GRUPO I – CLASSE VII – Plenário
TC 030.216/2013-3
Natureza: Representação
Órgão: Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo
Interessada: Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira
Eirele-EPP (06.985.398/0001-49)
Advogado constituído nos autos: não há
SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES EM PREGÃO ELETRÔNICO.
SOLICITAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. OITIVA PRÉVIA. CERTAME SUSPENSO PELO PRÓPRIO
ÓRGÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO ACAUTELATÓRIO. ESCLARECIMENTOS SUFICIENTES PARA
AFASTAR PARTE DAS IRREGULARIDADES SUSCITADAS. EXIGÊNCIA EDITALÍCIA RESTRITIVA
AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. NECESSIDADE DE
ALTERAÇÃO DO EDITAL. DETERMINAÇÃO. CIÊNCIA.
RELATÓRIO
Adoto, como parte integrante deste relatório, a
instrução produzida no âmbito da Secex-SP, pelo Auditor Vítor Menezes Santana,
vazada nos seguintes termos:
1. Cuidam os
autos de representação encaminhada pela empresa Comércio de Produtos
Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, pela qual informa a ocorrência de
indícios de violação dos princípios básicos da razoabilidade, da economicidade
e da igualdade entre outros princípios fundamentais da licitação pública nos
Pregões Eletrônicos 60/2013 e 90/2013, promovidos, respectivamente pelo
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e Tribunal Regional Eleitoral de Minas
Gerais. (peça 1)
2. Cumpre
informar que a referida empresa ingressou com duas representações no TCU. A
primeira que trata do Pregão Eletrônico 60/2013 está sendo analisada nos
presentes autos, enquanto que em relação ao Pregão Eletrônico 90/2013 do
Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, os fatos apresentados pela
representante estão sendo tratados nos autos do TC 030.288/2013-4, os
quais serão examinados pela Secex-MG.
3. O objeto do
Pregão Eletrônico 60/2013 consiste no Registro de Preço para a aquisição de
açúcar, adoçante e café.
4. Com relação
ao produto “café”, a representante questiona a exigência contida no edital,
qual seja: qualidade mínima aceitável de 5,5 pontos na escala sensorial de zero
a dez do lote entregue.
5. Segundo a
representante, a exigência acima contraria a disposição contida no art.3º,
caput e § 1º, e no art. 44, § 1º da Lei 8.666/1992 e também no art.3º, inciso
II, da Lei 10.520/2002. Por fim, a empresa Comércio de Produtos Alimentícios Di
Primeira Eirele – EPP requer deste Tribunal a suspensão da licitação e apuração
dos fatos.
HISTÓRICO
6. A instrução
anterior propôs a oitiva prévia do órgão, o que foi autorizado por despacho do
Relator (peça 8). O órgão respondeu (conteúdo à peça 13), informando que a
licitação havia sido suspensa, e só seria retomada após decisão de mérito no
presente processo.
EXAME DE ADMISSIBILIDADE
7. Inicialmente,
deve-se registrar que a representação preenche os requisitos de admissibilidade
constantes no art. 235 do Regimento Interno do TCU. A matéria é de competência
do Tribunal, refere-se a responsável sujeito a sua jurisdição, está redigida em
linguagem clara e objetiva, e contém nome legível, qualificação e endereço do
representante, e está acompanhada do indício concernente à irregularidade ou
ilegalidade.
8. Acrescenta-se
que a empresa possui legitimidade para representar ao Tribunal, consoante
disposto no inciso VII do art. 237 do RI/TCU c/c o art. 113, § 1º, da Lei
8.666/1993.
9. Dessa
forma, a representação poderá ser apurada, para fins de comprovar a sua
procedência, nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do Regimento Interno
do TCU, aplicável às representações de acordo com o parágrafo único do art. 237
do mesmo RI/TCU.
