quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Café


GRUPO I – CLASSE VII – Plenário
TC 030.216/2013-3
Natureza: Representação
Órgão: Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
Interessada: Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele-EPP (06.985.398/0001-49)
Advogado constituído nos autos: não há
 
SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES EM PREGÃO ELETRÔNICO. SOLICITAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. OITIVA PRÉVIA. CERTAME SUSPENSO PELO PRÓPRIO ÓRGÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO ACAUTELATÓRIO. ESCLARECIMENTOS SUFICIENTES PARA AFASTAR PARTE DAS IRREGULARIDADES SUSCITADAS. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA RESTRITIVA AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO EDITAL. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA.
 
RELATÓRIO
 
Adoto, como parte integrante deste relatório, a instrução produzida no âmbito da Secex-SP, pelo Auditor Vítor Menezes Santana, vazada nos seguintes termos:
1.      Cuidam os autos de representação encaminhada pela empresa Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, pela qual informa a ocorrência de indícios de violação dos princípios básicos da razoabilidade, da economicidade e da igualdade entre outros princípios fundamentais da licitação pública nos Pregões Eletrônicos 60/2013 e 90/2013, promovidos, respectivamente pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. (peça 1)
2.      Cumpre informar que a referida empresa ingressou com duas representações no TCU. A primeira que trata do Pregão Eletrônico 60/2013 está sendo analisada nos presentes autos, enquanto que em relação ao Pregão Eletrônico 90/2013 do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, os fatos apresentados pela representante estão sendo tratados nos autos do TC 030.288/2013-4, os quais serão examinados pela Secex-MG.
3.      O objeto do Pregão Eletrônico 60/2013 consiste no Registro de Preço para a aquisição de açúcar, adoçante e café.
4.      Com relação ao produto “café”, a representante questiona a exigência contida no edital, qual seja: qualidade mínima aceitável de 5,5 pontos na escala sensorial de zero a dez do lote entregue. 
5.      Segundo a representante, a exigência acima contraria a disposição contida no art.3º, caput e § 1º, e no art. 44, § 1º da Lei 8.666/1992 e também no art.3º, inciso II, da Lei 10.520/2002. Por fim, a empresa Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP requer deste Tribunal a suspensão da licitação e apuração dos fatos.
 
