A Lei 14.133/2021 não obriga a
inclusão do estudo técnico preliminar (ETP) como anexo do instrumento
convocatório, mas, caso o órgão promotor do certame considere que a divulgação
do ETP melhor embase os licitantes para sua participação no processo, não há
óbice quanto à sua publicação, desde que os riscos de informações conflitantes
com o termo de referência (TR) sejam mitigados previamente.
Representação
formulada ao TCU suscitou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico
39/2023, promovido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear/Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (CNEN/Ipen), sob a regência da Lei
14.133/2021, com vistas à contratação de “serviços
de Instalação de Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) no
Centro do Reator de Pesquisas do Ipen (CERPq) e Bloco A”. A representante
alegou, em síntese, que teria sido indevidamente inabilitada no certame pelo
suposto não atendimento a algumas exigências de qualificação técnica constantes
do Termo de Referência (TR). A despeito de concluir que, de fato, a
inabilitação fora indevida, pelas razões que apontou em sua instrução, a
unidade técnica propôs apenas cientificar a CNEN/Ipen acerca das
irregularidades constatadas no Pregão Eletrônico 39/2023, tendo em vista a “irrisória diferença de valor (R$ 1.000,00)”
entre a proposta da autora da representação e a da empresa que fora contratada
pela entidade. Em seu voto, nada obstante acolher, com ajustes de redação, as
propostas de encaminhamento formuladas pela unidade instrutiva, o relator
entendeu por bem tratar de um “relevante
aspecto” que observou no certame em análise e que, segundo ele, não fora
abordado pela representante e pela unidade técnica. Tratava-se da inclusão do
estudo técnico preliminar (ETP) como anexo do edital de licitação, assunto que
deveria ser “revisitado por esta Corte de
Contas”. Afirmou não desconhecer a existência de precedentes do TCU em que
se concluiu pela obrigatoriedade de inclusão do ETP como anexo do instrumento
convocatório, citando, nesse sentido, o Acórdão
1463/2024-TCU-Plenário, em que fora
dada ciência ao órgão jurisdicionado da seguinte impropriedade: “9.5.1. falta de publicação, junto com o
edital da licitação, dos Estudos Técnicos Preliminares, em afronta aos
princípios da publicidade e da transparência, ao Anexo V, item 2.2, alínea “a”,
da IN Seges/MPDG nº 5/2017 e aos Acórdãos 488/2019-TCU-Plenário, Relatora
Ministra Ana Arraes, e 1.414/2023-TCU-Plenário, Relator
Ministro Jorge Oliveira;”. Assinalou,
no entanto, não verificar na Lei 14.133/2021 “nenhum dispositivo que estabeleça que o estudo técnico preliminar deve
ser um anexo do edital de licitação. Ao contrário, a regulamentação federal
procedida pela Instrução Normativa Seges 58/2022 prevê, em seu art. 13, a
possibilidade de classificar o documento como sigiloso, nos termos da Lei
12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).”. Além disso, haveria dispositivo
na Lei 14.133/2021 estabelecendo a divulgação do ETP no Portal Nacional de
Contratações Públicas (PNCP) somente após a homologação do certame, nos
seguintes termos: “Art. 54. A publicidade
do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do
inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de
Contratações Públicas (PNCP). [...] § 3º Após a homologação do processo
licitatório, serão disponibilizados no Portal Nacional de Contratações Públicas
(PNCP) e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível,
também no sítio referido no § 2º deste artigo, os documentos elaborados na
fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus
anexos.” (grifos do relator). Na sequência, deixou assente que a divulgação
do ETP como anexo do edital, embora não seja expressamente vedada, “faz surgir algumas preocupações tais como:
a) o elevado risco de informações conflitantes entre o ETP e o projeto básico
ou termo de referência, já que estes artefatos de planejamento podem alterar as
soluções/especificações que foram preliminarmente delineadas no ETP ou, ainda,
complementar/detalhar tais soluções e alternativas; b) a inadequação de que
critérios de julgamento e habilitação acabem constando apenas do ETP, quando
deveriam constar do edital e/ou do termo de referência, como observado nestes
autos, induzindo os licitantes à apresentação de propostas com documentação
incompleta; c) a necessidade de revisar e compatibilizar o ETP após a
elaboração do termo de referência e/ou projeto básico no caso de estes
artefatos de planejamento modificarem alguma disposição do estudo técnico
preliminar, gerando um retrabalho desnecessário; d) o aumento potencial de