EXAME TÉCNICO
Exigência de
laudo ser emitido por laboratório credenciado pela REBLAS
10. O primeiro
questionamento da representante é sobre a ilegalidade de se exigir que o laudo
atestando a qualidade do café seja emitido por laboratório credenciado pela
REBLAS.
11. No entanto, não
foi localizada qualquer cláusula do edital que trouxesse tal exigência. O item
2.1.1. estabelece apenas que o laudo será emitido por laboratório credenciado
junto aos órgãos competentes, sem falar quais são tais órgãos.
12. Em consulta
à representante, via e-mail, para esclarecer tal item, obteve-se a seguinte
resposta:
Resposta: a representação se refere ao PREGÃO ELETRÔNICO
90/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS e do PREGÃO ELETRÔNICO
60/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO. Sobre o Pregão Eletrônico
60/2013, conduzido pelo TRE/SP o questionamento é referente a escala do café e
não sobre o credenciamento da REBLAS, o questionamento da REBLAS é feito
somente no caso do PREGÃO ELETRÔNICO 90/2013 do TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE
MINAS GERAIS.
13. Portanto,
verifica-se que tal questionamento foi transcrito por engano no presente
processo, referindo-se apenas ao pregão do TRE-MG.
14. Propõe-se
afastar o questionamento.
Exigência quanto
à escala do café.
15. Iniciamos
reproduzindo a explanação sobre a análise sensorial do café (peça 1, p. 2):
As análises sensoriais são análises realizadas por
degustadores especializados aos quais verificam através de degustação o aroma,
acidez, amargor, sabor, adstringência, corpo entre outras análises do produto
café para que após em escala seja verificado a Qualidade Global do produto
sendo este classificado nas categorias de tradicional, superior e gourmet.
As escalas variam de 4,5 a 5,9 para café tradicional;
6,0 a 7,2 para café superior e 7,3 a 10,00 para café gourmet.
(...)
A análise sensorial é considerada uma análise complexa
por se tratar de paladar e não de química e o prazo dado para que a INSTRUAO
NORMATIVA No- 16, DE 24 DE MAIO DE 2010 entrasse em vigor não foi o suficiente
para que os laboratórios se enquadrassem
a este novo regulamento, sendo assim, o MAPA através da INSTRUÇÃO NORMATIVA
Nº-6, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011, estabeleceu que a análise sensorial do café
torrado em grão e café torrado e moído, disposta na INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº- 16,
DE 24 DE MAIO DE 2010, somente seria exigida após 24 (vinte e quatro) meses a
partir da publicação INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº-6, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011.
Por ser uma análise complexa, o diferencial de escala de
um laboratório para outro do mesmo lote do produto café chega a variar de ate
0,6 prejudicando assim, as empresas nos processos licitatórios, pois as
empresas apresentam um tipo de café e quando o Órgao encaminha amostra do
produto para um laboratório diferente do laboratório ao qual a empresa havia
encaminhado as amostras apresentadas, a escala do café é outra. (anexos III, IV
e V)
16. A
representante prossegue relatando que a IN 16/2010 foi revogada. Relata que os
laboratórios não conseguiram se enquadrar no novo regulamento, não havendo hoje
sequer um laboratório credenciado pela Reblas/Anvisa.
17. Neste
cenário, seria uma exigência desarrazoada estipular uma faixa tão estreita para
o café desejado – de 5,5 a 6. O certo seria estipular a classificação desejada
– tradicional, superior ou gourmet. Há uma variação natural de avaliação,
conforme os diferentes laboratórios que analisam o produto.