 
HISTÓRICO
6.      A instrução anterior propôs a oitiva prévia do órgão, o que foi autorizado por despacho do Relator (peça 8). O órgão respondeu (conteúdo à peça 13), informando que a licitação havia sido suspensa, e só seria retomada após decisão de mérito no presente processo.
EXAME DE ADMISSIBILIDADE
7.      Inicialmente, deve-se registrar que a representação preenche os requisitos de admissibilidade constantes no art. 235 do Regimento Interno do TCU. A matéria é de competência do Tribunal, refere-se a responsável sujeito a sua jurisdição, está redigida em linguagem clara e objetiva, e contém nome legível, qualificação e endereço do representante, e está acompanhada do indício concernente à irregularidade ou ilegalidade.
8.      Acrescenta-se que a empresa possui legitimidade para representar ao Tribunal, consoante disposto no inciso VII do art. 237 do RI/TCU c/c o art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993.
9.      Dessa forma, a representação poderá ser apurada, para fins de comprovar a sua procedência, nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do Regimento Interno do TCU, aplicável às representações de acordo com o parágrafo único do art. 237 do mesmo RI/TCU.
EXAME TÉCNICO
Exigência de laudo ser emitido por laboratório credenciado pela REBLAS
10.    O primeiro questionamento da representante é sobre a ilegalidade de se exigir que o laudo atestando a qualidade do café seja emitido por laboratório credenciado pela REBLAS.
11.    No entanto, não foi localizada qualquer cláusula do edital que trouxesse tal exigência. O item 2.1.1. estabelece apenas que o laudo será emitido por laboratório credenciado junto aos órgãos competentes, sem falar quais são tais órgãos.
12.    Em consulta à representante, via e-mail, para esclarecer tal item, obteve-se a seguinte resposta:
Resposta: a representação se refere ao PREGÃO ELETRÔNICO 90/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS e do PREGÃO ELETRÔNICO 60/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO. Sobre o Pregão Eletrônico 60/2013, conduzido pelo TRE/SP o questionamento é referente a escala do café e não sobre o credenciamento da REBLAS, o questionamento da REBLAS é feito somente no caso do PREGÃO ELETRÔNICO 90/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS.
13.    Portanto, verifica-se que tal questionamento foi transcrito por engano no presente processo, referindo-se apenas ao pregão do TRE-MG.
14.    Propõe-se afastar o questionamento.
Exigência quanto à escala do café.
15.    Iniciamos reproduzindo a explanação sobre a análise sensorial do café (peça 1, p. 2):
As análises sensoriais são análises realizadas por degustadores especializados aos quais verificam através de degustação o aroma, acidez, amargor, sabor, adstringência, corpo entre outras análises do produto café para que após em escala seja verificado a Qualidade Global do produto sendo este classificado nas categorias de tradicional, superior e gourmet.
As escalas variam de 4,5 a 5,9 para café tradicional; 6,0 a 7,2 para café superior e 7,3 a 10,00 para café gourmet.
(...)
A análise sensorial é considerada uma análise complexa por se tratar de paladar e não de química e o prazo dado para que a INSTRUAO NORMATIVA No- 16, DE 24 DE MAIO DE 2010 entrasse em vigor não foi o suficiente para que  os laboratórios se enquadrassem a este novo regulamento, sendo assim, o MAPA através da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº-6, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011, estabeleceu que a análise sensorial do café torrado em grão e café torrado e moído, disposta na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº- 16, DE 24 DE MAIO DE 2010, somente seria exigida após 24 (vinte e quatro) meses a partir da publicação INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº-6, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011.
Por ser uma análise complexa, o diferencial de escala de um laboratório para outro do mesmo lote do produto café chega a variar de ate 0,6 prejudicando assim, as empresas nos processos licitatórios, pois as empresas apresentam um tipo de café e quando o Órgao encaminha amostra do produto para um laboratório diferente do laboratório ao qual a empresa havia encaminhado as amostras apresentadas, a escala do café é outra. (anexos III, IV e V)