pedidos de impugnação ou esclarecimento de dúvidas baseados em informações que
estão contidas no ETP; e e) a grande quantidade de informações existentes no
ETP que não são de interesse dos potenciais concorrentes, aumentando
desnecessariamente o volume de documentos e dados a serem analisados pelos
licitantes, aumentando, por conseguinte, os custos de transação com o setor
público.”. Outrossim, ressaltou que o “último
aspecto relacionado acima” mereceria ser mais bem explicitado com base nos
treze tópicos que constam do art. 18, § 1º, da Lei 14.133/2021 (grifos do
relator): “§ 1º O estudo técnico
preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o
problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a
avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os
seguintes elementos: I - descrição da necessidade da contratação,
considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual,
sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da
Administração; III - requisitos da contratação; IV - estimativas das
quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos
documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras
contratações, de modo a possibilitar economia de escala; V - levantamento de
mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa
técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; VI -
estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários
referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que
poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o
seu sigilo até a conclusão da licitação; VII - descrição da solução como um
todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência
técnica, quando for o caso; VIII - justificativas para o parcelamento ou não da
contratação; IX - demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de
economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e
financeiros disponíveis; X - providências a serem adotadas pela
Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à
capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão
contratual; XI - contratações correlatas e/ou interdependentes; XII -
descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras,
incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como
logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando
aplicável; XIII - posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação
para o atendimento da necessidade a que se destina.”. Para ele, em
princípio, a caracterização da necessidade da contratação (art. 18, § 1º,
inciso I) não seria uma informação que interessasse ao particular, tampouco a
informação da previsão do objeto licitado no plano de contratações anual
(inciso II). O mesmo raciocínio poderia, segundo ele, ser aplicado quanto aos
incisos XI (contratações correlatas e/ou interdependentes), X (providências
internas da administração) e IX (demonstrativo de resultados pretendidos). No
caso do inciso V (análise das alternativas possíveis), considerou patente o
risco de conflitos entre o ETP e o TR, “pois
este apresentará apenas uma solução, ao passo que o primeiro analisará várias
soluções e alternativas para o atendimento ao interesso público, que estarão em
evidente contradição com o objeto delineado no TR”. Acrescentou, ainda, que
mesmo os incisos IV, VI e VII, que em tese já se referem à alternativa
escolhida no ETP, poderiam apresentar divergências em relação ao que constará
no TR, em função de mudanças supervenientes e de ulterior detalhamento das soluções
e refinamento do orçamento estimativo. Nesse ponto, frisou que o orçamento
estimativo do ETP é preliminar e serve para definir a melhor alternativa em
termos de custo-benefício, ao passo que o orçamento estimativo da contratação,
a que se refere o art. 23 da Lei 14.133/2021, detalha o valor estimado da
solução escolhida no ETP. “Dito de outra
forma”, a estimativa de valor da contratação realizada no ETP visa a
levantar o eventual gasto com a solução escolhida de modo a avaliar a
viabilidade econômica da opção. Tal estimativa, continuou ele, não se confunde
com os procedimentos e parâmetros de uma pesquisa de preço para fins de
verificação da conformidade/aceitabilidade da proposta. Com o intuito de
demonstrar as diferenças nas estimativas do valor da contratação realizadas nas
etapas do ETP e do TR, citou o enunciado 3 do Instituto Nacional da Contratação
Pública: “A estimativa do valor da
contratação constante do Estudo Técnico Preliminar, que está relacionada à
escolha da solução do que a definição de um preço de referência, não precisa
seguir estritamente todas as regras definidas pelo artigo 23 da Lei nº
14.133/2021, permitindo a opção por aferições mais simples, quando cabível.”.