As empresas estão sendo prejudicadas da seguinte forma:
Estas enviam uma amostra de seu café para um laboratório para realização de
análise sensorial, no resultado desta verifica-se que o café é tradicional
escala 5,5, então a empresa participa de um processo licitatório que esteja
solicitando a escala de no mínimo 5,5 café tradicional, ao ser classificada em
primeiro lugar a empresa encaminha uma amostra do mesmo lote ao qual já foi
realizada análise para o órgão para que assim este encaminhe para laboratório,
só que o órgão encaminha esta amostra para outro laboratório e como está tendo
um diferencial de aproximadamente 0,6 na escala do café de um laboratório para
o outro o resultado poderá dar completamente diferente do apresentado pela
empresa ao órgão (5,5 + 0,6 = 6,1 passa de café tradicional para superior),
ocorrendo assim, sua inabilitação.
18. Acrescenta
que, se o contrato está assinado e tal variação é constatada, a empresa ainda é
penalizada com multa.
Manifestação do
contratante
19. O
contratante confirma que o café tradicional corresponde à faixa 4,5 – 6.
Contudo, por experiência própria do órgão, o valor 4,5 não é aceitável (cita
contratos anteriores em que houve problemas com tal tipo de café).
20. Também em
casos anteriores tiveram bons resultados com cafés de nota 5,5, o que foi
considerado então um patamar aceitável.
21. Resumidamente,
a definição do valor mínimo de 5,5 veio a partir de experiências anteriores do
órgão com antigos fornecedores.
Análise
22. O Programa
de Qualidade do Café foi instituído pela Associação Brasileira da Indústria do
Café (ABIC) como uma diretriz para orientar as aquisições de café (vide site
http://www.abic.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=15).
23. Como
sobredito, o café tradicional corresponde à faixa 4,5 – 6. O TRE-SP, no
entanto, não aceita café com nota inferior a 5,5.
24. Dada a
variabilidade normal que se espera entre avaliadores diferentes, e dado o risco
de uma punição por uma diferença mínima na nota, foi feita consulta à Comissão
de Licitação sobre a aceitabilidade de um café superior (nota acima de 6). Com
isso, o licitante evitaria o risco de ser prejudicado por enviar um café de
nota exatamente igual a 5,5 que, numa segunda avaliação, poderia ser
considerado como 5,4, gerando-lhe prejuízos.
25. O
contratante não aceitou tal oferta, conforme se verifica da resposta à consulta
(peça 3, p. 25).
Escala da análise sensorial do café vai de 0 a 10, sendo
4.5 a 5.9 café tradicional, 6.0 a 7.2 café superior, 7.3 a 10.0 café gourmet, a
solicitação nesse pregão é que o café seja com escala mínima de 5.5 pontos tipo
tradicional
Conforme solicitação, o fornecedor fica com uma margem
muita pequena na escala, ou seja, de 5.5 a 5.9, correndo assim o risco de seu
produto ser rejeitado em uma análise quando der por exemplo a nota acima de 5.0
até 5.4, ou seja um café bom com o risco de ser rejeitado pelo órgão, por uma
pequena diferença na escala, ou até mesmo que se tenha um café superior com
nota 6.0 acima e o mesmo também ser rejeitado por não estar na escala de café
tradicional.
Perguntamos:
podemos entregar o laudo de café superior? com o
compromisso de entregar o café quando da entrega definitiva do produto com as
mesmas características do laudo apresentado, pois as análises são muito
subjetivas, dando diferenças grandes de um mesmo lote de café quando da análise
em um mesmo laboratório ou quando em laboratórios diferentes.
RESPOSTA:
Não. A especificação do café visa adquirir um produto de
melhor qualidade, dentro da categoria "tradicional". Cafés da
categoria "superior" tiveram autos índices de rejeição por parte dos
consumidores internos desta regional em razão da forma utilizada por este
Tribunal para produção da bebida, que faz com que este tipo de café perca suas
propriedades.
Assim, ofertas de produtos ou laudos que indiquem a
oferta de café tipo "superior" terão as respectivas propostas
desclassificadas.
26. Deste modo,
os licitantes ficam presos a uma faixa restrita, de notas variando de 5,5 a 6.
