Parecer: ATENDEM às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Atestados de Capacidade Técnica - documento 6949393.

Parecer: ATENDEM às condições exigidas no Edital do PE 21/2023 (6914044).

Quanto à compatibilidade com os preços de mercado, embora o presente pregão tenha obtido um resultado bastante abaixo da média estimada, os preços da proposta são apenas um pouco abaixo dos melhores resultados obtidos por órgãos que fizeram grandes aquisições, o que indica que as propostas são exequíveis. (GRIFADO)

 

A licitante O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda. apresentou recurso (6960378), sustentando que “a recorrida não cumpre os requisitos de habilitação e não poderia ter participado do pregão” e, em relação à solução ofertada, que “a tecnologia fornecida pela recorrida não atende o requisito de mitigação contra ataques de ramsomware e deleção intencional de dados e não poderia ter a proposta aceita pela contratante”.

Quanto à alegação do não atendimento dos aspectos técnicos pela recorrida Zoom Tecnologia Ltda., a Diretoria de Tecnologia da Informação desta Corte afastou os argumentos da recorrente O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda., concluindo que (a) a proposta comercial e técnica (e planilhas de verificação), (b) as declarações de conformidade e parceria, bem como (c) a compatibilidade com os preços de mercado da licitante Zoom Tecnologia Ltda. atenderam às condições editalícias, consoante demonstra a Informação 6953091 DTI. Novamente provocada a manifestar-se, a referida área técnica asseverou que o equipamento da licitante Zoom Tecnologia Ltda. atende ao item 4.4.6 (Segurança da Informação) e respectivos subitens, sendo, s. m. j., improcedente o recurso da empresa O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda (Manifestação 6973893 DTI).

No item 4 das razões de recurso (6960378), a recorrente O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda. igualmente defendeu a inabilitação da licitante Zoom Tecnologia Ltda. por não atender condição do edital consistente no cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previsto em lei, sustentando que essa irregularidade consiste em vício insanável e tampouco sujeito a juízo de formalidade moderada. Pediu, ao final, que a recorrida seja considerada inabilitada devido à documentação de habilitação não atender à condição editalícia.

Por sua vez, a licitante Zoom Tecnologia Ltda. apresentou contrarrazões (6969276), defendendo a inconstitucionalidade da inabilitação com base na condição exigida em Edital, pois “comprovou condições técnicas e econômicas suficientemente aptas à garantia da segurança da futura contratação, cumprindo, por conseguinte, as exigências máximas admitidas no texto constitucional (art. 37, XXI, CF/88).” Sustentou ainda que a nova lei de licitações introduziu nova lógica de prevalência do resultado sobre a forma, e que sua proposta, cerca de R$ 19 milhões mais barata que a da recorrente, seria a opção adequada ao atendimento do interesse público.

 

No item 1.1. das contrarrazões, a recorrida informou que o não atendimento da reserva de vagas para PcD foi uma situação temporária e que já estaria sanada na data da apresentação dos seus argumentos, demonstrando documentalmente o atendimento desse requisito, mediante os documentos extraídos do e-Social, em anexo às "Contrarrazões Zoom" (6969276). Asseverou que eventual não atendimento desse requisito pode ser normal e recorrente, pois:

 

“18. Como é cediço, qualquer empresa obrigada à reserva de cotas prevista na Lei 8.213/91, encontra-se suscetível de não preencher, temporariamente, o percentual previsto no art. 93, o que se dá, fundamentalmente, pela própria dinâmica e fluidez do mercado de contratações, sendo certo que, em qualquer situação, a tarefa de localizar um candidato que preencha os requisitos da seleção é árdua e desafiadora até mesmo para a melhor gestão de recursos humanos.

19. Essa transição temporária, contudo, alheia à vontade do empregador, não tem o condão de, por si só, caracterizar o descumprimento da obrigação legal, e deve ser temperada por critérios de justiça e razoabilidade.”

 

No item 1.2., defendeu a licitante Zoom Tecnologia Ltda. que a comprovação do cumprimento da reserva de vagas para PcD e Reabilitados da Previdência deveria ser flexibilizada diante de “(...) objetivos e o norte interpretativo da Lei nº 14.133/21”, e que essa comprovação como condição de participação ou habilitação é inconstitucional e atenta contra diversos princípios:

 

“20. A discussão em torno da reserva de cargos passa, preambularmente, pela mudança de cenário nas aquisições públicas, proporcionada pela correta aplicação da Lei 14.133/21.

