Click aqui e tenha a íntegra ACÓRDÃO AC-0670-10/13-P (ACÓRDÃO 670/2013)
Das alegações da Dataprev
A Dataprev, em
suas justificativas, ponderou que a certificação procedida pelo Inmetro, na
forma da Portaria Inmetro/MDIC 170/2012, é voluntária e não é requisito
obrigatório para comercialização de bens de informática no País. Assim, nem
todos os produtos comercializados no mercado possuem esse certificado, razão
pela qual exigir a certificação afetaria a competitividade do certame.
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O art. 3º do Decreto nº. 7.174/2010 possui um
vício grave, posto que limita a competitividade sem ter sido instituído por
lei. Vulnerando assim a primeira parte do inciso XXI do art. 37, da
Constituição Federal.
Também colide a forma como foi instituída a
regra de habilitação prevista no art. 3º do Decreto nº. 7.174/2010 com o
disposto no art. 30, caput e IV,
da Lei nº. 8.666/93, haja vista que a documentação de habilitação de
qualificação técnica limita-se à prova de atendimento de requisitos previstos
em “lei especial” (o quê
flagrantemente não é o caso), senão vejamos:
Art. 30. A documentação
relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro ou inscrição na entidade
profissional competente;
II - comprovação de aptidão para desempenho
de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos
com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do
pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação,
bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se
responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação, fornecida pelo órgão
licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou
conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento
das obrigações objeto da licitação;
IV - prova de atendimento de
requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
Isto posto, o art. 3º do
Decreto nº. 7.174/2010 não pode ser aplicado a esteio do art. 37, XXI, da CF/88
c/c art. 30, caput e IV, da Lei
nº. 8.666/93.”
Do posicionamento inicial da
Secex/RJ
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19. A Dataprev argumenta que a
regulamentação trazida pelo Inmetro estabeleceu que a certificação se dará na
modalidade voluntária, o que desobrigaria os fornecedores deste ônus para a
comercialização de seus produtos de uma forma geral. Todavia, o Decreto 7174
determina que a Administração Pública exija essa certificação, o que traz se
não uma incoerência do sistema ao menos um desajuste, pois, se de um lado o
Decreto obriga a certificação, de outro o Inmetro adota um certificação não
obrigatória.
20. Outro aspecto a ser considerado é quanto
a uma possível ilegalidade da
exigência de certificação, uma vez que tanto o §
4o do art. 45 da Lei 8.666/1993, como o art. 3o
da Lei 8.248/1991, ou a Lei 10.520/2002, ou a Lei Complementar 123/2006,
não estabeleceram essa exigência. Conforme observou a Dataprev em seus
esclarecimentos, o art. 37, XXI, da CF estabelece que somente a lei poderá
estabelecer exigências de qualificação técnica, desde que indispensáveis à
garantia do cumprimento das obrigações. Portanto, o Decreto 7174, criando nova
exigência nos procedimentos licitatórios, estaria exorbitando seu poder
regulamentar, passível assim de sustação pelo Congresso Nacional, nos termos do
art. 49, V, da constituição Federal.
21. A referida exigência, não prevista em
Lei, acarreta outra ilegalidade por prejudicar o princípio da ampla
concorrência previsto no art. 3º, §1º, I, da Lei 8666/1993.
22. Ademais, deve ser considerado em relação
à certificação o tempo e o custo desse processo de certificação. Segundo o art.
3º da Portaria 170 do Inmetro, a referida certificação será realizada por
Organismo de Certificação de Produto – OCP – acreditado pelo Inmetro. Assim,
uma vez que o próprio Inmetro estabeleceu a modalidade voluntária de
certificação, seria razoável que tal exigência se desse apenas em relação ao
licitante vencedor do certame, a fim de evitar gastos desnecessários aos
demais, ou seja, após o resultado do certame e com um tempo razoável para que o
vencedor pudesse obter a certificação.
