Certidão do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) que indique o não cumprimento do percentual exigido pelo art. 93
da Lei 8.213/1991 não é suficiente, por si só, para a inabilitação de
licitante que declarou cumprir as exigências de reserva de cargos para pessoas
com deficiência e para reabilitados da Previdência Social (art. 63, inciso IV,
da Lei 14.133/2021). É necessário oferecer ao licitante a oportunidade de
comprovar a veracidade de sua declaração por meio de outras evidências, a
exemplo de extratos dos dados registrados no e-Social.
Representação
formulada ao TCU por sociedade empresária apontou possível irregularidade no
Pregão 90014/2024, conduzido pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
e tendo como objeto a prestação de serviço de prevenção contra incêndio e
pânico. Em síntese, a empresa representante
argumentou que a empresa declarada vencedora do certame não teria comprovado o
atendimento ao requisito previsto no art. 63, inciso IV, da Lei 14.133/2021,
que trata das exigências de reserva de cargos para pessoas com deficiência e
para reabilitados da Previdência Social. Ao analisar os esclarecimentos e os
documentos oferecidos pela Anatel e pela empresa vencedora, instadas a se
manifestarem acerca da ausência de elementos suficientes para indicar o
atendimento, por parte da licitante vencedora, da reserva de vagas estabelecida
no art. 93 da Lei 8.213/1991, o relator destacou, preliminarmente, que o art.
63 da Lei 14.133/2021 é uma das muitas inovações trazidas “pelo diploma
legal frente à Lei 8.666/1993”, ao exigir a apresentação, na fase de
habilitação, de declaração quanto ao cumprimento das exigências de reserva de
cargos para pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social,
comando este que “se vincula operacionalmente” ao disposto no
art. 93 da Lei 8.213/1991. Na sequência, o relator transcreveu os referidos
dispositivos legais: “Lei 14.133/2021: Art. 63. Na fase de
habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: (…) IV –
será exigida do licitante declaração de que cumpre as
exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado
da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas. Lei
8.213/1991: Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está
obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus
cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência,
habilitadas, na seguinte proporção: I – até 200 empregados...2%; II – de 201 a
500…3%; III – de 501 a 1.000…4%; IV – de 1.001 em diante...5%”. Conforme o
relator, a inovação introduzida no processo licitatório tem o objetivo claro de
se tornar mecanismo de política pública destinado a “reduzir o quadro de
desigualdade e vulnerabilidade de categorias específicas”. Nesse contexto,
ele invocou também o art. 92, inciso XVII, da Lei 14.133/2021, o qual exige a
inclusão, como cláusula do contrato a ser firmado com a licitante vencedora, do
cumprimento das aludidas reservas de vagas durante a vigência contratual.
Esclareceu, ainda, que a exigência legal, na fase de habilitação, é apenas a
declaração formal da licitante de que cumpre as exigências de reserva de cargos
para pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social, “presumindo-se
sua veracidade com base nos princípios da boa-fé e da lealdade processual”,
o que, na sua visão, “não impede, obviamente, que essa declaração seja questionada
de ofício ou a partir de elementos trazidos ao processo licitatório, no âmbito
de recurso administrativo, no qual se argumente no sentido da inveracidade de
declaração”. Para ele, foram exatamente essas as circunstâncias que
envolveram o caso discutido na representação, em que a empresa representante
interpusera recurso no âmbito do processo licitatório, apresentara certidões do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que atestavam o não cumprimento das
cotas por parte da empresa vencedora e, assim, alegara que esta teria prestado
declaração falsa e que, portanto, deveria ter sido inabilitada do certame.
Nesse ponto, o relator julgou oportuno transcrever o seguinte excerto do
Parecer 414/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU: “a) Para fins de habilitação é válida a
autodeclaração realizada pela licitante no sistema. Porém se houver qualquer
recurso de outra licitante questionando a autodeclaração, como é o caso em
apreço, a Administração deverá avaliar a suficiência ou não da documentação
comprobatória apresentada pela empresa para o cumprimento dos requisitos
previstos no item 28 do referido Parecer; b) A Lei nº 14.133/2021, em seu
art. 63, IV, especifica claramente a exigência de apresentação de uma
‘declaração’ pelo próprio licitante sobre o cumprimento das reservas de cargos
para pessoas com deficiência e para reabilitados da Previdência Social,
conforme previsto na Lei nº 8.213/1991. Esta exigência não deve ser confundida
com a necessidade de apresentação de uma certidão emitida pelo Ministério do
Trabalho e Emprego que comprove o efetivo cumprimento do percentual
estabelecido pelo art. 93 da Lei nº 8.213/1991. Portanto, a certidão emitida
pelo MTE não é suficiente para inabilitar a licitante” (grifos do
original). Ao concordar com esse entendimento, arrematou: “De fato, a
certidão emitida pelo MTE é uma das formas de se evidenciar o cumprimento da
exigência legal da reserva de cotas aqui tratada. Contudo, não é a única. Na
mesma linha, a apresentação de certidão que ateste a inconformidade de
licitante quanto ao requisito não é motivo suficiente para sua inabilitação”.
