segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

A Lei 14.133/2021 não obriga a inclusão do estudo técnico preliminar (ETP) como anexo do instrumento convocatório

 

A Lei 14.133/2021 não obriga a inclusão do estudo técnico preliminar (ETP) como anexo do instrumento convocatório, mas, caso o órgão promotor do certame considere que a divulgação do ETP melhor embase os licitantes para sua participação no processo, não há óbice quanto à sua publicação, desde que os riscos de informações conflitantes com o termo de referência (TR) sejam mitigados previamente.

Representação formulada ao TCU suscitou possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 39/2023, promovido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear/Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (CNEN/Ipen), sob a regência da Lei 14.133/2021, com vistas à contratação de “serviços de Instalação de Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) no Centro do Reator de Pesquisas do Ipen (CERPq) e Bloco A”. A representante alegou, em síntese, que teria sido indevidamente inabilitada no certame pelo suposto não atendimento a algumas exigências de qualificação técnica constantes do Termo de Referência (TR). A despeito de concluir que, de fato, a inabilitação fora indevida, pelas razões que apontou em sua instrução, a unidade técnica propôs apenas cientificar a CNEN/Ipen acerca das irregularidades constatadas no Pregão Eletrônico 39/2023, tendo em vista a “irrisória diferença de valor (R$ 1.000,00)” entre a proposta da autora da representação e a da empresa que fora contratada pela entidade. Em seu voto, nada obstante acolher, com ajustes de redação, as propostas de encaminhamento formuladas pela unidade instrutiva, o relator entendeu por bem tratar de um “relevante aspecto” que observou no certame em análise e que, segundo ele, não fora abordado pela representante e pela unidade técnica. Tratava-se da inclusão do estudo técnico preliminar (ETP) como anexo do edital de licitação, assunto que deveria ser “revisitado por esta Corte de Contas”. Afirmou não desconhecer a existência de precedentes do TCU em que se concluiu pela obrigatoriedade de inclusão do ETP como anexo do instrumento convocatório, citando, nesse sentido, o Acórdão 1463/2024-TCU-Plenário, em que fora dada ciência ao órgão jurisdicionado da seguinte impropriedade: “9.5.1. falta de publicação, junto com o edital da licitação, dos Estudos Técnicos Preliminares, em afronta aos princípios da publicidade e da transparência, ao Anexo V, item 2.2, alínea “a”, da IN Seges/MPDG nº 5/2017 e aos Acórdãos 488/2019-TCU-Plenário, Relatora Ministra Ana Arraes, e 1.414/2023-TCU-Plenário, Relator Ministro Jorge Oliveira;”. Assinalou, no entanto, não verificar na Lei 14.133/2021 “nenhum dispositivo que estabeleça que o estudo técnico preliminar deve ser um anexo do edital de licitação. Ao contrário, a regulamentação federal procedida pela Instrução Normativa Seges 58/2022 prevê, em seu art. 13, a possibilidade de classificar o documento como sigiloso, nos termos da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação).”. Além disso, haveria dispositivo na Lei 14.133/2021 estabelecendo a divulgação do ETP no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) somente após a homologação do certame, nos seguintes termos: “Art. 54. A publicidade do edital de licitação será realizada mediante divulgação e manutenção do inteiro teor do ato convocatório e de seus anexos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). [...] § 3º Após a homologação do processo licitatório, serão disponibilizados no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível, também no sítio referido no § 2º deste artigo, os documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos.” (grifos do relator). Na sequência, deixou assente que a divulgação do ETP como anexo do edital, embora não seja expressamente vedada, “faz surgir algumas preocupações tais como: a) o elevado risco de informações conflitantes entre o ETP e o projeto básico ou termo de referência, já que estes artefatos de planejamento podem alterar as soluções/especificações que foram preliminarmente delineadas no ETP ou, ainda, complementar/detalhar tais soluções e alternativas; b) a inadequação de que critérios de julgamento e habilitação acabem constando apenas do ETP, quando deveriam constar do edital e/ou do termo de referência, como observado nestes autos, induzindo os licitantes à apresentação de propostas com documentação incompleta; c) a necessidade de revisar e compatibilizar o ETP após a elaboração do termo de referência e/ou projeto básico no caso de estes artefatos de planejamento modificarem alguma disposição do estudo técnico preliminar, gerando um retrabalho desnecessário; d) o aumento potencial de pedidos de impugnação ou esclarecimento de dúvidas baseados em informações que estão contidas no ETP; e e) a grande quantidade de informações existentes no ETP que não são de interesse dos potenciais concorrentes, aumentando desnecessariamente o volume de documentos e dados a serem analisados pelos licitantes, aumentando, por conseguinte, os custos de transação com o setor público.”. Outrossim, ressaltou que o “último aspecto relacionado acima” mereceria ser mais bem explicitado com base nos treze tópicos que constam do art. 18, § 1º, da Lei 14.133/2021 (grifos do relator): “§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração; III - requisitos da contratação; IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; VI - estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação; VII - descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso; VIII - justificativas para o parcelamento ou não da contratação; IX - demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis; X - providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual; XI - contratações correlatas e/ou interdependentes; XII - descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável; XIII - posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.”