23. Considerando essas questões, não se pode
afirmar que o Edital do Pregão 162/2012 da Dataprev estaria em desconformidade
com a lei, o que afasta a irregularidade apontada na Representação.”
Do posicionamento do Inmetro
Posteriormente,
o autor da representação juntou documento elaborado pelo Inmetro em resposta a
a consulta formulada pela Mactecnology. Nesse documento, o Chefe de Divisão de
Programas de Avaliação da Conformidade, Sr. Gustavo José Kuster de Albuquerque,
afirmou que a certificação prevista na Portaria 170, de 10.4.2012, que
regulamentou o art. 3º do Decreto 7174/2010, é obrigatória para os produtos a
serem licitados na forma do art. 3º do decreto. Ou seja, apesar de a portaria
dispor que a certificação é voluntária, ela seria obrigatória para os produtos
de informática e automação licitados pela Administração.
Para
maior clareza, transcrevo em parte a citada portaria:
“Considerando o
conteúdo do referido Decreto,
instituindo a necessidade de inclusão, no instrumento convocatório, da
exigência de certificações emitidas por instituições públicas ou privadas
credenciadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia -
Inmetro, que atestem, conforme regulamentação específica, a adequação em
segurança para o usuário e instalações, compatibilidade eletromagnética e
consumo de energia, resolve baixar as seguintes disposições:
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Art.
3º Instituir, no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade –
SBAC, a certificação voluntária para
Bens de Informática, a qual deverá ser realizada por Organismo de Certificação
de Produto – OCP, acreditado pelo Inmetro, consoante o estabelecido nos
Requisitos ora aprovados.” (grifei)
Do novo
posicionamento da Secex/RJ
A Secex/RJ, diante do novo documento encaminhado, no
qual houve manifestação de setor do Inmetro, alterou seu posicionamento em nova
instrução, da lavra da AUFC Glauce Tadaiesky Marques, acolhida no âmbito da
unidade técnica.
Entendeu a instrução que o art. 3º do Decreto não
vulnera as disposições legais relativas às características das licitantes, já
que a exigência objeto da divergência refere-se aos produtos. É dizer, a
exigência do decreto não diz respeito à qualificação técnica.
Segundo essa última instrução, a exigência de
certificado não restringiria a competitividade, pois “pois
se todos os licitantes são obrigados a apresentar as certificações, todos estão
em igualdade no momento da oferta de seus produtos” e “caso
um determinado licitante não tenha as certificações exigidas para um produto,
nada o impede que esteja habilitado a participar de outros itens da mesma
licitação nos quais tenha produtos certificados”.
Contudo, por não existir periculum in mora, uma vez que a empresa que se sagrou vencedora
possuía o certificado previsto no decreto, a unidade formulou proposta de
mérito no sentido de considerar parcialmente procedente a representação e de
fazer as determinações contidas na proposta de encaminhamento.
Do
entendimento deste relator
Entendo assistir razão à Dataprev, data venia dos posicionamentos
contrários.
O art. 27 da Lei n.º 8.666/1993 prevê
habilitação relativa a cinco aspectos concernentes à pessoa do licitante.
Assim, a lei dispõe sobre habilitação jurídica (art. 28), qualificação técnica
(art. 30), qualificação econômico-financeira (art. 31), regularidade fiscal
(art. 29) e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição
Federal (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de
18 anos e de qualquer trabalho para menores de 16 anos, salvo na condição de
aprendiz).
Os arts. 27 a 31 da lei são extremamente
restritivos quanto às exigências que podem ser feitas aos licitantes na fase de
habilitação e fazem uso das expressões “limitar-se-á a” (art. 30) ou
“consistirá em” (arts.. 28, 29 e 31). Na primeira hipótese, o edital poderá
exigir toda a documentação prevista no dispositivo ou parte dela. Na segunda,
deverá exigir toda a documentação, mas nunca além dela.