21. Indiscutivelmente a Nova Lei de Licitações traz uma disruptura em relação ao regime tradicional das Leis 8.666/93 (Geral), 10.520/02 (Pregão) e 12.462/11 (RDC), no que diz respeito aos objetivos do certame licitatório.

22. Tal disruptura passa quase desapercebida numa primeira análise, devido ao fato de que, tocante ao rito procedimental do certame, poucas questões foram, de fato, inovadoras. Cria-se então uma mentalidade de que nada mudou no ordenamento jurídico.

23. Porém, num olhar mais atento, verificar-se-á que a Nova Lei de Licitações tem o seu foco nos objetivos do certame e não no rito procedimental propriamente dito, podendo essa realidade ser muito bem visualizada no seu artigo 11, verbis:

Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos:

I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto;

II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição;

III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;

IV - incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações. Destacado.’

24. O dispositivo legal em comento deixa claro que o processo licitatório tem um foco: assegurar um excelente resultado para a sociedade, isto é, a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso, garantindo, isonomia, justa competição, preço justo e inovação. O que se deseja, em última instância, é garantir eficiência, efetividade e eficácia da contratação.

25. Diferente, portanto, do regime tradicional, onde o foco está na rigidez procedimental, isto é, valoriza-se muito mais o rito do procedimento de seleção do fornecedor, do que o resultado que se necessita alcançar: a boa compra pública.

26. Essa mudança de foco, tão necessária para combater a má qualidade da compra pública, ao longo dos últimos 30 anos de vigência da Lei 8.666/93, é indispensável para a boa aplicação da Nova Lei de Licitações, e também para a interpretação a ser dado ao edital, que passa a ser muito mais um documento que reúne a modelagem e a boa estratégia de seleção do fornecedor e da compra pública, do que um instrumento rígido ou até mesmo acima do ordenamento jurídico.”

 

Outrossim, referiu a recorrida outros dispositivos contidos na Lei nº 14.133/2021 como exemplos de um “norte interpretativo” que deveria atribuir “menos exigências restritivas, porém mais exigências que garantam a qualidade do objeto a ser contratado” e que a exigência de cumprimento de cota de vagas para PcD se dá sobre empresas que empregam mais de 100 (cem) funcionários, e que essas enfrentam dificuldades para preenchimento dessas vagas em diversas situações transitórias, ilustrando com notícia do portal da câmara de deputados essa dificuldade:

 

“33. Note-se que se trata de obrigação que depende da vontade de terceiros – no caso, a pessoa portadora de deficiência ou reabilitada da Previdência Social – não podendo a empresa ser considerada uma descumpridora da Lei 8.213/91, pelo simples fato de que, numa determinada temporalidade, encontra-se com o preenchimento abaixo do número mínimo indispensável.

34. Este rigor, por certo, atentaria contra a isonomia, que é um dos objetivos precípuos do certame para se alcançar a justa competição e, por conseguinte, o resultado da contratação mais vantajosa ao erário.

35. No caso, uma empresa que emprega mais de 300 funcionários, como a Recorrida, e, portanto, possui um importante papel socioeconômico, ficará desalijada do certame por uma situação fática momentânea que não representa a sua realidade preponderante, que é de cumprir as cotas previstas na legislação especial. Ao passo que empresas que sequer empregam pessoas no quantitativo mínimo, como a Recorrente, seriam consideradas aptas a contratar com a Administração Pública.

36. Veja-se que não há lógica nesse raciocínio e a questão certamente deverá ser enfrentada na aplicação da Nova Lei de Licitações, a qual, como visto, tem como base interpretativa a busca dos objetivos indispensáveis ao alcance de uma contratação eficiente, eficaz e efetiva.”

 

A licitante Zoom Tecnologia Ltda. sustentou ainda que o princípio da razoabilidade deveria ser ponderado na aplicação da lei, evitando injustiças e buscando o atendimento do interesse público, uma vez que:

 

“44. O presente caso tem características singulares! O confronto de uma compra pública com economia de mais de 19 milhões de reais, e o descumprimento, meramente temporário, e não por culpa da Recorrida, da reserva de cotas para deficientes e reabilitados da Previdência Social, em aparente infração ao art. 63, IV da Lei 14.133/21.