16.    A representante prossegue relatando que a IN 16/2010 foi revogada. Relata que os laboratórios não conseguiram se enquadrar no novo regulamento, não havendo hoje sequer um laboratório credenciado pela Reblas/Anvisa.
17.    Neste cenário, seria uma exigência desarrazoada estipular uma faixa tão estreita para o café desejado – de 5,5 a 6. O certo seria estipular a classificação desejada – tradicional, superior ou gourmet. Há uma variação natural de avaliação, conforme os diferentes laboratórios que analisam o produto.
As empresas estão sendo prejudicadas da seguinte forma: Estas enviam uma amostra de seu café para um laboratório para realização de análise sensorial, no resultado desta verifica-se que o café é tradicional escala 5,5, então a empresa participa de um processo licitatório que esteja solicitando a escala de no mínimo 5,5 café tradicional, ao ser classificada em primeiro lugar a empresa encaminha uma amostra do mesmo lote ao qual já foi realizada análise para o órgão para que assim este encaminhe para laboratório, só que o órgão encaminha esta amostra para outro laboratório e como está tendo um diferencial de aproximadamente 0,6 na escala do café de um laboratório para o outro o resultado poderá dar completamente diferente do apresentado pela empresa ao órgão (5,5 + 0,6 = 6,1 passa de café tradicional para superior), ocorrendo assim, sua inabilitação.
18.    Acrescenta que, se o contrato está assinado e tal variação é constatada, a empresa ainda é penalizada com multa.
Manifestação do contratante
19.    O contratante confirma que o café tradicional corresponde à faixa 4,5 – 6. Contudo, por experiência própria do órgão, o valor 4,5 não é aceitável (cita contratos anteriores em que houve problemas com tal tipo de café).
20.    Também em casos anteriores tiveram bons resultados com cafés de nota 5,5, o que foi considerado então um patamar aceitável.
21.    Resumidamente, a definição do valor mínimo de 5,5 veio a partir de experiências anteriores do órgão com antigos fornecedores.
Análise
22.    O Programa de Qualidade do Café foi instituído pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC) como uma diretriz para orientar as aquisições de café (vide site http://www.abic.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=15).
23.    Como sobredito, o café tradicional corresponde à faixa 4,5 – 6. O TRE-SP, no entanto, não aceita café com nota inferior a 5,5.
24.    Dada a variabilidade normal que se espera entre avaliadores diferentes, e dado o risco de uma punição por uma diferença mínima na nota, foi feita consulta à Comissão de Licitação sobre a aceitabilidade de um café superior (nota acima de 6). Com isso, o licitante evitaria o risco de ser prejudicado por enviar um café de nota exatamente igual a 5,5 que, numa segunda avaliação, poderia ser considerado como 5,4, gerando-lhe prejuízos.
25.    O contratante não aceitou tal oferta, conforme se verifica da resposta à consulta (peça 3, p. 25).
Escala da análise sensorial do café vai de 0 a 10, sendo 4.5 a 5.9 café tradicional, 6.0 a 7.2 café superior, 7.3 a 10.0 café gourmet, a solicitação nesse pregão é que o café seja com escala mínima de 5.5 pontos tipo tradicional
Conforme solicitação, o fornecedor fica com uma margem muita pequena na escala, ou seja, de 5.5 a 5.9, correndo assim o risco de seu produto ser rejeitado em uma análise quando der por exemplo a nota acima de 5.0 até 5.4, ou seja um café bom com o risco de ser rejeitado pelo órgão, por uma pequena diferença na escala, ou até mesmo que se tenha um café superior com nota 6.0 acima e o mesmo também ser rejeitado por não estar na escala de café tradicional.
Perguntamos:
podemos entregar o laudo de café superior? com o compromisso de entregar o café quando da entrega definitiva do produto com as mesmas características do laudo apresentado, pois as análises são muito subjetivas, dando diferenças grandes de um mesmo lote de café quando da análise em um mesmo laboratório ou quando em laboratórios diferentes.
RESPOSTA:
Não. A especificação do café visa adquirir um produto de melhor qualidade, dentro da categoria "tradicional". Cafés da categoria "superior" tiveram autos índices de rejeição por parte dos consumidores internos desta regional em razão da forma utilizada por este Tribunal para produção da bebida, que faz com que este tipo de café perca suas propriedades.