Ainda que se admita a possibilidade de
interpretar extensivamente o inciso IV do art. 30 da Lei n.º 8.666/1993, de
molde a abarcar exigências constantes de normas de hierarquia inferior, tais
exigências devem ser inerentes ao funcionamento do mercado no qual se está
adquirindo o bem ou o serviço. Caso contrário, a vedação contida no dispositivo
(“a documentação relativa à qualificação
técnica limitar-se-á”) seria facilmente afastada por norma regulamentar,
que o contraria a finalidade da norma, que buscar assegurar a ampla competição.
Ora, o Decreto 7174/2010 regulamenta “a contratação de
bens e serviços de informática e automação pela administração pública federal,
direta ou indireta, pelas fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público
e pelas demais organizações sob o controle direto ou indireto da União.”
A Secex/RJ, em sua última
instrução, assevera que a exigência contida no inciso II do art. 3º do Decreto
não se refere à qualificação técnica do licitante, porquanto trata de exigência
quanto ao objeto.
De fato, não existe na lei tal
tipo de qualificação. A qualificação prevista na lei refere-se sempre à pessoa
do licitante e tem por objetivo assegurar o cumprimento do objeto contratado.
Mas o vício do decreto reside basicamente em instituir exigência sem amparo
legal.
Ora, se a norma infralegal exige,
na fase de habilitação, a apresentação de certificação de produtos de informática
ou automação, razoável supor que se trata de novo requisito de habilitação.
De toda sorte, não cabe ao poder
regulamentar erigir norma que restrinja o objeto a ser licitado, em
subsitutição ao juízo de conveniência e oportunidade do administrador. Esse
tipo de restrição também só poderia resultar de disposição legal.
Não se pode olvidar que, em decorrência do
poder regulamentar, o administrador pode se ver na contingência de ter que
exigir documentos de habilitação outros além aqueles expressamente mencionados
na Lei de Licitações. Mas isso decorre da regulamentação de determinados
setores de atividade e não do poder de regulamentar os critérios de
habilitação, já a Lei 8.666/1993 não carece de regulamentação nesse aspecto.
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Veja-se que não há norma que exija a
certificação para a comercialização de produtos de informática. A certificação
instituída pela Portaria 170/2012 do Inmetro é voluntária. Com ou sem
certificado – seja do Inmetro ou de instituições por ele credenciadas -, os
produtos de informática são licitamente comercializados no País. E, como bem
ponderou a Dataprev, são inúmeros os produtos que integram o mercado de
informática e, eventualmente, muitos deles podem não ser certificados.
Portanto, a exigência de certificação possui, sim, caráter restritivo.
De outro giro,
nada impede que a administração adote como critério de pontuação técnica o
certificado expedido pelo Inmetro ou por instituições conveniadas. Ou, de forma
ainda mais rigorosa, mas motivada, que o objeto a ser licitado possua as
características que a certificação busca aferir (segurança
para o usuário e instalações, compatibilidade eletromagnética e consumo de
energia). Nesta hipótese, a utilização do certificado pelo licitante seria
facultativa, mas tornaria mais simples o processo de demonstração da
compatibilidade do produto ofertado com o objeto licitado.
Ademais, fosse admitida a
possibilidade de o Inmetro exigir a certificação como condição prévia para a
comercialização de bens de informática no País, lícito seria o edital de
licitação expressamente exigir tais certificados, uma vez que o administrador
estaria apenas se assegurando que o produto atende às especificações definidas
para sua comercialização.
Mas não é o caso que ora se
examina.
O Decreto 7.174/2010 veio
regulamentar a Lei 8.248/1991 e o § 4º do art. 45 da Lei n.º 8.666/1993, sendo
certo que esta última norma apenas remeteu para regulamentação a definição das
hipóteses nas quais poderia ser empregado outro tipo de licitação que não o de
técnica e preço, como se verifica da leitura de seu texto:
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Não há autorização legal para a estipulação
de novos requisitos de habilitação por meio de norma regulamentar. O inciso II
do art. 3º do Decreto 7.174/2010 extrapolou, pois, do poder regulamentar e
restringiu indevidamente o caráter competitivo do certame.
