sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Por que um Decreto Pôde Alterar a Lei das Licitações?


Por que um Decreto Pôde Alterar a Lei das Licitações?
É legal o Decreto nº 9.412/2018 que atualizou os valores das modalidades de licitação previstas na Lei nº 8.666/1993?

Publicado por Geovani Santos da Silva
ano passado
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No dia 19 de julho de 2018, entrou em vigor o Decreto nº 9.412/2018, o qual atualizou o limite dos valores que determinam a modalidade de licitação a ser empregada pela Administração Pública, quando o critério de utilização do procedimento licitatório tomar por base o valor da contratação.
Basicamente, são três as modalidades que usam esse critério: Convite, Tomada de Preço e Concorrência; e são exigidas, gradativamente, de acordo com o quanto maior for o respectivo valor do contrato, conforme dita a Lei nº 8.666/1993 (Lei das Licitações), pois ao aumentar os valores a serem contratados, aumenta-se a complexidade do procedimento licitatório.

DECRETO 9.412/2018
Art. 1º Os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 , ficam atualizados nos seguintes termos:
I - para obras e serviços de engenharia:
a) na modalidade convite - até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); e
II - para compras e serviços não incluídos no inciso I:
a) na modalidade convite - até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais);
b) na modalidade tomada de preços - até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais); e
c) na modalidade concorrência - acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais).
Art. 2º Este Decreto entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação.
Brasília, 18 de junho de 2018; 197º da Independência e 130º da República.


Ocorre que esses valores estavam previstos expressamente no texto legal, especificamente, nas alíneas dos incisos I e II do artigo 23 da Lei das Licitações, cuja última alteração de atualização desses valores havia sido feita por meio da Lei nº 9.648/1998, e com a nova atualização por meio do citado Decreto passaram a ser os seguintes, conforme quadro comparativo abaixo:
À vista dessa significativa mudança na legislação, podem surgir questionamentos sobre a legalidade do Decreto em questão, pois segundo a hierarquia das normas jurídicas, um Decreto do Poder Executivo não pode alterar ou revogar texto de Lei, mas, tão somente, pode regulamentar o que a própria Lei está dizendo com o objetivo de implementar a sua fiel execução, consoante prescreve o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que trata das atribuições do Presidente da República, nos seguintes termos: “Compete privativamente ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”.
Assim, leciona o Ministro Gilmar Mendes, citando Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao distinguir a Lei do Decreto Regulamentar:
A diferença entre lei e regulamento, no Direito brasileiro, não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei pode inovar originariamente no ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, mas tão somente fixa as “regras orgânicas e processuais destinadas a pôr em execução os princípios institucionais estabelecidos por lei, ou para desenvolver os preceitos constantes da lei, expressos ou implícitos, dentro da órbita por ele circunscrita, isto é, as diretrizes, em pormenor, por ela determinada”
Ora, se neste caso, o Decreto Presidencial possui a natureza de simplesmente regulamentar uma Lei, como o Decreto nº 9.412/2018 pode alterar o texto da Lei nº 8.666/1993? Não seria necessário a edição de uma nova Lei para a atualização dos valores das modalidades de licitação, já que estavam previstos expressamente no texto da Lei das Licitações? Não seria uma exorbitância do poder regulamentar o que acarretaria na ilegalidade do referido Decreto?
Na verdade, acontece que o Decreto nº 9.412/2018 não alterou, propriamente dito, a Lei das Licitações, mas apenas efetuou a atualização monetária dos valores nominais nela previstos, os quais estavam defasados pela inflação acumulada nos 20 anos desde a última atualização, tentando aproximar ao que seria os seus valores reais nos dias atuais.
Essa atualização decorre de estudo do Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União, feito em 2017, o qual emitiu a Nota Técnica nº 1081/2017/CGPLAG/DG/SFC sugerindo a correção dos limites de valores das modalidades de licitação pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sendo parcialmente acatada pelo Presidente Michel Temer que, no decreto, corrigiu à menor os valores sugeridos pelo CGU.
Ademais, a própria Lei das Licitações autoriza a edição de decreto para a que os valores nela fixados possam ser revistos pelo Poder Executivo, não sendo necessário uma nova Lei apenas para esta finalidade, veja-se:
“Art. 120. Os valores fixados por esta Lei poderão ser anualmente revistos pelo Poder Executivo Federal, que os fará publicar no Diário Oficial da União, observando como limite superior a variação geral dos preços do mercado, no período.”
Portanto, o Decreto nº 9.412/2018, ao atualizar os valores estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 23 da Lei nº 8.666/1993, não fez alterações no texto da Lei e não exorbitou o poder regulamentar, uma vez que a própria Lei autoriza a revisão dos seus valores através de ato do chefe do executivo, não havendo, deste modo, ilegalidades no ato normativo sob discussão.
Dessarte, verifica-se que o Decreto nº 9.412/2018 mantem-se como de natureza regulamentar, cumprindo fielmente a execução da Lei das Licitações, haja vista que reajustou e equalizou os procedimentos licitatórios ao cenário econômico atual, simplificando as contratações da Administração Pública que, nos preços de hoje, não representam mais quantias tão vultuosas como na década de 90.
REFERÊNCIAS:
MENDES, Gilmar Ferreira; & BRANCO Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União, NOTA TÉCNICA Nº 1081/2017/CGPLAG/DG/SFC. 2017.
Advogado, Pós-Graduando em Prática Trabalhista e Previdenciária.
Graduado em Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pós-Graduando em Prática Trabalhista e Previdenciária pela Faculdade do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI). Advogado militante, com experiência nas áreas Trabalhista e Previdenciária.