Assim, ofertas de produtos ou laudos que indiquem a oferta de café tipo "superior" terão as respectivas propostas desclassificadas.
26.    Deste modo, os licitantes ficam presos a uma faixa restrita, de notas variando de 5,5 a 6.
27.    Como sobredito, a análise do café é subjetiva, feita por degustação de especialistas. Deste modo, é natural esperar uma variabilidade entre qualificações diferentes, realizadas entre diferentes laboratórios, ou até mesmo dentro de um laboratório.
28.    Tomando um caso extremo, se o edital de licitação previsse que seriam aceitos exclusivamente cafés com nota exatamente igual a 5,5, ficaria claro o rigor excessivo da exigência. Não seriam admitidas notas como 5,4 ou como 5,6. Esperar tanta precisão e exatidão para avaliações subjetivas, ainda que de especialistas, não seria razoável.
29.    Resta saber o que é uma tolerância razoável.
30.    Inicialmente, sem fazer qualquer cálculo, parte-se do seguinte raciocínio. Se foram definidas faixas para o café, espera-se que a maior parte dos avaliadores concordem, no mínimo, quanto à classificação geral do café (tradicional, superior, gourmet), ainda que difiram no valor da nota. As faixas possuem amplitudes justamente para dar conta da variabilidade normal entre diferentes avaliadores.
31.    Se a faixa original prevista pela Associação Brasileira da Indústrica do Café (ABIC) para o café tradicional tem amplitude de 1,5 (diferença entre 6 e 4,5), espera-se que esta seja a amplitude de segurança para que diferentes avaliações concordem quanto ao tipo do café. Numa primeira análise, é, portanto, desarrazoado diminuir tal amplitude, sendo desproporcional a limitação feita no edital.
32.    O fato de os próprios laudos apresentarem a “margem de erro” de suas avaliações, ou mais tecnicamente, o desvio padrão, reforça que é normal esperar uma variabilidade entre diferentes avaliadores.
33.    Na busca de um aprofundamento sobre a “margem de erro”, entrou-se em contato telefônico com os laboratórios para esclarecer como é calculado o desvio padrão informado em cada laudo. No entanto, não se obteve sucesso em detalhar como tais valores foram calculados. Os técnicos responsáveis pelo atendimento pareciam ignorar que há várias formas de cálculo de um desvio padrão, dependendo da utilidade desejada e da variável em estudo.
34.    A título de exemplo, se um laudo indica desvio padrão de 0,5, não está claro se tal valor se refere à dispersão entre avaliações, ou à dispersão do estimador da média amostral, também conhecida como erro padrão. Estes são apenas os dois desvios padrão mais usuais em estatística, sendo possível listar vários outros. 
35. Sem poder então  analisar  cada  laudo  isoladamente, solicitou-se  à   representante, via e-mail, uma quantidade maior de laudos, que foram juntados à peça 14.
36.    Os laudos apresentados pela representante demonstram que uma amplitude de apenas 0,5, fixada pelo edital, é extremamente reduzida.
37.    Para o café torrado e moído Fino Superior, vácuo puro, fabricado no dia 29/10/2013, e válido até 29/4/2015, os laudos indicam:
a)      ITAL: 5,7 (peça 14, p. 2);
b)      Bolsa de Cereais de SP: 6,1 (peça 14, p. 10)
38.    Observa-se uma variação de 0,4 pontos entre dois laudos, o que resultou, inclusive, na alteração da classificação (tradicional para o ITAL, superior para a Bolsa de Cereais de SP).
39.    Para o café torrado e moído Fino Superior, vácuo puro, fabricado no dia 13/2/2012, e válido até 13/8/2013, os laudos indicam:
a)      Lab Carvalhães: 6,03 (peça 14, p. 6);
b)      Cerelab: 6,6 (peça 14, p. 12)
c)      ITAL: 6,1 (peça 14, p. 22)
d)      Quinosan: 7,0 (peça 14, p. 29)
40.    Aqui a variação foi ainda maior, chegando a 0,97.
41.    Por fim, fizeram-se cálculos adicionais, a partir de hipóteses conservadoras. O resultado dos cálculos está à peça 15 e será resumido a seguir.
42.    O café é tradicional quando sua nota de qualidade está na faixa de 4,5 a 6.
43.    Hipoteticamente, considere-se um café tal que, se fosse avaliado por todos os especialistas do mercado, teria nota igual a 5,25, justamente o centro da faixa. Vamos chamar tal nota de “nota real” do café, ou seja, a nota “verdadeira”, aquela que seria obtida se todos os especialistas fossem ouvidos.