45. E nesse compasso, seria no mínimo irrazoável desalijar a proposta de menor preço, apresentada por uma empresa que emprega mais de 300 funcionários - por estar ela, num momento transitório de busca de pessoas que preencham os critérios da reserva - e contratar a Recorrente, que não desempenha papel socioeconômico relevante, e por isso, encontra-se desobrigada da reserva de cargos, e ainda apresenta proposta que onera a Administração Pública em mais de 19 milhões.” (grifos no original)

 

Outrossim, aduziu que a Constituição assegura a isonomia em licitações e permite somente “exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI) e que, além disso, por meio de uma interpretação “sistêmica da Lei nº 14.133/21, denota-se que todas as outras políticas públicas de inclusão foram feitas em sede de contratação e não como requisito de habilitação”.

No ponto 1.3., a recorrida referiu que sua defesa da exeqüibilidade da proposta não foi “emotiva” mas que destacou sua experiência e contratos públicos anteriores, que possui certificações e cultura de sustentabilidade, reduzindo seus custos e que possui parceria duradoura com a fabricante dos equipamentos.

A defesa do cumprimento dos requisitos técnicos é feita no item 1.4., onde a licitante Zoom Tecnologia Ltda. informou em quais documentos e passagens foi demonstrado o atendimento dos requisitos citados pela recorrente:

 

“90. Desta feita, não cabe a alegação de que a solução não atende ao requisito de imutabilidade, muito pelo contrário, o que a solução realizar com o acesso do administrador local, via portal serial, é a mudança ou ajuste de propriedades do secure sanpshot, bem como da política de retenção, mas não a deleção de dados, veja-se:

“If you want to disable the secure snapshot function of HyperCDP objects or change the min. protection period during the protection period, log in to the system using the serial port as a security administrator and modify the HyperCDP object properties.” Fonte: OceanStor Dorado 6.1.x HyperCDP Feature Guide for Block.pdf (pág. 37)

91. Isto é, verifica-se nesse caso, que o requisito de “imutabilidade que impeça alteração e deleção dos dados” ocorre “independentemente do nível de acesso do usuário e/ou que possua que possua mecanismo de execução de comando privilegiado”, conforme solicitado no item editalício.

92. Mais. O Huawei OceanStor Dorado permite a criação de mais de um usuário administrador da solução de armazenamento, com perfis diferenciados, incluindo super administrators, administradors, security administrators e outros [...]”.

 

Por fim, pede a recorrida Zoom Tecnologia Ltda. que o recurso apresentado pela recorrente O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda. tenha provimento negado.

 

É o relatório. Opina-se.

 

Inicialmente, cumpre registrar que, por ocasião das suas contrarrazões recursais (6969276), a empresa Zoom Tecnologia Ltda. noticiou que o percentual de 3% de PcDs sobre o número de total colaboradores foi recentemente alcançado, conforme demonstram os relatórios emitidos pelo sistema e-Social em anexo.

De fato, os documentos extraídos do e-Social junto às "Contrarrazões Zoom" (6969276) comprovam que a licitante Zoom Tecnologia Ltda. emprega pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social em conformidade com o percentual previsto no artigo 93 da Lei 8213/91, atendendo assim ao requisito do edital, não obstante em momento posterior.

Por oportuno, a previsão contida no artigo 12, III, da Lei nº 14.133/21 prevê que "o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo". A propósito, pode-se afirmar que o referido dispositivo positivou e consagrou o "princípio do formalismo moderado" há muito utilizado pelo Tribunal de Contas da União - TCU no julgamento de casos análogos pertinentes a contratações, sempre tendo por escopo a salvaguarda do interesse público. Veja-se.

