terça-feira, 25 de maio de 2021

SUCESSÃO FRAUDULENTA

Quando os administradores de determinada empresa, em razão de ela se encontrar na iminência de sofrer sanção administrativa restritiva de direito, transferem o seu acervo técnico a outra empresa do mesmo grupo econômico com o objetivo específico de continuar as atividades da primeira, resta caracterizada a hipótese de sucessão fraudulenta, cabendo estender à sucessora os efeitos da penalidade aplicada à sucedida.

Representação formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão 35/2017, realizado pela Superintendência de Administração do Ministério da Fazenda no Distrito Federal, cujo objeto era a contratação de empresa para a “prestação de serviços de manutenção preventiva, preditiva e corretiva das instalações e equipamentos dos sistemas prediais, bem como de serviços eventuais por demanda, nos Edifícios do Ministério da Fazenda, em Brasília/DF”. Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque suposta fraude à licitação, consistente no fato de a empresa vencedora ter-se valido, para fins de habilitação, do acervo técnico que lhe fora transferido por outra empresa, do mesmo grupo econômico, apenada pelo TCU com a declaração de inidoneidade prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992. Em seu voto, o relator destacou que, no caso concreto, a empresa vencedora utilizou acervo técnico transferido por sociedade empresária que, à época da transferência, a despeito de praticar atos ilícitos revelados com a Operação Lava-Jato, ainda não havia sido apenada no âmbito do TCU. Na sequência, enfatizou que a jurisprudência do Tribunal sinaliza que são considerados fraudulentos atos praticados depois da aplicação da penalidade restritiva de direito, os quais indicam o intento de burlar a aplicação da sanção administrativa. Nada impede, contudo, ponderou o relator, que a fraude ocorra antes da imputação da penalidade, quando os sócios/administradores, cientes dos ilícitos cometidos e das consequências potencialmente daí advindas, “procurem se resguardar esvaziando a empresa utilizada para o cometimento dos ilícitos e operacionalizando uma outra sem as máculas da anterior”. Entendimento diverso, prosseguiu o relator, estimularia sobremaneira a impunidade e a prática de ilícitos, pois bastaria determinada pessoa jurídica cometer uma série de fraudes em licitações e, na sequência, antes mesmo de qualquer início de apuração dos fatos, transferir suas atividades para uma sucessora, a qual estaria imune à persecução estatal. Na situação em tela, ao iniciar-se o procedimento sucessório entre as empresas, “os dirigentes do grupo tinham conhecimento de que o esquema criminoso do qual participaram havia sido descoberto, de forma que seria iminente a aplicação de penalidades à empresa utilizada para as fraudes”. Para o relator, “pouco importa se os atos que permitiram a empresa da holding se habilitar a participar de licitações (transferência do acervo técnico) foram praticados antes ou depois da declaração de inidoneidade”, bastando que “fique evidenciado que os tais atos de fraude tenham sido praticados de forma intencional, no âmbito de um cenário que permitia deduzir que a empresa iria se inviabilizar em razão das persecuções que estavam sendo realizadas no âmbito estatal”. Nesse contexto, configurada a fraude sucessória, o Plenário decidiu, anuindo ao entendimento do relator, declarar, com base no art. 46 da Lei 8.443/1992, que a sanção de inidoneidade aplicada à empresa sucedida, “mediante os Acórdãos Plenário 300/2018 e 825/2018”, estende-se à empresa sucessora, vencedora do Pregão 35/2017.

Acórdão 1246/2020 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.