44.    Considere-se ainda que, quando a nota real está no centro da faixa tradicional, todos os especialistas sempre acertam a faixa. Ou seja, se um café é tradicional com nota 5,25, todos os especialistas sempre o classificam como tradicional. Isso significa que, sendo a nota “verdadeira” igual a 5,25, não haveria especialista dando nota inferior a 4,5, nem superior a 6.
45.    Por fim, considere-se que, para um café com nota “verdadeira” igual a 5,25, as notas dadas pelos especialistas variam uniformemente ao longo da faixa correta. Ou seja, as notas têm distribuição uniforme no intervalo entre 4,5 e 6.
46.    Com isso, modelamos as notas dadas pelos especialistas como uma variável aleatória uniforme no intervalo de 4,5 a 6.
47.    Foi suposto ainda que as avaliações são feitas por grupos de 7 avaliadores, como é o caso dos laudos apresentados pelo ITAL. Isto permitiu calcular a dispersão da média amostral para 7 avaliadores como sendo igual a 0,164, aproximadamente.
48.    Supondo que a mesma dispersão valha para qualquer outro café (ou seja, mesmo para cafés fora do ponto central da faixa tradicional, correspondente a 5,25), tem-se que, se um café tem nota “verdadeira” de 5,75 (centro da faixa estabelecido pelo TRE-SP), a chance de ele ser indevidamente desclassificado é de cerca de 13%. Observe-se que tal probabilidade foi conseguida partindo-se de hipóteses aparentemente conservadoras:
a)      supusemos que, para um café no centro da faixa tradicional, um especialista nunca erra de faixa;
b)      o café avaliado tem nota 5,75, exatamente no centro da faixa desejado pelo órgão; trata-se justamente do café com mais chance de ser aceito;
49.    Mesmo com estas hipóteses conservadoras, em 13% dos casos rejeitam-se cafés que atenderiam à exigência do edital.
50.    Evidentemente, se hipóteses menos conservadoras forem feitas, como a de que o café avaliado está próximo de um dos limites (exemplo: 5,9), mais fácil fica rejeitá-lo.
51.    Deste modo, conclui-se ser restritiva a cláusula que fixa a nota do café no intervalo de 5,5 a 6. Tal cláusula ainda apresenta risco à segurança jurídica, eis que um café aprovado em determinado laudo pode vir a ser reprovado num laudo subsequente, mesmo que se trate do caso de o fornecedor entregar um café de qualidade superior ao exigido na licitação.
CONCLUSÃO
52.    Quanto à medida cautelar, não há perigo na demora, eis que o órgão informou estar suspenso o certame. Além disso, o processo já se encontra em condições de receber julgamento de mérito.
53.    Quanto ao mérito, será proposto determinar que o órgão republique o edital, corrigindo a cláusula que delimita a faixa para a qualidade do café. É aceitável que o órgão trabalhe com as escalas originais criadas pela ABIC (tradicional, superior ou gourmet), ou então que fixe apenas um valor mínimo, sem limitar o máximo aceitável. Tanto em um caso quanto em outro, garante-se uma amplitude mínima de variação entre as avaliações de diferentes laboratórios.
PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
54.    Submetem-se os autos à consideração superior, propondo:
a)      conhecer da presente representação, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, inciso VII, do Regimento Interno deste Tribunal c/c o art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993;
b)      indeferir o pedido de medida cautelar, tendo em vista que o certame já se encontra suspenso, não havendo perigo na demora;
c)      considerar parcialmente procedente a representação (improcedente no que se refere à restrição de laudo emitido  por entidade credenciada junto à Reblas e procedente no que se refere à limitação da faixa para a nota de qualidade do café);
d)      determinar ao TRE-SP que republique o edital de Pregão Eletrônico 60/2013 sem limitar a nota do café ao intervalo de 5,5 a 6,0 na escala sensorial; o órgão, se adotar a escala sensorial definida pela ABIC, deve seguir suas faixas originais (tradicional, superior e gourmet), ou fixar um valor mínimo, sem delimitar o valor máximo, de modo a não restringir indevidamente a amplitude aceitável para a nota final do café;
e)      determinar ao TRE-SP que, no prazo de 90 dias, contados da notificação do Acórdão, dê ciência a este TCU quanto às medidas adotadas;
f)       notificar o representante da decisão.”
2.                O Diretor da 1ª DT e a Secretária-Substituta da Secex-SP manifestaram-se de acordo com a instrução.
                   É o relatório.
 
