O mero descolamento do índice de
reajuste contratual dos preços efetivamente praticados no mercado não é
suficiente, por si só, para a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro
fundado no art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993, devendo estar
presentes a imprevisibilidade ou a previsibilidade de efeitos incalculáveis e
o impacto acentuado na relação contratual (teoria da imprevisão).
Em
auditoria realizada na Secretaria de Infraestrutura Hídrica do extinto
Ministério da Integração Nacional, atual Ministério do Desenvolvimento
Regional, e na extinta Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos
Hídricos, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia da Paraíba, atual
Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio
Ambiente da Paraíba, no âmbito do Fiscobras 2017, com o propósito de fiscalizar
as obras de construção do Canal Adutor Vertente Litorânea, no estado da
Paraíba, a unidade técnica responsável apontou, entre outras ocorrências, sobrepreço decorrente de preços reajustados em patamar
superior aos preços de mercado. Conforme o relatório de fiscalização, “os preços dos serviços reajustados pelos índices contratuais não
refletiram a efetiva variação dos custos de alguns insumos, especialmente do
concreto e do aço, o que poderia resultar em desequilíbrio econômico-financeiro
em desfavor da União”. Por sua vez, o relator
considerou necessária uma avaliação mais detida do sobrepreço inicialmente
apurado, assim como ajustes na análise (análise global considerando sobrepreços
e subpreços, apropriação dos reajustes já efetuados com amparo na sua
data-base). Após colher a manifestação preliminar do gestor e analisar as
repercussões de maneira global, a unidade técnica considerou que remanesceria
sobrepreço de R$ 24.510.486,85, representando 4,70% do valor atualizado de
referência do contrato. O relator discordou da
conclusão de que restara “comprovada a
ocorrência de desequilíbrio econômico ou financeiro elevado no contrato,
impondo onerosidade excessiva a uma das partes”. Asseverou que o mero
descolamento do índice de reajuste contratual dos preços efetivamente
praticados no mercado não seria suficiente, por si só, para ensejar a
repactuação contratual, sendo imprescindível a ocorrência de fatos
imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis,
retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, de caso de
força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, a configurar álea econômica
extraordinária e extracontratual, nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d”,
da Lei 8.666/1993. Ressaltou, ainda, que o TCU já delineara os contornos a
serem observados para a aplicação da teoria da imprevisão em contratos
administrativos, entre os quais se incluem a ocorrência de onerosidade
excessiva (ou o impacto acentuado na relação contratual) retardadora ou
impeditiva da execução do ajuste e a prova robusta (complexa e detalhada). O
relator reiterou que o desequilíbrio econômico-financeiro apontado pela unidade
instrutora, da ordem de 4,70% (junho/2016), aparentava situar-se nas variações
ordinárias da flutuação de preços. Ponderou ainda que – diferentemente de
situações em que o sobrepreço é caracterizado mediante parâmetros objetivos,
como quando se utilizam sistemas referenciais de preço determinados por lei, em
que não há percentuais toleráveis de sobrepreço – não há um critério objetivo
para caracterizar desequilíbrio acentuado no contrato. Assim, frisou o relator
que “repactuações contratuais decorrentes
de desequilíbrio econômico-financeiro derivado de fórmulas de reajustes
contratuais com base na teoria da imprevisão devem ser feitas com muita
cautela, apenas quando indubitavelmente restar demonstrada onerosidade
excessiva a uma das partes”. Concluiu, então, que “exigir a repactuação geral dos preços diante de pequenas variações dos
índices em relação aos preços de mercado seria, em última análise, o mesmo que
inviabilizar a utilização de índices, expressamente previstos no art. 40,
inciso XI, da Lei 8.666/1993”. Finalmente, considerou que o achado “sobrepreço decorrente de preços reajustados
superiores aos preços atuais de mercado nos Lote 2 e 3” deveria ser
desconstituído, por ausência do pressuposto para reequilíbrio
econômico-financeiro no caso do Lote 2 e por perda de objeto no caso do Lote 3,
visto que o respectivo contrato fora encerrado. O Colegiado anuiu à proposta, dando ciência do acórdão à Secretaria de
Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente da Paraíba.
Acórdão
4072/2020 Plenário, Auditoria, Relator Ministro Bruno Dantas.