segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Pregoeiro não deve assinar o edital


 

Ainda existe uma linha tênue entre quais são ou não as tarefas e responsabilidades do pregoeiro e muita coisa acaba se misturando. Mas isso pode ser muito perigoso.

Primeiramente, é importante verificar quais são as atribuições dadas ao pregoeiro pela normatização. O Decreto 3.555/2000, que regulamenta o Pregão em âmbito federal, estabelece as seguintes atribuições do pregoeiro em seu art. 9º:

Art. 9º - As atribuições do pregoeiro incluem:

I - o credenciamento dos interessados;

II - o recebimento dos envelopes das propostas de preços e da documentação de habilitação;

III - a abertura dos envelopes das propostas de preços, o seu exame e a classificação dos proponentes;

IV - a condução dos procedimentos relativos aos lances e à escolha da proposta ou do lance de menor preço;

V - a adjudicação da proposta de menor preço;

VI - a elaboração de ata;

VII - a condução dos trabalhos da equipe de apoio;

VIII - o recebimento, o exame e a decisão sobre recursos; e

IX - o encaminhamento do processo devidamente instruído, após a adjudicação, à autoridade superior, visando a homologação e a contratação.

A professora, advogada, especialista e consultora jurídica de licitações e contratos, Simone Zanotello de Oliveira, diz que: “Da análise desse artigo, verificamos que as atribuições do pregoeiro estão voltadas para a abertura e julgamento do certame, etapas essas que fazem parte da fase externa da licitação. Não verificamos na legislação atribuições ao pregoeiro relativas à fase interna, tais como elaboração de termos de referência ou de editais. E esse raciocínio vale também para as Comissões de Licitação. Isso ocorre para privilegiar o princípio da segregação de funções. Esse princípio está voltado para a necessidade de haver uma repartição de funções entre os agentes públicos durante a realização de um processo, evitando atividades que sejam incompatíveis entre si, notadamente as que envolvam execução e fiscalização”, explica.

Conforme ela, essa segregação de funções é importante para a segurança dos atores envolvidos no processo. Quando uma mesma pessoa realiza todas as etapas de um processo, ela fica mais vulnerável ao erro e, além disso, a detecção do erro também poderá ficar prejudicada (temos dificuldade de verificar nossos próprios erros). “Por outro lado, quando há várias pessoas envolvidas no processo, a subsequente sempre acabará exercendo um certo papel de fiscalização em relação à ação antecedente, facilitando a verificação de eventuais irregularidades”, afirma Simone   

Entendimento do TCU

Para a professora, portanto, as ações da fase interna deveriam ser providenciadas por agentes diversos daqueles que atuarão na fase externa. Esse, inclusive, tem sido o entendimento do Tribunal de Contas da União. Vejamos:

TCU – Acórdão 2.389/2006 – Plenário - O pregoeiro não pode ser responsabilizado por irregularidade em edital de licitação, já que sua elaboração não se insere no rol de competências que lhe foram legalmente atribuídas.

TCU – Acórdão 686/2011 – Plenário – Determinar ao órgão que não designasse para compor comissão de licitação o servidor ocupante de cargo com atuação na fase interna do procedimento, em atenção ao princípio da segregação de função.

TCU – Acórdão 3381/2013 – Plenário - Licitação. Representação. Segregação de funções.  A atribuição, ao pregoeiro, da responsabilidade pela elaboração do edital cumulativamente às atribuições de sua estrita competência afronta o princípio da segregação de funções adequado à condução do pregão, inclusive o eletrônico, e não encontra respaldo nos normativos legais que regem o procedimento.

 “Não obstante essas exigências, sabemos que às vezes é difícil para o órgão ou entidade promover essa segregação, em razão do quadro reduzido de servidores, que faz com que haja um acúmulo de funções. Nesses casos, entendemos que os órgãos de controle deverão ter bom senso, não punindo esses pregoeiros, mas promovendo orientações a seus superiores, para que ampliem o quadro funcional como forma de promover essa segregação. E enquanto isso não for possível, uma ideia seria fazer uma espécie de segregação entre os próprios pregoeiros, ou seja, aquele que elabora o edital passa para outro pregoeiro promover a abertura, e vice-versa”, sugere Simone.

Mas a advogada entende que no que tange à elaboração do Termo de Referência a questão é um pouco mais complexa. “Como ele é o documento que dá início ao processo, deverá ser elaborado pela unidade requisitante/demandante, que possui o conhecimento técnico do objeto, necessário para a confecção do documento. A doutrina, inclusive, sugere que haja uma elaboração multissetorial, quando possível, envolvendo também outros setores, principalmente o de compras, que também poderá contribuir para a elaboração”, diz Simone.

O fato é que aquele que elabora e assina os documentos, passa a ser responsável por ele, tanto no âmbito administrativo, quanto nas esferas cível e penal. Num Mandado de Segurança, por exemplo, quem assina o edital torna-se a autoridade coatora, e deverá prestar os esclarecimentos ao Poder Judiciário, podendo sofrer os efeitos de uma eventual condenação. “Portanto, o conselho é: na medida do possível, os agentes devem colocar em prática o princípio da segregação de função quando da realização de um processo licitatório”, avisa Simone.

O advogado e consultor jurídico de licitações e contratos públicos, Paulo Teixeira, também explica que de acordo com o que dispõe a Lei Geral do Pregão e os decretos que a regulamentam, o Pregoeiro é responsável pela fase externa do Pregão, ou seja, todo o período que inclui desde a publicação da abertura do certame até a adjudicação do objeto ao licitante vencedor. 

“Assim, em estrita análise normativa, a assinatura do Pregoeiro somente se faz necessária naqueles atos que são de sua responsabilidade:1 - a emissão de respostas aos pedidos de esclarecimentos e de impugnação, 2 -  a ata de credenciamento e de julgamento da sessão pública,  3 -  o Julgamento dos recursos, quando for o caso, e 4 - a Adjudicação“, afirma Teixeira.

No entanto, Teixeira também afirma que é sabido que esta não é uma realidade em boa parte das unidades administrativas, que desrespeitam o princípio da segregação das funções, provocando os seus Pregoeiros a assumirem outras atividades como a elaboração dos termos de referência e dos editais, que são documentos elaborados durante a fase interna (preparatória) da licitação.

“Porém, tenho sustentado que o Pregoeiro, em que pese seja ele responsável apenas pela fase externa, não deve manter inércia quanto à fase interna, explico: ao identificar que determinado edital, seus anexos ou minuta de contrato, estejam contendo cláusulas ou exigências ilegais ou que afetem a ampla competitividade, deve sim o Pregoeiro se manifestar quanto a tais exigências, uma vez que sendo mantidas, provavelmente será ele o responsável, na fase externa, por responder aos possíveis pedidos de impugnação”, aconselha Teixeira.

Mas Teixeira concluiu dizendo que os riscos só ocorrem quando o processo é mal preparado, mal motivado ou mal fundamentado. “A questão é que o servidor, que também assume o papel de Pregoeiro, resta por ser (co-)responsável também pela fase interna. Neste caso há que existir um controle ainda maior das decisões tomadas durante a preparação do Pregão, que deve ser promovido por uma controladoria interna ou assessoria jurídica, pois podem existir vícios processuais que não foram observados por aquele servidor que assumiu toda a fase interna e externa do Pregão”, conclui. 

FONTE:

https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=11403&n=pregoeiro%20-deve%20-assinar%20-ou%20-n%C3%A3o?