VOTO
 
Trata-se de representação formulada pela empresa Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, apontando possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico nº 60/2013, promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) com vistas ao registro de preços para aquisição de açúcar, adoçante e café.
2.                Especificamente com relação ao produto “café”, a representante questionou a exigência editalícia consistente na “qualidade mínima aceitável de 5,5 pontos na escala sensorial de zero a dez do lote entregue”. E acerca da análise sensorial do café, ofereceu os seguintes elementos:
As análises sensoriais são análises realizadas por degustadores especializados aos quais verificam através de degustação o aroma, acidez, amargor, sabor, adstringência, corpo entre outras análises do produto café para que após em escala seja verificado a Qualidade Global do produto sendo este classificado nas categorias de tradicional, superior e gourmet.
(...) Por ser uma análise complexa, o diferencial de escala de um laboratório para outro do mesmo lote do produto café chega a variar de até 0,6 prejudicando assim, as empresas nos processos licitatórios, pois as empresas apresentam um tipo de café e quando o Órgão encaminha amostra do produto para um laboratório diferente do laboratório ao qual a empresa havia encaminhado as amostras apresentadas, a escala do café é outra. (...).” (grifei)
3.                Nesse cenário, segundo a representante, seria desarrazoado estipular faixa tão estreita para o café desejado, qual seja, de 5,5 a 6. Para ela, o correto seria estabelecer tão somente a classificação desejada – tradicional, superior ou gourmet –, tendo em vista haver uma variação natural de avaliação, conforme os diferentes laboratórios que analisam o produto.
4.                Manifesto-me de acordo com os fundamentos expendidos na instrução produzida pela Secex-SP, adotando-os, desde já, como minhas razões de decidir, sem prejuízo de aduzir as considerações que se seguem.
5.                Em sede de oitiva prévia, o TRE-SP confirmou que o café tradicional corresponde à faixa de 4,5 a 6. Contudo, de acordo com a experiência do órgão, o valor 4,5 não seria aceitável, destacando contratos anteriores em que houve problemas com esse tipo de café.
6.                Também em contratos anteriores, o TRE-SP teria obtido bons resultados com cafés de nota igual a 5,5, razão por que considerou aceitável tal patamar. Em apertada síntese, a definição do valor mínimo de 5,5 veio tão somente a partir de experiências anteriores do órgão com antigos fornecedores.
7.                Como restou consignado nos autos, a análise do café é subjetiva, feita por degustação de especialistas. Assim sendo, é natural esperar variação entre qualificações diferentes, realizadas por diferentes laboratórios, ou até dentro de um mesmo laboratório.
8.                O café é tradicional quando sua nota de qualidade está na faixa de 4,5 a 6. Os laudos apresentados pela representante demonstram que uma amplitude de apenas 0,5, fixada pelo edital, é extremamente reduzida.
9.                Nesse sentido, julgo oportuno transcrever o seguinte excerto da instrução da unidade técnica:
“43. Hipoteticamente, considere-se um café tal que, se fosse avaliado por todos os especialistas do mercado, teria nota igual a 5,25, justamente o centro da faixa. Vamos chamar tal nota de “nota realdo café, ou seja, a notaverdadeira”, aquela que seria obtida se todos os especialistas fossem ouvidos.
44. Considere-se ainda que, quando a nota real está no centro da faixa tradicional, todos os especialistas sempre acertam a faixa. Ou seja, se um café é tradicional com nota 5,25, todos os especialistas sempre o classificam como tradicional. Isso significa que, sendo a nota “verdadeira” igual a 5,25, não haveria especialista dando nota inferior a 4,5, nem superior a 6.
45. Por fim, considere-se que, para um café com nota “verdadeira” igual a 5,25, as notas dadas pelos especialistas variam uniformemente ao longo da faixa correta. Ou seja, as notas têm distribuição uniforme no intervalo entre 4,5 e 6.”. (grifei)
 