. Para ele, em princípio, a caracterização da necessidade da contratação (art. 18, § 1º, inciso I) não seria uma informação que interessasse ao particular, tampouco a informação da previsão do objeto licitado no plano de contratações anual (inciso II). O mesmo raciocínio poderia, segundo ele, ser aplicado quanto aos incisos XI (contratações correlatas e/ou interdependentes), X (providências internas da administração) e IX (demonstrativo de resultados pretendidos). No caso do inciso V (análise das alternativas possíveis), considerou patente o risco de conflitos entre o ETP e o TR, “pois este apresentará apenas uma solução, ao passo que o primeiro analisará várias soluções e alternativas para o atendimento ao interesso público, que estarão em evidente contradição com o objeto delineado no TR”. Acrescentou, ainda, que mesmo os incisos IV, VI e VII, que em tese já se referem à alternativa escolhida no ETP, poderiam apresentar divergências em relação ao que constará no TR, em função de mudanças supervenientes e de ulterior detalhamento das soluções e refinamento do orçamento estimativo. Nesse ponto, frisou que o orçamento estimativo do ETP é preliminar e serve para definir a melhor alternativa em termos de custo-benefício, ao passo que o orçamento estimativo da contratação, a que se refere o art. 23 da Lei 14.133/2021, detalha o valor estimado da solução escolhida no ETP. “Dito de outra forma”, a estimativa de valor da contratação realizada no ETP visa a levantar o eventual gasto com a solução escolhida de modo a avaliar a viabilidade econômica da opção. Tal estimativa, continuou ele, não se confunde com os procedimentos e parâmetros de uma pesquisa de preço para fins de verificação da conformidade/aceitabilidade da proposta. Com o intuito de demonstrar as diferenças nas estimativas do valor da contratação realizadas nas etapas do ETP e do TR, citou o enunciado 3 do Instituto Nacional da Contratação Pública: “A estimativa do valor da contratação constante do Estudo Técnico Preliminar, que está relacionada à escolha da solução do que a definição de um preço de referência, não precisa seguir estritamente todas as regras definidas pelo artigo 23 da Lei nº 14.133/2021, permitindo a opção por aferições mais simples, quando cabível.”. Julgou também oportuno transcrever o enunciado 17, aprovado no 1º Simpósio de Licitações e Contratos da Justiça Federal (grifos do relator): “A estimativa do valor da contratação realizada por meio dos Estudos Técnicos Preliminares, de que trata o art. 18, § 1º, inciso VI, será, via de regra, uma análise inicial dos preços praticados no mercado por servir unicamente à análise da autoridade competente quanto à viabilidade econômica da contratação. De forma diferente, há uma estimativa do valor da contratação realizada pelo setor competente do órgão, conforme o art. 6º, inciso XXIII, ‘i’, que servirá como base à análise da aceitabilidade das propostas na fase externa do processo licitatório e, por isso, utilizará os parâmetros do art. 23 e seus parágrafos, combinados, sempre que possível, em uma “cesta de preços”, priorizando os preços públicos, salvo quando, de acordo com o Manual de Atribuições e Regulamento Interno do órgão, a obrigação recair para o mesmo setor que estiver elaborando os Estudos Técnicos Preliminares.”. O relator reputou importante fazer todas essas observações justamente para evidenciar sua preocupação de que “dois anexos distintos do instrumento convocatório (ETP e TR) possam conter informações discordantes sobre o orçamento estimado, um dos principais parâmetros a serem observados pelos licitantes na formulação de suas propostas”. Com base nesses argumentos, entendeu que o TCU deveria cientificar o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e a Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA/AGU/CGU) de que a Lei 14.133/2021 não obriga a inclusão do ETP como um anexo do instrumento convocatório, “pois podem ser necessárias adaptações no Sistema de Compras do Governo Federal e nas minutas padronizadas de termos de referência produzidas pela Advocacia-Geral da União, que fazem remissão diversas vezes aos elementos constantes do ETP”. Registrou, ademais, que sua assessoria apurara que a publicação do ETP no PNCP só é possível de ser operacionalizada no momento em que o instrumento convocatório é divulgado no referido portal, o que, para ele, “acaba indo contra o dispositivo que prevê a publicação dos documentos produzidos na etapa preparatória somente após a homologação do certame (art. 54, § 3º)”. E arrematou: “Portanto, o Estudo Técnico Preliminar (ETP) constitui-se como o instrumento primordial utilizado pela Administração Pública para orientar de maneira fundamentada a aquisição de bens, a contratação de serviços e a execução de obras. É por meio deste documento que se logra aferir a viabilidade ou inviabilidade da contratação ou aquisição almejada. [...] o ETP configura o documento inicial do planejamento de uma contratação, no qual se identifica determinada necessidade e se descrevem as análises realizadas em relação aos requisitos exigidos, às alternativas consideradas, às escolhas efetuadas e aos resultados pretendidos, bem como outras características pertinentes. Este estudo serve de alicerce para a elaboração do anteprojeto, do termo de referência ou do projeto básico, desde que se conclua pela viabilidade da contratação.”. Por derradeiro, enfatizou que a publicação do ETP em conjunto com o instrumento convocatório não é obrigatória, mas, “caso a equipe de planejamento de contratação do órgão promotor do certame considere que a divulgação do ETP melhor embase os licitantes para sua participação no processo”, ele não veria nenhum óbice quanto à sua publicação, desde que os riscos de informações conflitantes com o TR fossem mitigados previamente. Concluiu não subsistir ilegalidade na publicação do ETP, a não ser que tal documento “possua informações protegidas pelo sigilo ou sensíveis, que não devam ser disponibilizadas ao mercado”. Destarte, a decisão pela publicação ou não do ETP deveria ficar a cargo do órgão licitante, de acordo com as características do objeto a ser licitado e respeitando as particularidades de cada caso concreto. Anuindo à proposição do relator, o Plenário decidiu, entre outras providências, cientificar o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e a Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos (CNLCA/AGU/CGU) de que “a Lei 14.133/2021 não obriga a inclusão do ETP como um anexo do instrumento convocatório”.

Acórdão 2273/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.