27. Como
sobredito, a análise do café é subjetiva, feita por degustação de
especialistas. Deste modo, é natural esperar uma variabilidade entre
qualificações diferentes, realizadas entre diferentes laboratórios, ou até
mesmo dentro de um laboratório.
28. Tomando um
caso extremo, se o edital de licitação previsse que seriam aceitos
exclusivamente cafés com nota exatamente igual a 5,5, ficaria claro o rigor
excessivo da exigência. Não seriam admitidas notas como 5,4 ou como 5,6.
Esperar tanta precisão e exatidão para avaliações subjetivas, ainda que de
especialistas, não seria razoável.
29. Resta saber
o que é uma tolerância razoável.
30. Inicialmente,
sem fazer qualquer cálculo, parte-se do seguinte raciocínio. Se foram definidas
faixas para o café, espera-se que a maior parte dos avaliadores concordem, no
mínimo, quanto à classificação geral do café (tradicional, superior, gourmet),
ainda que difiram no valor da nota. As faixas possuem amplitudes justamente para
dar conta da variabilidade normal entre diferentes avaliadores.
31. Se a faixa
original prevista pela Associação Brasileira da Indústrica do Café (ABIC) para
o café tradicional tem amplitude de 1,5 (diferença entre 6 e 4,5), espera-se
que esta seja a amplitude de segurança para que diferentes avaliações concordem
quanto ao tipo do café. Numa primeira análise, é, portanto, desarrazoado
diminuir tal amplitude, sendo desproporcional a limitação feita no edital.
32. O fato de os
próprios laudos apresentarem a “margem de erro” de suas avaliações, ou mais
tecnicamente, o desvio padrão, reforça que é normal esperar uma variabilidade
entre diferentes avaliadores.
33. Na busca de
um aprofundamento sobre a “margem de erro”, entrou-se em contato telefônico com
os laboratórios para esclarecer como é calculado o desvio padrão informado em
cada laudo. No entanto, não se obteve sucesso em detalhar como tais valores
foram calculados. Os técnicos responsáveis pelo atendimento pareciam ignorar
que há várias formas de cálculo de um desvio padrão, dependendo da utilidade
desejada e da variável em estudo.
34. A título de
exemplo, se um laudo indica desvio padrão de 0,5, não está claro se tal valor
se refere à dispersão entre avaliações, ou à dispersão do estimador da média
amostral, também conhecida como erro padrão. Estes são apenas os dois desvios
padrão mais usuais em estatística, sendo possível listar vários outros.
35. Sem poder então analisar cada laudo
isoladamente, solicitou-se à representante,
via e-mail, uma quantidade maior de laudos, que foram juntados à peça 14.
36. Os laudos
apresentados pela representante demonstram que uma amplitude de apenas 0,5,
fixada pelo edital, é extremamente reduzida.
37. Para o café
torrado e moído Fino Superior, vácuo puro, fabricado no dia 29/10/2013, e
válido até 29/4/2015, os laudos indicam:
a) ITAL: 5,7
(peça 14, p. 2);
b) Bolsa de
Cereais de SP: 6,1 (peça 14, p. 10)
38. Observa-se
uma variação de 0,4 pontos entre dois laudos, o que resultou, inclusive, na
alteração da classificação (tradicional para o ITAL, superior para a Bolsa de
Cereais de SP).
39. Para o café
torrado e moído Fino Superior, vácuo puro, fabricado no dia 13/2/2012, e válido
até 13/8/2013, os laudos indicam:
a) Lab Carvalhães:
6,03 (peça 14, p. 6);
b) Cerelab:
6,6 (peça 14, p. 12)
c) ITAL: 6,1
(peça 14, p. 22)
d) Quinosan:
7,0 (peça 14, p. 29)
40. Aqui a
variação foi ainda maior, chegando a 0,97.
41. Por fim,
fizeram-se cálculos adicionais, a partir de hipóteses conservadoras. O
resultado dos cálculos está à peça 15 e será resumido a seguir.
