Quando os administradores de
determinada empresa, em razão de ela se encontrar na iminência de sofrer
sanção administrativa restritiva de direito, transferem o seu acervo técnico a
outra empresa do mesmo grupo econômico com o objetivo específico de continuar
as atividades da primeira, resta caracterizada a hipótese de sucessão
fraudulenta, cabendo estender à sucessora os efeitos da penalidade aplicada à
sucedida.
Representação
formulada ao TCU apontou possíveis irregularidades no Pregão 35/2017, realizado
pela Superintendência de Administração do Ministério da Fazenda no Distrito
Federal, cujo objeto era a contratação de empresa para a “prestação de serviços de manutenção preventiva, preditiva e corretiva
das instalações e equipamentos dos sistemas prediais, bem como de serviços
eventuais por demanda, nos Edifícios do Ministério da Fazenda, em Brasília/DF”.
Entre as irregularidades suscitadas, mereceu destaque suposta fraude à
licitação, consistente no fato de a empresa vencedora ter-se valido, para fins
de habilitação, do acervo técnico que lhe fora transferido por outra empresa,
do mesmo grupo econômico, apenada pelo TCU com a declaração de inidoneidade
prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992. Em seu voto, o relator destacou que, no
caso concreto, a empresa vencedora utilizou acervo técnico transferido por
sociedade empresária que, à época da transferência, a despeito de praticar atos
ilícitos revelados com a Operação Lava-Jato, ainda não havia sido apenada no
âmbito do TCU. Na sequência, enfatizou que a jurisprudência do Tribunal
sinaliza que são considerados fraudulentos atos praticados depois da aplicação
da penalidade restritiva de direito, os quais indicam o intento de burlar a
aplicação da sanção administrativa. Nada impede, contudo, ponderou o relator,
que a fraude ocorra antes da imputação da penalidade, quando os
sócios/administradores, cientes dos ilícitos cometidos e das consequências
potencialmente daí advindas, “procurem se
resguardar esvaziando a empresa utilizada para o cometimento dos ilícitos e
operacionalizando uma outra sem as máculas da anterior”. Entendimento
diverso, prosseguiu o relator, estimularia sobremaneira a impunidade e a
prática de ilícitos, pois bastaria determinada pessoa jurídica cometer uma
série de fraudes em licitações e, na sequência, antes mesmo de qualquer início
de apuração dos fatos, transferir suas atividades para uma sucessora, a qual
estaria imune à persecução estatal. Na situação em tela, ao iniciar-se o
procedimento sucessório entre as empresas, “os
dirigentes do grupo tinham conhecimento de que o esquema criminoso do qual
participaram havia sido descoberto, de forma que seria iminente a aplicação de
penalidades à empresa utilizada para as fraudes”. Para o relator, “pouco importa se os atos que permitiram a
empresa da holding se habilitar a participar de licitações (transferência do
acervo técnico) foram praticados antes ou depois da declaração de inidoneidade”,
bastando que “fique evidenciado que os
tais atos de fraude tenham sido praticados de forma intencional, no âmbito de
um cenário que permitia deduzir que a empresa iria se inviabilizar em razão das
persecuções que estavam sendo realizadas no âmbito estatal”. Nesse
contexto, configurada a fraude sucessória, o Plenário decidiu, anuindo ao
entendimento do relator, declarar, com base no art. 46 da Lei 8.443/1992, que a
sanção de inidoneidade aplicada à empresa sucedida, “mediante os Acórdãos Plenário 300/2018 e 825/2018”,
estende-se à empresa sucessora, vencedora do Pregão 35/2017.
Acórdão
1246/2020 Plenário, Representação, Relator Ministro Benjamin Zymler.