O Tribunal de Contas da União tem entendido que o "princípio do formalismo moderado" pela Administração Pública é aquele que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados, tudo de acordo com o art. 2º, parágrafo único, incisos VIII e IX, da Lei 9.784/1999, bem assim com o espírito da Lei de Licitações. Nesse sentido, o Acórdão 357/2015 - TCU/Plenário, Relator Ministro Bruno Dantas, data da sessão: 04-03-2015, verbis:

REPRESENTAÇÃO, COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. SUPOSTAS IRREGULARIDADES OCORRIDAS EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO, RELACIONADAS À DESCLASSIFICAÇÃO INDEVIDA DE LICITANTE COM PROPOSTA MAIS VANTAJOSA. VÍCIO INSANÁVEL NO MOTIVO DETERMINANTE DO ATO DE DESCLASSIFICAÇÃO. NULIDADE. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA. 1. O intuito basilar dos regramentos que orientam as aquisições pela Administração Pública é a contratação da proposta que lhe seja mais vantajosa, obedecidos os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. 2. No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados. (Grifado)

O voto-condutor do acórdão proferido pelo Ministro Bruno Dantas nesse caso paradigmático demonstrou que a ocorrência de "falha formal" (intempestividade no encaminhamento da planilha de custos ajustada) não poderia levar a Administração a prescindir de oferta potencialmente mais favorável, sob pena de subversão do intuito basilar dos regramentos que orientam as aquisições pela Administração Pública, qual seja, a contratação da proposta que lhe seja mais vantajosa, consoante excerto abaixo transcrito:

 

(...)

Conforme visto no relatório precedente, cuidam os autos de representação formulada pela empresa Air Time Engenharia e Instalações Ltda. acerca de possíveis irregularidades ocorridas no Pregão Eletrônico 26/2014, lançado pelo Colégio Pedro II.

(...)

7. Como se pode observar, a falha no preenchimento da planilha, motivação dada pelo pregoeiro para recusar a proposta da segunda colocada no certame, foi sanada mediante encaminhamento de nova planilha. Ainda assim, o Reitor se apega ao argumento de que a nova planilha foi dirigida de maneira intempestiva, após a decisão do recurso, e que ela teria sido substancialmente modificada em relação à planilha original.

8. Diante desse panorama, ao contrário do defendido pelo Reitor, não me parece razoável que, em razão de suposto atraso, a administração furte-se em avaliar uma proposta potencialmente mais vantajosa. Digo suposto porque, ao compulsar a ata do certame, não é possível identificar qualquer fixação de prazo ou mesmo solicitação dirigida à empresa Air Time Engenharia e Instalações Ltda. no sentido de que apresentasse nova planilha devidamente corrigida. O único registro, em ata, é o de recusa da proposta “conforme decisão do recurso”, sendo que também não se verifica, no corpo do recurso, o estabelecimento de prazo para envio de nova planilha. Na verdade, as contrarrazões da referida empresa centraram-se na linha de que sua proposta original já contemplava os custos questionados, o que não foi acatado pelo pregoeiro.

(...)

13. Todas essas constatações materializam flagrante inconsistência no fundamento da desclassificação da proposta em comento, maculando o ato levado a efeito pelo pregoeiro.

14. Decerto, ainda que pudéssemos admitir a hipótese de falha formal (intempestividade no encaminhamento da planilha de custos ajustada), tal fato não poderia levar a administração a prescindir de oferta potencialmente mais favorável, sob pena de subversão do intuito basilar dos regramentos que orientam as aquisições pela Administração Pública, qual seja, a contratação da proposta que lhe seja mais vantajosa, obedecidos os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

15. Sendo assim, o caso atrairia, inequivocamente, o princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados, tudo de acordo com o art. 2º, parágrafo único, incisos VIII e IX, da Lei 9.784/1999, bem assim com o espírito da Lei de Licitações.

16. Portanto, diante da ocorrência de falha no ato de desclassificação de licitante que havia apresentado proposta potencialmente mais vantajosa, em razão de vício insanável no motivo determinante daquele ato administrativo, cumpre ao TCU assinar prazo para que o Colégio Pedro II adote medidas com vistas à anulação do referido ato, bem assim daqueles que lhe sobrevieram. Consequentemente, fica a entidade autorizada, caso haja interesse, a dar continuidade ao certame a partir da etapa em que ocorreu o defeito identificado, prosseguindo ao exame de aceitabilidade da proposta da empresa Air Time Engenharia e Instalações Ltda., à luz da nova planilha de custos por ela encaminhada.