42. O café é
tradicional quando sua nota de qualidade está na faixa de 4,5 a 6.
43. Hipoteticamente,
considere-se um café tal que, se fosse avaliado por todos os especialistas do
mercado, teria nota igual a 5,25, justamente o centro da faixa. Vamos chamar
tal nota de “nota real” do café, ou seja, a nota “verdadeira”, aquela que seria
obtida se todos os especialistas fossem ouvidos.
44. Considere-se
ainda que, quando a nota real está no centro da faixa tradicional, todos os especialistas
sempre acertam a faixa. Ou seja, se um café é tradicional com nota 5,25, todos
os especialistas sempre o classificam como tradicional. Isso significa que,
sendo a nota “verdadeira” igual a 5,25, não haveria especialista dando nota
inferior a 4,5, nem superior a 6.
45. Por fim,
considere-se que, para um café com nota “verdadeira” igual a 5,25, as notas
dadas pelos especialistas variam uniformemente ao longo da faixa correta. Ou
seja, as notas têm distribuição uniforme no intervalo entre 4,5 e 6.
46. Com isso,
modelamos as notas dadas pelos especialistas como uma variável aleatória
uniforme no intervalo de 4,5 a 6.
47. Foi suposto
ainda que as avaliações são feitas por grupos de 7 avaliadores, como é o caso
dos laudos apresentados pelo ITAL. Isto permitiu calcular a dispersão da média
amostral para 7 avaliadores como sendo igual a 0,164, aproximadamente.
48. Supondo que
a mesma dispersão valha para qualquer outro café (ou seja, mesmo para cafés
fora do ponto central da faixa tradicional, correspondente a 5,25), tem-se que,
se um café tem nota “verdadeira” de 5,75 (centro da faixa estabelecido pelo
TRE-SP), a chance de ele ser indevidamente desclassificado é de cerca de 13%.
Observe-se que tal probabilidade foi conseguida partindo-se de hipóteses aparentemente
conservadoras:
a) supusemos
que, para um café no centro da faixa tradicional, um especialista nunca erra de
faixa;
b) o café
avaliado tem nota 5,75, exatamente no centro da faixa desejado pelo órgão;
trata-se justamente do café com mais chance de ser aceito;
49. Mesmo com
estas hipóteses conservadoras, em 13% dos casos rejeitam-se cafés que
atenderiam à exigência do edital.
50. Evidentemente,
se hipóteses menos conservadoras forem feitas, como a de que o café avaliado
está próximo de um dos limites (exemplo: 5,9), mais fácil fica rejeitá-lo.
51. Deste modo,
conclui-se ser restritiva a cláusula que fixa a nota do café no intervalo de
5,5 a 6. Tal cláusula ainda apresenta risco à segurança jurídica, eis que um
café aprovado em determinado laudo pode vir a ser reprovado num laudo
subsequente, mesmo que se trate do caso de o fornecedor entregar um café de
qualidade superior ao exigido na licitação.
CONCLUSÃO
52. Quanto à
medida cautelar, não há perigo na demora, eis que o órgão informou estar
suspenso o certame. Além disso, o processo já se encontra em condições de
receber julgamento de mérito.
53. Quanto ao
mérito, será proposto determinar que o órgão republique o edital, corrigindo a
cláusula que delimita a faixa para a qualidade do café. É aceitável que o órgão
trabalhe com as escalas originais criadas pela ABIC (tradicional, superior ou
gourmet), ou então que fixe apenas um valor mínimo, sem limitar o máximo
aceitável. Tanto em um caso quanto em outro, garante-se uma amplitude mínima de
variação entre as avaliações de diferentes laboratórios.
PROPOSTA DE
ENCAMINHAMENTO
54. Submetem-se
os autos à consideração superior, propondo:
a) conhecer da
presente representação, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos
nos arts. 235 e 237, inciso VII, do Regimento Interno deste Tribunal c/c o art.