Poder-se-ia alegar que o inciso II do art. 3º
viria dar concretude às novas disposições introduzidas no art. 3º da Lei n.º
8.666/1993 pela Lei n.º 12.349/2010. Em especial, ao § 12, que estipula:
§ 12. Nas contratações destinadas
à implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de
informação e comunicação, considerados
estratégicos em ato do Poder Executivo federal, a licitação poderá ser
restrita a bens e serviços com
tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo
produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176, de 11
de janeiro de 2001. (grifei)
Contudo, a certificação prevista no art. 3º
do Decreto 7.174/2010 de forma alguma se relaciona com § 12 do art. 3º da Lei
n.º 8.666/1993. Essa conclusão não decorre apenas do fato de o decreto ter
antecedido a edição daquela lei, mas também por incompatibilidade de seus
conteúdos. O § 12 do art. 3º da Lei das Licitações cuida da utilização do poder
de compra do Estado como incentivo ao desenvolvimento tecnológico de setores
considerados estratégicos por ato do Poder Executivo e produzidos de acordo com
o processo produtivo básico (terminologia que indica um conjunto de etapas
fabris mínimas definidas pelo Governo e a serem cumpridas por empresas que
pleiteiam determinados benefícios fiscais).
Já o inciso II do art. 3º do decreto visa tão
somente restringir os produtos de informática e automação a serem adquiridos
pela administração federal, sem nenhuma contrapartida relacionada à concessão
de benefício fiscal e não busca incentivar o desenvolvimento tecnológico
nacional, pois não faz distinção quanto à origem do produto.
Portanto,
devem ser acolhidas as alegações da Dataprev para considerar improcedente a
presente representação, uma vez que a exigência de certificação prevista no
inciso II do art. 3º do Decreto 7.174/2010 não encontra respaldo legal.
Ante o exposto,
VOTO por que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto a este Plenário.
TCU,
Sala das Sessões, em 27 de março de 2013.
BENJAMIN ZYMLER
Relator
ACÓRDÃO Nº 670/2013 – TCU – Plenário
1. Processo
nº TC 043.866/2012-3.
2. Grupo II
– Classe de Assunto: VII - Representação
3.
Interessados/Responsáveis: Mactecnology Comércio de Informática Ltda.
4. Órgão/Entidade:
Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social - MPS.
5. Relator:
Ministro Benjamin Zymler.
6.
Representante do Ministério Público: não atuou.
7. Unidade
Técnica: Secretaria de Controle Externo - RJ (SECEX-RJ).
8. Advogado
constituído nos autos: Danilo Campos Lopes (OAB/RJ 151.652).
9. Acórdão:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de representação formulada pela sociedade
empresária Mactecnology Comércio de Informática Ltda., por meio da qual noticia supostas irregularidades no
âmbito do Pregão Eletrônico 162/2012,
conduzido pela Empresa de Tecnologia e
Informações da Previdência,
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União,
reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer da presente
representação com fundamento no § 1º do art. 113 da Lei 8.666/1993,
c/c o inciso VII do art. 237 do RITCU, para, no mérito, considerá-la
improcedente;
9.2. dar ciência
à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social, à representante e
ao Instituto Nacional de Metrologia do inteiro teor desta deliberação;
9.3. arquivar os
presentes autos.
10. Ata n° 10/2013 – Plenário.
11. Data da Sessão: 27/3/2013 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na
Internet: AC-0670-10/13-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Augusto Nardes (Presidente), Benjamin Zymler
(Relator), Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro, José Jorge e José Múcio Monteiro.
13.2. Ministro-Substituto convocado: Marcos Bemquerer Costa.
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti,
André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.
(Assinado
Eletronicamente)
AUGUSTO NARDES
|
(Assinado
Eletronicamente)
BENJAMIN ZYMLER
|
Presidente
|
Relator
|
Fui presente:
(Assinado
Eletronicamente)
LUCAS ROCHA FURTADO
Procurador-Geral