(...) (Grifado)

 

No mesmo sentido, recente decisão daquela Corte de Contas assinalou que o "princípio do formalismo moderado", não fora observado por ocasião de um certame promovido pela UFPA (Pregão Eletrônico - SRP 18/2021), onde houve a inabilitação indevida de licitante por não ter apresentado documentação comprobatória de que possuía em seu quadro de empregados o percentual mínimo de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social, nos termos do art. 93 da Lei 8.213/1991, resultando em seleção de proposta que não era a mais vantajosa para a Administração:

 

REPRESENTAÇÃO. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES OCORRIDAS NO PREGÃO ELETRÔNICO - SRP 18/2021 PROMOVIDO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE NATUREZA AUXILIAR. INABILITAÇÃO INDEVIDA DE LICITANTE RESULTANDO EM SELEÇÃO DE PROPOSTA QUE NÃO ERA A MAIS VANTAJOSA PARA A ADMINISTRAÇÃO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENDER AUTORIZAÇÕES DE ADESÕES À ATA. OITIVAS. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÕES CORRETIVAS. CIÊNCIA. ARQUIVAMENTO. (...)

9.2.1. inabilitação indevida da licitante E. B. Cardoso Eireli, por não ter apresentado documentação comprobatória de que possuía em seu quadro de empregados o percentual mínimo de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social, nos termos do art. 93 da Lei 8.213/1991, quando o pregoeiro, na fase de julgamento da habilitação, já havia obtido certidão que comprovava, naquela oportunidade, o atendimento da exigência, o que resultou na seleção de proposta que não era a mais vantajosa para a Administração, em afronta ao princípio do formalismo moderado e à jurisprudência do Tribunal (Acórdão 357/2015-TCU-Plenário, Ministro-Relator Bruno Dantas; 2.003/2011-Plenário, Ministro-Relator Augusto Nardes; 1.795/2015-Plenário, Ministro-Relator José Mucio Monteiro; e 1.211/2021-Plenário, Ministro-Relator Walton Alencar Rodrigues); (...) [TCU / ACÓRDÃO 762/2023 (Representação, Processo 013.022/2022-9) PLENÁRIO, Relator Ministro Augusto Sherman, data da sessão 19-04-2023]. (Grifado)

 

O caso concreto, mutatis mutandis, igualmente reclama a aplicação do "princípio do formalismo moderado" amplamente adotado pelo TCU ao julgar casos símeis, como visto, onde propostas mais vantajosas ou econômicas à Administração acabam sendo afastadas pelos pregoeiros em decorrência de indevidas inabilitações de licitantes por falhas ou vícios formais que poderiam ser sanados ou superados no decorrer do processo sem ocasionar prejuízo ao interesse público e aos partícipes do certame.

Na espécie, a proposta da recorrida Zoom Tecnologia Ltda. foi cerca de R$ 19.000.000,00 (dezenove milhões) mais barata que a da recorrente O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda., representando sem dúvida a opção mais adequada ao atendimento do interesse público, de modo que, à luz do chamado "princípio do formalismo moderado", é plenamente plausível possibilitar àquela o saneamento da referida irregularidade formal com a apresentação de documento hábil que demonstre o atendimento da exigência legal contida no art. 93 da Lei nº 8213/91, o que, diga-se de passagem, já foi providenciado pela referida licitante com a juntada dos documentos extraídos do e-Social às suas contrarrazões (6969276).

 

Na doutrina, o portal zenite.blog.br disponibilizou o artigo Contratações públicas líquidas: a transição paradigmática promovida pela Lei nº 14.133/21, publicado em 27 de novembro de 2023, de autoria de José Anacleto Abduch Santos, trazendo considerações deveras pertinentes ao caso em apreço, veja-se:

 

(...) "5º paradigma – aproveitamento de propostas e de licitantes

A nova Lei determina a superação do paradigma da prevalência da forma sobre a substância no que diz respeito à análise de propostas e de documentos de habilitação, e tende para o seu aproveitamento, à medida em que tal seja de interesse público.

Atente-se para que a norma contida no art. 12, III preconiza que “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”. Aquela do art. 59 determina que somente serão desclassificadas propostas que “contiverem vícios insanáveis” (inciso I), ou que “apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do edital, desde que insanável” (inciso V). Há dever legal de possibilitar o saneamento de vícios de proposta ou de documentos de habilitação, para aproveitar aquelas que melhor atendam os interesses da Administração.