113, § 1º, da Lei 8.666/1993;
b) indeferir o
pedido de medida cautelar, tendo em vista que o certame já se encontra
suspenso, não havendo perigo na demora;
c) considerar
parcialmente procedente a representação (improcedente no que se refere à
restrição de laudo emitido por entidade
credenciada junto à Reblas e procedente no que se refere à limitação da faixa
para a nota de qualidade do café);
d) determinar
ao TRE-SP que republique o edital de Pregão Eletrônico 60/2013 sem limitar a
nota do café ao intervalo de 5,5 a 6,0 na escala sensorial; o órgão, se adotar
a escala sensorial definida pela ABIC, deve seguir suas faixas originais
(tradicional, superior e gourmet), ou fixar um valor mínimo, sem delimitar o valor
máximo, de modo a não restringir indevidamente a amplitude aceitável para a
nota final do café;
e) determinar
ao TRE-SP que, no prazo de 90 dias, contados da notificação do Acórdão, dê
ciência a este TCU quanto às medidas adotadas;
f) notificar
o representante da decisão.”
2. O
Diretor da 1ª DT e a Secretária-Substituta da Secex-SP manifestaram-se de
acordo com a instrução.
É
o relatório.
VOTO
Trata-se de representação formulada pela empresa
Comércio de Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, apontando possíveis
irregularidades no Pregão Eletrônico nº 60/2013, promovido pelo Tribunal
Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) com vistas ao registro de preços para
aquisição de açúcar, adoçante e café.
2. Especificamente
com relação ao produto “café”, a representante questionou a exigência editalícia
consistente na “qualidade mínima
aceitável de 5,5 pontos na escala sensorial de zero a dez do lote entregue”.
E acerca da análise sensorial do café, ofereceu os seguintes elementos:
“As análises
sensoriais são análises realizadas por degustadores especializados aos
quais verificam através de degustação o aroma, acidez, amargor, sabor,
adstringência, corpo entre outras análises do produto café para que após em escala seja verificado a Qualidade Global do produto sendo este classificado nas categorias de tradicional, superior e gourmet.
(...) Por ser uma análise
complexa, o diferencial de escala
de um laboratório para outro do mesmo lote do produto café chega a variar de
até 0,6 prejudicando assim, as empresas nos processos licitatórios, pois as
empresas apresentam um tipo de café e quando o Órgão encaminha amostra do
produto para um laboratório diferente do laboratório ao qual a empresa havia
encaminhado as amostras apresentadas, a escala do café é outra. (...).”
(grifei)
3. Nesse
cenário, segundo a representante, seria desarrazoado estipular faixa tão
estreita para o café desejado, qual seja, de 5,5 a 6. Para ela, o correto seria
estabelecer tão somente a classificação desejada – tradicional, superior ou gourmet
–, tendo em vista haver uma variação natural de avaliação, conforme os
diferentes laboratórios que analisam o produto.
4. Manifesto-me
de acordo com os fundamentos expendidos na instrução produzida pela Secex-SP,
adotando-os, desde já, como minhas razões de decidir, sem prejuízo de aduzir as
considerações que se seguem.
5. Em
sede de oitiva prévia, o TRE-SP confirmou que o café tradicional corresponde à
faixa de 4,5 a 6. Contudo, de acordo com a experiência do órgão, o valor 4,5
não seria aceitável, destacando contratos anteriores em que houve problemas com
esse tipo de café.
6. Também
em contratos anteriores, o TRE-SP teria obtido bons resultados com cafés de
nota igual a 5,5, razão por que considerou aceitável tal patamar. Em apertada
síntese, a definição do valor mínimo de 5,5 veio tão somente a partir de
experiências anteriores do órgão com antigos fornecedores.
7. Como
restou consignado nos autos, a análise do café é subjetiva, feita por
degustação de especialistas. Assim sendo, é natural esperar variação entre
qualificações diferentes, realizadas por diferentes laboratórios, ou até dentro
de um mesmo laboratório.
