segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O § 4º do art. 42 da Lei 8.666/93 poderá ter sua aplicação afastada, nas concorrências de âmbito internacional realizadas com recursos provenientes de agências oficiais de cooperação estrangeira ou de organismos financeiros multilaterais de que o Brasil seja parte, quando incompatível com as regras estabelecidas por essas entidades, exceto se tais regras implicarem inobservância de princípios da Constituição Federal brasileira relativos a licitações públicas.


Consulta formulada pelo então Ministro de Estado da Fazenda questionara sobre os critérios de avaliação de propostas aplicáveis a licitações públicas brasileiras financiadas com recursos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), considerando a correta aplicação dos parágrafos e do art. 42 da Lei 8.666/93. Em síntese, o consulente solicitara esclarecimentos sobre qual interpretação deve sobressair, se aquela em que prevalecem as prescrições da entidade financiadora ou as da Lei de Licitações”. Em juízo de mérito, o relator registrou que a jurisprudência dominante do Tribunal é no sentido de que as regras licitatórias da entidade financiadora devem prevalecer, “desde que sejam observados o princípio do julgamento objetivo e os demais princípios de ordem Constitucional aplicáveis aos certames”. Sobre o caso em exame, esclareceu que “a incompatibilidade entre as referidas normas se estabelece na medida em que o § 4º do art. 42 da Lei de Licitações determina que propostas apresentadas por licitantes estrangeiros devem ser acrescidas dos gravames consequentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda. Por outro lado, o subitem 2.21 das Diretrizes de Aquisições do BIRD dispõe regras próprias para apresentação dos preços para fins de comparação de propostas”. Explicou o relator que, de acordo com as regras do organismo internacional, para os bens a serem ou que já tiverem sido importados, os licitantes devem cotar seus preços tomando como base o “local de destino” (CIP). “O preço CIP corresponde ao preço no local do destino, acrescido dos custos do transporte e do seguro, porém não inclui tributos de importação ou tarifas aduaneiras”. No caso de bens manufaturados ou montados no país do mutuário, as propostas devem ser comparadas com base no "custo de fábrica" ou "preço de fábrica" (EXW). Esse valor engloba todos os tributos que incidiram na produção ou na montagem do equipamento, assim como o seguro e o transporte terrestre para levar os bens a seu destino final”, e não inclui os tributos que incidem sobre a operação final de venda (IPI, ICMS e outros). Diante do exposto, o relator concluiu que as normas do Bird “não implicam ofensa ao princípio da isonomia, considerando que, de fato, não vantagem dos bens importados sobre aqueles fabricados no Brasil que justifique o acréscimo requerido pelo § 4º do art. 42 da Lei 8.666/1993. Isso porque, se os produtos estrangeiros não são onerados dos gravames consequentes dos tributos e taxas de importação, os brasileiros, por sua vez, não sofrem incidência de ICMS e IPI, para fins de comparação de propostas. Um ajuste nos moldes daquele dispositivo acabaria por desequilibrar esse cotejo entre os preços dos bens nacionais e importados”. Assim, concluiu o relator que o § do referido artigo poderá ter sua aplicação afastada, vez que resta configurada sua incompatibilidade com o item 2.21 das Diretrizes de Aquisições do Grupo Banco Mundial, e que este não viola o princípio do julgamento objetivo e os demais princípios constitucionais aplicáveis às licitações”. Acolhendo a proposta do relator, o Plenário conheceu da Consulta para responder, no ponto, à autoridade consulente que atendidos todos os pressupostos previstos no art. 42, § 5º, da Lei 8.666/1993 para que possam ser admitidas as condições previstas pelas entidades ali mencionadas quanto ao critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública Federal, o § do art. 42 da mesma lei poderá ter sua aplicação afastada, caso seja incompatível com as regras estabelecidas por essas entidades, exceto se tais regras implicarem em inobservância de princípios da Constituição Federal brasileira relativos a licitações públicas”. Acórdão 1866/2015-Plenário, TC 028.518/2014-4, relator Ministro José Múcio Monteiro, 29.7.2015.