Por que um Decreto Pôde Alterar a Lei das
Licitações?
É
legal o Decreto nº 9.412/2018 que atualizou os valores das modalidades de
licitação previstas na Lei nº 8.666/1993?
Publicado por Geovani
Santos da Silva
ano passado
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No dia 19 de
julho de 2018, entrou em vigor o Decreto nº 9.412/2018,
o qual atualizou o limite dos valores que determinam a modalidade de licitação
a ser empregada pela Administração Pública, quando o critério de utilização do
procedimento licitatório tomar por base o valor da contratação.
Basicamente, são
três as modalidades que usam esse critério: Convite, Tomada de Preço e
Concorrência; e são exigidas, gradativamente, de acordo com o quanto maior for
o respectivo valor do contrato, conforme dita a Lei nº 8.666/1993
(Lei das Licitações), pois ao aumentar os valores a serem contratados,
aumenta-se a complexidade do procedimento licitatório.
DECRETO 9.412/2018
Art. 1º Os valores estabelecidos
nos incisos I
e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 ,
ficam atualizados nos seguintes termos:
I
- para obras e serviços de engenharia:
a)
na modalidade convite - até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
b)
na modalidade tomada de preços - até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos
mil reais); e
c)
na modalidade concorrência - acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos
mil reais); e
II
- para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a)
na modalidade convite - até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b)
na modalidade tomada de preços - até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e
trinta mil reais); e
c)
na modalidade concorrência - acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos
e trinta mil reais).
Brasília,
18 de junho de 2018; 197º da Independência e 130º da República.
Ocorre que esses
valores estavam previstos expressamente no texto legal, especificamente, nas
alíneas dos incisos I e II do artigo 23 da Lei das Licitações, cuja última
alteração de atualização desses valores havia sido feita por meio da Lei
nº 9.648/1998,
e com a nova atualização por meio do citado Decreto passaram a ser os
seguintes, conforme quadro comparativo abaixo:
À vista dessa
significativa mudança na legislação, podem surgir questionamentos sobre a
legalidade do Decreto em questão, pois segundo a hierarquia das normas
jurídicas, um Decreto do Poder Executivo não pode alterar ou revogar texto de
Lei, mas, tão somente, pode regulamentar o que a própria Lei está dizendo com o
objetivo de implementar a sua fiel execução, consoante prescreve o art. 84,
inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que trata
das atribuições do Presidente da República, nos seguintes termos: “Compete
privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer
publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua
fiel execução”.
Assim, leciona o Ministro Gilmar Mendes,
citando Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao distinguir a Lei do Decreto
Regulamentar:
A diferença entre
lei e regulamento, no Direito brasileiro, não se limita à origem ou à
supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a
lei pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, enquanto o regulamento
não o altera, mas tão somente fixa as “regras orgânicas e processuais
destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por
lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou
implícitos, dentro da órbita por ele circunscrita, isto é, as diretrizes, em
pormenor, por ela determinada”
Ora, se neste caso, o Decreto Presidencial
possui a natureza de simplesmente regulamentar uma Lei, como o Decreto nº 9.412/2018
pode alterar o texto da Lei nº 8.666/1993? Não seria necessário a edição de uma
nova Lei para a atualização dos valores das modalidades de licitação, já que
estavam previstos expressamente no texto da Lei das Licitações? Não seria uma
exorbitância do poder regulamentar o que acarretaria na ilegalidade do referido
Decreto?
Na verdade,
acontece que o Decreto nº 9.412/2018
não alterou, propriamente dito, a Lei das Licitações, mas apenas efetuou a
atualização monetária dos valores nominais nela previstos, os quais estavam
defasados pela inflação acumulada nos 20 anos desde a última atualização,
tentando aproximar ao que seria os seus valores reais nos dias atuais.
Essa atualização decorre de estudo do
Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União, feito em 2017, o
qual emitiu a Nota Técnica nº 1081/2017/CGPLAG/DG/SFC sugerindo a correção dos
limites de valores das modalidades de licitação pelo Índice de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), sendo parcialmente acatada pelo Presidente Michel
Temer que, no decreto, corrigiu à menor os valores sugeridos pelo CGU.
Ademais, a própria Lei das Licitações autoriza
a edição de decreto para a que os valores nela fixados possam ser revistos pelo
Poder Executivo, não sendo necessário uma nova Lei apenas para esta finalidade,
veja-se:
“Art. 120. Os
valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder
Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando
como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.”
Portanto, o Decreto nº 9.412/2018,
ao atualizar os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666/1993,
não fez alterações no texto da Lei e não exorbitou o poder regulamentar, uma
vez que a própria Lei autoriza a revisão dos seus valores através de ato do
chefe do executivo, não havendo, deste modo, ilegalidades no ato normativo sob
discussão.
Dessarte,
verifica-se que o Decreto nº 9.412/2018
mantem-se como de natureza regulamentar, cumprindo fielmente a execução da Lei
das Licitações, haja vista que reajustou e equalizou os procedimentos
licitatórios ao cenário econômico atual, simplificando as contratações da
Administração Pública que, nos preços de hoje, não representam mais quantias
tão vultuosas como na década de 90.
REFERÊNCIAS:
MENDES, Gilmar Ferreira; & BRANCO Paulo
Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. – São
Paulo: Saraiva, 2012.
Ministério da
Transparência e da Controladoria-Geral da União, NOTA TÉCNICA Nº 1081/2017/CGPLAG/DG/SFC. 2017.
Advogado, Pós-Graduando em Prática Trabalhista e Previdenciária.
Graduado em Direito pelo Centro de
Ciências Jurídicas da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pós-Graduando em
Prática Trabalhista e Previdenciária pela Faculdade do Centro de Ensino
Superior Reinaldo Ramos (CESREI). Advogado militante, com experiência nas áreas
Trabalhista e Previdenciária.