8. O
café é tradicional quando sua nota de qualidade está na faixa de 4,5 a 6. Os
laudos apresentados pela representante demonstram que uma amplitude de apenas
0,5, fixada pelo edital, é extremamente reduzida.
9. Nesse
sentido, julgo oportuno transcrever o seguinte excerto da instrução da unidade
técnica:
“43. Hipoteticamente,
considere-se um café tal que, se fosse avaliado por todos os especialistas do
mercado, teria nota igual a 5,25, justamente o centro da faixa. Vamos
chamar tal nota de “nota real” do café, ou seja, a nota “verdadeira”, aquela que seria obtida se todos os especialistas
fossem ouvidos.
44. Considere-se ainda que, quando a nota real está no centro da faixa tradicional, todos os
especialistas sempre acertam a faixa. Ou seja, se um café é tradicional com nota 5,25, todos os especialistas sempre o classificam como tradicional. Isso
significa que, sendo a nota
“verdadeira” igual a 5,25, não haveria especialista dando nota inferior a 4,5,
nem superior a 6.
45. Por fim, considere-se que, para um café com nota “verdadeira” igual a 5,25, as notas dadas
pelos especialistas variam uniformemente ao longo da faixa correta. Ou seja, as notas têm distribuição uniforme
no intervalo entre 4,5 e 6.”. (grifei)
10. Com
bem assinalou a instrução da Secex-SP, é “restritiva a cláusula que fixa a nota
do café no intervalo de 5,5 a 6. Tal cláusula ainda apresenta risco à segurança
jurídica, eis que um café aprovado em
determinado laudo pode vir a ser reprovado num laudo subsequente, mesmo que se
trate do caso de o fornecedor entregar um café de qualidade superior ao exigido
na licitação.”. (grifei)
11. Tenho
esposado o entendimento de que para se legitimar determinada restrição em
processo licitatório, deve ser apresentada a devida justificativa técnica e/ou
econômica. Na situação em apreço, não se pode aceitar como justificativa
contundente, apta a balizar a exigência restritiva do edital, a simples
alegação – sem rigor técnico – de que a definição do valor mínimo de 5,5 veio a
partir de experiências anteriores do órgão com antigos fornecedores.
12. A
teor do art. 3º, II, da Lei nº 10.520/2002, na fase
preparatória do pregão, “a definição
do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou
desnecessárias, limitem a competição”. (grifei)
13. Da
leitura do referido dispositivo legal, extrai-se a compreensão de que as
exigências inseridas no edital devem ser proporcionais ao fim que se busca
atingir com a realização da licitação. Mais precisamente, os atributos técnicos
exigidos na disputa têm que ser absolutamente relevantes, isto é, pertinentes
para o específico objeto que se intenta contratar. O problema, portanto, não
está em restringir, mas sim na justifica que se apresenta para a restrição.
14. A
corroborar o entendimento de que a vedação à imposição de restrições ao caráter
competitivo nos atos de convocação não é absoluta, impende destacar o voto
condutor do Acórdão nº 1890/2010-Plenário, no qual restou consignado que a
Administração, atentando especialmente para o interesse coletivo, “tem o
poder-dever de exigir, em suas contratações, os requisitos considerados
indispensáveis à boa e regular execução do objeto que constituirá encargo da
futura contratada”. Nesse sentido, “o princípio que refuta a restrição ao
caráter competitivo não é absoluto, representando essencialmente a expressão
sintetizada de uma orientação vista em caráter de generalidade”.
15. Destarte,
como bem ressaltou o Ministro-Relator da supracitada deliberação, a invalidade
não reside na restrição em si mesma, mas na incompatibilidade dessa restrição
com o objeto da licitação. Na verdade, “o que importa saber é se a restrição é
desproporcional às necessidades da Administração, ou seja, se ela atende ou não
ao interesse público, este considerado sempre indisponível”. Seria isso,
portanto, que deveria estar evidenciado no Pregão Eletrônico nº 60/2013,
cabendo ao TRE-SP definir, motivadamente, exigência técnica que atendesse às
suas necessidades e fosse representativamente menos onerosa que as outras
possíveis.