Julgou também oportuno transcrever o enunciado 17, aprovado no 1º Simpósio de
Licitações e Contratos da Justiça Federal (grifos do relator): “A estimativa do valor da contratação
realizada por meio dos Estudos Técnicos Preliminares, de que trata o art. 18, §
1º, inciso VI, será, via de regra, uma análise inicial dos preços praticados
no mercado por servir unicamente à análise da autoridade competente quanto à
viabilidade econômica da contratação. De forma diferente, há uma estimativa
do valor da contratação realizada pelo setor competente do órgão, conforme o
art. 6º, inciso XXIII, ‘i’, que servirá como base à análise da aceitabilidade
das propostas na fase externa do processo licitatório e, por isso, utilizará os
parâmetros do art. 23 e seus parágrafos, combinados, sempre que possível, em
uma “cesta de preços”, priorizando os preços públicos, salvo quando, de acordo
com o Manual de Atribuições e Regulamento Interno do órgão, a obrigação recair
para o mesmo setor que estiver elaborando os Estudos Técnicos Preliminares.”.
O relator reputou importante fazer todas essas observações justamente para
evidenciar sua preocupação de que “dois
anexos distintos do instrumento convocatório (ETP e TR) possam conter
informações discordantes sobre o orçamento estimado, um dos principais
parâmetros a serem observados pelos licitantes na formulação de suas propostas”.
Com base nesses argumentos, entendeu que o TCU deveria cientificar o Ministério
da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e a Câmara Nacional de Licitações
e Contratos Administrativos (CNLCA/AGU/CGU) de que a Lei 14.133/2021 não obriga
a inclusão do ETP como um anexo do instrumento convocatório, “pois podem ser necessárias adaptações no
Sistema de Compras do Governo Federal e nas minutas padronizadas de termos de
referência produzidas pela Advocacia-Geral da União, que fazem remissão
diversas vezes aos elementos constantes do ETP”. Registrou, ademais, que
sua assessoria apurara que a publicação do ETP no PNCP só é possível de ser
operacionalizada no momento em que o instrumento convocatório é divulgado no
referido portal, o que, para ele, “acaba
indo contra o dispositivo que prevê a publicação dos documentos produzidos na
etapa preparatória somente após a homologação do certame (art. 54, § 3º)”.
E arrematou: “Portanto, o Estudo Técnico
Preliminar (ETP) constitui-se como o instrumento primordial utilizado pela
Administração Pública para orientar de maneira fundamentada a aquisição de
bens, a contratação de serviços e a execução de obras. É por meio deste
documento que se logra aferir a viabilidade ou inviabilidade da contratação ou
aquisição almejada. [...] o ETP
configura o documento inicial do planejamento de uma contratação, no qual se
identifica determinada necessidade e se descrevem as análises realizadas em
relação aos requisitos exigidos, às alternativas consideradas, às escolhas
efetuadas e aos resultados pretendidos, bem como outras características
pertinentes. Este estudo serve de alicerce para a elaboração do anteprojeto, do
termo de referência ou do projeto básico, desde que se conclua pela viabilidade
da contratação.”. Por derradeiro, enfatizou que a publicação do ETP em
conjunto com o instrumento convocatório não é obrigatória, mas, “caso a equipe de planejamento de contratação
do órgão promotor do certame considere que a divulgação do ETP melhor embase os
licitantes para sua participação no processo”, ele não veria nenhum óbice
quanto à sua publicação, desde que os riscos de informações conflitantes com o
TR fossem mitigados previamente. Concluiu não subsistir ilegalidade na
publicação do ETP, a não ser que tal documento “possua informações protegidas pelo sigilo ou sensíveis, que não devam
ser disponibilizadas ao mercado”. Destarte, a decisão pela publicação ou
não do ETP deveria ficar a cargo do órgão licitante, de acordo com as
características do objeto a ser licitado e respeitando as particularidades de
cada caso concreto. Anuindo à proposição do relator, o Plenário decidiu, entre
outras providências, cientificar o Ministério da Gestão e da Inovação em
Serviços Públicos e a Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos
(CNLCA/AGU/CGU) de que “a Lei 14.133/2021
não obriga a inclusão do ETP como um anexo do instrumento convocatório”.
Acórdão
2273/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.