Que se liquefaçam os velhos e sólidos paradigmas estabelecidos pela velha Lei nº 8.666/93 para possibilitar a aceitação e aplicação imediata dos excelentes novos paradigmas criados pela Lei nº 14.133/21. O apego acrítico a sólidos paradigmas históricos produzirá indesejável engessamento administrativo e inviabilizará o desenvolvimento de todo o potencial inovador da nova Lei de Licitações.

(https://zenite.blog.br/contratacoes-publicas-liquidas-a-transicao-paradigmatica-promovida-pela-lei-no-14-133-21/) (Grifado)

 

Portanto, como decorrência da nova lei de licitações e contratos (art. 12, III) e como corolário do princípio da economicidade (art. 5º), ao administrador "há dever legal de possibilitar o saneamento de vícios de proposta ou de documentos de habilitação, para aproveitar aquelas que melhor atendam aos interesses da Administração" (princípio do formalismo moderado).

 

Essa conduta exigida do gestor público, como visto, vem ao encontro da nova redação contida no Decreto-Lei nº 4.657, de 04-09-1942, antiga Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro - LICC, atual Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (com redação dada pela Lei nº 12.376/2010), notadamente quanto ao que estabelece o seu artigo 20 e seguintes.

Desse modo, com razão a licitante recorrida ao defender que a exigência contida no artigo 93 da Lei nº 8213/91 exsurge como uma obrigação que também depende da vontade de terceiros – no caso, a pessoa portadora de deficiência ou reabilitada da Previdência Social preencher os requisitos exigidos para o cargo e aceitar o emprego – não podendo a empresa ser considerada uma descumpridora da Lei nº 8.213/91 pelo simples fato de que, numa determinada temporalidade, encontra-se com o preenchimento de vagas de PcDs abaixo do número mínimo indispensável.

 

E, diga-se de passagem, esse descompasso pode ocorrer por inúmeros motivos, como demissão, aposentadoria, óbito ou até mesmo por dificuldades na seleção de indivíduos aptos ao cargo ou ofício, por exemplo, não devendo a empresa ser indiretamente penalizada em esferas diversas por um fato ou fenômeno que eventualmente corre à sua revelia.

 

Entretanto, pode a empresa regularizar a sua situação mediante futuras e novas contratações, e foi exatamente o que ocorreu no caso concreto.

 

Por sua vez, oportuno e não menos importante é o princípio da razoabilidade como norte à atuação do administrador público. "O princípio da razoabilidade preconiza ser a interpretação jurídica uma atividade que ultrapassa a mera lógica formal. Interpretar equivale a valer-se do raciocínio, o que abrange não apenas soluções rigorosamente lógicas, mas especialmente as que se configuram como razoáveis. O princípio da razoabilidade não equivale à adoção da conveniência como critério hermenêutico. O que se busca é afastar soluções que, embora fundadas na razão, sejam incompatíveis com o espírito do sistema". (Marçal Justen Filho, em Curso de Direito Administrativo, 9ª edição, 2013, RT, p.163). Grifado.

 

Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que "Embora a Lei nº 9.784/99 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade, o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a Administração e os fins que ela tem de alcançar. E essa proporcionalidade deve ser medida não pelos critérios pessoais do administrador, mas segundo padrões comuns na sociedade em que vive; e não pode ser medida diante dos termos frios da lei, mas diante do caso concreto. Com efeito, embora a norma legal deixe um espaço livre para decisão administrativa, seguindo critérios de oportunidade e conveniência, essa liberdade às vezes se reduz no caso concreto, onde os fatos podem apontar para o administrador a melhor solução (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, in RDP 65/27)", (Direito Administrativo, 32ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 108). Grifado.

 

A propósito, o novo regramento de licitações e contratos (Lei nº 14.133/2021) estipula em seu artigo 5º que entre os princípios a serem observados por ocasião da sua aplicação estão a razoabilidade, a economicidade e a eficiência.

 

No âmbito da jurisprudência dos Tribunais Superiores, não é diferente o entendimento sobre a razoabilidade como princípio orientador da conduta do administrador público, veja-se:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO. CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DAS ATIVIDADES INERENTES AOS CEMITÉRIOS. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. CAPITAL SOCIAL MÍNIMO ESCRITURADO. ART. 55, VI E XIII DA LEI N. 8.666/93. SANEAMENTO POSTERIOR. NULIDADE DO CONTRATO NÃO DECRETADA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO.

