A ausência de parâmetros objetivos no edital acerca da qualificação técnico-operacional, para análise da comprovação da prestação de serviços pertinentes e compatíveis com o objeto licitado, contraria os princípios da transparência, da impessoalidade e do julgamento objetivo.
Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 44/2024, realizado pela Administração Regional do Sesc no Distrito Federal (Sesc/DF) visando à “contratação de empresa para prestação de serviços técnicos especializados em todas as etapas do processo de recrutamento e seleção de pessoas”. A representante alegou, em síntese, que teria sido indevidamente inabilitada, em razão de exigências não previstas no edital da licitação, e que dez licitantes foram desclassificadas sob o argumento de inexequibilidade de suas propostas, sem que lhes fosse dada oportunidade de demonstrar o contrário, em desconformidade com a jurisprudência do TCU. Instado a se manifestar, o Sesc/DF afirmou que, ao examinar recurso interposto por uma das licitantes, constatara que a empresa autora da representação “não possuía a experiência/expertise necessária para atender a demanda exigida”. Acrescentou que os itens 2.6 e 5.1 do termo de referência exigiriam que a futura contratada possuísse equipe técnica qualificada para atender aos serviços demandados, composta por profissionais com experiência em recrutamento, seleção e “entrevistas por competência”, e que, ao analisar o currículo de um dos profissionais indicados pela representante, verificara que “sua experiência como analista de recursos humanos não atendia aos critérios do edital”. Todavia, diante do “contexto sensível, sobretudo considerando o elevado número de propostas incorretas/inexequíveis”, decidira cancelar o certame e iniciar novo processo licitatório, com “alterações no edital e no termo de referência”. Em sua instrução, a unidade técnica ressaltou, quanto à inabilitação da autora da representação, que, na condução do pregão em apreço, foram solicitadas as seguintes informações por meio de diligência, para a análise da capacidade técnica da empresa: “a) Currículo do responsável que realizará o alinhamento de perfil; b) Qual sistema será utilizado para inscrição dos candidatos; c) Qual o sistema de arrecadação da taxa de inscrição; d) Qual sistema será utilizado para a correção automática das avaliações; e) Qual sistema será utilizado para comprovação e análise de requisitos; f) Qual sistema será utilizado para comunicação dos candidatos; g) Qual sistema será utilizado para análise de recursos; h) Qual sistema será utilizado para realizar o acompanhamento do candidato”. Tendo em vista que “nenhuma dessas informações se referem a critérios de qualificação técnica previstos no edital”, a unidade instrutiva considerou irregular a inabilitação dessa licitante por “desatendimento a tais exigências”. Na sequência, destacou que, apesar de o art. 16, inciso II, do Regulamento de Licitações e Contratos (RLC) do Sesc prever que a habilitação técnica deve considerar os documentos comprobatórios de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível com o objeto da licitação, o RLC não teria estabelecido “quantidade mínima específica para fins de habilitação, deixando tal fixação a cargo do edital” e, no caso concreto, o edital teria sido omisso quanto a esse aspecto. Pontuou, ainda, que a Súmula TCU 263 consolida entendimento acerca da possibilidade de fixação de quantitativos mínimos para demonstração da capacidade técnico-operacional da empresa na execução dos serviços de maior complexidade e relevância do objeto licitado, nos seguintes termos: “Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado”; e que, consoante a jurisprudência majoritária do Tribunal, a exemplo dos Acórdãos 2924/2019-Plenário e 2696/2019-Primeira Câmara, “é irregular a exigência de atestado de capacidade técnico-operacional com quantitativo mínimo superior a 50% do quantitativo de bens e serviços que se pretende contratar, a não ser que a especificidade do objeto o recomende, situação em que os motivos de fato e de direito deverão estar devidamente explicitados no processo licitatório”. Observou, também, que o edital estabelecera a seguinte regra para a qualificação técnica: “15.1.2. Qualificação Técnica: a) atestado(s) de capacidade técnica, emitido(s) por entidade(s) pública(s) ou privada(s), compatível(is) com o objeto desta licitação, contendo as seguintes informações: a.1) nome ou razão social, CNPJ e endereço completo do emitente; a.2) data da emissão do atestado; a.3) assinatura e identificação do signatário (exemplos: nome, telefone, cargo e função que exerce junto à empresa emitente); a.4) descrição do objeto fornecido, compatível com o objeto desta licitação”. Por sua vez, o termo de referência definira o seguinte critério de qualificação técnica: “11.3. Como critério de qualificação técnica a serem atendidos pelo fornecedor, a licitante deverá comprovar a aptidão para fornecimento do objeto em características, quantidades e prazos compatíveis com esta contratação, ou com o item pertinente, por meio da apresentação de atestado(s) fornecido(s) por pessoa(s) jurídica(s) de