Ele salientou que a própria certidão do MTE registra a possibilidade de o seu
conteúdo não representar a realidade no exato momento de sua emissão, haja
vista não ser uma certidão emitida com dados on line, de sorte que
eventuais registros de admissão ou de desligamento “podem não estar ali
representados em razão da defasagem na atualização de dados registrados no
e-Social”. Enfatizou que a certidão do MTE se propõe a atestar uma situação
com inerente caráter dinâmico, pelas constantes alterações de quantitativos
decorrentes de admissões e de desligamentos e, por consequência, de
enquadramento nas faixas de percentuais exigidos pela lei. Tomando como exemplo
o próprio caso concreto, asseverou que teriam sido juntadas aos autos diversas
certidões emitidas pelo MTE, em um intervalo de menos de quatro meses, e que os
resultados “alternam ao concluir que a interessada estava empregando
percentual INFERIOR, IGUAL ou SUPERIOR ao percentual mínimo exigido pela Lei”.
Esse fato, sob a sua ótica, comprovaria tanto o caráter dinâmico da situação
que a certidão do MTE pretende atestar, quanto a necessidade de se buscarem
mais evidências para a tomada de decisão acerca da possível inabilitação de
licitante baseada nesse critério. Destarte, a certidão do MTE que atesta o não
cumprimento do percentual estabelecido pelo art. 93 da Lei 8.213/1991 “não é
suficiente, por si só, para inabilitar um licitante, sendo necessário que se
abra espaço para que a empresa que prestou a declaração de cumprimento do item
em tela reúna evidências da veracidade de sua declaração”. Com base nas
manifestações da Anatel e da empresa vencedora do certame, o relator assinalou
que restara comprovado, primeiramente, o esforço da vencedora para o
preenchimento de vagas reservadas a pessoas reabilitadas ou portadoras de
deficiência conforme percentuais estabelecidos na legislação, a exemplo da
publicação de anúncios em redes sociais e em jornais, bem como da “manutenção
de contrato com o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE)”. Após
mencionar decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e de instâncias
inferiores da justiça trabalhista, que apontam para a isenção de
responsabilidade das empresas pelo insucesso em alcançar a contratação mínima
exigida pelo artigo 93 da Lei 8.213/1991, desde que demonstrado o esforço para
cumprir essa meta, o relator deixou assente que, no caso em apreciação, ficara
comprovado, mediante dados do e-Social emitidos em data anterior à primeira
sessão pública do Pregão 90014/2024, que a empresa vencedora possuía 749
empregados, dos quais trinta detinham a condição de pessoa com deficiência ou
de beneficiário reabilitado da Previdência Social, “cumprindo exatamente o
percentual de 4% exigido pelo inciso III do art. 93 da Lei 8.213/1991”.
Adicionalmente, ressaltou que, em resposta a diligência, a Anatel frisara que a
empresa vencedora teria informado que, “além dos 30 empregados na condição de
pessoa com deficiência anteriormente registrados, estavam em processo de
contratação mais três, o que totalizaria 33 empregados nessa condição”, e
que tal assertiva fora corroborada por certidão emitida pelo MTE, em 20/8/2024,
ou seja, ainda durante o processo licitatório, atestando que a empresa
vencedora empregava funcionários em número superior ao percentual mínimo
exigido pela legislação. Assim sendo, mesmo com a apresentação de certidão do
MTE que atestava o não cumprimento, em dado momento temporal, do percentual
estabelecido pelo art. 93 da Lei 8.213/1991, “restou comprovada, por meio de
outras evidências, a veracidade da declaração por esta apresentada”. Dito
isso, o relator então concluiu que estavam presentes nos autos evidências
suficientes para afastar o indício de irregularidade apontado na representação,
no que foi acompanhado pelos demais ministros presentes à sessão.
Acórdão
523/2025 Plenário, Representação, Relator Ministro Jorge Oliveira.