1. Os princípios que norteiam os atos da Administração Pública, quando em confronto, indicam deva prevalecer aquele que mais se coaduna com o da razoabilidade.

2. a 8. (omissis).  (STJ, RE nº 950.489-DF, Rel. Ministro Luiz Fux, julgamento 03-02-2011) (GRIFADO)

 

EMENTA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. REALIZAÇÃO DA 17ª RODADA DE LICITAÇÃO DE BLOCOS PARA EXPLORAÇÃO E PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS NATURAL. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEL. ART. 6º, § 2º, DA RESOLUÇÃO CNPE N. 17/2017. DISPENSA DA ELABORAÇÃO DE ESTUDOS AMBIENTAIS E DA AVALIAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREA SEDIMENTAR (AAAS). CABIMENTO. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARGUMENTAÇÃO. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. CAPACIDADE TÉCNICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICA PÚBLICA. PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.

1. Ante os princípios da separação dos poderes, da eficiência administrativa e da razoabilidade, cabe ao Supremo atuar com cautela e com deferência à capacidade institucional do administrador quanto às soluções encontradas pelos órgãos técnicos, tendo em vista a elaboração e implementação de política pública de alta complexidade e elevada repercussão socioeconômica. 2. e 3. (omissis).

(STF, ADPF 825, Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Ministro Nunes Marques, julgamento 03-08-2021, publicação 26-11-2021)

 

Por fim, vale o registro de que no primeiro semestre de 2023 foi realizada Auditoria neste Tribunal Regional Federal pelo Conselho da Justiça Federal - CJF, órgão que funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça, conforme determina o art. 105, §1º, II, da Constituição Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de 1º e 2º Graus, como órgão central do sistema e com poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

 

A Secretaria de Auditoria Interna - SAI/CJF procedeu à auditoria de conformidade nesta Corte, nos processos e procedimentos relacionados à contratação pública, gestão de frota de veículos, gestão do conhecimento, execução e liquidação da folha de pagamento de pessoal, com volume de recursos auditados na ordem de R$ 52.563.869,68 (cinquenta e dois milhões, quinhentos e sessenta e três mil, oitocentos e sessenta e nove reais e sessenta e oito centavos), limitando-se ao período compreendido entre janeiro de 2022 a março de 2023, cujo objetivo foi avaliar as atividades, operações ou transações e atos de gestão relevantes dos responsáveis, se estão em conformidade com as leis, regulamentos aplicáveis, princípios administrativos e em consonância com as boas práticas adotadas na Administração Pública Federal.

 

Logo, verifica-se a importância dos princípios administrativos a orientar a conduta do administrador, cuja finalidade não é outra senão o zelo ao patrimônio público.

 

No caso em exame, consequentemente, deverá o gestor ponderar se faz sentido inabilitar uma licitante (vencedora) que ofertou a proposta mais vantajosa à Administração (19 milhões de reais mais barata que a da 2ª colocada), decidindo apenas com base em um formalismo engessado ou extremo, inviabilizando que a irregularidade formal apontada seja sanada pelos legítimos meios de que o sistema jurídico dispõe.

 

Assim, como o direito não é um sistema fechado e isolado em si mesmo, em uma interpretação sistemática e teleológica pode-se concluir que é razoável e proporcional utilizar o princípio do formalismo moderado para buscar, na espécie, a preservação do interesse público.

 

Recomenda-se, portanto, que a Administração mitigue - e não exclua - o rigorismo formal para possibilitar que a irregularidade ou vício apontado seja sanado, a fim de economizar R$ 19.000.000,00 (dezenove milhões de reais) com a presente contratação pública, possibilitando, assim, o alcance de outro princípio tão importante e fundamental, qual seja, o da economicidade (art. 5º da Lei nº 14.133/21).

 

Em virtude dos fatos e fundamentos acima expendidos, esta Assessoria em Assuntos Administrativos entende como juridicamente possível e legítimo considerar como sanada pela empresa Zoom Tecnologia Ltda. a irregularidade formal apontada mediante a juntada do documento extraído do e-Social, anexo às suas contrarrazões (6969276), onde comprova, assim, o atendimento da exigência legal contida no art. 93 da Lei nº 8213/91, devendo ser negando provimento ao recurso interposto pela licitante O2 Soluções em Tecnologia Digital Ltda.

À consideração de Vossa Senhoria.