10.              Com bem assinalou a instrução da Secex-SP, é “restritiva a cláusula que fixa a nota do café no intervalo de 5,5 a 6. Tal cláusula ainda apresenta risco à segurança jurídica, eis que um café aprovado em determinado laudo pode vir a ser reprovado num laudo subsequente, mesmo que se trate do caso de o fornecedor entregar um café de qualidade superior ao exigido na licitação.”. (grifei)
11.              Tenho esposado o entendimento de que para se legitimar determinada restrição em processo licitatório, deve ser apresentada a devida justificativa técnica e/ou econômica. Na situação em apreço, não se pode aceitar como justificativa contundente, apta a balizar a exigência restritiva do edital, a simples alegação – sem rigor técnico – de que a definição do valor mínimo de 5,5 veio a partir de experiências anteriores do órgão com antigos fornecedores.
12.              A teor do art. 3º, II, da Lei nº 10.520/2002, na fase preparatória do pregão, “a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição”. (grifei)
13.              Da leitura do referido dispositivo legal, extrai-se a compreensão de que as exigências inseridas no edital devem ser proporcionais ao fim que se busca atingir com a realização da licitação. Mais precisamente, os atributos técnicos exigidos na disputa têm que ser absolutamente relevantes, isto é, pertinentes para o específico objeto que se intenta contratar. O problema, portanto, não está em restringir, mas sim na justifica que se apresenta para a restrição.
14.              A corroborar o entendimento de que a vedação à imposição de restrições ao caráter competitivo nos atos de convocação não é absoluta, impende destacar o voto condutor do Acórdão nº 1890/2010-Plenário, no qual restou consignado que a Administração, atentando especialmente para o interesse coletivo, “tem o poder-dever de exigir, em suas contratações, os requisitos considerados indispensáveis à boa e regular execução do objeto que constituirá encargo da futura contratada”. Nesse sentido, “o princípio que refuta a restrição ao caráter competitivo não é absoluto, representando essencialmente a expressão sintetizada de uma orientação vista em caráter de generalidade”.
15.              Destarte, como bem ressaltou o Ministro-Relator da supracitada deliberação, a invalidade não reside na restrição em si mesma, mas na incompatibilidade dessa restrição com o objeto da licitação. Na verdade, “o que importa saber é se a restrição é desproporcional às necessidades da Administração, ou seja, se ela atende ou não ao interesse público, este considerado sempre indisponível”. Seria isso, portanto, que deveria estar evidenciado no Pregão Eletrônico nº 60/2013, cabendo ao TRE-SP definir, motivadamente, exigência técnica que atendesse às suas necessidades e fosse representativamente menos onerosa que as outras possíveis.
16.              Na esteira do que concluiu a unidade técnica, a presente representação deve ser julgada parcialmente procedente, com a consequente determinação ao TRE-SP para que, caso tenha interesse no prosseguimento do certame, hoje suspenso por iniciativa do próprio órgão, republique o edital, alterando a cláusula que delimita a faixa para a qualidade do café.
17.              É, de fato, razoável que o órgão trabalhe com a escala sensorial definida pela ABIC (café tradicional, superior ou gourmet) ou então fixe apenas o valor mínimo, sem limitar o máximo aceitável. Tanto num caso quanto no outro, garante-se, como ressaltou a Secex-SP, uma amplitude mínima de variação entre as avaliações de diferentes laboratórios.
                   Ante o exposto, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto à apreciação deste Plenário.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 26 de fevereiro de 2014.
 
 
JOSÉ JORGE
Relator
 
ACÓRDÃO Nº 445/2014 – TCU – Plenário
 
1. Processo nº TC 030.216/2013-6.
2. Grupo I – Classe de Assunto: VII - Representação.
3. Interessada: Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele - EPP (06.985.398/0001-49).
4. Órgão: Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
5. Relator: Ministro José Jorge.
6. Representante do Ministério Público: não atuou.
7. Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo - SP (SECEX-SP).
8. Advogado constituído nos autos: não há.
 
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela empresa Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, apontando possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico 60/2013, promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) com vistas ao registro de preços para aquisição de açúcar, adoçante e café.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer e julgar parcialmente procedente a representação;
9.2. determinar ao TRE-SP que, caso tenha interesse no prosseguimento do certame, altere a cláusula do edital que delimita a faixa para a qualidade do café, sendo razoável que o órgão trabalhe com a escala sensorial definida pela ABIC (café tradicional, superior ou gourmet) ou então fixe apenas o valor mínimo, sem limitar o máximo aceitável, atentando ainda para a necessidade de divulgação das modificações na forma do que prescreve o art. 20 do Decreto nº 5.450/2005;
9.3. alertar ao TRE-SP que o prosseguimento do certame licitatório sem a adoção das providências indicadas no item anterior poderá ensejar a responsabilização de quem lhe tiver dado causa;
9.4. determinar ao TRE-SP que, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da notificação, dê ciência a este Tribunal das medidas adotadas;
9.5. encaminhar cópia deste acórdão, bem como do relatório e do voto que o fundamentam, à empresa representante;
9.6. autorizar o arquivamento dos autos após a adoção das medidas constantes dos itens 9.2 a 9.5 acima.
 
10. Ata n° 6/2014 – Plenário.
11. Data da Sessão: 26/2/2014 – Extraordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-0445-06/14-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (na Presidência), Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, José Jorge (Relator) e José Múcio Monteiro.
13.2. Ministro-Substituto convocado: Weder de Oliveira.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti e André Luís de Carvalho.
 
(Assinado Eletronicamente)
AROLDO CEDRAZ
(Assinado Eletronicamente)
JOSÉ JORGE
na Presidência
Relator
Fui presente:
 
(Assinado Eletronicamente)
PAULO SOARES BUGARIN
Procurador-Geral