16. Na
esteira do que concluiu a unidade técnica, a presente representação deve ser
julgada parcialmente procedente, com a consequente determinação ao TRE-SP para
que, caso tenha interesse no prosseguimento do certame, hoje suspenso por
iniciativa do próprio órgão, republique o edital, alterando a cláusula que
delimita a faixa para a qualidade do café.
17. É,
de fato, razoável que o órgão trabalhe com a escala sensorial definida pela
ABIC (café tradicional, superior ou gourmet) ou então fixe apenas o valor
mínimo, sem limitar o máximo aceitável. Tanto num caso quanto no outro,
garante-se, como ressaltou a Secex-SP, uma amplitude mínima de variação entre
as avaliações de diferentes laboratórios.
Ante
o exposto, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto à apreciação
deste Plenário.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves
de Souza, em 26 de fevereiro de 2014.
JOSÉ JORGE
Relator
ACÓRDÃO Nº 445/2014 – TCU – Plenário
1. Processo nº TC 030.216/2013-6.
2. Grupo I – Classe de Assunto: VII - Representação.
3. Interessada: Comércio de Produtos Alimentícios Di
Primeira Eirele - EPP (06.985.398/0001-49).
4. Órgão: Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
5. Relator: Ministro José Jorge.
6. Representante do Ministério Público: não atuou.
7. Unidade Técnica: Secretaria de Controle Externo - SP
(SECEX-SP).
8. Advogado constituído nos autos: não há.
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação
formulada pela empresa Comércio de
Produtos Alimentícios Di Primeira Eirele – EPP, apontando possíveis
irregularidades no Pregão Eletrônico nº 60/2013, promovido
pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) com vistas ao registro
de preços para aquisição de açúcar, adoçante e café.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União,
reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer e julgar parcialmente procedente a
representação;
9.2. determinar ao TRE-SP que, caso tenha interesse no prosseguimento do
certame, altere a cláusula do edital que delimita a faixa para a qualidade do
café, sendo razoável que o órgão
trabalhe com a escala sensorial definida pela ABIC (café tradicional, superior
ou gourmet) ou então fixe apenas o valor mínimo, sem limitar o máximo
aceitável, atentando ainda para a necessidade de divulgação das modificações
na forma do que prescreve o art. 20 do Decreto nº 5.450/2005;
9.3. alertar
ao TRE-SP que o prosseguimento
do certame licitatório sem a adoção das providências indicadas no item anterior
poderá ensejar a responsabilização de quem lhe tiver dado causa;
9.4. determinar ao TRE-SP que, no prazo de 30
(trinta) dias a contar da notificação, dê ciência a este Tribunal das medidas
adotadas;
9.5. encaminhar cópia deste acórdão, bem como do
relatório e do voto que o fundamentam, à empresa representante;
9.6. autorizar o arquivamento dos autos após a
adoção das medidas constantes dos itens 9.2 a 9.5 acima.
10. Ata n° 6/2014 – Plenário.
11. Data da Sessão: 26/2/2014 – Extraordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na
Internet: AC-0445-06/14-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (na Presidência), Walton
Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Raimundo Carreiro, José Jorge (Relator) e
José Múcio Monteiro.
13.2. Ministro-Substituto convocado: Weder de Oliveira.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti e
André Luís de Carvalho.
(Assinado
Eletronicamente)
AROLDO CEDRAZ
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(Assinado
Eletronicamente)
JOSÉ JORGE
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na Presidência
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Relator
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Fui presente:
(Assinado
Eletronicamente)
PAULO SOARES BUGARIN
Procurador-Geral