direito público ou privado, conforme disciplinado no edital”. Dessa forma, continuou a unidade técnica, o termo de referência e o edital “não especificaram o percentual, em relação ao objeto sendo contratado, que os licitantes deveriam comprovar para que fossem considerados habilitados”, e que tal previsão seria capaz de “eliminar a subjetividade da análise dos atestados”, além da possibilidade de serem trazidos “outros critérios, conforme o SESC/DF utilizou na diligência realizada para sanar lacunas nos atestados fornecidos pelo representante”. Frisou, ainda, que o TCU considera que a falta de parâmetros objetivos para análise da comprovação de que a licitante já prestou serviços pertinentes e compatíveis com as características, quantidades e prazos do objeto licitado contraria os princípios da transparência, da impessoalidade e do julgamento objetivo, bem como a própria jurisprudência do Tribunal, a exemplo dos Acórdãos 2343/2019-Primeira Câmara e 2263/2021-Plenário. Considerando então que as informações requeridas em diligência não constaram do edital do certame, concluiu que tais exigências eram irregulares, pois “o edital vincula a entidade contratante”. Em que pese a empresa representante ter apresentado apenas dois atestados, “relativos a seleções de pequeno porte, quando comparadas aos processos seletivos do SESC/DF”, o edital, segundo a unidade instrutiva, deveria ter sido expresso quanto aos critérios que seriam analisados, bem como “poderia prever quantidade mínima de processos seletivos realizados e/ou número de candidatos avaliados”. Ademais, prosseguiu ela, na análise curricular de um dos profissionais indicados para formação da equipe técnica responsável pela execução do objeto licitado, o Sesc/DF “utilizou como critérios os itens 2.6 e 5.1 do termo de referência; contudo, o item 2.6 está inserido no contexto da justificativa para a contratação e o item 5.1 como obrigação da contratada; logo, esses critérios não podem ser considerados critérios de habilitação técnica de licitantes, sendo possível, no máximo, o item 5.1 ser utilizado como requisito para contratação, como é previsto no item 9.1 do termo de referência”. Asseverou que “a análise curricular realizada em sede de diligência pode ser entendida como um requisito de qualificação técnico-profissional”, todavia, não havia essa previsão no edital, “trazendo uma carga excessiva de subjetividade e falta de transparência para o certame”, e violando “princípios básicos da contratação com recursos de natureza pública”, bem como princípios insertos no art. 2º, inciso I, do RLC do Sesc. Outrossim, a ausência de critérios adequados de qualificação técnica afetaria, a seu ver, a própria formulação das propostas dos licitantes, uma vez que “profissionais com maior experiência em regra recebem maiores remunerações”. No caso concreto, enfatizou a unidade técnica, o Sesc/DF não aceitou o currículo de um dos profissionais indicados para composição da equipe técnica da representante, o qual possuía dois anos de experiência, isso sob a alegação de que “um profissional sênior deveria possuir de dez a quinze anos de experiência, conforme pesquisa que a equipe técnica fez no Google”, mas sem que houvesse a inclusão de tal requisito no edital. Nesse contexto, inferiu que “a deficiência nos critérios de qualificação técnica e as lacunas deixadas no edital, como a não definição do que seria considerado um profissional sênior, afetaram a formulação das propostas dos licitantes, que, havendo dúvidas sobre diversos critérios, formularam seus preços de acordo com o mínimo que pudesse atender ao edital”. E arrematou: “Contudo, após recurso de outro licitante, o SESC/DF decidiu utilizar critérios que pudessem garantir com mínima segurança a capacidade do licitante em executar o objeto”, e, mesmo supondo que a entidade agira com o intuito de efetivar boa contratação, “não é admissível que seja realizada uma análise de qualificação técnica com critérios não previstos no edital”. Em seu voto, o relator anuiu ao entendimento da unidade técnica, no sentido de que os elementos carreados aos autos não foram capazes de infirmar os indícios de irregularidade apontados na representação. Sendo assim, a despeito do cancelamento do aludido certame, o relator propôs, e o Plenário decidiu, considerar procedente a representação e, entre outras providências, cientificar o Sesc/DF das seguintes ocorrências identificadas no Pregão Eletrônico 44/2024, com vistas à prevenção de outras semelhantes: a) “inabilitação de licitante por desatendimento de critérios não previstos no edital, em afronta ao art. 16, inciso II, do Regulamento de Licitações e Contratos do SESC, e aos princípios da transparência e da objetividade, previstos no art. 2º, inciso I, da referida norma”; b) “ausência de parâmetros objetivos no edital para análise da comprovação da prestação de serviços pertinentes e compatíveis com o objeto licitado, contrariando os princípios da transparência, da impessoalidade e do julgamento objetivo”.
Acórdão 1998/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues.
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